Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Darlene Menconi e Eduardo Marini

‘Software livre é um programa de computador que pode ser copiado, usado, modificado e distribuído sem pagamento de licenças. Os defensores desses sistemas, no governo federal, perderão nesta semana o seu mais entusiasmado parceiro. Incomodado com a falta de recursos e de normas para a implantação desses aplicativos, o sociólogo e professor Sérgio Amadeu decidiu entregar a presidência do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), ligado à Casa Civil. Nesta entrevista, concedida na quinta-feira 1º, ele detalha projetos que liderou e revela o que o fez decidir pelo pedido de demissão.

ISTOÉ – O que motivou o sr. a deixar o governo?

Amadeu – Vou sair porque faltou decisão política para duas coisas: cadastrar o projeto de software livre no Plano Plurianual de gastos do governo, o PPA, e criar uma norma legal para regulamentar a implantação do programa. Setores do governo impediram isso.

ISTOÉ – Explique melhor.

Amadeu – No final de 2004, após 18 meses de discussão, propusemos à Casa Civil uma norma com duas situações. Nos casos possíveis de serem resolvidos com aplicativos livres, eles seriam adotados após licitação. Nos que houvesse indicação de software proprietário, a compra deveria ser autorizada pelo ministro de Ciência e Tecnologia. A proposta ficou parada na Casa Civil.

ISTOÉ – Mas a Casa Civil é a casa do ITI…

Amadeu – Pois é, o lobby é poderoso. Antes disso, em meados de 2004, pedimos a colocação do programa no PPA. Nada mais justo. Estávamos implementando ou não? Pois o Ministério do Planejamento não aceitou. Em janeiro deste ano, solicitamos novamente a inclusão do programa no PPA. Pedimos R$ 200 milhões em dois anos, dinheiro fácil de se recuperar nos anos seguintes com economias em licença e manutenção. Dessa vez conseguimos incluir, mas, em julho, o Ministério do Planejamento tirou o programa do PPA. Eu, que já estava sem a lei, fiquei também sem o dinheiro.

ISTOÉ – E por que não saiu neste momento?

Amadeu – A crise política estourou e decidi esperar.

ISTOÉ – A escolha da ministra Dilma Rousseff para a Casa Civil influenciou sua decisão de sair?

Amadeu – De jeito nenhum. A ministra é competente, favorável ao software livre e me pediu para ficar. E ficaria se algum recurso tivesse sido liberado. Não posso concordar com os bloqueios impostos pelo Ministério do Planejamento. Não posso. A crise impede o governo de retomar a questão como prioridade – e a ministra de ficar enfrentando um outro Ministério por esta causa. Muitos no governo aderiram apenas ao lado solar da inclusão digital. É bonito apoiar telecentro, computador barato para pobre, mas na hora de enfrentar interesses a favor do software livre, falta apoio, falta cara na reta. O lobby privado não venceu. As resistências encontradas no governo atrapalharam muito mais do que os problemas previsíveis criados pelo lobby. Saio cansado, mas sem mágoas.

ISTOÉ – O ministro das Comunicações, Hélio Costa, questionou as vantagens do software livre?

Amadeu – Não foi assim. Ele disse que precisava saber se o suporte ao software livre ficava mais caro do que a licença do privado. A dúvida é fruto de uma mentira divulgada pelas empresas de softwares proprietários para amedrontar e preservar monopólios.

ISTOÉ – O sr. sentirá saudades de alguns projetos?

Amadeu – Sim, de coisas como o Casa Brasil, versão aprimorada dos telecentros implantados na cidade de São Paulo. Serão 90 em todo o País até o final do ano, com salas de conferência e outros serviços. Há também o projeto PC Conectado, um computador com configuração de mercado, sistema operacional Linux e mais 26 softwares livres. Programa para tudo. Custará cerca de R$ 1,2 mil, em 24 parcelas, para as classes C e D, preço impossível se houvesse pagamento de licença. Como alternativa, a Microsoft ofereceu um certo Start Edition, que, com três aplicativos abertos – um antivírus e duas janelas do navegador de internet, por exemplo -, não roda um quarto.

ISTOÉ – Este é o resultado de sua análise…

Amadeu – De minha análise? Como assim?

ISTOÉ – A Microsoft o considera eficiente…

Amadeu – Foram eles que disseram isso quando nos apresentaram o sistema.

ISTOÉ – E por que o PC Conectado ainda não colocou o bloco na rua?

Amadeu – Fizemos nosso serviço. Cabe ao governo liberar financiamentos.’



INCLUSÃO DIGITAL
Erica Ribeiro

‘Rio caminha para se tornar um estado digital’, copyright O Globo, 4/09/2005

‘Com apenas oito mil habitantes, Rio das Flores, município da região do Médio Paraíba, passou a ser esta semana a segunda cidade digital do Estado do Rio, depois de Piraí, pioneira no projeto Cidade Digital, um programa que oferece aos moradores acesso gratuito à internet e à informação. Outras dez cidades já estão em fase de implantação do projeto, entre elas Angra dos Reis, Nova Friburgo e Quissamã. A próxima Cidade Digital será Mangaratiba, com inauguração prevista para 20 de setembro.

O acesso à internet com o uso da tecnologia wireless (sem fio), até então distante da realidade, e mais ainda do vocabulário das pessoas simples que vivem na pequena Rio das Flores, aos poucos começa a deixar de ser tão espantoso. A instalação de terminais de computador, torres, fios e cabos mudou a rotina da cidade, que já viveu seus tempos de glória no ciclo do café e hoje tem como principal fonte de emprego e renda o turismo rural.

– Toda a iniciativa de inclusão digital até então tinha sido feita pontualmente. Nós pensamos na idéia de oferecer acesso digital de forma gratuita e mais ampla. O trabalho iniciado em Piraí, em 2004, começa a dar frutos. Assim como qualquer cidadão tem direito à infra-estrutura que garanta água e energia, a informação também deve ser um direito – defende Franklin Coelho, professor da UFF e coordenador do projeto Cidade Digital.

A implantação da tecnologia híbrida – que utiliza cabo e rádio para acesso à internet em banda larga – custou R$ 300 mil e teve o apoio da prefeitura local, dos governos estadual e federal, além de uma empresa da região, a Montreal Engenharia. O governo federal cedeu a primeira unidade digital itinerante, um microônibus com oito terminais de computador, que vai percorrer os distritos mais distantes do município oferecendo cursos e a possibilidade de acesso gratuito à internet.

Em Rio das Flores, os moradores já têm à disposição um telecentro, instalado na Agência de Desenvolvimento Municipal, com dez terminais, além de três quiosques, um no Centro de Informações Turísticas, outro no Centro Cultural da cidade e, em breve, um na rodoviária. Também foi instalado um centro de capacitação no bairro Sossego, área industrial onde estão instaladas confecções. Os alunos aprenderão corte e costura industrial e terão uma hora de aula de informática.

Recursos do FUST ajudariam a ampliar o projeto

Três escolas municipais já estão com os laboratórios de capacitação em funcionamento. Na Escola Municipal Manoel Duarte, no centro, os 12 terminais de computador encantam os pequenos alunos, ansiosos por descobrir os segredos da máquina.

– As secretarias da prefeitura também foram interligadas, o que facilita a comunicação e dá mais transparência aos processos, que poderão ser acompanhados pela população – afirma Franklin Coelho.

Para o prefeito de Rio das Flores, Vicente Guedes, o projeto é uma oportunidade única para a população, com a oferta de melhores condições de emprego e renda no futuro.

Para Franklin Coelho, se os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) não estivessem contingenciados, o projeto já teria chegado a várias cidades do país.’



TECNOLOGIA & MÍDIAS
Ethevaldo Siqueira

‘O mundo novo que ameaça os dinossauros’, copyright O Estado de S. Paulo, 4/09/05

‘O desaparecimento da RCA e da AT&T, ícones da eletrônica e do capitalismo norte-americano no século 20, tem muita semelhança com a extinção dos dinossauros. Há 65 milhões de anos, diz uma hipótese de cientistas, um cometa ou meteoro gigante teria caído sobre a Terra e produzido uma das maiores catástrofes do planeta. Nosso mundo foi, então, coberto por espessas nuvens de dióxido de carbono e outros gases, numa espécie de inverno nuclear. A mudança climática daí decorrente exterminou não apenas os dinossauros, mas dezenas de outras espécies.

O fim daqueles enormes animais traz lições que poderiam ser aplicadas às conseqüências econômicas das mudanças tecnológicas para as empresas. O grande diferencial é o ritmo. No passado, as mudanças ocorriam ao longo de séculos ou milênios. Hoje, acontecem em duas décadas ou menos.

NOVOS PARADIGMAS

Mais do que qualquer avanço ou tecnologia isolada, o que afeta as empresas é a mudança de paradigmas. O mundo analógico se transformou em digital, na maior revolução tecnológica do século 20, mudando o modo de produzir, de comercializar ou de comunicar-se com o mercado. Com a digitalização, tudo passa a ser convertido em bits – voz, dados, textos, gráficos, vídeo, imagens – unificando a linguagem do computador e das comunicações. Eis aí a raiz da convergência digital, que funde serviços e tecnologias. Laptops e celulares tornam-se, então, capazes de processar e transmitir conteúdos de bilhões de bits – como e-mails, fotos, músicas MP3 ou programas de computador – por preços irrisórios.

É essa mudança radical de padrões que ameaça a sobrevivência das empresas tradicionais. E a revolução continua. A microeletrônica pode reunir centenas de milhões de transistores numa pastilha de silício, permitindo a criação de equipamentos e produtos cada dia menores, mais rápidos e baratos – ou, na expressão consagrada internacionalmente, smaller, faster, cheaper. Nesse cenário de globalização, a convergência digital ganha sinergia, consolida a competitividade, abre mercados tradicionalmente fechados e elimina distâncias.

O CASO RCA

Vejamos um exemplo histórico de mudança tecnológica revolucionária que não foi percebida a tempo por uma grande empresa. Pouco depois da divulgação pelos Laboratórios Bell da notícia da invenção do transistor, em 1º de julho de 1948, alguns jornalistas foram ouvir David Sarnoff, presidente da RCA, fabricante de válvulas eletrônicas a vácuo e outros componentes. Com arrogância, Sarnoff retrucou: ‘Vocês acham que a RCA, líder mundial há 35 anos em componentes eletrônicos, poderia levar a sério essa notícia e preocupar-se com a suposta ameaça dessa merdinha?’

Eis aí uma reação típica de empresas gigantes que não percebem a força nem o perigo da inovação em sua própria área. A RCA era, então, líder mundial nesse segmento da eletrônica. Na lista dos dez maiores fabricantes, nenhuma japonesa. Subestimando o perigo, a empresa norte-americana só começou a investir pesadamente em microeletrônica cinco anos depois da invenção do transistor. Era tarde demais, pois já no final dos anos 1960, a RCA havia despencado para o nono lugar no ranking dos maiores fabricantes. À sua frente, três empresas japonesas: NEC, Hitachi e Toshiba. A derrocada veio nos anos 1970, quando a francesa Thomson adquiriu a marca RCA, com a qual comercializa até hoje seus eletrônicos de consumo nos Estados Unidos.

O FIM DA AT&T

A AT&T desapareceu há poucos meses, quando os reguladores norte-americanos aprovaram sua incorporação pela SBC Communications. Eis aí outro caso exemplar e ainda mais surpreendente de extinção de um dinossauro. Nenhuma outra empresa no mundo das comunicações tinha mais experiência, prestígio e tradição do que ela. Incorporada e consolidada nos anos 1880, pelo inventor do telefone, Alexander Graham Bell, chegou a controlar um terço dos telefones do mundo um século depois.

Em 1982, a AT&T era a holding do antigo Bell System, monopólio de fato, formado por 23 operadoras regionais de telefonia, uma indústria de equipamentos de telecomunicações (Western Electric), uma empresa de longa distância (AT&T Long Lines) e os famosos Bell Labs, maiores laboratórios de pesquisa aplicada do mundo, de onde sairam 11 ganhadores do Prêmio Nobel. Ali nasceram inventos tão importantes quanto o transistor, as centrais digitais, o sistema operacional Unix, o laser e o celular.

Embora tenha criado todos esses avanços, a AT&T falhou porque não foi capaz de transformá-los em grandes negócios, no tempo certo. As inovações dos Laboratórios Bell estimularam outras empresas – como a Intel, Texas Instruments, Sony, IBM ou Motorola – a fazer, elas mesmas, a revolução digital. Estas corporações, sim, foram as grandes beneficiárias das invenções da AT&T.

O celular e a internet, no entanto, mataram a grande empresa. Diante do ambiente de liberalização de mercados e de evolução tecnológica acelerada, ela não conseguiu se adaptar ao novo mundo, mudando sua cultura pouco flexível e cristalizada por mais de um século de monopólio. A AT&T foi vítima da mesma revolução digital que ajudou a fazer.’



Daniel Hessel Teich e Renato Cruz

‘Sob o domínio do Pequeno Irmão’, copyright O Estado de S. Paulo, 4/09/05

‘Em seu clássico 1984, George Orwell previu o surgimento do Grande Irmão, aparato tecnológico e totalitário que permitiria ao poder central controlar a vida de cada cidadão. Mas, como destacou a revista Wired no ano passado, o escritor inglês não conseguiu vislumbrar o aparecimento do Pequeno Irmão. Bricabraques tecnológicos como o celular com câmera, cada dia mais popular, aliados à rede mundial de computadores, colocam na mão de cada um a capacidade de espionar e denunciar malfeitorias.

Os maus-tratos de americanos a prisioneiros americanos em Abu Ghraib, fotografados e postados na internet, foram só um primeiro exemplo, e talvez o mais visível. Mas isto foi só o começo. No ano passado, foram vendidos no mundo 180 milhões de telefones celulares com câmera embutida, um aumento de 130% com relação a 2003. A maioria dos analistas acredita que a tendência de crescimento será mantida e que até o fim do ano sejam vendidos 280 milhões de celulares com câmeras. Com isso, o número desses aparelhos em circulação no planeta chegará a 1 bilhão.

São máquinas que estão mudando a forma como as pessoas interagem entre si e com o mundo. Foi o que mostrou, por exemplo, o caso do tarado do metrô de Nova York, esta semana. Em 19 de agosto, a desenvolvedora de web Thao Nguyen, de 23 anos, voltava de metrô de uma entrevista de emprego quando um homem loiro, de meia-idade, de camiseta e calças pretas, sentou-se em frente a ela. O pervertido baixou o zíper e se exibiu para ela que, indignada, usou seu celular Samsung P777, com câmera de 1,3 megapixel, para registrar o flagrante e denunciá-lo à polícia. Thao foi além e estampou também a foto do sujeito no site Flickr, que passou a ser apontado por vários blogs. O tarado acabou na capa do jornal New York Daily News, uma semana depois. O homem foi identificado e teve de dar depoimento à polícia na quinta-feira. Foi liberado depois de pagar fiança de US$ 5 mil, e pode ser condenado a três meses de prisão.

Também em Nova York um caso de exibicionismo frente a uma câmera de celular e propagação na internet acabou dando uma dimensão inusitada ao que poderia ser mais uma história anônima de furto numa grande metrópole. John Clennan, de 23 anos, teve o aparelho roubado no mês passado de seu carro, que estava com as portas destrancadas. O que o ladrão não sabia era que o dono era capaz de acessar, através da internet, fotos e filmes feitos pelo celular, um Sanyo 5500. Alguns dias depois, ao acessar o site da operadora, Clennan descobriu que havia cerca de 40 fotos e 5 filmes que o ladrão havia feito. A maioria das fotos eram de um jovem, mostrando-se para a câmera, beijando uma garota ou posando com amigos e familiares. O jovem mandou algumas fotos para o site de seu correio eletrônico pessoal. Clennan descobriu o e-mail do rapaz e começou a ameaçá-lo. Também colocou sua história e as fotos na internet. O jovem tem 16 anos e diz ter encontrado o telefone jogado na rua e que não o devolveria. A polícia não considerou o caso prioridade, mesmo com milhares de internautas acompanhando o bate-boca eletrônico entre Clennan e o ladrão. Por precaução, Clennan desligou o aparelho.

A falta de resultado no caso do delinqüente-exibicionista contrasta com o que aconteceu com a garota do cocô de cachorro, uma estudante sul-coreana que foi parar nas páginas do The Washington Post por ter se recusado a limpar a sujeira que seu cãozinho fez num vagão do metrô de Seul. Depois de ser criticada por muitos companheiros de viagem, a garota ficou brava, e os dejetos continuaram no chão. Alguns passageiros fotografaram a cena com seus celulares e colocaram as imagens na rede, pedindo ajuda aos internautas para identificar a menina. Em alguns dias, sua identidade e seu passado foram revelados. O incidente tomou o noticiário nacional na Coréia do Sul e a garota teve de deixar a universidade, depois de tanta repercussão.

Como outros artefatos de tecnologia, o celular com câmera pode ser usado para o bem ou para o mal. As autoridades britânicas estão preocupadas com um fenômeno que recebeu o nome de ‘happy slapping’, ou esbofeteamento feliz. Grupos de adolescentes resolveram bater nas pessoas nas ruas e filmar a ação no celular, para depois colocar os filmes na web. É como se cada um pudesse se considerar um Johnny Knoxville em seu Jackass particular.

O fenômeno foi tema de matéria no Guardian, em abril. Num videoclipe, um jovem dá um soco na cara de uma mulher que estava num ponto de ônibus. Em outro, um grupo de garotos de uniforme arrasta outro num playground de escola, para depois derrubá-lo no chão com uma pancada na cabeça. Em 6 meses, a polícia de Londres investigou 200 casos de ‘happy slapping’, mostrando que o pequeno irmão pode se afastar da inspiração original e se encontrar com outro clássico inglês: Laranja Mecânica, de Anthony Burguess.’