Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Direto da Redação

WEBJORNALISMO
Luís Peazê

Falta pouco para nunca mais lermos jornais do mesmo jeito, 7/06/06

‘O jornal online mudou alguma coisa na imprensa? Procurei um especialista em Internet para especular sobre um certo traço poucas vezes lembrado na mídia e pelas pessoas em geral. O que se escreve e se lê na mídia é algo vendido e comprado ou é notícia simplesmente? Está implícito aí um conceito ingênuo mas que faria sentido. Notícia não se vende, deveria ser gratuita, o que se vende é o espaço para propaganda, que viabiliza a imprensa. Vã utopia, mas vamos lá, o artigo já começou.

Com uma frase emprestada do escritor Arthur Koestler, o Sr. Francisco Camargo, Presidente da CLM Software, empresa de gestão de tráfego na Internet, respondeu a minha primeira pergunta assim: ‘Depois que a bomba nuclear foi inventada não deu mais para desinventá-la’. E, como uma bomba faz, ele foi logo desnudando sem o menor pudor aquilo que jornal nenhum teria coragem de fazer; contando como é feito o negócio por trás das páginas da Internet.

Enquanto o jornal impresso dispõe do jurássico IVC, que afere a circulação, e de suas pesquisas de mercado, morosas, a Internet dispõe de uma tabulação infernal qualitativa e instantânea, ao alcance de um clique.

As conclusões que circulam por aí (na Internet!) é de que o jornal impresso adquire cada vez mais capacidade analítica, profundidade, deixando para a ‘net’ os furos, a instantaneidade. Balela. Há muito mais do que isso acontecendo e a vaca já foi para o brejo, se olharmos direitinho.

Já não lemos mais jornal do mesmo jeito, e falta pouco para nunca mais lermos como antes. Foi isso o que o Sr. Francisco insinuou logo de cara e de modo muito mais contundente. Não dá para ‘desinventar’ a Internet – disse ele -, e ela vai acabar com a imprensa escrita – vaticinou. Ah, ouço um vozerio, assim como diziam que o rádio iria acabar com a chegada da TV, que o livro seria substituído pelo e-book, agora eu digo, isto é, o Sr.

Francisco diz que as letras vão acabar. – Não agora – ajeita -, nem daqui a pouco, levará um tempo. Mas será uma coisa totalmente diferente, com imagem, som, interatividade e provavelmente com outras novidades. Ele lembra que a câmera fotográfica levou mais de 50 anos para atingir o atual potencial tecnológico, enquanto a Internet em menos de 10 anos já modificou o comportamento do homem em vários aspectos. Um percentual razoável da população do planeta, segundo última pesquisa do gênero divulgada nos Estados Unidos, claro, onde há 152 milhões de internautas. O Brasil, segundo o estudo, está em 11º lugar com 13 milhões. Desprezar esses números não é coisa que publicitário algum faria, nenhum gerente de marketing e nenhum empresário de porte, especialmente quando esses números podem ser traduzidos em dados qualitativos, com um simples clique. É aqui que queríamos chegar.

O coleguinha era caixeiro viajante

Perguntei ao Sr. Francisco se a Taxa de Controle de Vendas muito utilizada para aferir a ‘monetização’ (ah, se todo mundo usa essa aberração, por que eu não posso?) na Internet poderia ser utilizada para, vamos dizer assim a ‘monetização qualitativa em termos de feedback’ dos leitores de jornais, no que diz respeito ao tipo de notícia, ao conteúdo da notícia, e inclusive das opiniões, que inundam os jornais? – Claro que é possível – respondeu na bucha – e confirmou que veículos já lhe procuraram para consultar a respeito. O problema é que ele faz eco com uma outra especialista no assunto, a Sra. Daniella Morier que, num artigo na revista digital Webinsider, afirmou que a Internet é uma grande bagunça. Ainda não é possível crer, confiar, na informação que passa por ali. Há uma profusão de páginas, web site, blogs e podcasts, e, um veículo que comunica muito informa pouco (a recíproca pode ser verdadeira, infelizmente). O Sr. Francisco lembra que muitas informações que circulam na Internet são pseudo-verdades. Por exemplo, se eu incluir no Wikipedia que os primeiros jornalistas foram os caixeiros viajantes, especialistas em algum ofício que se metiam a dar notícias; os atuais jornalistas seriam especialistas em notícia que se metem no ofício dos outros; quantas pessoas não acreditariam?

Aliás, numa página (quase escrevi ‘artigo’) do Observatório da Imprensa encontrada por um programa de busca, sem data, Alberto Dines afirma para estudantes de jornalismo, abre aspas, ‘Se existe um modelo ideal de jornalismo, (…) é o americano. Chegam as eleições e, no editorial, eles dizem: ‘Vamos apoiar o candidato tal por isso e isso’. Apóiam no editorial, não no noticiário. Aqui, os jornais manipulam.’ Não posso discordar do Dines.

A outra questão abordada com o Sr. Francisco Camargo foi a da linguagem na Internet. Considerando-se um conservador ele defende uma forma escrita mais dentro dos padrões oficiais vigentes, ou melhor, correta. Mas ele informou que, no Webmétricas (evento realizado no Rio de Janeiro em 08/06/2006 no Centro Empresarial), debaterá com outra especialista, a Sra. Risoletta Miranda, sócia do Grupo Idéiasnet, que, segundo ele, defende uma linguagem flexível, que evolua com a própria Internet. No mínimo sintomático, pois eu encontrei verdadeiros venenos mortais para a gramática, a semântica e todo um aparato cognitivo na revista digital Webinsider, cometidos justamente pelo seu editor. Teria sido de propósito, Vicente Tardin? Não estou patrulhando, estou me debatendo para sobreviver.

Monetização é o cabeçalho!

O Sr. Francisco lembrou de outra curiosidade interessante. Os jornais têm até hoje a função do copidesque e do revisor, que já foi desempenhada por ícones das letras tais como um Mário Quintana e um Luiz Fernando Verissimo, entre inúmeros imortais. A Internet nasceu, cresceu, pulou a adolescência e ninguém mais segura essa velha, assanhada e turbinada, sem revisor. Por falar nisso, as traduções de notícias das agências de notícias estão contaminadas por veneno similar àquele.

Sobre os programas de busca o entrevistado informou que eles são, ao lado da ‘monetização’, a maior preocupação dos gurus da Internet. Parece haver uma unanimidade entre eles. De que os programas são precários, ainda que tenham evoluído muito desde as priscas eras da Internet, na longínqua década de 1990. O Sr. Francisco diz que tem problemas para pesquisar na Internet, além da falta de credibilidade nas informações ali encontradas, uma palavra pode lhe devolver 1000 páginas e sua resposta pode estar justamente na página mil. Como saber, se ‘a gente não tem paciência de passar da página 5’?

Por fim, a sacramental projeção de que os atuais 6% de verba publicitária empregada na Internet nos Estados Unidos atingirão 20%, no Brasil são 2%.

Se depender do esforço dos membros da IAB – Interactive Advertising Bureau, podemos apostar, o Brasil e o resto do mundo navegarão nesse mar.

E voltemos à questão primeira: leremos jornais como antes? Depois que soubermos que as pessoas estão cada vez mais plugadas na net, depois que soubermos exatamente o que, quando e onde as pessoas gostam disso e daquilo, publicaremos notícias simplesmente ou seremos induzidos a publicar o que é esperado? Por quem? Pensando melhor, talvez seja melhor perguntar ‘se nunca mais escreveremos jornal como antigamente’?

Pensando duas vezes, talvez seja a hora de criarmos um Observatório da Internet. Mas quem comprará essa briga?

(*) Jornalista (MTB24338) e escritor, cronista e tradutor de Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest Hemingway, dirige a Clínica Literária e o Instituto Brasil Costal, entidade dedicada às questões do meio ambiente marinho e costeiro. http://www.clinicaliteraria.com.br/clinicaliteraria.htm’



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