Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Dora Kramer

‘Governo Luiz Inácio da Silva e imprensa têm uma relação nervosa, isto é um fato. Só o estresse explica por que, afinal de contas, algo em tese corriqueiro como uma entrevista de presidente da República em regime democrático assume caráter de evento especial, como se inusitado fosse o presidente submeter-se ao questionamento dos meios de comunicação do país por ele presidido.

O mundo provavelmente achará isso muito esquisito, e é estranho mesmo. Dos governos civis, o do PT é o que mais dificuldades tem na convivência com a imprensa.

A ausência de entrevistas e o acesso restrito ao presidente eram comuns nos governos militares. A partir de José Sarney todos os presidentes foram de alguma forma disponíveis; cada um à sua maneira, uns mais outros menos, mantinham uma sistemática de relacionamento com jornalistas.

Em viagens, nacionais ou internacionais, era de praxe o contato com os profissionais encarregados da cobertura. Quando Lula assumiu, a primeira providência foi a instituição do distanciamento entre o presidente e a imprensa.

Houve casos em que dirigir uma pergunta a Lula foi tratado como conduta ofensiva e passível de reação agressiva. Não se pode esquecer que no início do governo se tentou a imposição de uma lei geral do silêncio em todas as esferas do poder federal, coisa que obviamente não deu certo.

Lula sempre resistiu a contatos mais livres e freqüentes com jornalistas, embora a razão disso nunca tenha sido esclarecida. Ele jamais falou a respeito em público, mas opiniões de auxiliares importantes, a concepção dogmática do partido, sua visão disciplinada e hierarquizada da política, ajudam a entender um pouco a origem do receio.

Sempre muito festejados quando eram oposição, os petistas têm enorme dificuldade de lidar com o contraditório. Tendem a receber as críticas como manifestações inimigas.

Embora o PT ao longo de sua história sempre tenha contado com enorme condescendência no meio jornalístico – seja por identidade ideológica ou constrangimento de conferir aos defensores dos fracos o mesmo rigor de tratamento reservado aos arautos dos fortes -, os petistas avaliam que recebem da imprensa um tratamento hostil.

O ministro de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, externa claramente essa posição. Para ele, os jornalistas são muito mais rigorosos com o PT do que com outras forças políticas. Gushiken cobra atenção à agenda positiva e vê nas críticas um exercício de injustiça e intolerância.

Apesar de todas essas convicções um tanto paranóicas, aos poucos a impressão de que a tensão entre imprensa e governo precisaria ser desfeita foi ganhando aceitação.

Mas, convenhamos, a necessidade de recuperação de prejuízos políticos funcionou como argumento muito mais eficaz do que qualquer profissão de fé em prol do compromisso do ente público com a livre informação.

Não por acaso desde o primeiro ano há coincidência entre pesquisas de popularidade desvantajosas para o governo e algum tipo de encontro preparado pela Secretaria de Imprensa com o presidente da República.

Nos primeiros dois anos do governo, tais conversas foram organizadas por grupos, ora de alguns jornais escolhidos, ora de emissoras de rádio, correspondentes estrangeiros, ou mesmo repórteres escalados para acompanhar Lula em alguma viagem internacional.

O motivo da concordância em finalmente adotar o mais trivial dos modelos, a entrevista coletiva, ninguém sabe dizer exatamente qual foi. Mas alguma suposição bem próxima da realidade é possível fazer.

Chegando à metade do mandato, Lula acabou convencido de que não poderia terminar seus quatro anos sendo o único presidente da redemocratização para cá a não dar uma única entrevista no formato tradicional.

Agora isso é mostrado como um grande marco de governo, como se o presidente Luiz Inácio da Silva, ao dar a entrevista, tivesse feito uma grande e democrática concessão.

A questão é inversa: o ineditismo ressalta a resistência e a evidência de que Lula não considera uma obrigação inerente ao mandato submeter-se ao constante escrutínio dos meios de comunicação, o canal livre de diálogo entre governo e sociedade.

Arquivos implacáveis

No tumulto da semana plena de acontecimentos, acabou ficando em segundo plano um assunto que merece atenção mais apurada: a preocupação dos escritórios de advocacia com ações de busca e apreensão por parte da Polícia Federal.

Por causa disso, a Ordem dos Advogados do Brasil requer o cumprimento de uma lei federal que dá o direito à OAB de acompanhar as operações nos escritórios.

O argumento é que na busca e apreensão a polícia acaba tendo acesso a documentos de clientes estranhos ao objeto da investigação que originou o mandato, violando, assim, o sigilo profissional.

Esse é um lado da história e até faz sentido. O outro lado é a proteção que se estabelece a todo e qualquer tipo de conexões dos escritórios de advocacia com os mais diversos ramos de atividade. E aí incluem-se do cliente traficante aos cartórios de registros importantes e até o Poder Judiciário.

Da mesma forma que existem preocupações próprias e impróprias, há conexões devidas e indevidas.’

Alexandre Oltramari

‘Não havia o que temer’, copyright Veja, 4/05/05

‘As entrevistas coletivas são uma das formas mais eficientes de as autoridades de um país prestarem contas de seus atos à sociedade. Quanto mais democrática é uma nação, mais freqüentes são essas sabatinas públicas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu uma coletiva por ano durante seus dois mandatos. No mesmo período, Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, foi entrevistado 117 vezes. O atual presidente, George W. Bush, dá uma entrevista por mês, a mesma média do primeiro-ministro da Inglaterra, Tony Blair. Na semana passada, depois de 28 meses de governo, o presidente Lula finalmente deu sua primeira coletiva à imprensa brasileira. A demora deveu-se ao fato de que seus principais assessores temiam que, numa coletiva, ele amplificasse gafes que, volta e meia, aparecem em seus improvisos. Não havia o que temer. Com habilidade para enfrentar platéias e gosto por discorrer sobre seu governo, Lula deu um baile. Estava seguro e desenvolto, foi enfático quando preciso e, na medida certa, distribuiu doses de seu bom humor.

Em uma hora e dez minutos, falando para 178 jornalistas, Lula, que chegou de cara fechada e saiu sorrindo, desfiou bons números do governo, contou histórias de seu tempo de sindicalista e reafirmou sua confiança no ministro Antonio Palocci, da Fazenda. ‘Eu e o Palocci somos unha e carne’, disse. O presidente estava tão seguro que dispensou a leitura de um texto, preparado na véspera por sua assessoria, que deveria servir como introdução à coletiva e no qual ressaltaria o bom desempenho da economia. O discurso era um antídoto ao que os assessores do presidente identificaram como uma ‘agenda negativa’, causada pelas insistentes denúncias contra o ministro da Previdência Social, Romero Jucá, pela discussão sobre o aumento dos juros e pela mancada de Lula ao dizer que os juros não caem porque os brasileiros não tiram o ‘traseiro’ da cadeira para trocar de banco. ‘Vamos entrar direto na entrevista para ninguém dizer que estou fazendo discurso’, brincou Lula. Na prática, o que aconteceu foi mesmo um discurso do presidente.

O formato da entrevista, aliado a perguntas mornas e desinteressantes, foi fundamental para que Lula transformasse a prestação de contas num show. Ao todo, foram catorze perguntas, sem direito a réplica. Quando listou os três principais erros de seu governo, reconhecendo que a política de juros altos não pode ser o único mecanismo para conter a inflação, a platéia ficou sem saber o que o presidente queria dizer com isso. Os juros vão cair? A política econômica vai mudar? Lula descobriu uma alternativa para romper com essa lógica perversa? Ele disse que não vai permitir gastança em 2006, ano eleitoral, e que a estabilidade e o crescimento sustentável são a herança que deixará para as futuras gerações. Igualmente esclarecedoras foram suas declarações a respeito de acusações contra membros do governo. ‘Se o Supremo Tribunal Federal decidir abrir uma investigação, é apenas uma investigação. Só posso tomar uma atitude quando houver conclusão’, afirmou Lula.

Isso quer dizer que um ministro enrolado, como Romero Jucá, só sai do posto se tiver de ir direto para o xilindró. Infelizmente nenhum jornalista se lembrou de adverti-lo de que o ex-presidente Fernando Collor nunca foi condenado pela Justiça. O que mais chamou atenção, encerrada a coletiva, foi o despreparo de parte da imprensa, que não se adaptou ao modelo de entrevista coletiva. Lula fez seu dever de casa, preparou-se para a entrevista, memorizou números e sabia de cor e salteado o que tinha de responder na maioria dos casos. Os jornalistas não fizeram sua parte. Pareciam mais nervosos do que o presidente. Só existe um remédio: tornar essas entrevistas a intervalos cada vez menores – uma vez por mês, por exemplo.’

Carlos Heitor Cony

‘Lavando a égua’, copyright Folha de S. Paulo, 1/05/05

‘Domingo passado, em companhia de Moacyr Scliar, Luis Fernando Veríssimo e Zuenir Ventura, participei de um debate na 1ª Bienal do Livro em Goiânia. Durante algum tempo, tomava parte em bienais e eventos equivalentes, mas neste ano estou recusando todos os convites, só aceitando aqueles que estavam agendados há tempos ou que de alguma forma me parecem realmente importantes.

Como disse em crônica publicada nesta semana, e imitando testamento de João Paulo 2º, está chegando o tempo de ‘ir’ e estou indo. Com bem menos idade, cheguei a passar 23 anos sem publicar livro e recusando qualquer tipo de palestra ou evento. Não tenho mais pela frente os 23 anos, mas não há hora marcada para ir.

Voltando à palestra em Goiânia, foi de lavar a alma, pela companhia dos três amigos e pela presença compacta do pessoal, mais de 2.000 pessoas. Detalhe que, além de lavar a alma, lavou a égua: 99% de jovens, nem todos universitários, simplesmente jovens.

É evidente que não salvamos a pátria nem descobrimos a quadratura do círculo. Falamos de nossas experiências, sobretudo as do movimento de 1964, que vivemos cada qual a nosso modo. E ficamos impressionados com o clima que pintou durante a palestra.

Para quem interessar possa: o governo não está agradando e há decepção causada pelo PT. Não se tratava de um público velho ou de meia idade. Repito: gente compactamente jovem, na faixa dos 20, 21 anos, sem pretensões a cargos ou verbas, apenas com esperança num Brasil melhor e mais justo socialmente. Esperança que está sendo frustrada.

Foram ouvir quatro palestrantes que estão longe da política profissional, são apenas escritores, ao longo da vida nunca pretenderam cargos eletivos ou executivos, vivem em seus cantos, cuidando de seus livros. Talvez, por isso, tiveram platéia tão numerosa e jovem, que desejava ouvir o que os políticos não dizem ou só dizem em causa própria.’

Renato Lessa

‘A incontinência verbal tem o seu valor’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/05/05

‘Franz Neumann em seminal interpretação do nazismo, desenvolvida em seu clássico livro Behemot, afirmou que os regimes políticos em geral podem ser pensados como expressões de filosofias políticas específicas. Para além da interpretação peculiar do nazismo, a proposição básica de Neumann reside na associação entre forma política e alguma fundamentação doutrinária. Com efeito, muito teríamos a ganhar se fôssemos capazes de superar as ásperas e tediosas análises institucionalistas e nos ocupássemos das alucinações e crenças que estão na origem de todos os artefatos humanos. Mas, se a suposição de Franz Neumann procede, como poderíamos detectar o nexo entre a forma política e a sua, digamos, metafísica? Ou, em outras palavras, em que lugar preciso ocorre o vínculo entre a forma política e a crença básica da qual resulta?

Duas proposições estabelecidas pelo filósofo escocês David Hume, no tristemente longínquo século 18, podem ajudar-nos na busca de respostas. A primeira delas assevera que só podemos falar da natureza humana de uma perspectiva experimental; a segunda sustenta que não temos acesso a substâncias, mas apenas a modos particulares. Penso poder socorrer o leitor desse excesso de jargão filosófico ao propor a seguinte tradução vernacular: devemos organizar nossas percepções sobre o mundo e sobre o comportamento dos humanos a partir do que vemos; nosso acesso às crenças e doutrinas que configuram o mundo só pode se dar se observarmos as ações de seus portadores.

Se é verdade, portanto, que crenças, alucinações e doutrinas estão na base das formas políticas, é na observação do que fazem e dizem seus protagonistas que tal relação poderá fazer sentido. Quer isso dizer que, a despeito da pauta preparada por marqueteiros, há algo de autêntico no que dizem, por exemplo, os presidentes brasileiros. Graças a seus excessos e destemperos opiniáticos, algo se revela, e, temo dizer, todos ganhamos um pouco com isso. A nitidez dos valores que governam a República depende, portanto, de uma certa falta de controle. O juízo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre os aposentados do serviço público, por exemplo, dificilmente teria decorrido de alguma prescrição de magos da opinião pública. Por um lampejo, o excesso e o destempero aparecem como condições da verdade: são as crenças básicas que emergem e tornam inteligível o desenho da política proposta ao país.

A redução botequinesca proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela-nos como um povo amável e ingênuo, uma legião de boas-praças, movidos a cerveja, conversa fiada e tira-gostos. A circunstância carioca na qual estou indelevelmente inscrito inclina-me, admito, a reconhecer-me na imagem. Porém o que dela resulta é o juízo de que a cordialidade e a farra são inimigas do interesse público, pois, por comodismo, não exigimos o que nos é de direito, e que, a despeito do estrago feito pelas atas do Copom, as mazelas da República possuem nossas impressões digitais.

São teorias e interpretações a respeito do Brasil, de sua história e dos humanos que por aqui habitam que emergem das falas presidenciais. Proponho que as levemos a sério e não nos deixemos conduzir pela tola suposição de que os excessos verbais são modos de um despreparo e se limitam a momentos retóricos evitáveis e supérfluos.Vale aqui a máxima de Oscar Wilde: só pessoas muito superficiais não se deixam levar pelas primeiras impressões.

O longo consulado tucano, por exemplo, foi pródigo na exibição da própria metafísica. Uma elite ilustrada, por fim, ocupa-se da direção da República e faz da auto atribuída superioridade intelectual sua marca distintiva. Uma das imagens fortes produzidas pelo ex-presidente Fernando Henrique, por exemplo, referia-se à oposição como um conjunto de pessoas que não sabiam o que ‘o Brasil quer’. Tivemos, com a ilustração tucana, uma recusa militante do brasileiro ordinário, lapidado por décadas de instintos e desejos escusos que o fizeram incapaz de perceber o que significa o interesse público: paixões baixas e nutridas pela ecologia política e moral do getulismo, marca de uma era a ser apagada da vida nacional. As ficções presidenciais apegavam-se a uma perspectiva de correção do país, vale dizer, dos hábitos de seus habitantes e das estultices acumuladas pela sua história.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece mover-se em cenário distinto. O belo filme de João Moreira Salles, a propósito, revela o personagem como uma espécie de síntese dos brasileiros comuns. E mais, a marcha para o poder pode ser narrada como uma aventura com enredo biográfico. A novidade desse enredo, de imediato, introduz uma nítida concepção a respeito da história e do tempo brasileiros. De algo em si mesmo tão novo só podem resultar conseqüências inovadoras. É como se o Brasil só agora tivesse inaugurado sua história real. Uma história cuja pré-história é tão somente algo útil para tornar nítido o contraste. Esse parece ser o sentido do mantra ‘nunca antes no Brasil…’.

Essa noção de tempo inaugural tem inequívoca marca da mitologia histórica petista: afinal, tudo começou nos idos de 70, no ABC paulista; uma nova história, precedida apenas pelo seu contraste. Petistas e tucanos habitam uma mesma concepção a respeito do tempo e da história do Brasil. O passado não constitui tradição, mas sim estorvo. A política só faz sentido se fundada na mitologia do recomeço. Daí a gravidade dos semblantes tucanos e sua bizarria facial quando obrigados a sorrir para fins eleitorais.

Com o petismo a alquimia parece ser mais complexa. Uma certa bravataria a respeito do recomeço do Brasil combina-se com a promoção do brasileiro ordinário, que deve ter orgulho de si mesmo. Um presidente que em seus improvisos mobiliza imagens e metáforas da conversa ordinária dos brasileiros opera como um ícone, a dizer que, afinal, ‘estamos no poder’. Uma forma peculiar de aí estar: mais pelos modos de comportamento do que pela forma e pelos efeitos substantivos das decisões.

A promoção da imagem dos brasileiros, como um povo bom, animado, multicolorido, sugere que nos livremos do rodriguiano complexo de vira-lata: vírus que teria se infiltrado em nosso caráter nacional como decorrência da nossa derrota para a Hungria na Copa de 1954.

O presidente é um ator fundamental na fixação dessas imagens. Nessa atividade combinam-se o artificialismo dos magos da opinião com a espontaneidade e o destempero dos improvisos. Por mais desastrosos que sejam, causam menos danos à vida pública, posto que exibem crenças reais. O destempero dos governantes é o ato falho da linguagem pública.

Penso que teríamos uma idéia mais interessante a respeito do presidencialismo se levássemos a sério a dimensão performática dos presidentes. Mais do que buscar definições cifradas a respeito da natureza institucional do presidencialismo brasileiro, creio ser importante sugerir como hipótese que os presidentes entre nós têm sido operadores de uma espécie de animação do público. Governos em geral são engrenagens ásperas e impermeáveis: exigem atas do Copom, marcos regulatórios, semblantes sombrios e ânimo bolchevique. Nas repúblicas realmente existentes alguma empatia com os cidadãos deve a isso ser acrescentada. É indispensável, pois, animar as repúblicas.’

Roberto Romano

‘No alto-falante ou ao microfone, a ânsia de persuadir’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/05/05

‘Em 1985, durante famosa entrevista, Lula desafiou a imprensa: ‘Quero que me dêem meia hora, para mim, na televisão (…) e vamos ver quem tem condições de convencer a opinião pública’. Longe de idear a mídia como o campo dos debates e das notícias, da crítica livre que esclarece problemas coletivos, o líder operário apenas desejava persuadir. Desde aquela data o PT buscou a fórmula que permitiria o maior arrebatamento das massas. Após ensaios sucessivos de propaganda, um número crescente de votos foi acumulado pelo partido, dando-lhe afinal o controle do Planalto, com o auxílio do mago Duda Mendonça.

Segundo o PT, a imprensa tem o dever de ajudar a ‘boa causa’, por definição a sua, entre os setores sociais, dos trabalhadores aos empresários. O petismo nutre-se de propaganda e não se aventura na pesquisa científica ou histórica. Poucos militantes amealharam saberes para conduzir o Estado rumo ao desenvolvimento econômico e à democracia. Seu universo noético – salvo as exceções de praxe – resumiu-se à difusão de slogans cujo conteúdo era ralo e de nula consistência lógica. Por exemplo, o neoliberalismo, palavra repetida como ladainha. As bases do pensamento dito neoliberal eram desconhecidas pelos petistas. Se um ou dois dentre eles leram os sociólogos, filósofos e administradores vituperados, é milagre. Menor conhecimento possuíam os militantes sobre as propostas de adversários. Diante de uma ação governamental oposta ao PT, a gritaria cumpriu o papel de sapar as bases políticas alheias. Rezas assim substituíram a tarefa de pensar e afastaram a disciplina no estudo. Não admira que a proximidade do poder tenha calado o palavrório petista. Os líderes perceberam a dificuldade: palavras de ordem (as ‘bravatas’) exercem uma hipnose coletiva, mas nada resolvem no Estado e na sociedade civil. Entre o programa gárrulo e os fatos, o governo foi obrigado a escolher os segundos, para glória da Realpolitik.

Mas, se preferiu ‘o mundo real’, Lula não abandonou o costume de apontar para seu partido como o único a trazer no ventre o remédio contra os males do ‘mundo burguês’. Com o poder, cresceu essa fantasia angélica. Contra todos os fatos, militantes e dirigentes retomam a cantiga das virtudes éticas enquanto monopólio petista. Tudo o que foi prometido para logo após a posse presidencial passou para o milênio. Um dia triunfará o reino anunciado pelo partido. Quem noticia coisas pouco ortodoxas de ministros em matéria ética, ousa criticar os atos e palavras do Planalto e assim duvida do Salvador atrasa o advento do milênio. Na mística petista existe um Moisés, o bom Lula. Desde que atingiu o nível de messias, o presidente deu mais espaço, em seu discurso, à primeira pessoa do singular. E seu ego inchado decreta maravilhas, admoesta os cidadãos (a última advertência passou por traseiros e juros), promete o Eldorado. Não foi diferente na entrevista. O ponto máximo do sermão encontra-se na seqüência autolaudatória em que Lula anuncia ‘a hora em que eu colocar o nosso país no plano dos países desenvolvidos’.

Assim, é clara a idéia do presidente sobre a imprensa. Ela define-se apenas como instrumento para o líder convencer e conquistar as multidões. Além da força emotiva, o carisma irracional que persuade as massas, o presidente pouco tem a oferecer. Em fala costumeira repetida na entrevista, as metáforas mostram o quanto ele não ultrapassa os limites domésticos da economia e da política. No máximo sua lógica atinge o esporte. Ao responder sobre as dissonâncias entre Furlan e os outros ministros, ele não soube indicar diferenças programáticas ou conceituais de seus auxiliares. Preferiu o efeito persuasivo: os desacordos entre Furlan e colegas seriam idênticos aos vividos pelos jogadores de um time. Quando falou sobre o superávit primário e o pagamento das dívidas, recorreu ao chefe de família que não gasta mais do que recebe. As metáforas ingênuas denunciam uma pobre concepção do Estado, da sociedade, das forças produtivas.

Mesmo assim, a entrevista foi um ganho para a democracia. Apesar do ritual pomposo, mais hierático do que o usado na coletiva concedida por Bento XVI, e do empertigado porta-voz, o evento foi um avanço no trato entre presidente e jornalistas. Lula dorme o sono dos justos, segundo o elogio que fez a si mesmo. Pelo menos alguém lhe perguntou se de fato ele consegue dormir com os pesadelos de seu governo. Sim, Lula anoitece e acorda muito feliz. Talvez o barulho antes atribuído por nós às metralhadoras dos traficantes, ao estômago dos pobres, aos reclamos dos empresários escorchados por juros e impostos, aos doentes sem hospitais ou remédios, aos motoristas que atolam nas estradas nacionais… sim, talvez todo aquele estrondo seja apenas o ronco do presidente no Planalto. Pena que brasileiros aos milhões não possuam tal licença. Eles estão demasiadamente presos à terrível luta pela vida para embalar um sono tão despreocupado como o de Lula da Silva.’

Folha de S. Paulo

‘Governo lança manual ‘Politicamente Correto’’, copyright Folha de S. Paulo, 1/05/05

‘O governo iniciou ontem a distribuição de 5.000 cartilhas intituladas ‘Politicamente Correto’, um pequeno manual que lista expressões do dia-a-dia que devem ser evitadas pela conotação pejorativa ou discriminatória para determinados grupos da sociedade. Alguns exemplos são inesperados: não se deve chamar de ‘palhaço’ uma pessoa pouco séria ou de ‘barbeiro’ o mau motorista, porque os termos ofenderiam os profissionais dessas áreas.

Organizado pela Secretaria de Direitos Humanos, o guia é dirigido a formadores de opinião: políticos, jornalistas e professores. A preocupação é evitar ofensas que podem passar despercebidas contra homossexuais, negros e mulheres. Entre os termos vedados estão: sapatão, veado, baitola e gilete -referente ao bissexual.

No quesito racial, há ressalvas sobre a palavra ‘negro’, que pode ser usada de forma ofensiva, mas ‘neguinho’ ou ‘minha preta’ são aceitos como expressões carinhosas. Dizer que ‘a coisa ficou preta’ é inaceitável para designar uma situação negativa.

O manual sugere evitar o termo ‘xiita’, ramo do Islã, para caracterizar ‘militantes radicais e inflexíveis’. A expressão é usada no meio político para designar a esquerda radical. Chamar alguém de comunista também pode ser insulto, para o governo, devido a calúnias para justificar campanhas de perseguição. Em contrapartida, também se considera ‘reacionário’ um insulto para os conservadores.

A cartilha ainda considera que os insultos têm natureza classista, indicando que ‘ladrão’ é usado para pobres e ‘corrupto’ para ricos. ‘Todas as generalizações são perigosas. Quantas vezes não ouvimos, numa manifestação ou protesto: isso é coisa de ‘petista’?’, disse o subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano.’

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‘Presidente irá a aniversário do ‘Valor’’, copyright Folha de S. Paulo, 2/05/05

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa hoje da comemoração de cinco anos do jornal ‘Valor Econômico’. O evento acontece a partir das 16h no prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na avenida Paulista, 1.313, região central da cidade.

Além de Lula, que deve estar no local às 17h, estão confirmadas as presenças dos ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda), Roberto Rodrigues (Agricultura) e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo). Empresários, economistas, sindicalistas e lideranças da sociedade civil também foram convidados.

Estarão ainda presentes Luís Frias, presidente do Grupo Folha, e Roberto Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo, acionistas do jornal.

Lançado em 2000 pelos grupos Folha e Globo, o ‘Valor Econômico’ é hoje o mais influente jornal de economia do país. ‘O lançamento do ‘Valor’ se deu num ambiente em que havia espaço para um jornal de economia mais independente, ágil e crítico, que atendesse às expectativas por mais informações sobre empresas e economia em geral’, afirmou a diretora de Redação do jornal, Vera Brandimarte.

Para marcar o aniversário dos cinco anos, o periódico amplia o caderno ‘Empresas’ e lança a seção ‘Tendências & Consumo’. A nova área vai abordar o comportamento do consumidor, com enfoque nas tendências da demanda por produtos e serviços.

Na opinião de Brandimarte, o jornal passou pelo período mais difícil, que é sua consolidação entre os leitores. ‘Para um jornal, cinco anos é um período curto para que se solidifique, e o ‘Valor’ conseguiu se estabelecer.’

Ela destaca que o leitor do jornal é ‘altamente exigente’ e, por isso, a cobertura tem de ser mais aprofundada e técnica, uma vez que é voltada para setores específicos.

Além do jornal, o ‘Valor Econômico’ tem alguns subprodutos editorias, como o ‘Valor 1.000’, que destaca as maiores empresas com atuação no Brasil.’