Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eduardo Ribeiro

‘Em que pese os excessos que temos visto nesses últimos tempos, é inegável, ao meu ver, que o jornalismo brasileiro, numa perspectiva histórica, vive um dos seus mais ricos momentos. Um momento em que se discute abertamente com a sociedade – e não mais intramuros e apenas com a corporação – os limites éticos da atividade profissional, a regulamentação ou auto-regulamentação, a concentração da mídia nas mãos de poucas famílias, as ameaças à liberdade de imprensa e de expressão, as reputações enlameadas por erros de imprensa, os contrabandos comerciais travestidos de matérias editoriais, matérias forjadas, fontes coniventes com mentiras armadas etc. etc. etc.

Os veículos de comunicação estão se debruçando sobre o tema jornalismo com uma intensidade e uma voracidade poucas vezes vista em nossa história. O ataque ao Conselho Federal de Jornalismo, por exemplo, que ganhou espaços generosos em quase toda a grande imprensa brasileira (e até internacional), chega a ser covarde do modo como tem sido feito. Desqualifica-se a idéia para não se debater o seu mérito.

De todo o modo, quem ganha com tudo isso é a sociedade que está vendo aflorar um debate sobre um tema que lhe diz respeito diretamente e que desconhecia existir. Com ou sem Conselho, o jornalismo terá de mudar se quiser continuar a merecer a confiança da sociedade. A sujeira que sobe à superfície cada vez em que se mexe nas entranhas da imprensa permite que se vá depurando a atividade. Daí o que se espera é que o erro do presente não se repita no futuro e que a imprensa se aprimore, cumprindo na essência a função social de bem informar.

A questão da desmistificação, por exemplo, também deve ser analisada. A sociedade não deve temer a imprensa e sim ter respeito por ela, do mesmo modo que merece ser respeitada. Se um órgão de imprensa errou, que repare o erro e que seja punido por isso se for o caso, como acontece em qualquer outra atividade. Não somos diferentes nem devemos ter foro privilegiado. Delito de opinião é crime e ponto. Temos a obrigação de ser responsáveis ao extremo em tudo que veicularmos, sobretudo se isso envolver a honra alheia.

O mais emblemático dos casos, nesse sentido, foi o protagonizado por Luís Costa Pinto, o Lula, que ganhou a capa da IstoÉ desta semana, ao admitir publicamente ter errado ao manter na edição da revista Veja de novembro de 1993 matéria denunciando Ibsen Pinheiro com base em informações erradas. O assunto ganhou status de capa, com repercussão em toda a mídia. Veja deu o troco em sua edição On-line, nesta terça-feira, batendo pesado: qualifica IstoÉ de uma farsa, e explica porque: IstoÉ publicara na mesma ocasião matéria idêntica, com uma agravante: não corrigiu o erro, coisa que Veja fez na edição seguinte.

Temos aí um caso que merece estudos. Os veículos olham os erros dos outros, e dependendo do caso carregam nas tintas, para desmoralizar um eventual concorrente, mas na hora de olhar seus próprios erros são míopes e econômicos. Veja não deu ao seu erro, por exemplo, no caso de Ibsen Pinheiro, destaque algum, mas ao se ver atacada por uma revista concorrente logo tratou de dar o troco e o fez de forma contudente, chegando ao ponto de fazer insinuações rasteiras contra o jornalista que por anos foi seu funcionário logrando, para ficar num único exemplo, um dos mais importantes furos de sua história – a entrevista com Pedro Collor. A revista fez uma ilação grotesca dizendo que Lula Costa Pinto poderia estar a serviço de interesses escusos e subalternos do governo a que serve, pelo fato de hoje o jornalista assessorar o presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Não foi o que se poderia considerar uma atitude elegante e muito menos correta, mas foi a que se viu.

Na matéria, Veja aproveita para retomar uma acusação feita recentemente contra a revista IstoÉ, coincidentemente neste Comunique-se, pelo colunista Milton Coelho da Graça. É a história de que a capa com matéria laudatória sobre o Rio de Janeiro teria sido, em verdade, encomendada e foi muito bem paga. Ou seja, aproveita para bater mais um pouco na concorrente.

Temos muito ainda a caminhar na busca do ponto de equilíbrio, da razão, da atuação efetivamente focada no interesse público. Mas já avançamos bastantes. Estamos hoje com toda a certeza melhores do que ontem, apesar da crise. A esperança é que estejamos piores do que amanhã. Se isso ocorrer, toda essa terapia terá sido de grande valia para o fortalecimento da imprensa brasileira.’



José Paulo Lanyi

‘O baile funk de máscaras’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 20/08/08

‘Senhoras e senhores, o baile do século 20 chegou ao fim! Tirem as máscaras, todos! Hummmmm… Como a mídia é feia! Credo!!!

A gente demora para cair na realidade. E quando o faz, vê que foi enganado, na época em que presidentes e supostos corruptos tropeçavam no salão.

Lamentei mas gostei quando vi o Ibsen Pinheiro na capa das revistas que (ignorante que ainda sou) admirava. Era mais um caso de safadeza parlamentar, e o homem, tido como um Catão, aquele que sempre encerrava os seus discursos com uma sentença (de morte): ‘Delenda est Carthago’, ou seja, ‘Cartago deve ser destruída’. O deputado que articulou o impeachment de Collor fora desnudado. ‘Um a menos’, pensei.

Eu ainda estava na faculdade, torcia pelo jornalismo e, mais do que isso, por um Brasil decente. ‘Um a menos’.

Hoje descubro que fomos idiotas. A Veja, a IstoÉ, os jornais, as emissoras de TV e de rádio fizeram um jornalismo porco, um misto de oficialismo, imprudência e ganância, mas também de mentira, negligência e desprezo pela eqüidade.

As duas revistas mais respeitadas do país (naqueles tempos), subitamente esquecidas do poder que detinham, engoliram, sem mastigar, e meteram um suspeito na capa. ‘Ah, mas eram os números da CPI…’ Eis o jornalismo acrítico que faziam.

‘Ah, mas corrigimos depois e ainda restaram valores não explicados…’.

Interessante, essa visão editorial. Primeiro, a cara enorme do maldito da hora; depois, a apuração; mais para frente, a ‘correção’, no tom de quem, assim mesmo, está no caminho certo- isso quando há alguma ressalva.

É mesmo fácil jogar a responsabilidade nas costas da fonte, na ‘contabilidade da CPI’ e dar uma capa acusatória. A frase ‘Até Tu, Ibsen’, com ou sem interrogação, a depender do autor da lambança, conclui pela culpa do deputado. Não adianta corrigir números e dizer que quem acusa é a CPI. Isso é covardia.

Ibsen Pinheiro teria sido absolvido em várias instâncias (não sei, alguém divulgou com destaque?). ‘(…) Sucederam-se decisões favoráveis a mim, e unânimes: no Conselho Superior do Ministério Público do Estado, na Receita Federal – inclusive seu órgão mais alto, o Conselho Nacional de Contribuintes – e, por fim, no Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal’, disse ele mesmo ao site Observatório da Imprensa.

O que pensar? A máquina administrativa e a Justiça brasileira são confiáveis? ‘Não’, eu diria numa conversa de boteco. Mas nós somos assim: se a decisão nos agrada, damos manchete; se não, notinha de pé de página, e olhe lá. Ainda que tenha havido imoralidade no julgamento, é obrigação do jornalista tentar descobri-la. Que nada… É o princípio do ‘in dubio, pau no réu!’.

Agora as vedetes deram para se pegar no salão (que frase dúbia…). Uma quer provar que a outra não presta. Não há necessidade. Ao menos nesse episódio, já sabemos. Mas vamos e venhamos: a turma da IstoÉ que perpetrou a matéria contra a Veja é de uma cara-de-pau leonina. Fingiu que só a outra tinha dado a capa contra o Ibsen. Esculhambou geral e provou que, para a revista, nós leitores não passamos de marionetes. E mais tolos do que conseguiríamos ser. Mostrou que está abraçada à mentira, e isso é fatal no jornalismo. A IstoÉ, hoje, é uma revista morta. Espero que um dia ressuscite. E a Veja? Para ‘provar’ que a IstoÉ vende matéria, nada investigou: pôs a acusação na boca dos jornalistas de outros veículos, como o Milton Coelho da Graça, nosso colega aqui do Comunique-se.

Honestamente, tenho muitas dúvidas, numa época em que é bonito ter certeza de tudo. A Veja quer nos fazer crer que a confissão de Luís Costa Pinto tenha sido estimulada por interesses pecuniários. A Folha, esperta, aproveitou a baixaria e descolou uma manchete: o jornalista Lula trabalha para a Coca-Cola (supostamente, como lobista no Congresso) e para o presidente da Câmara, eminente integrante da legião de um governo que defende o Conselho Federal de Jornalismo, esse que foi detonado pela revista da Abril. O ex-repórter terá de explicar essa sua nova ‘dupla função’.

Mas, ou sou muito ingênuo (fico com esta), ou pouco criativo, pois não consigo imaginar um cidadão a implodir a própria carreira em público para receber dinheiro. Já assisti a alguns filmes em que o bandido põe a mão na grana para ir para a cadeia no lugar de outro, coisas assim, que, dizem, acontece mesmo. Mas acho que fica melhor no cinema.

Fala-se muito na demora de Costa Pinto em se redimir. Onze anos é muito tempo. E daí? A prepotência de certos articulistas é que não tem limite. Querem agora decretar o que é aceitável e o que não é no terreno da consciência. Com o cronômetro na mão, instituíram o deadline do arrependimento, como se fosse simples comprometer a vida para reparar uma injustiça que solapou a outra. Costa Pinto não é santo, mas me dêem outro argumento para desmerecê-lo. Esse é burro, próprio de quem não conhece o ser humano.

Agora que esse baile funk de máscaras acabou (ou será só o início?), fico a me perguntar o que pensam os estudantes de jornalismo. Aproveite o fórum e me diga: você não teme um ambiente como o nosso, desses que a mãe da gente dizia para que não freqüentássemos? Quando eu estava na faculdade, pensava muito nisso, achava que uma legião de chefes-vikings tentaria me obrigar a fazer sacanagens contra os seus inimigos. E você? Acha normal? Não dá um frio na barriga?

Vergonha!’



Tereza Cruvinel

‘Ibsen agradece’, copyright O Globo, 18/08/08

‘Na esteira da discussão sobre o Conselho Federal de Jornalismo, a liberdade e a responsabilidade da imprensa, o ex-deputado Ibsen Pinheiro colheu o reconhecimento tardio de que houve erro numa das reportagens que fundamentaram o processo de sua cassação. Esta coluna registrou ontem a iniciativa do deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ) de pedir à Câmara a revisão do processo e, se for o caso, a retratação pública da Casa. Ibsen agradece mas não deseja tal revisão nem qualquer reparação.

‘Com certeza é uma proposta de boa-fé, pois formulada por um homem íntegro, e por isto lhe sou reconhecido’, escreve Ibsen, observando, porém, que ela tem a característica da impossibilidade, ao menos pelas razões que aponta:

a) Os processos políticos, ao contrário dos judiciais, têm a instância única da opinião pública;

b) Não há previsão legal ou regimental do procedimento proposto;

c) Em seu caso, considera que a revisão já aconteceu, e se não é uma reparação integral, é a reparação possível.

Diz ele ainda: ‘Considero uma graça ter sobrevivido para ver este momento. Por isso desde a primeira hora tenho dito que não pretendo processar ninguém. Fazê-lo seria reduzir o acontecido a uma mera conspiração, além de diminuir-me ao dar uma cifra ao que sofri. Não, não foi uma conspiração que me atingiu, nem o produto de uma mente malsã. Foi um processo político com envolvimento da opinião pública, em que todos os fatores convergiram. Inclusive os erros da imprensa, e, eventualmente, a ação de inimigos políticos. Mas nenhum desses fatores é culpado no sentido estrito, e por isso nego-me a fazer um inventário de culpas.’

Acha ele ainda que é simplista a atribuição da responsabilidade pela cassação a uma publicação: ‘Ninguém teria tal força, isoladamente. Nem o que ‘Veja’ fez foi discrepante do clima generalizado de então. Não fui cassado por uma revista mas pela Câmara dos Deputados, e nem ela própria merece o carimbo da culpa. Foi também levada pela avalanche. Era cassar ou cassar.Tenho consciência, além de ciência própria, de que entre os ‘cassadores’ pode ter havido muitos votantes de boa-fé, gente decente que imaginava estar fazendo o certo, de cambulhada com outros (provavelmente minoritários) que agiam por motivos peculiares, alimentados pela vindita ou por projetos pessoais e políticos de cada um, de grupos ou de partidos. A vida pode ter-me dado, neste final, menos do que eu merecia mas deu-me muito mais do que eu esperava. No que depender de mim, só falta pingar o ponto final’.

Por sinal, ontem ‘Veja’ divulgou, em sua versão online, o texto ‘Uma farsa chamada IstoÉ’. Mostra que a revista que agora levantou o assunto também publicou, na época, reportagem de idêntico teor, em que até o título era o mesmo.

Afora a contenda empresarial, é a discussão das práticas da imprensa prosperando, apesar das reações ao natimorto CFJ.’