Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eduardo Ribeiro

‘Lembro-me bem, nos bancos da burguesa FAAP, de ter ouvido, em sala de aula, Rodolfo Konder defender ideais socialistas, em plena ditadura militar. Era uma ousadia sem igual, e um bálsamo para o espírito de estudantes ‘quase’ prontos para a revolução. O time de professores da FAAP tinha também outros nomes ligados a movimentos de esquerda, como Marco Antonio Rocha e George Duque Estrada.

Todos eles foram contemporâneos e amigos de Vladimir Herzog, e como ele foram presos e submetidos à sanha selvagem da política da ditadura, naquele outubro negro de 1975. Os três sobreviveram, felizmente, e estão na lida até hoje. Vlado foi brutalmente assassinado nos porões do Doi-Codi.

Assim, desse modo inusitado, foi que eu e minha turma de FAAP debutamos no mundo real, subjugados pela ditadura militar, tendo de agregar à nossa juventude um saber político que não trazíamos do aprendizado familiar.

Fomos forjados na lida e no embate e desde então, e sempre, esse grupo se manteve coeso e unido, lutando a boa luta, com as armas de que dispunha: a voz, os braços, as pernas, o coração e a mente.

Hoje (na verdade dia 25 de outubro), quando se completam 30 anos do assassinato de Vlado, que minha turma, ao que me lembro, não chegou a conhecer pessoalmente, todas as homenagens que se fizerem ainda serão poucas pelo que esse sacrifício humano representou para o País e para a sociedade brasileira.

Embora não oferecesse perigo algum a quem quer que fosse, com seu jeito maneiro, tranqüilo e sereno de ser, Vlado acabou transformando-se numa espécie de inimigo número 1 da ditadura e, involuntariamente, após seu assassinato, em mártir da liberdade e da democracia. Uma figura-chave para a resistência e para o enfrentamento que as forças democráticas viriam a ter com as forças repressoras.

A data não passará em branco. Ao contrário. São dezenas as atividades programadas, fruto do esforço conjunto do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e de uma Comissão liderada por Audálio Dantas (à época do assassinato ele próprio presidente do Sindicato dos Jornalistas) e integrada, entre outros, por Sérgio Gomes, Fred Pessoa, Paulo Markun, Rodolfo Konder e Pola Galé, todos vítimas da repressão nos chamados anos de chumbo. Essa comissão reuniu-se nos últimos meses com o Sindicato para discutir e preparar as homenagens. Nunca é demais lembrar que foi do Sindicato que partiram os protestos e a mobilização que culminou com a realização do culto ecumênico na Catedral, em 31 de outubro de 1975, com a presença de oito mil pessoas, a maior manifestação pública ocorrida desde o AI 5. Entre as várias homenagens especiais, duas se destacam:

* O culto inter-religioso, que acontecerá na Catedral da Sé, no domingo (23/10), às 16h – com celebração, como há 30 anos, pelo cardeal emérito Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henri Sobel, o pastor Elias Andrade Pinto, da Igreja Presbiteriana, mais a participação de outras 17 confissões religiosas e um coro de mil vozes do Fórum Coral Mundial, regido pelo maestro Martinho Lutero;

* A exposição de arte, denominada Caderno de Anotações – Vlado, 30 anos, que tem como curadora Radha Abramo. Será inaugurada no sábado (22/10), às 11h, na Estação Pinacoteca (antigo Dops), com a participação de 35 artistas plásticos, entre os quais Lúcia Py, Maria Bonomi, Aguilar, Guto Lacaz, Cirton Genaro, Fernando Lemos, Gregório Gruber e Cláudio Tozzi. As obras que estarão expostas são intervenções em cadernos de anotações do tipo usado pelos jornalistas.

A programação inclui as seguintes homenagens (com datas, endereços e horários, para os que quiserem acompanhar):

* 19/10 (4ª.feira) – Lançamento da 6ª edição do livro Dossiê Herzog, de Fernando Pacheco Jordão (na sede do Sindicato dos Jornalistas – Rua Rego Freitas, 530, sobreloja), às 19h; e exibição do Especial Vlado, no programa Diálogo Brasil (TV Educativa/Radiobrás/TV Cultura), às 22h30

* 20/10 (5ª.feira) – Sessão Solene na Câmara Municipal de São Paulo (Viaduto Jacareí, 100), às 19h; seguida de Concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, na Sala São Paulo (Praça Júlio Prestes, s/nº), às 21h

* 21/10 (6ª.feira) – Ato simbólico no portal do Presídio Tiradentes (Av. Tiradentes), às 10h30

* 21 a 23/10 (6ª.feira a domingo) – Fórum Coral Mundial pela Paz e Direitos Humanos

* 22/10 (sábado) – Inauguração da exposição Vlado, 30 anos (celas do Deops, na Estação Pinacoteca – Largo General Osório, 66), às 11h; e encontro de cantores e regentes com autoridades culturais e políticas, no Parlatino (Av. Auro Soares de Moura Andrade, 564), às 20h

* 23/10 (domingo) – Abraço do Coral de Cantores em torno da Catedral da Sé, seguido de apresentação nas escadarias e de participação em ato inter-religioso, com apresentação do Coral de 1.000 vozes, sob a regência do maestro Martinho Lutero, a partir das 14h

* 24/10 (2ª.feira) – Sessão Solene na Assembléia Legislativa de São Paulo (Plenário JK), às 10h; e inauguração da Sala Vladimir Herzog da Associação dos Cronistas Políticos, na própria AL, às 11h30; mais solenidade no auditório da Universidade São Judas Tadeu (Rua Taquari, 546), às 19h

* 25/10 (3ª.feira) – Mesa-redonda no Auditório da Faculdade de História da USP, das 14h às 17h, promovida pelo Laboratório de Estudos da Intolerância; e à noite a cerimônia de entrega do XXVII Prêmio Vladimir Herzog e do I Prêmio Vladimir Herzog para Novos Talentos do Jornalismo, às 19h; mais show de MPB no auditório da TV Cultura, com transmissão ao vivo, às 22h30

* 27/10 (5ª.feira) – Homenagem a Vlado e Tim Lopes na sessão de abertura do 1º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo na PUC/RJ

A programação completa pode ser conferida no site do Sindicato, www.jornalistasp.org.br’



Rodrigo Pereira

‘Na Sé, ato em memória de Vlado’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/10/05

‘A homenagem na Catedral da Sé em memória da morte do jornalista Vladimir Herzog ontem foi uma reedição de sua missa de 7º dia, que há 30 anos uniu diferentes grupos religiosos e políticos inconformados com sua morte, sob tortura. A reação à morte de Vlado, que o regime militar anunciou como suicídio, marcou o início da luta pela redemocratização – o jornalista passou a ser encarado como símbolo da tolerância, da justiça e da busca pela paz.

Além dos familiares e amigos de Vlado, o ato ecumênico de ontem, que durou quase duas horas, pôs lado a lado políticos de vários partidos, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o prefeito José Serra e o deputado Alberto Goldman, todos do PSDB, o deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e os ex-petistas Ivan Valente e Plínio de Arruda Sampaio, que hoje estão no PSOL. Acolheu e deu voz aos mais variados grupos religiosos, de católicos, protestantes e judeus a xamanistas, muçulmanos, espiritualistas e hindus.

Clarice Herzog, mulher de Vlado, chorou e lembrou de d. Hélder Câmara, na época arcebispo de Olinda, a quem atribui o apoio que a fez conseguir criar os filhos e seguir a vida. ‘Há 30 anos ele (d. Helder) esteve aqui e não pôde abrir a boca, porque estava proibido, porque era perigoso, como o Vlado representava o perigo’, disse, para em seguida, ler o poema Deve ser Pesadelo, de d. Helder à Herzog.

‘Gostaria de recordar os compromissos que assumimos há 30 anos, neste mesmo local, diante dos despojos daquele que havia sido arrebatado a força de nosso meio e tinha sido caluniado de toda forma, e depois foi glorificado no Brasil e no mundo inteiro’, disse d. Paulo ao iniciar o ato. Ele falou de Vlado como amigo e mártir da liberdade e da democracia. ‘Deus faz questão de dizer aos homens que é maldito quem mancha as mãos com o sangue de seu irmão. Então Vlado Herzog não terá morrido em vão, mas terá coroado os corações jovens para a sua autêntica missão na vida.’

O rabino Henry Sobel, que junto a D. Paulo comandou a missa ontem e há trinta anos, comentou com indignação a morte de Herzog, mas argumentou que ela ‘surtiu efeitos positivos incomensuráveis’ no País. ‘O maior tributo que podemos render hoje à memória do Vlado é assumir o compromisso de reagir contra a violência, contra a violação dos direitos humanos.’ A grande lição, continuou, foi de que ‘o silêncio é o maior dos pecados, o silêncio só beneficia o opressor, nunca a vida. Assumimos hoje o compromisso de nunca mais calar, o mais grave dos pecados’.

Alckmin afirmou que a missa de 7º dia de Vlado foi ‘uma indignação santa que acabou mudando o Brasil’, trazendo a democracia ‘que cada dia se consolida mais no País’. Serra disse que ‘o sacrifício de Herzog representou o ponto decisivo na restauração da liberdade e dos direitos humanos no Brasil’.

Os dois políticos receberam elogios de D. Paulo. ‘Vamos trabalhar junto com o nosso governador, que tem um grande coração, e o nosso prefeito, que tem uma inteligência privilegiada.’ Para D. Paulo, os políticos, ‘junto com o Vlado, lá de cima onde está com Deus’, podem proporcionar ‘a paz e o desenvolvimento indispensável para que os homens sejam felizes’.

Ivo Herzog, filho de Vlado, que na época de sua morte tinha 8 anos, elogiou o ato e pediu que a mensagem de luta pela paz e pelos direitos humanos seja disseminada. ‘A violência hoje é outra, passou para um caráter mais social, mas a luta é sempre a mesma, pela dignidade humana’, disse. ‘Muitos que estão aqui hoje ou que ouvem sobre o meu pai nem viveram na sua época, mas percebem que é muito importante e reconhecem o legado que ele deixou.’’



Ricardo Melo

‘Filho de Herzog revela depressão e revolta’, copyright Folha de S. Paulo, 23/10/05

‘Durante muito tempo, Ivo Herzog amargou seqüelas provocadas pela morte do pai numa cela do aparato repressivo do regime militar. Ivo tinha, na época, nove anos. Como qualquer criança, não imaginava que o pai pudesse partir tão cedo, com apenas 38 anos. Pior: nunca lhe passaria pela cabeça que Vladimir Herzog viesse a ser torturado até a morte.

O choque emocional foi tão grande que o filho começou a ter dificuldades inclusive para comer. Ouviu vários diagnósticos, nenhum conclusivo. Com a ajuda da psicanálise, Ivo agora está convencido de que foi vítima de uma depressão fortíssima, ‘que talvez tenha durado trinta anos’.

Hoje, aos 39 anos, engenheiro naval formado pela USP e trabalhando na área de comércio exterior, Ivo parece querer recuperar o tempo em que era arredio e pouco falava para o mundo. Eleitor do PSDB, não descarta seguir algum dia a carreira política.

Já o irmão, André, um ano e meio mais novo, que trabalha como urbanista no Banco Mundial, em Washington, vota no PT. Separado há seis meses, Ivo tem um filho de 8 anos, Lucas. ‘Ele é muito curioso, já sabe muita coisa sobre o avô e quer até ler os livros sobre aquela época’, conta. A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Folha no seu apartamento, em Santos.

Folha – O que você lembra do momento da prisão de seu pai?

Ivo Herzog – Lembro que nós fomos para TV Cultura para pegar meu pai. Eu ficava brincando na máquina de telex e também lembro que dois policiais com roupa de agente secreto estavam tentando fazer a prisão. Depois o que eu lembro é no dia 26, quando minha mãe veio falar para nós o que tinha acontecido. Eu e meu irmão dormíamos no mesmo quarto. Ela sentou na beirada da cama e disse que houve um acidente.

Folha – Acidente de carro?

Ivo – Isso é o que ela conta que disse para gente. Eu mesmo não recordo.

Folha – Sua mãe disse que você falava que seu pai tinha morrido na cadeira elétrica….

Ivo – Eu tinha um pouco dessa imagem. Lembro do velório no Einstein, da procissão de carros indo para o cemitério. Quando vi o filme do João Batista [de Andrade] e vi a imagem do caixão, muita coisa voltou à cabeça, parece que recuperou. Lembro da praça da Sé, da missa, de uma raiva dentro de mim crescendo e de muita gente que conheci naquele dia, como o d. Paulo, personagens que eu aprendi a respeitar, mesmo não sendo católico. Foi nosso primeiro contato também com o rabino Henry Sobel.

Folha – Que lembranças você tem da convivência com o seu pai?

Ivo – Ele gostava de fotografar, tinha uma Asahi Pentax, uma máquina manual. Aprendi a fotografar com aquela máquina, tenho ela até hoje. Ele também tinha um telescópio e aprendi com ele a mexer no aparelho, mas nunca consegui achar uma estrela.

Só fui aprender 30 anos depois, quando comprei um telescópio computadorizado. A gente pescava em Ilhabela e no sítio em Bragança, uma coisa mais ligada ao meu irmão, André. Meu pai gostava de bichos. Tinha pato, marreco, pombas no sítio. Lembro que ele não dirigia. Minha mãe levava a gente para cima e para baixo.

Folha – Quando você se deu conta das circunstâncias da morte?

Ivo – Eu não sei precisar exatamente. Mas no velório, por exemplo, já deu para perceber que era uma coisa conturbada, havia muita gente, muita imprensa, dava para ver que não era um evento normal. Eu estudava no Vera Cruz. O filho do Paulo Egydio Martins [governador de São Paulo na época] estudava lá também. Eu lembro que ele falou uma besteira para mim, que meu pai tinha se matado, uma coisa assim.

Folha – Você reagiu?

Ivo – Não sei dizer. Eu tive um problema que não sei bem o que foi, agora estou até fazendo análise. Parece que depois que meu pai morreu eu entrei numa depressão muito forte. Os médicos nunca fizeram um diagnóstico preciso, mas hoje parece que tudo não passou de uma grande depressão.

Perdi muito peso. Era muito introvertido, gostava de aquário, astronomia, comecei cedo a mexer com computador. Umas coisas assim que hoje a gente chama de meio nerd. Nunca fui de ficar indo em festas, preferia ficar meio quieto no meu canto.

Folha – Quanto tempo durou a depressão?

Ivo – Estou descobrindo que talvez tenha durado 30 anos.

Folha – Em que momento você soube que seu pai era do PCB?

Ivo – Faz muito pouco tempo, talvez uns dois ou três anos.

Folha – Mas isso saiu em livros, reportagens…

Ivo – Sim, mas nunca esteve muito claro para mim. Muita gente falou que ele era, mas só teria certeza de que ele era num dia em que minha mãe falasse, ou alguém próximo. Não que seja relevante.

Folha – Sua mãe, numa entrevista, falou sobre como ela soube que o seu pai tinha entrado no PCB….

Ivo – É, mas essa história nunca foi conversada comigo e meu irmão. Ou nem sei se havia algum processo de proteção que me impediu de ouvir. A ficha sobre isso só caiu há uns dois ou três anos.

Não que tivesse algum problema. Ser do PCB era motivo de orgulho naquela época, era a simbologia maior da esquerda. Nas eleições de 1978, eu votei no Alberto Goldman, que era do MDB mas todo mundo sabia que era do PCB. E eu nem relacionava isso ao fato de meu pai ter sido do PCB.

Na minha maneira de ver, para lutar contra o regime daquela época, existiam duas formas: ou a Igreja Católica ou o PCB. Como o meu pai era ateu, escolheu outra via, mas não porque fosse a favor do modelo soviético, do bolchevismo, da ditadura do proletariado, isso é besteira. Fundamentalmente ele queria promover a liberdade de opinião, a democracia, a ética.

Folha – Como você se sentiu sabendo que as pessoas que mataram seu pai acabaram impunes com a anistia?

Ivo – É difícil, mas você tem que levar em conta o bem maior, e no caso a anistia era esse bem maior. Outra coisa que temos que lembrar é que as pessoas que torturaram eram operários de uma linha de produção, não eram os diretores da fábrica. O importante é entender por que aquelas coisas aconteciam.

Folha – Qual sua relação com a política?

Ivo – Acho que política é uma coisa séria. Por isso eu acho imperdoável o Rodolfo Konder [jornalista que foi preso na mesma época de Herzog], uma figura importante, ter trabalhado com o Maluf. O Maluf é um cara que, se eu estiver numa cerimônia e ele vier me cumprimentar, eu viro as costas. Participei muito na época da anistia, ia em eventos com a minha mãe, manifestações no Tuca, fiz boca de urna em algumas eleições, participei da campanha do FHC contra o Jânio para a Prefeitura de São Paulo.

Folha – Você está em algum partido?

Ivo – Fiz muito voto útil na minha vida, votei no Lula contra o Collor, votei na Erundina, no Suplicy, mas sou PSDB, embora nunca tenha me filiado a nenhum partido. O PT sempre olhou muito para o umbigo dele sem olhar o todo, o FHC perdeu do Jânio muito por causa do PT.

Eu me considero de esquerda, considerando esquerda alguém que defende o social . Sou a favor do capitalismo com melhor distribuição de renda. O Estado para mim tem que dar saúde, educação, moradia e segurança. Se o Estado conseguir dar educação, haverá maior distribuição de renda.

Folha – Como você avalia o governo do PT?

Ivo – Lamentável. Não tenho nada contra um operário ser presidente da República. Só que o Lula deveria ter sido um pouco mais profissional. Eu acho que o Lula está preso a um discurso que fazia sentido vinte anos atrás e não se importou em se atualizar.

O mundo mudou e ele não se deu ao trabalho de discutir, se acomodou. Tem gente que não estuda porque não tem oportunidade. No caso dele, não. Poderia ter participado de fóruns sobre gestão, ideologias, conceitos sociais, mas não fez nada disso.

É como se ele tivesse pensado: me elegi presidente, vou colocar um cara para tocar, como o Zé Dirceu, e vou viajar. Esse negócio de dizer que os acusados do mensalão só fizeram caixa dois… É errado, foi bandidagem, tem que ser punido. O triste é que tem gente que acaba achando que o Roberto Jefferson é herói…

Folha – Você pensa em fazer carreira política?

Ivo – Um dia talvez. Hoje a política que eu faço é num nível micro, mas acho que a gente nunca pode ficar indiferente. Depois tem essa herança do meu pai, o fato de ele ter morrido do jeito que ele morreu, o governo que fez aquilo de um lado, e de outro um grupo de pessoas que eu tinha que apoiar porque lutava contra aquilo lá.

Mas, para ser político profissional, eu acho que preciso me informar mais, me preparar mais. Eu vivi muito tempo à sombra da atuação da minha mãe. Durante muitos anos eu mais escutei, agora começo a falar um pouco.

Folha – Nem você nem seu irmão pensaram em seguir a profissão do seu pai?

Ivo – Eu bati na trave. Eu tenho uma matrícula trancada no jornalismo da PUC. Quando eu não sabia direito o que eu ia fazer na vida, fiz um teste vocacional aos 18, 19 anos. Deu exatas e humanas. Aí fiz vestibular para engenharia na USP e jornalismo na PUC, mas nunca assisti a uma aula de jornalismo.

E também pensei o seguinte: se algum dia eu quiser ser jornalista, não preciso fazer jornalismo, embora tenha esse negócio do diploma, que eu acho uma bobagem. Meu pai era filósofo.

Folha – O que significa ser filho de Vladimir Herzog?

Ivo – Eu acho que me dá um norte, é um ímã que me puxa numa direção muito forte. Direção da ética, da honestidade, da integridade, da indignação diante de injustiças.’



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‘Erasmo Dias sustenta ‘suicídio’ até hoje’, copyright Folha de S. Paulo, 23/10/05

‘Mesmo aos 81 anos, o coronel reformado Erasmo Dias fala com voz firme e postura militar, seus olhos claros a mirar o infinito como se estivesse reinvestido momentaneamente do cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo, que ocupou de 1974 a 1979.

Quando se refere aos acontecimentos que levaram à morte do jornalista Vladimir Herzog, Erasmo não hesita em defender a repressão contra o que ele chama de ameaça comunista.

‘Todos eles tinham cara de santo, mas não passavam de lobos em pele de cordeiro’, afirma Dias, e Vladimir Herzog seria um deles. Antes de ser nomeado para dirigir o jornalismo da TV Cultura, Herzog teve sua vida esquadrinhada pelo Serviço Nacional de Informações. Nada se encontrou, mas Erasmo Dias insiste que ele era um ‘agitador marxista’.

O coronel diz que tinha apenas papel auxiliar na repressão aos grupos clandestinos, pois a tarefa era centralizada nos organismos de informação das Forças Armadas. Dessa maneira, afirma, não esteve envolvido diretamente na operação que resultou na morte do jornalista. Mas sustenta até hoje, sem pestanejar, a versão do Inquérito Policial Militar que traz um laudo que a Justiça considerou imprestável como prova de que Herzog teria se matado. Não faz o mesmo, no entanto, em relação à morte do operário Manuel Fiel Filho, em janeiro de 1976.

Erasmo Dias conta que foi chamado pelo general Ferreira Marques, chefe do Estado Maior do 2º Exército e responsável pelos organismos de repressão em São Paulo: ‘Erasmo, morreu outro cara lá, dá para você ver isso para mim?’. O coronel afirma ter sido o primeiro a entrar na cela onde estava o metalúrgico, acompanhado de um legista. Viu um cadáver estirado no chão com meias, ou lenços, não lembra ao certo, amarradas no pescoço com um nó na frente. Então perguntou ao médico qual a probabilidade de ter havido um suicídio. Teve como resposta que havia essa possibilidade, embora muito remota.

A versão de suicídio prevaleceu por conveniência militar, mas não impediu a demissão sumária do comandante do 2º Exército, Ednardo D’Ávila Mello.

Talvez com um atraso de três décadas, o coronel afirma ter sido sempre contra agressões a presos. Hoje ele exibe uma visão seletiva da tortura. ‘Para bandido vagabundo, desses que merecem até pena de morte, você pode recorrer às vezes a certos expedientes, mas institucionalizar a tortura, isso é estupidez.’ Dias considera sobretudo perda de tempo: ‘Não leva a nada porque, quando chega em juízo, o sujeito nega tudo’.

Embora partidário da repressão aos adversários do regime militar, o ex-secretário afirma que o DOI-Codi exagerou na dose e superestimou o potencial da subversão. ‘Queriam mostrar serviço’, diz.

Para ilustrar, rememora o cerco a uma reunião do Partido Comunista do Brasil realizada na Lapa, em 1976, em São Paulo. ‘Na sede do PC do B, eu acho que a arma maior que tinha lá devia ser um lápis.’ Na manhã daquele 16 de dezembro, o Exército montou uma operação de guerra em que morreram metralhados dois dirigentes do partido e pelo menos um devido a torturas.’



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‘Geisel sabia de ‘farsa’, afirma ex-secretário’, copyright Folha de S. Paulo, 23/10/05

‘O presidente Ernesto Geisel sabia que Vladimir Herzog não tinha se matado, mas esperou o momento certo para ‘domar as feras, a linha dura, que não era brincadeira’. É o que diz o ex-secretário de Imprensa da Presidência da República, Humberto Barreto, ao comentar a reação do então chefe do regime militar diante da morte do jornalista. ‘O presidente nem precisava falar para mim que não acreditava na versão do suicídio. Bastava ver as fotos’, afirma Barreto, hoje com 74 anos.

Ele relembra que, depois da morte de Herzog, Geisel se reuniu a portas fechadas com o comandante do 2º Exército, Ednardo D’Ávila Mello. O encontro aconteceu no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. ‘Ao voltarmos à Brasília, o presidente me disse que havia advertido o general de que aquilo não podia acontecer mais. Geisel achava que Ednardo podia até não ser o culpado, mas era o responsável, como comandante militar da área.’

Quando o operário Manuel Fiel Filho morreu de ‘suicídio’ em janeiro de 1976, o que ‘não podia acontecer mais’ aconteceu de novo. ‘O presidente me chamou e disse: Pode se preparar que vem uma bomba aí. Foi uma das poucas noites da minha vida em que eu não preguei os olhos. Aconteceu um fato muito grave. Um preso em São Paulo foi assassinado, morreu na prisão lá. Eu vou demitir o Ednardo agora.’ Dito e feito.

Barreto não tem dúvida de que Herzog foi vítima de um embate maior, em que os chamados porões resistiam à abertura política propalada por Geisel.

A escalada contra o Partido Comunista naqueles meses seria uma demonstração de força da chamada linha dura, que tinha em Ednardo um representante destacado e o ministro do Exército, Sylvio Frota, como expoente. ‘Chegaram a soltar panfletos nos quartéis acusando Geisel e o Golbery do Couto e Silva [ministro-chefe do Gabinete Civil] de comunistas’, afirma o ex-secretário de Imprensa.’



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‘Caso Herzog foi ‘gota d’água’, afirma jornalista’, copyright Folha de S. Paulo, 23/10/05

‘Até hoje Audálio Dantas se emociona ao rememorar a semana que, para muitos, foi um marco decisivo na luta contra o regime militar. No período que separa o dia da morte de Vladimir Herzog, em 25 de outubro, até a realização do culto ecumênico na Praça da Sé, na sexta-feira seguinte, dia 31, o então presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo dormiu muito pouco.

‘Para começar, permaneci acordado de sábado à noite, ao ser avisado da morte do Vlado pelo Fernando Pacheco Jordão, até segunda-feira, dia do enterro’, lembra Dantas, que havia assumido o sindicato alguns meses antes, em maio. ‘O que mantinha a gente de pé era o sentimento de revolta e a solidariedade dos colegas.’

O afluxo espontâneo, e não só de jornalistas, ao sindicato era sintoma de que alguma coisa nova estava ocorrendo. ‘Já se sabiam de tantos casos de morte devido a prisões; de repente aquele momento era o da chamada gota d’água, em que as pessoas diziam que não dava mais para aguentar.’

Ele conta a dificuldade de conciliar a revolta com os limites da lei, num tempo em que, com uma simples penada, o governo podia destituir a diretoria do sindicato e nomear uma de seu agrado.

‘Desde o começo ninguém acreditou na versão de suicídio, mas a gente não podia soltar uma nota dizendo que os militares estavam mentindo’, afirma Dantas. ‘Estávamos no fio da navalha, e a saída foi denunciar a ilegalidade das prisões e dizer que as autoridades eram responsáveis pela integridade dos presos.’

A proposta de culto ecumênico foi sugestão de Hélio Damante, diretor do sindicato. Foram dias de muita pressão e tensão crescente. ‘Tínhamos plena consciência de que aquele processo tinha uma importância muito grande, todo mundo estava esperando para ver o que ia acontecer no culto’, recorda Dantas.

O resto da história todos conhecem: apesar dos bloqueios policiais esparramados pela cidade, cerca de oito mil pessoas foram à Catedral da Sé. Foi a primeira grande manifestação contra o regime militar depois do Ato Institucional nº 5. Aos 76 anos, Dantas dedica-se agora a escrever um livro resgatando a atuação do sindicato naqueles dias. ‘A sociedade, naquele momento, despertou e disse: então eles matam? Muita gente não acreditava nessa hipótese.’’



Lilian Christofoletti

‘Delegado não admite codinome do passado’, copyright Folha de S. Paulo, 23/10/05

‘O delegado que estava de plantão no dia em que o jornalista Vladimir Herzog foi encontrado morto em sua cela, no dia 25 de outubro de 1975, um sábado, até hoje não reconhece o codinome assumido no passado.

Mesmo tendo sido apontado por diversos ex-presos políticos como o ‘Capitão Ubirajara’, acusado de práticas de tortura durante o período da ditadura, o delegado Aparecido Laertes Calandra afirma que tudo isso não passa de um equívoco.

‘Nunca usei codinomes. E no dia 25 de outubro de 1975 eu estava de plantão no Decap [Departamento de Polícia Judiciária da Capital], antigo Degran [Departamento Regional de Polícia da Grande São Paulo]’, afirmou Calandra à Folha anteontem.

A identidade completa do delegado só foi conhecida em 1983, quando ele foi trabalhar com o senador Romeu Tuma (PFL-SP), na Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo.

Foi o ‘Capitão Ubirajara’ quem comunicou à Divisão de Criminalística a existência de um morto na cela especial número um do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna), sucessor da Oban (Operação Bandeirantes) criada pelo general Canavarro Pereira para combater os grupos de esquerda.

Naquele dia, o ‘Capitão Ubirajara’ requisitou os serviços de perícia para que o corpo de Herzog fosse examinado.

‘Não tenho nada a ver com isso. Não sei do que você está falando. Desconheço totalmente esse assunto’, disse Calandra. Após ser questionado três vezes pela reportagem sobre em quais circunstâncias conheceu o senador Romeu Tuma, a ligação foi interrompida.

Diversos presos políticos que sobreviveram às torturas durante a ditadura dizem reconhecer Calandra como sendo o próprio torturador.

A ex-militante do movimento MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) Nádia Lúcia Nascimento, presa sob a acusação de subversão em abril de 1974, disse ter sido torturada pelo próprio Calandra.

Ao ser foi presa, Nádia estava grávida de quatro meses. ‘Nunca me esqueceria daquele rosto’, disse Nádia à Folha, em entrevista em outubro do ano passado. Outro ex-preso político que afirma ter reconhecido Calandra é o ex-presidente nacional do PT José Genoino.

O delegado Calandra hoje trabalha no setor de materiais do Departamento de Administração de Pessoal (DAP) da Polícia Civil. O setor está localizado na Luz, centro de São Paulo. O delegado ocupa uma sala do 16º andar.

Extrema direita

Antes de trabalhar no DAP, Calandra era o responsável pela coleta de informações sigilosas da Polícia Civil. Após reportagem da Folha noticiar em 14 de abril de 2003 que Calandra ocupava posição estratégica dentro da polícia, entidades de defesa dos direitos humanos protestaram.

Foi então que o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) determinou a transferência de Calandra para um departamento burocrático e de menor visibilidade da Secretaria de Segurança Pública.

Passados 30 anos da morte de Herzog, poucos amigos ainda chamam Calandra de ‘Capitão Ubirajara’. Amigos da polícia dizem que o delegado é conhecido por sua tendência política de extrema direita e disseram que ele costuma referir-se aos ex-presos políticos como ‘vermelhos’ ou comunistas.’



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‘Delegado Laertes Calandra nega ter visto Herzog’, copyright Folha de S. Paulo, 23/10/05

‘O delegado que estava de plantão no dia em que Vladimir Herzog foi encontrado morto em sua cela, no dia 25 de outubro de 1975, um sábado, até hoje não reconhece o codinome assumido no passado. Mesmo tendo sido apontado por diversos ex-presos políticos como o ‘Capitão Ubirajara’, acusado de práticas de tortura durante a ditadura, o delegado Aparecido Laertes Calandra afirma que tudo isso não passa de um equívoco.

‘Nunca usei codinomes. E no dia 25 de outubro de 1975 eu estava de plantão no Decap [Departamento de Polícia Judiciária da Capital], antigo Degran [Departamento Regional de Polícia da Grande São Paulo]’, afirmou Calandra à Folha anteontem.

A identidade completa do delegado só foi conhecida em 1983, quando ele foi trabalhar com o senador Romeu Tuma (PFL-SP), na Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo.

Foi o ‘Capitão Ubirajara’ quem comunicou à Divisão de Criminalística a existência de um morto na cela especial número um do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna), sucessor da Oban (Operação Bandeirantes) criada pelo general Canavarro Pereira para combater os grupos de esquerda.

Naquele dia, o ‘Capitão Ubirajara’ requisitou os serviços de perícia para examinar o corpo de Herzog.

‘Não tenho nada a ver com isso. Não sei do que você está falando. Desconheço totalmente esse assunto’, disse Calandra. Após ser questionado três vezes pela reportagem sobre em quais circunstâncias conheceu o senador Romeu Tuma, a ligação foi interrompida.

A ex-militante do movimento MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) Nádia Lúcia Nascimento, presa sob a acusação de subversão em abril de 1974, disse ter sido torturada pelo próprio Calandra. Quando foi presa, Nádia estava grávida de quatro meses. ‘Nunca me esqueceria daquele rosto’, disse Nádia à Folha, em entrevista em outubro do ano passado. Outro ex-preso político que reconheceu Calandra é o ex-presidente nacional do PT José Genoino.

O delegado Calandra hoje trabalha no setor de materiais do Departamento de Administração de Pessoal (DAP) da Polícia Civil no bairro da Luz, centro de São Paulo. O delegado ocupa uma sala do 16º andar.

Extrema direita

Antes de trabalhar no DAP, Calandra era o responsável pela coleta de informações sigilosas da Polícia Civil. Após reportagem da Folha noticiar em 14 de abril de 2003 que Calandra ocupava posição estratégica dentro da polícia, entidades de defesa dos direitos humanos protestaram e o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) determinou sua transferência para um departamento burocrático e de menor visibilidade da Secretaria de Segurança Pública.

Passados 30 anos da morte de Herzog, poucos amigos ainda chamam Calandra de ‘Capitão Ubirajara’. Amigos da polícia dizem que o delegado é conhecido por sua tendência política de extrema direita e disseram que ele costuma referir-se aos ex-presos políticos como ‘vermelhos’ ou comunistas.’



O Globo

‘Missa pela morte de Herzog lota a Sé’, copyright O Globo, 24/10/05

‘Um ato ecumênico lotou ontem a Catedral da Sé, em São Paulo, com cerca de 1,2 mil pessoas, para lembrar os 30 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado durante o regime militar, em 1975. Representantes de mais de 20 religiões participaram da cerimônia e pediram paz.

Muito emocionada, Clarice Herzog, viúva do jornalista, leu o poema ‘Deve ser pesadelo!’, escrito por Dom Hélder Câmara, bispo de Olinda, já falecido: ‘Não me deixes carregar/ um ramo seco,/ inútil e morto,/ quando a razão de meu vôo/ é levar a meus irmãos/ ramo cheio de vida,/ anunciador da paz!’…

Clarice lembrou que dom Hélder, que ‘teve a boca calada’ pelo governo militar, esteve na Catedral da Sé na missa de sétimo dia de Herzog. Como não podia se manifestar, ficou incógnito entre as centenas de fiéis que acompanhavam a celebração. A viúva estava acompanhada pelo filho, Ivo Herzog.

Durante a cerimônia, dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, disse que Herzog foi um ‘mártir da liberdade e da democracia’. Dom Paulo, figura histórica na defesa dos direitos humanos e contra as prisões e torturas da ditadura, disse que Vlado agora ‘está no céu’ e que, por isso, todos devem pedir que ele ajude a conseguir a paz.

– Vamos pedir que ele nos ajude a conseguir neste momento, para a sociedade, a paz no nosso estado, a paz sobretudo no Brasil e em Brasília, para que juntos possamos trabalhar com sinceridade em favor de nossos irmãos mais pobres, principalmente aqueles que trabalham sem receber a recompensa para proporcionar-lhes a comida e tudo o mais que a vida exige.’