Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eduardo Ribeiro

‘Na noite desta quinta-feira (17/11), chegou ao fim, a cabo de oito jornadas, um enriquecedor ciclo de palestras realizado em Campinas, no Espaço Cultural CPFL. A palestra de encerramento foi proferida por Lúcio Mesquita, brasileiro que trabalha desde 1991 na BBC, em Londres, e que é atualmente diretor para as Américas do serviço mundial da rede britânica. Se já tem um cargo de alto lustro e grande importância, Lúcio brilhará um pouco mais, a partir de abril de 2006, quando vai assumir o comando das operações na Europa, incluindo Turquia, Rússia e Ucrânia. Com curadoria de Sidnei Basile, da Editora Abril, e Eugênio Bucci, da Radiobrás, o evento foi organizado e patrocinado pela própria CPFL, tendo a coordenação do diretor de Comunicação Augusto Rodrigues.

Duas semanas antes, o convidado foi Mario Tascón, idealizador e diretor do noticiário online do El País, da Espanha, uma das mais bem sucedidas experiências de jornalismo online do mundo. Tascón mostrou o resultado de quase dez anos de pioneirismo, revelando que a operação na Internet encontrou seu caminho comercial e já se mostra lucrativa (com tendência crescente), embora em valores ainda muito pequenos em relação ao faturamento do jornal impresso. Mas confirmou que o caminho está traçado e que a mudança nas curvas de resultados é apenas uma questão de tempo.

Na palestra da BBC, o plenário assistiu a uma aula magna sobre rigor editorial. Lúcio Mesquita teve a oportunidade de discorrer sobre os princípios editoriais e sobre a independência que norteiam a rede nas suas diversas instâncias e hierarquias, fatores responsáveis por fazer com que a marca BBC seja há décadas uma das mais respeitadas do mundo.

‘O jornalismo público e a tevê pública, embora tenham entre seus objetivos uma boa audiência, buscam, mais do que isso até, ser referência para a sociedade e, conseqüentemente, para o próprio mercado. Se fizermos programas de qualidade, reconhecidos, que obtenham uma boa audiência, isso por si só obrigará os concorrentes a serem também melhores, até por uma questão de sobrevivência comercial. E essa não deixa de ser uma contribuição importante para qualquer nação’ – destacou.

Outro aspecto abordado na palestra foi a questão da cobertura da guerra, estando a nação, no caso a própria Inglaterra, envolvida no conflito. A BBC, obedecendo aos princípios éticos e editoriais que adota, vem cobrindo o conflito de forma imparcial, abrindo também espaço para os que fazem oposição à participação do País na Guerra do Iraque. Tal postura, segundo assegurou, tem garantido um alto índice de confiabilidade e credibilidade à rede, mostrando que de certo modo a população apóia essa política, independentemente das opções pessoais e pressões eventuais (que sempre ocorrem, principalmente por parte de políticos e autoridades).

Entre os princípios editoriais da BBC, tem alguns que tomo a liberdade de reproduzir, para reflexão de todos nós:

Exatidão – A exatidão é obrigatória nos programas da BBC. Por isso, é necessário conferir os fatos mais de uma vez, de várias maneiras. Quando preciso, não deixe de pedir orientação. A exatidão não se limita à apuração dos fatos corretos. É também essencial ponderar todas as informações relevantes para o assunto abordado.

Justiça – Os programas da BBC devem abordar os fatos de forma justa e transparente. Em todo lugar do mundo onde a BBC operar, os colaboradores (fontes e analistas) devem ser tratados com honestidade e respeito. Um bom teste é perguntar, durante a realização do programa, se estamos sendo justos.

Entrevistas – As entrevistas da BBC devem ser conduzidas com cortesia. O entrevistador pode ser cético, minucioso e objetivo, mas imparcial; não descortês ou mostrar vínculos emocionais com um dos lados do argumento. É preciso dar aos entrevistados oportunidade justa de responder completamente as perguntas.

Descrição – A BBC se esforça para retratar de forma íntegra e justa os diferentes povos e culturas e refletir sua realidade sem distorções. Ao retratar grupos sociais, procure evitar estereótipos. Em situações em que existam preconceitos e desvantagens, precisamos informá-los e refletir sobre eles. Não faremos nada para perpetuá-los. Ao descrever grupos diferentes, pergunte como as pessoas se descrevem: tem que haver boas razões para qualificá-los de modo diferente. Uma descrição impensada pode ser ofensiva, sobretudo se der a entender que determinado grupo é hostil, intolerante ou é predisposto a cometer crimes.

Imparcialidade – A imparcialidade é um valor central da BBC, que se aplica a todos os seus programas e serviços. A BBC se compromete a fornecer programas com diversidade e grande abrangência. Nenhuma linha de pensamento significativa deve ser excluída ou representada de maneira insuficiente.

Privacidade – A BBC deve respeitar o direito das pessoas à privacidade e a um tratamento justo, mas sua estrutura deve também permitir a investigação de assuntos de interesse público. Formas de comportamento, correspondência e conversas particulares não devem ser divulgadas, a menos que haja nítido interesse público. A divulgação de informações por outros meios de comunicação não é justificativa suficiente para a BBC fazer o mesmo. Os programas da BBC não devem abordar o comportamento privado de personalidades públicas, a menos que ele envolva questões públicas mais amplas. As câmaras ocultas só devem ser utilizadas por claras razões editoriais. Ao considerar seu uso, é preciso avaliar com cuidado questões relativas à privacidade e ao consentimento. É necessário também procurar orientação apropriada.

Decência, dignidade, violência e comportamento anti-social – A BBC não deve transmitir programas que ofendam o bom gosto ou a decência, que possam incitar atividades criminosas, causar distúrbios ou ofender os sentimentos do público. Os jornalistas devem saber o que é considerado ofensivo por ouvintes e leitores, freqüentemente com opiniões diversas, e respeitar o ponto de vista deles.

No meio de sua explanação, Lúcio informou que a BBC vai montar, em 2006, uma redação em São Paulo com dez profissionais, além de colocar um correspondente em Brasília. Parte dessa equipe virá de Londres, pois lá haverá uma redução de pessoal. O objetivo, segundo lembrou, é ficar mais perto do País e incrementar o olhar local na cobertura jornalística aqui feita para a BBC Brasil.’



PLAMEGATE
O Globo

Ombudsman do ‘Post’ faz crítica a Woodward‘, copyright O Globo, 21/11/05

‘A ombudsman do ‘Washington Post’, Deborah Howell, criticou ontem duramente o jornalista Bob Woodward – editor-assistente do ‘Post’ – por não ter revelado ao editor-geral, Leonard Downie, o que sabia sobre o caso do vazamento para a imprensa da identidade da agente secreta Valerie Plame. Ela o criticou ainda por fazer pouco caso da investigação – em declarações públicas – antes de admitir seu próprio envolvimento.

Em sua coluna, Howell disse que o jornal teve a credibilidade atingida e pediu mais vigilância sobre o trabalho de Woodward – que se tornou famoso nos anos 70 por ter sido um dos dois autores de reportagens que levaram o presidente Richard Nixon a renunciar, no caso Watergate. ‘Ele (Woodward) tem que atuar sob as regras que governam o resto da equipe, mesmo que seja rico e famoso’, escreveu a ombudsman. Segundo ela, o jornalista cometeu um ‘um pecado profundamente sério’ por esconder sua fonte do editor-geral.

Em depoimento semana passada a investigadores do caso Plame, Woodward disse que um alto funcionário do governo lhe informou sobre a identidade da agente em meados de junho, quase um mês antes de a identidade dela vir a público. A fonte não foi revelada publicamente. Altos funcionários do governo são suspeitos de terem informado à imprensa a identidade de Plame para prejudicar o marido dela, que denunciara um falso argumento do governo para a guerra no Iraque. O caso já levou o chefe de Gabinete do vice-presidente Dick Cheney, Lewis Libby, a se demitir.’



Folha de S. Paulo

‘Woodward é repreendido por ombudsman do ‘Post’’, copyright Folha de S. Paulo, 21/11/05

‘A ombudsman do jornal ‘Washington Post’ repreendeu o jornalista Bob Woodward ontem por ter escondido o que sabia sobre as provas do vazamento da CIA sobre a identidade da agente Valerie Palmer. Um dos mais conhecidos repórteres investigativos dos EUA desde que divulgou o escândalo Watergate, Woodward revelou, na semana passada, que soube da informação um mês antes de Judith Miller, do ‘New York Times’, que ficou quase três meses presa por não querer revelar sua fonte no caso. Para a ombudsman, Woodward causou danos à credibilidade do jornal.’



EUA / JORNALISMO INVESTIGATIVO
Antonio Brasil

‘O mestre mundial do jornalismo investigativo’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 19/11/05

‘Em meio a uma crise de identidade e credibilidade sem precedentes, mais do que nunca o jornalismo precisa de heróis. Nos EUA, alguns poucos repórteres conquistam o título de ‘muckraker’. A tradução de uma fase histórica tão particular do jornalismo americano é difícil. Mas poderíamos dizer que, de uma forma positiva, muckraker é um ‘jornalista que tenta divulgar para o público notícias desagradáveis ou escândalos sobre pessoas ou organizações’. Em sua forma mais negativa, seria o jornalista ‘sensacionalista’ que denuncia ou remexe a ‘lama’, a ‘sujeira’ que existe no mundo. A sujeira que os poderosos tentam esconder e que o público gostaria de ignorar.

Seymour Hersh é um ‘muckraker’. Segundo seus admiradores, ele é ‘um dos mais importantes jornalistas investigativos dos EUA’. Seus inimigos no governo Bush o consideram ‘o mais perto que um jornalista pode ser de um terrorista.’ Também denunciam suas reportagens como ‘antipatrióticas’ e que não passa de um ‘mentiroso’. Mas além das polêmicas, a sua trajetória no jornalismo é única. Alguns repórteres conseguem brilhar com uma grande matéria, como Bob Woodward com Watergate. E isso é o bastante.

De My Lai a Abu Grabi

Mas Hersh conseguiu o impossível. Recebeu o Prêmio Pulitzer aos 31 anos pela reportagem em que denunciou o massacre de 500 civis sul vietnamitas por tropas norte-americanas, em março de 1968. E em 2004 voltou a brilhar na profissão e incomodar as autoridades militares americanas ao revelar em detalhes as torturas praticadas contra iraquianos na prisão de Abu Graib, em Bagdá, publicadas em 2004 na New Yorker, a prestigiosa revista semanal norte-americana. O seu último livro, ‘Cadeia de Comando’, foi publicado no Brasil pela Ediouro. É leitura obrigatória para quem acredita em jornalismo investigativo de qualidade, profundidade e que não recorre a artifícios éticos duvidosos como mentiras ou ‘câmeras ocultas’.

Seymour Hersh é um jornalista raro nos EUA. Optou pela independência e não se importa em incomodar muita gente, principalmente os poderosos tanto da esquerda como da direita. Ele pratica um jornalismo que muitos consideram ‘fora de moda’ e muito ‘perigoso’.

Em uma longa carreira sem alinhamentos automáticos ou ideologia definida, o denuncismo de Hersh atingiu semi-deuses americanos como John Kennedy em seu livro ‘O lado negro de Camelo, Sexo e Corrupção na Era Kennedy’, editado pela L&PM em 1998. Ele também definiu o todo-poderoso secretario de estado americano durante a guerra do Vietnã, Henry Kissinger, como ‘criminoso de guerra’ em ‘The Price of Power: Kissinger in the Nixon White House,’. Seymour Hersh não escolhe nem dispensa inimigos. Apesar da sua origem judaica, trouxe à luz temas considerados ‘intocáveis’ pela mídia internacional como o gigantesco e secretíssimo arsenal nuclear israelense em inúmeras reportagens para a imprensa britânica. Hersh incomoda muita gente!

Guerra civil no Iraque

Sempre esperei com ansiedade por uma oportunidade ou desculpa para conhecê-lo. Para quem ainda está em dúvidas sobre as vantagens da nossa profissão, costumo dizer que uma das melhores coisas do jornalismo é conhecer pessoas que admiramos, visitar lugares que sonhamos e participar de eventos importantes. E, por incrível que pareça, ainda somos pagos – com raras exceções, mal pagos – por esse ‘privilégio’.

Esta semana, Seymour Hersh participou de uma conferência aqui na Rutgers University em Nova Jersey. Pude finalmente conhecer o ‘mestre mundial do jornalismo investigativo’. Aos 70 anos, a sua ‘jovialidade’ ou energia impressiona. Mas Hersh não é um showman ou ‘orador’ talentoso que mobiliza platéias. Ele não é uma pessoa simpática. Hoje, costuma declarar que adora conferências porque pode acusar sem ter que provar nada. ‘Quando escrevo, tenho que ser muito mais cuidadoso’, afirma o velho jornalista.

Hersh costuma falar para pessoas que conhecem bem as suas idéias polêmicas. Fala para os simpatizantes ou ‘convertidos’. Os poucos críticos ou céticos que comparecem a essas conferências não costumam enfrentá-lo. Ele não tenta agradar e não perdoa críticas ou perguntas que considera irrelevantes ou ignorantes. ‘Você não sabe o que edita falando’ ou ‘Isso é uma bobagem’, repetiu várias vezes para os estudantes mais ousados. Após mais de 50 anos de jornalismo, ele não tem mais nada a provar. No entanto, insiste em confirmar a sua crença no poder do jornalismo. Hersh não é um profissional ‘politicamente correto’. Não esconde suas opiniões e faz uma oposição sistemática à administração Bush: ‘Esse grupo que tomou o poder em Washington acredita em utopias. Jamais negociam com aqueles que não concordam. E a única saída para os EUA é negociar com os militantes iraquianos’. Hersh se recusa a chamá-los de ‘insurgentes’. ‘O que faríamos se os iraquianos tivessem invadido os EUA? Nos é que somos os insurgentes no Iraque. A guerra civil é inevitável. Muitos governos árabes sunitas estão apoiando financeiramente esses grupos no Iraque’.

Homens-bomba do futuro

Mas logo na abertura da sua fala, naquele momento sagrado e tradicional para o palestrante fazer uma ‘gracinha’ para o público, Hersh, bem no seu estilo, disse que tinha uma boa e uma má notícia.

A má notícia é que ‘só faltam 1181 dias para Bush deixar a presidência’. A boa notícia é que ‘amanhã, só faltarão 1180 dias para Bush deixar a presidência’. Algumas poucas risadas em um auditório lotado de jovens estudantes americanos, ansiosos por ‘boas notícias’. Muitos desses jovens, mesmo se opondo ao envolvimento americano no Iraque, vão acabar tendo que se alistar no exército por motivos econômicos. Outros estão preocupados com a possibilidade da volta de uma grande ameaça: a convocação obrigatória para o serviço militar.

Com esse clima de ‘fatalismo’ no ar, Seymour Hersh lançou uma verdadeira barragem de ‘denúncias’ contra o governo Bush e contra a guerra do Iraque. Procurei destacar algumas das suas idéias mais polêmicas:

‘Cometemos um dos maiores erros estratégicos de toda a história dos EUA. Estamos perdendo a guerra no Iraque’.

‘Cada vez mais essa guerra se parece com o Vietnã. Em vez de arriscarmos nossas tropas, agora estamos bombardeando cidades inteiras’.

‘A imprensa americana não mostra a guerra no Iraque. Nossos repórteres estão imobilizados pelas ameaças de seqüestro ou morte. A imprensa européia e a imprensa do resto do mundo têm mostrado a guerra de uma forma completamente diferente do que vemos aqui nos EUA’.

‘As denúncias sobre Abu Grabi e as humilhações sexuais dos prisioneiros nos colocaram em uma situação muito difícil perante o mundo árabe. Nossa cultura valoriza a culpa. A cultura árabe valoriza a vergonha. Alguns desses prisioneiros não podem mais voltar às suas comunidades. Alguns pedem para serem mortos antes de serem libertados. Criamos uma geração de inimigos poderosos dispostos a tudo’.

Nesse ponto, Hersh aproveitou para comentar uma conversa com uma das suas muitas fontes nas agências de informação e inteligência internacionais. Um de seus ‘contatos’ no Mossad, o serviço secreto israelense, teria dito a Hersh que ‘nós, os israelenses, jamais teríamos feito o que vocês fizeram em Abu Grabi. Vocês não imaginam o mal que fizeram. A cultura árabe valoriza muita a vingança. Talvez eles esperem uma, duas, talvez três gerações. Mas alguns dos descendentes desses prisioneiros árabes certamente vão bater na sua porta e dizer: o seu avô, um dia, há muitos anos, no Iraque, humilhou o meu avô. Agora, é o meu dever vingá-lo’.Você pode imaginar o clima ainda mais sombrio no grande auditório da universidade americana.

Mas Hersh estava reservando para o final algumas de suas premonições ainda mais pessimistas sobre o futuro. Ele fez questão de lembrar que, assim como no Vietnã, os militares vão libertar na sociedade americana milhares de homens-bomba. Ele descreveu e relembrou os problemas psicológicos dos veteranos da guerra. ‘Muitos desses soldados que lutaram no Iraque vão começar a matar inocentes aqui mesmo nos EUA. É só uma questão. Eles estão lutando em condições muito difíceis para as quais não foram preparados. Estão sob tremendo stress. Morrem sem jamais verem os inimigos’, acrescentou Hersh.

E para não deixar de lançar mais uma denúncia, ele também aproveitou para contrariar as estatísticas militares e lançar uma bomba: ‘Os números oficiais sobre os americanos mortos na guerra não incluem os soldados mortos em hospitais nos EUA ou na Europa’.

Confesso que fiquei pensativo e preocupado. Sinceramente, não tinha pensado nessa perspectiva dos números oficiais sobre os soldados americanos mortos no Iraque. Mais uma vez, o velho repórter pode estar certo.

Seymour Hersh desafia as autoridades, os números e o tempo. Jornalistas tendem a se preocupar somente com o presente. Mas Seymour Hersh faz questão de nos alertar sobre o futuro. Hersh não é mais um jornalista investigativo. É um ‘muckraker’, um tipo de repórter que faz questão de sujar as mãos, denunciar os poderosos e incomodar…o público.’