Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eleno Mendonça

‘Nesta semana a imprensa apresentou mais uma vez com grande destaque o enorme superávit primário registrado pelo governo, desta vez relativo ao primeiro semestre do ano. Ficou em R$ 59,95 bilhões e virou novo recorde desde 1991, quando começou a série histórica desse indicador. Virou manchete de economia também. O que pouca gente destacou é que grande parte desse superávit foi conseguido graças a aumento de impostos e menos por corte efetivo nos gastos públicos. Apresentado assim, fica parecendo que o governo está reduzindo seus custos e como o simples mortal que ganha salário e vive dele, está caminhando dentro de suas reais posses.

Outra coisa que pouca gente destacou e que preferiu colocar no meio do texto é que o superávit de quase R$ 60 bi não chega para cobrir a conta dos juros da dívida pública acumulados nos mesmos seis meses e que ficou em R$ 80,128 bilhões. É também um outro recorde desde 1991 e é reflexo da taxa generosa de juro na casa dos 20% ao mês. Para piorar o cenário, a ata do Copom, dúbia, leva todos a acharem que será mantida essa batida nos próximos meses. Ou seja, além da crise política e da instabilidade geral ainda se terá de conviver com indicadores ruins, já que não restam dúvidas, e 10 entre 10 economistas concordam, não há crescimento que resista a um quadro desses de juro nas alturas e de crise política. Alguns sinais, infelizmente, já começam a refletir o desânimo das pessoas, a queda no consumo (como na última sondagem da FGV).

Mas, por falar em indicadores, tenho comigo uma crítica, mais uma, a ser dirigida ao Banco Central. Semanalmente o BC divulga a pesquisa Focus. Trata-se de um conjunto de indicadores tirados das expectativas das instituições financeiras e consultorias consideradas top de linha. Perguntar a quem especula e registra os maiores lucros do mercado como estará a economia pode redundar em respostas com algum ar especulativo, ou melhor dizendo, com algum interesse em validar apostas e posições já firmadas no mercado financeiro no futuro? É mais ou menos como perguntar para o Robinho quanto ele acha que deveria ganhar de reajuste salarial após três meses de Real Madri. Ele certamente responderá o máximo possível para tentar chegar ao que realmente se efetivará.

Pois o BC faz essa coleta, recebe como retorno previsões de curto e médio prazos para os índices como IPCA, IGP-DI, IGP-M, taxa de câmbio e taxa Selic (juros básicos da economia). Para se ter uma idéia, no caso do IPCA, informa o BC, são ouvidas em média 80 instituições. Daí me vem outro questionamento: se quem faz coleta de preços, se quem bota pesquisadores nas ruas são as entidades que todo mundo conhece, por exemplo Fipe, IBGE, FGV, Dieese, porque então perguntar como será a inflação para os bancos? Eles vão responder com o mesmo nível de precisão, baseados nas mesmas informações que os quadros de economistas do governo dispõem. Ou será que não dispomos de gente capaz de avaliar se com esse juro, se com esse câmbio é provável que a inflação caia ou suba?’



COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
Paulo Nassar

‘Em busca do tempo perdido’, copyright Revista Imprensa, 08/05

‘O resgate da memória das empresas e de suas comunidades volta com força total nas pautas da comunicação empresarial brasileira. Os melhores exemplos são os programas e ações voltadas à comunicação da história de empresas como a Petrobrás, Embraer e Pão de Açúcar. Os comunicadores da Petrobrás, em parceria com os sindicatos dos petroleiros e com o Museu da Pessoa, produziram um megaprojeto batizado ‘Memória dos Trabalhadores da Petrobrás’. Uma ação iniciada em 2002, que teve o seu auge na celebração dos 50 anos da Companhia, em 2003; promoveu o resgate, a preservação e a difusão da história da Petrobrás, a partir do ponto de vista de centenas de petroleiros, registrados em depoimentos colhidos em refinarias, plataformas e nas casas dos aposentados. Histórias orais que foram reunidas em um museu virtual e em um almanaque. Uma das novidades desta ação foi a gestão conjunta do projeto por representantes da empresa e do Sindicato Unificado Petroleiros de São Paulo. Mais do que um detalhe, o envolvimento de inúmeros públicos, um deles o sindicato, em um projeto ligado à memória histórica ou social, garante uma visão mais abrangente e democrática da trajetória organizacional e evita, ou no mínimo suaviza a edição apenas oficial das lembranças da empresa, tão comum no mundo das organizações. A Embraer reuniu recentemente centenas de deliciosos ‘causos’ de seus trabalhadores em dois volumes do livro ‘Histórias da nossa história’. O Pão de Açúcar criou um espaço em sua sede, em São Paulo, no qual disponibiliza praticamente a história do varejo brasileiro.

A história de uma empresa é um somatório de muitas histórias. Entre elas estão as de seus fundadores, trabalhadores, fornecedores, distribuidores, comunidades, clientes, consumidores. É impossível falar da história de empresas como Petrobrás, Embraer, Vale do Rio Doce e Pão de Açúcar sem falar das suas interações com a sociedade brasileira. Pense, por exemplo, nos empreendedores que acreditaram que essas organizações eram possíveis; gente como Eliezer Batista, Monteiro Lobato e Ozires Silva. A trajetória dessas empresas é uma grande parte da trajetória do conhecimento e da sabedoria brasileira, formou exércitos de pensadores do desenvolvimento do Brasil. Quer maior responsabilidade social do que está? Então, todo o relato, documento, registro, pessoas, fatos e objetos relacionados a essas histórias empresariais são de interesse da coletividade brasileira. Fico aqui pensando com meus botões, onde estarão os estudos do primeiro avião da Embraer, as fotos do trabalhador que viu a primeira gota do petróleo nacional e os primeiros relatos sobre Carajás. Onde estarão?

Nos anos 1990, com a invasão do ambiente empresarial brasileiro pelos bárbaros da reengenharia, do dowsizing e da qualidade total, quase tudo que era ligado à história foi descartado como lixo: a começar pelas pessoas mais simples, até os documentos e os objetos. O massacre da serra elétrica da história empresarial brasileira foi aprofundado pelas privatizações de setores importantes como de telefonia e de energia. O que ficou da memória do setor de telefonia e de energia? Sobrou, por acaso, um mísero museu do telefone? Preservou-se alguma coisa sobre as primeiras usinas elétricas brasileiras? E onde estão essas informações?

Petrobrás, Embraer e Pão de Açúcar mostram para a comunidade brasileira que é possível ganhar dinheiro, sem esquecer de suas responsabilidades históricas. É hora de lembrar importantes empresas no Brasil que estão com lapsos de memória.’



JORNALISTAS & CIA.
Eduardo Ribeiro

‘A emoção de escrever para jornalistas’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/08/05

‘Numa sociedade decimal como a nossa, sempre que se chega a um número redondo, isso é motivo de comemoração. Pois a versão impressa deste Jornalistas&Cia está completando, esta semana, 500 edições, a pouco menos de chegar ao décimo ano de vida. Essa falta de coincidência certamente não é de todo ruim – ao contrário -, sobretudo porque permite festejar duas vezes. No meu caso, especificamente, serão três as festas, pois em março de 2006, se o bom Deus permitir, vou completar 15 anos (ininterruptos, sem faltar a uma única edição), como titular da coluna Moagem, do jornal Unidade, a publicação oficial do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Foi ali que tudo começou, por obra e inspiração do José Hamilton Ribeiro, a quem já tive a oportunidade de homenagear neste mesmo espaço.

Pois bem, mas não é sobre as festas que quero escrever e comentar, mas sobre a emoção de escrever há quase 15 anos para jornalistas. É uma vida e um tremendo desafio.

Quantos puxões de orelha já não recebi por erros, muitos deles banais (aqui mesmo nesta coluna), ao, por um átimo de distração, escrever rodízio com ‘s’, mau pressentimento com ‘l’, exceção com dois ‘s’… Vacilos teoricamente imperdoáveis num jornalista que escreve para o público leigo, imaginem só para alguém que escreve para jornalistas!!!

Foi-se o tempo dos revisores, guardiões de nossos textos e conselheiros da boa gramática. Contamos hoje tão somente com as maravilhosas ferramentas virtuais, como o corretor automático de texto do word, dicionários eletrônicos e mesmo o tradicional pai dos burros em papel, mas já não temos aqueles olhos vigilantes que impediam essas escorregadelas, livrando-nos de tamanha vergonha.

Eu, particularmente, nas vezes em que vejo um erro crasso num dos meus textos, coro de vergonha, querendo me esconder embaixo de minha própria sombra (quando ela existe). Nos casos, então, em que esses erros são apontados por alguém de fora, aí é pior ainda. Dá vontade de sumir, de desaparecer do mapa.

Como não sou nenhum Pasquale Cipro Neto, nenhum Josué Machado – ao contrário, sou tão somente um razoável operário do texto -, conto com a boa vontade de todos para relevar essas ‘distrações’. E acho que tenho me dado até bem já que, afinal, são quase 15 anos escrevendo para esse público osso duro de roer, que são os jornalistas.

No Comunique-se, aliás, meu anjo da guarda chama-se Miriam, a quem, por vezes, recorro pedindo encarecidamente para que leia cuidadosamente meus textos, já que muitas vezes (não é o caso hoje) eu os produzo sob extrema fadiga, após dezoito ou vinte horas de trabalho, quando os reflexos e o físico já não mais acompanham os comandos do cérebro.

Nunca, em minha vida, até ser conclamado pelo Zé Hamilton, me imaginei colunista e muito menos escrever para jornalista. Mas quando ele ‘ordenou’ que eu assumisse aquela coluna ‘cheia de veneno’ que ele inventou, apesar de um certo vacilo, acabei aceitando, bom soldado que era.

No fundo, apesar de um certo receio, eu não queria era desapontar alguém como o Zé Hamilton e que, além de tudo, confiava no meu trabalho. Mais do que isso, como bom soldado, eu não podia fugir à luta, num momento histórico como aquele, para o Sindicato: seria a primeira vez, em praticamente 60 anos de história, que a entidade teria, finalmente, um jornal de verdade e regular.

Reprimi toda a minha insegurança e fui em frente, sem ter a mínima idéia de como seria fazer uma coluna sobre gente, para jornalistas e ocupando meia página de jornal. Era uma imensidão de espaço, mas fiz e deu certo. Dias após o lançamento, começaram a chegar cartas ao Sindicato elogiando o novo jornal, sobretudo a coluna Moagem. Uma delas, inclusive, da Lizete Teles de Menezes, nunca mais esqueci. Dizia: ‘Ótima a coluna Moagem do Dudu (Eduardo Ribeiro). Os companheiros que se cuidem: pintou o nosso Zózimo’.

Nem é preciso dizer como meu ego foi às nuvens. Eu havia passado – e até com louvor – por aquele batismo de fogo, mesmo escrevendo para um público tão crítico.

Saltamos para uma página, depois para duas, para três e aí, como não mais cabia no Unidade, criei o Jornalistas&Cia, então batizado de FaxMOAGEM, em alusão à própria coluna do jornal Unidade. Do mesmo modo, aqui como lá, eu me sentia uma espécie de gerente de um espaço absolutamente democrático, onde todos têm espaço garantido. Entra quem manda e quem não manda; editor, repórter e frila; homens, mulheres e simpatizantes; negros, brancos e amarelos; enfim toda a tribo dos coleguinhas, termo, que, aliás, não uso e no qual não vejo a menor graça, mas para o qual abro uma exceção, hoje, por ser ele consagrado entre nossos pares.

De certo modo, às vezes tenho a sensação de que escrever para jornalista é como ser médico de médico. Não se pode falhar e se está sempre sob permanente vigilância. Mas o tempo felizmente nos dá a tranqüilidade de enfrentar esse ambiente com segurança, sobretudo por saber que o produto final é de qualidade e, mais do que isso, útil.

Ajudar as pessoas a se reencontrarem, colaborar para a recolocação profissional, contribuir para que os profissionais (e também estudantes) possam se manter atualizados sobre o que de mais importante acontece na atividade é gratificante. Não tem preço. E são inúmeras as manifestações nesse sentido, que recebo diariamente, de colegas de todas as origens.

Após lançar a primeira das quatro edições 500 (que foram desdobradas em A, B, C e D), recebi inúmeras manifestações de apreço, as quais, confesso, mexeram comigo.

Por conta disso, e com todos os defeitos que se possam apontar nos jornalistas, eu digo com a humildade de quem sabe que tem muito ainda a aprender e a caminhar que é, sim, uma emoção muito especial escrever para esse público, e ser, para ele, de certo modo uma referência.

Sei também da responsabilidade que tenho e procuro corresponder a isso tudo com suor redobrado. Nem sempre acerto, mas ao menos tenho o consolo de saber que nunca foi por falta de tentar fazer o melhor.

Fecho o artigo com algumas das manifestações que recebi por ocasião das 500 edições para que vocês possam saber, ainda que de leve, o que senti hoje, ao lê-las.

Mais do que qualquer massagem no ego, elas estão aí apenas para mostrar que também no peito e na alma dos jornalistas bate um coração e rola a emoção.

– ‘500 edições, 500 semanas, Dudu! Haja saco, haja orelha! O velho Moagem, que todos nós vimos nascer, lembra o raio do computador: como é que conseguimos viver sem durante tanto tempo?’ – Vicente Alessi

– ‘J&Cia faz dez anos e neste período tem melhorado sempre, tornando-se cada vez mais importante para manter a categoria (Jornalista não é classe. É categoria.) informada sobre ela mesma, o que é essencial’ – Carlos Lemos

– ‘Sempre gostei do J&Cia, por ser um pombo-correio que une a profissão. Não que sejamos desunidos, mas porque nossa rotina, tão diferente das outras, não permite nos encontrarmos sempre. O J&Cia vem informar os que informam’ – Sidney Garambone

– ‘O J&Cia conseguiu um feito histórico: ter sobrevivido. Essa é a principal prova da sua competência e da sua necessidade para os jornalistas, de que traz informações do nosso real interesse. Torço para que cresça e se multiplique’ – Jorge Zappia

– ‘A categoria não mais abre mão do J&Cia. Ele é como reunião de pauta, indispensável’ – José Hamilton Ribeiro

– ‘O J&Cia está consolidado e é um veículo superútil para o mercado, eu mesmo já o usei diversas vezes, tanto para informar das minhas andanças quanto para fazer convites a quem estava disponível. Ele trata os colegas com respeito e é um parceiro nos momentos difíceis.’ – Kaíke Nanne

– ‘O J&Cia tornou-se uma instituição, desempenha um papel importante para a categoria. Acredito que seja hoje mais familiar para os profissionais de São Paulo do que o próprio sindicato, mas, com certeza, mora no coração de todos os jornalistas.’ – Alexandre Machado

– ‘O J&Cia é a vitória de uma boa idéia. E ele se mantém até hoje essencial à categoria porque segue a mesma proposta desde o início’ – Audálio Dantas

– ‘Longuíssima vida a esse fantástico veículo, muitas e muitas vezes o único elo entre nós, profissionais da comunicação de todo tipo. Espero ler a edição 1.000, 1.500, 2.000 ….’ – Miguel Jorge

– ‘Me recordo hoje que sou leitor do J&Cia desde sua criação (Moagem e depois FaxMOAGEM), em 1991. Naquela época, havia saído da Gazeta Mercantil para assumir a Assessoria de Imprensa da Brasilit. Mal cumpri o período de experiência e fui demitido – junto com outros quatro profissionais – devido ao Plano Collor. Fiquei desempregado, mas leitor voraz de J&Cia. Nesses 14 anos, J&Cia foi meu principal instrumento de atualização, localização de colegas no mercado, dança de contas em agências de comunicação e especialmente novas posições abertas. Oportunidades de ouro sobre empresas onde atuei – CDN, Nestlé, Philip Morris e Dow divulgadas no J&Cia movimentaram minha vida profissional. Não consigo imaginar como tudo teria ocorrido sem as dicas e oportunidades divulgadas. Todos aqueles que desejam crescer profissionalmente, manter sua network atualizada e saber onde são abertas novas posições no mercado devem ter J&Cia como leitura obrigatória. Parabéns pela fidelidade conquistada junto aos leitores.’ – Eliel Cardoso’



ENTREVISTAS DA PLAYBOY
Jose Paulo Lanyi

‘O charme da mentira’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 4/08/05

‘Está nas bancas a coletânea ‘As 30 Melhores Entrevistas de Playboy’, que compreende o período de agosto de 75 a agosto deste ano. É um belíssimo material, até quem comprava a revista ‘só para ver as ilustrações’ deve concordar comigo. Nesta auto-intitulada edição de colecionador, as personagens são agrupadas por área de afinidade. Daí termos os ‘franco-atiradores’ como Mohammed Ali ou Tim Maia, os ‘obsessivos’ Marlon Brando e Robert de Niro, ou, ainda, os ‘candidatos’ Lula, FHC e Fernando Collor. É sobre este que quero falar aqui.

Collor foi entrevistado em outubro de 87. Àquela altura já dava as caras na mídia e reforçava, com a boa vontade geral, a sua egotrip político-sociológica. O ‘caçador de marajás’ seduzia os jornalistas. Veio a calhar uma ‘conversa franca’ nas páginas da Playboy. Collor era jovem e destemido, o arquétipo heróico, como descreve a abertura da entrevista realizada por Luiz Antonio Maciel, com fotos de Flavio Canalonga:

‘A cena poderia ser a de um filme do velho oeste, com um herói de porte atlético – a determinação e a vontade de fazer justiça estampadas nos olhos- e os inevitáveis vilões, de traços rudes e armas penduradas nos coldres, a marca de sua violência. Apenas o cenário, a paisagem e o roteiro seriam diferentes. Nada dos velhos saloons, de um OK Corral, e do movimento constante de caubóis e de carruagens por ruas poeirentas. Em vez disso, uma paisagem agreste, rude, pobre, com casas de alvenaria e carros na rua- algumas já asfaltadas. Na cena típica do faroeste, o herói poderia ser interpretado por Clint Eastwood, com seu 1,92 metro de altura e um resto de charuto na boca, no papel do justiceiro, do vingador forasteiro, ou do durão Dirty Harry (Harry, o sujo), como em qualquer um dos seus mais de 40 filmes. Na cena verídica, tudo se passa numa pequena cidade do sertão de Alagoas, Limoeiro de Anadia, e o mocinho da história é um político, assim como Clint Eastwood na vida real: o atual governador de Alagoas, Fernando Affonso Collor de Mello, 38 anos completados em 12 de agosto, 1,82 metro de altura e 78 quilos (…)

A história aconteceu durante a campanha para as eleições de 1986. Ameaçado por pistoleiros de ‘levar um tiro na boca’, caso fizesse um comício na cidade, Fernando Collor de Mello resolveu enfrentá-los. Subiu no parapeito de uma casa e desafiou os jagunços, postados junto a um muro, a 20 metros de distância, ostensivamente armados de revólveres e com uma espingarda calibre 12 (a arma preferida do chamado Sindicato do Crime de Alagoas) envolta em um saco.

– Canalhas, pústulas humanas- disse Fernando Collor-, no meu governo vocês vão para a cadeia, covardes… Vocês não disseram que iam atirar? Eu estou aqui. Quero ver se vocês têm coragem, canalhas. E eu vou descer daqui, andar no meio de vocês e não quero ver cara feia. (…) Ele desceu, caminhou pela rua e se aproximou dos pistoleiros, que se afastaram… Se houvesse confusão, certamente o futuro governador entraria na briga para valer. Como ex-campeão brasiliense e vice-campeão brasileiro de caratê, tem experiência de luta, não só no tatame, mas também na rua: certa vez, junto com outro colega de caratê, brigou com 12 policiais em Brasília’.

Assim nascia o mito que, alguns anos mais tarde, haveria de ser exaltado e, pouco depois, execrado pela mesma República, na trilha rápida que conduz o fascínio à perplexidade com a traição. A entrevista com Collor proporciona lições atuais.

A pergunta que se deve fazer é: por onde andavam os repórteres e editores de Política antes do estouro da boiada? Se Collor era um outro Collor, se, nesta era mensalesca, vários políticos tidos e havidos como sérios são outros políticos, o que poderá explicar essas amnésias recorrentes e sumamente danosas para o País?

Há algumas respostas:

a) Políticos e jornalistas estavam cumprindo agenda. A pauta das votações, a governabilidade, o intervalo entre as eleições – que deve ser preenchido necessariamente pelos fuxicos intra e interpartidários. As urnas, os novos e os antigos, a mesmice renovada;

b) Setoristas sabiam de tudo, mas se banhavam na água turva daquelas fontes. A quem poderia interessar a interdição das termas impróprias para a população, mas gostosas de chafurdar, se não no mergulho venal, ao menos no trampolim da omissão?;

c) Repórteres e editores bem que tentaram, mas a ‘linha editorial’ não deixou;

d) Eles não sabiam de nada.

Escolha a que melhor lhe afigura. Antes, leia um trecho do pingue-pongue com Fernando Collor. Admitindo que as palavras do ex-presidente correspondam ao ocorrido, temos uma pista a mais:

‘Essa segurança em enfrentar os pistoleiros vem do fato de o senhor ter sido duas vezes campeão brasileiro de caratê?

Aí o pessoal da imprensa exagerou, né? Eu fui campeão brasiliense e sempre fui bem colocado em disputas brasileiras. Cheguei a ser vice-campeão brasileiro, mas não campeão. Uma vez tentei corrigir um jornalista dizendo que a informação de que havia sido bicampeão brasileiro estava errada, mas ele reagiu: ‘Não, deixa assim, que dá mais charme’ [risos]’.’