Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Eliakim Araujo

‘Os fatos estão acontecendo numa tal velocidade no Brasil que fica difícil para o colunista que escreve uma vez por semana escolher o tema da coluna. No sábado de manhã, os Maluf eram presos em mais uma operação da Polícia Federal. O assunto aparentemente estaria velho quatro dias depois, não fossem alguns pontos que pretendo questionar para que o leitor faça a sua avaliação crítica sobre a atuação do jornalismo da Globo e da PF no episódio.

Até onde a parceria Globo-Polícia Federal não fere o direito de informação das demais emissoras? Como no caso Daslu, a emissora dos Marinho foi mais uma vez privilegiada e acompanhou com exclusividade a operação de prisão de Flavio Maluf.

Os advogados de Flávio, ao saberem da ordem de prisão, comprometeram-se a entregar seu cliente no sábado, de manhã, num heliponto no bairro do Morumbi. Sem a presença da imprensa e sem algemas. O acordo foi aceito. Só que a PF o descumpriu e deixou que a Globo soubesse todos os passos da operação.

Com isso, às sete da manhã de sábado, discretamente um repórter e um cinegrafista da emissora já estavam no local onde chegaria o helicóptero trazendo Flávio e os agentes federais do interior de São Paulo, onde o acusado passava o fim de semana. O repórter Cesar Tralli, diga-se de passagem, um excelente profissional, vestido com coletes, óculos e boné parecidos com os dos agentes, teve acesso ao preso no desembarque e chegou a segurar a porta da viatura para que o cinegrafista pudesse filmar as algemas no pulso de Flávio. Mais tarde, Cesar embarcou numa viatura da polícia e foi o único a ter acesso à sala onde Flávio assinava o termo de prisão.

Nada contra a atuação da Polícia Federal que tem realmente mostrado serviço durante o atual governo. Nada contra também o direito do jornalismo da Globo de buscar matérias exclusivas. O que deve, entretanto, ser questionado é o privilégio concedido a uma emissora para reportar com exclusividade as operações dos agentes federais.

E até que ponto Tralli feriu a ética profissional ao vestir-se com roupas parecidas e trafegar em viaturas policiais. Acho que a PF pode ser eficiente sem sensacionalismo, sem querer jogar para a torcida. O comportamento ético da PF seria, após a prisão dos acusados apresentá-los a toda a imprensa, sem privilégios.

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Como o brasileiro é mesmo irreverente, não dá para deixar de citar uma frase criada em cima do comercial de um cartão de crédito, que foi colocada bem em frente ao local onde os Maluf estão presos: ‘Venda de títulos públicos em sua última gestão: R$ 1,5 bilhão, Desvio de verba na construção da avenida Água Espraiada: R$ 800 milhões, Movimentação financeira no exterior: US$ 161 milhões… Ver Maluf e sua cria encarcerados após fraudes: não tem preço’

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Nesta quarta, o Congresso teve um dia daqueles. O clima de alta tensão fez a adrenalina de muito parlamentar ir às alturas. No início do dia, o homem que toma conta do restaurante apareceu com a cópia do cheque que incrimina definitivamente Severino Cavalcante, um desconhecido parlamentar do baixo clero até pouco tempo que ganhou notoriedade da noite para o dia ao ser eleito presidente da Câmara dos Deputados. Sob a luz dos holofotes, o homem se desnudou e mostrou que o baixo clero nada mais é que o baixo nível de um grande grupo de parlamentares que usam a Câmara como um grande balcão de negócios. São 513 representantes do povo brasileiro em Brasília. Quantos severinos estarão escondidos em gabinetes, corrompendo e sendo corrompidos impunemente?

Impunidade da qual não escapou Roberto Jefferson, uma figura nauseabunda de nossa política há mais de vinte anos. Ao contrário de Severino que viveu sempre na sombra e só errou quando aceitou a presidência, Jefferson adora o spotlight desde os tempos em que trabalhou na TV e mais tarde na tropa de choque de Collor. Jefferson se vai e não deixa saudade em seus pares. Sua língua mordaz e afiada, suas acusações nem sempre provadas, atemorizavam a todos. Quem não se lembra da primeira reunião da CPI, quando ele apontou o dedo para todos os presentes e desafiou: ‘- aqui todos usaram o Caixa Dois para pagar suas campanhas eleitorais’.

Silêncio total entre os presentes. A saída de Jefferson é um alívio para muita gente que tem rabo preso em Brasília.’



Milton Coelho da Graça

‘A democracia é bem mais espaçosa’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 13/09/05

‘Paulo e Flávio Maluf ganharam cada um, na carceragem da Polícia Federal, uma cela de 12 metros quadrados, com direito a privada individual e até mesa e banquinho de concreto (bem maneiros para se escrever uma reportagem ou um livro de memórias).

Em abril de 1964, eu e mais 20 companheiros ficamos num banheiro de um quartel do Exército, no bairro de Casa Forte em Recife, que media nove metros quadrados (divididos por 21= 43 decímetros quadrados per capita) inclusive uma privada e uma pia. O coronel comandante tinha toda pinta de maluco (arrastou pelas ruas Gregório Bezerra amarrado pelo pescoço a uma corda).

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Internet: qual é o espaço democrático?

Elis Monteiro fez uma ótima reportagem no suplemento de Informática de O GLOBO desta segunda-feira (12/9) sobre o festival de ódio e intolerância em muitas das comunidades espalhadas pelo Orkut. E como o argumento da liberdade de expressão é freqüentemente invocado para justificar esse besteirol.

O miolo da matéria de Elis é a discussão e a busca do limite entre a liberdade de expressão e sua pretensa defesa como justificativa de racismo, homofobia, violência etc. Mostrar como a lei brasileira está atrasada – o Código Penal é da década de 30 – para fixar com clareza como o país pode e deve fazer cumprir os princípios democráticos que governam a nossa sociedade. Um promotor afirma que ‘falta vontade por parte da classe política, aliada à falta de conhecimento’ sobre o mundo da Internet.

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Democracia tem espaço para delação?

Vêm aparecendo na imprensa opiniões contrárias à delação premiada, instrumento criado pela legislação americana e seguido pela nossa, para abrir caminho no cipoal de lealdades que protege o crime organizado de uma ação mais eficiente da Lei.

Os argumentos mais comuns são de natureza ética (a delação tem parentesco com a traição) ou política (a delação foi muito usada e louvada por regimes autoritários em nome de supostos interesses da Pátria, da Nação ou do Partido).

Mas, a meu ver, a delação premiada, em nome da apuração da verdade, é um legítimo recurso de regimes democráticos, onde a investigação criminal é limitada pelo fundamental respeito aos direitos humanos. O debate desse tema talvez devesse ser ampliado em nossa imprensa, porque a única forma de legitimar democraticamente a delação premiada seria a sua aprovação majoritária pela cidadania (talvez até merecesse um referendo).’



GESTÃO HÉLIO COSTA

Renato Cruz

‘Hélio Costa é contra teles distribuírem vídeo’, copyright O Estado de S. Paulo, 19/09/05

‘O ministro das Comunicações, Hélio Costa, é contra as operadoras de telecomunicações distribuírem vídeo, o que já acontece via internet e celulares. ‘Por serem empresas de capital estrangeiro em sua maioria, estas empresas não podem transmitir imagens seqüenciadas na terceira ou quarta gerações da telefonia celular’, afirmou Costa à edição de setembro da revista Tela Viva, da Editora Glasberg, que circula a partir de amanhã. ‘Estas novas tecnologias estão abrindo um mercado que precisa ser normatizado, e não existe regulamentação sobre isso ainda.’ Ele propôs que sejam criadas outorgas para distribuir conteúdo pelas redes de telecomunicações.

Desde que assumiu o cargo, o ministro já se envolveu em várias polêmicas. Comprou briga com as empresas fixas, reclamando cobrança da assinatura básica. Também anunciou que o sistema nacional de TV digital tinha acabado, para depois dizer que não foi bem assim.

Ao se colocar contra o vídeo no celular, o ministro se opõe a uma realidade de mercado. O canal Bandnews, da Bandeirantes, já é distribuído pelo celular. Recentemente, a Globo anunciou que planeja lançar um pacote de conteúdo para telefones móveis. Todas as operadoras celulares já oferecem vídeo. O serviço Play 3G, da Vivo, tem no conteúdo audiovisual seu principal atrativo.

Ao destacar a origem do capital das operadoras, Costa aproximou seus argumentos aos do senador Maguito Vilela (PMDB-GO), que com uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) quer estender a restrição de capital estrangeiro na radiodifusão, que está em 30%, quem distribui conteúdo por celular ou internet. ‘No momento não tenho posição definida’, disse Costa sobre a PEC aos jornalistas Carlos Eduardo Zanatta e Samuel Possebon. Mas reiterou: ‘Por lei, ele (o telefone) não pode transmitir conteúdo. As teles não são empresas de comunicações.’

Se aprovada, a PEC beneficiaria grandes grupos locais de comunicação, como as Organizações Globo, que poderiam estender sua posição dominante aos novos meios. Dono de emissora de rádio, o ministro foi repórter do Fantástico, na Globo.

Num momento em que o Brasil quer se distanciar de países que controlam o acesso à internet (ver matéria ao lado), Costa propôs a criação de um regulamento para o conteúdo na rede mundial. ‘Deveríamos ter um mínimo de regulamentação’, afirmou Costa. ‘É muito difícil de regular? É. Mas nós já regulamentamos os crimes pela internet. Não é tão distante assim o procedimento de como regular a internet.’ Ele sugeriu que o assunto seja discutido pelo Congresso.

A criação da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav), proposta pelo Ministério da Cultura, previa, entre outras coisas, regular o conteúdo da internet e do celular. Costa, no entanto, afirmou que foi contra, por causa da mordida de 4% que daria na receita das empresas de comunicação.

Costa chegou ao ministério querendo tirar da Casa Civil a responsabilidade de elaborar uma proposta de Lei de Comunicação de Massa. Não conseguiu, e hoje diz que ‘não tem ouvido falar’ do assunto, no mesmo momento em que a Casa Civil institui um grupo de trabalho. ‘Confesso que ficaria surpreso se este assunto voltasse’, completou o ministro. ‘Acho que este momento não é apropriado.’’



LOBBY & PODER

Luís Nassif

‘O Sombra e o Lobisomem’, copyright Folha de S. Paulo, 18/09/05

‘Os jornais e revistas estão inundados de denúncias de lobistas da pior espécie, povo sem a menor qualificação e sofisticação. Coincidiu com minha ida ao Rio de Janeiro, para pegar depoimentos de velhos moradores da cidade para o livro que estou escrevendo.

Mergulhei no Rio fascinante dos anos 40 e 50, conversei com senhores de mais de 70, alguns chegando aos 90. E tive notícias do Lobisomem, o maior dos lobistas, o homem que foi conselheiro de praticamente todos os presidentes desde JK, com a possível exceção de Ernesto Geisel e Itamar Franco.

Já deve ter passado dos 80 anos. Era discípulo de Augusto Frederico Schmidt, o poeta-empresário-advogado que foi a maior influência no governo Juscelino Kubitschek. Lobisomem aprendeu tudo o que podia com o mestre. Quando Jango assumiu, procurou o Sombra -outro personagem histórico do Rio- e manifestou desconfiança em relação ao Lobisomem. Achava que representava o imperialismo internacional, por causa de um emprego que tinha como diretor da Manesmann. Sombra tranqüilizou-o, explicou-lhe que o Lobisomem era um grande filósofo, com ligações estreitas com a Igreja Católica.

Despreparadíssimo, encantado com a erudição alheia, Jango chamou o Lobisomem para conversar. Nunca ninguém resistiu aos encantos do Lobisomem, nem Roberto Marinho, que, durante muito tempo, tinha reuniões diárias e assinou inúmeros editoriais de primeira página em ‘O Globo’, escritos por ele. Jango tornou-se refém intelectual do filósofo. Não dava um passo sem consultá-lo Aliás, deu um: o desastroso discurso na Central do Brasil, que precipitou sua queda.

Sombra coordenou a campanha do presidencialismo, no plebiscito que devolveu a Jango os poderes de presidente. Um dia estava em sua casa, quando o Lobisomem telefonou-lhe incumbindo-o de uma missão. ‘Queria que você fosse a Paris assinar um acordo do Brasil com os países-membros da OCDE.’ O Sombra pulou de lado. Era monoglota, não tinha a menor idéia do que se tratava esse acordo. Também monoglota, o Lobisomem tranqüilizou-o: ‘Não será preciso fazer nada. Já acertei tudo. Só vai precisar assinar e colocar seu nome na história’.

Lobisomem sequer andava de avião. Nunca andou, aliás. Quando precisava se locomover para Brasília, ia de táxi. Ia mensalmente para conversar com Fernando Henrique Cardoso. Quando queria falar com ele, José Dirceu ia ao Rio.

Acontece que, de Schimidt, Lobisomem tinha herdado as relações com o Colégio Santo Ignácio, um grupo de católicos influentes, espécie de maçonaria da igreja. Por caminhos da fé, tornou-se muito amigo do confessor de Charles De Gaulle, um dominicano que tinha relações com o Brasil. Por meio do confessor, conseguiu o acordo com a OCDE.

Nem sei se o Sombra aceitou o convite e colocou seu nome na história do mundo. Na do Brasil colocou lá nos fins dos anos 60, quando garantiu a Roberto Marinho a TV Globo. Visionário, o empresário havia obtido um empréstimo do grupo Time-Life, além de um time de executivos de primeira. Se ficasse inadimplente, o grupo tomaria a TV. Coube ao Sombra garantir um empréstimo de última hora, que permitiu a Marinho pagar o financiamento.

Depois, veio 1964. Carlos Lacerda desceu dos céus como um anjo vingador, jogando sua ira desvairada contra o Lobisomem, que terminou preso. Na cadeia, conheceu militares linhas-duras. De linha dura em linha dura, chegou ao general Emílio Garrastazu Médici. Tiro e queda. Semanas depois, Médici faria um discurso histórico falando da importância do social e coisa e tal, totalmente escrito pelo Lobisomem.

Depois, Lobisomem continuou conversando com o mundo e com todos os presidentes. Armou alguns negócios aqui, muita articulação política ali. Governos foram mudando e ele sempre ali, sendo ouvido. Pintou os cabelos e parece mais novo do que é. Continua freqüentando o mesmo restaurante de 50 anos atrás, no centro do Rio. Mas anda numa pindaíba danada. Os lobistas daqueles tempos tinham tanto prazer em reconstruir o país que alguns deles nem sequer tinham tempo para pensar em dinheiro para si.’