Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Elio Gaspari

‘Palácio sem intrigas não é coisa deste mundo, mas Lula inovou: preside o primeiro governo da intriga, pela intriga, para a intriga.

Parece exagero, mas essa afirmação pode ser testada. Basta que qualquer interessado procure responder à seguinte pergunta -qual a política pública que aproxima (ou distancia) os seguintes personagens:

– José Dirceu, chefe do Gabinete Civil.

– Luiz Gushiken, chefe do aparelho de propaganda.

– José Genoino, presidente do PT.

– João Paulo Cunha, presidente da Câmara.

– Aloizio Mercadante, líder do governo no Senado.

Desde a posse de Lula, esses cinco mandarins já passaram por toda sorte de combinações, aliando-se ou tentando destruir-se. Nenhuma política pública os separa nem os une. Nem um poste da avenida Atlântica, uma escola no sertão cearense. Nada, é a intriga pela intriga. José Dirceu quer ficar mais forte? Para quê? Para ficar mais forte. O deputado João Paulo Cunha quer ficar mais dois anos na presidência da Câmara. Para quê? Para ficar mais dois anos na presidência da Câmara.

O chefe da Coordenação Política do governo, Aldo Rebelo, viu-se no meio de uma crise depois de articular a vitória da aprovação do salário mínimo na Câmara dos Deputados. Coisa assim: depois da derrota de Napoleão em Waterloo, uma facção do partido conservador inglês pediu que o duque de Wellington fosse mandado para a ilha de Santa Helena. Conhecem-se casos de cobrança do fracasso, esse foi o primeiro de cobrança do sucesso. Logo com Rebelo, um político tão cuidadoso e educado que dá a impressão de ser capaz de adormecer durante seus próprios discursos.

A opção preferencial do comando petista pela fofoca tem suas raízes nos conciliábulos da política sindical e/ou das agremiações estudantis, onde as brigas não têm custo. O sindicalista sempre pode responsabilizar os patrões pelos seus fracassos, e os estudantes podem acusar o imperialismo agonizante. No governo as coisas têm custo, e o de Lula está paralisado pela intrigalhada. A falta de recursos é pretexto, bode. Se alguém suprimir do noticiário dos jornais as notícias relacionadas com as intrigas (inclusive este artigo), sobra o quê? Aumento da gasolina, desemprego e palavrório.

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e sua ekipekonômica apresentam-se como campeões de prestígio a juros de 16% e contração do Produto Interno Bruto com pífias promessas de crescimento insuficiente. O que o Brasil precisa é de juros de 10% e crescimento de 6%. Se o preço desses indicadores fosse um ministro da Fazenda desprestigiado, tudo bem. Afinal, o prestígio da ekipekonômica tucana rendeu-lhe bons empregos na banca, enquanto a choldra ficou com o desemprego.

Os patrocinadores da intrigalhada em que se transformou o governo de Lula deveriam ser mais humildes e refletir quão ridículos são os papéis que desempenham. Intrigava-se na corte de Napoleão quando ele era um prisioneiro em Santa Helena com a mesma voracidade com que se fofocava quando o imperador reinava nas Tulherias. Isso sucede, entre outras coisas, porque fazer intriga é um grande passatempo, melhor que palavras cruzadas.

Se para cada intriga em que os grão-petistas se metem eles forem capazes de enunciar uma política pública que os separa ou os aproxima, o governo de Lula mudará de cara. Para que isso aconteça, o companheiro precisa se lembrar dos versos de Vinicius de Moraes e Carlos Lyra:

‘Vou pedir ao meu babalorixá

Pra fazer uma oração pra Xangô

Pra pôr pra trabalhar,

Gente que nunca trabalhou’.’



Eliane Cantanhêde

‘O espião’, copyright Folha de S. Paulo, 15/06/04

‘Fui das muralhas da China às praias de Maceió e estava tudo ótimo nas férias. Só não esperava que Brasília andasse tão divertida. Até espiões pululam no Planalto, a preço de banana.

As manchetes dos jornais, a bem da verdade, estão iguaizinhas às de um mês atrás. Senão, vejamos: o Exército no combate à violência urbana e às voltas com roubos de arma nos quartéis; o acordo da União Européia com o Mercosul, sempre na bica de sair; o governo e os aliados trocando sopapos no Congresso por causa do salário mínimo de R$ 260.

O que não pára de surpreender são os bastidores do Planalto, enquanto Lula e Marisa dançam forró no Torto. A última é a Abin (a agência de inteligência do governo) espionar quem espiona. Ao que parece, todos espionam todos. No meio, um ou dois jornalistas que assessoram ministros são suspeitos de passar informações sigilosas para tucanos por R$ 2.500 mensais num país em que corrupção se mede em milhões.

Governo que é governo convive com espionagem e não é de hoje. Nem os presidentes militares se livraram disso, e a frase do general Golbery, o bruxo de Geisel, continua fresquinha: ‘Criei um monstro’. Criador e criatura. O ‘monstro’ era o SNI, que muda de nome, de roupa e de quadros, mas está sempre pairando por aí. Agora não poderia ser diferente.

Mas daí a alguém do governo vislumbrar um complô extraterrestre em normais e inevitáveis vazamentos sobre reuniões, disputas de poder e idiossincrasias palacianas é típica fantasia conspiratória da velha esquerda. Façam-me o favor…

O que há -além dos desvios de sempre da Abin, como de seus antecessores- é uma brigalhada infernal no palácio de Lula. José Dirceu, sempre ele, está no centro de tudo. As fofocas começam nele, espalham-se em ondas ao redor dele e voltam-se contra ele. Que se defende procurando chifre em cabeça de cavalo e tucanice em petista de carteirinha ou de coração. É assim que Brasília está. De morrer de rir ou de chorar, dependendo do lado. Férias, pra quê férias?’



Sebastião Nery

‘Arapongas no Planalto’, copyright DCI, 17/06/04

‘Nereu Ramos tinha assumido a presidência da República depois do 11 de novembro de 55 e dos impedimentos de Café Filho e Carlos Luz. O País estava tenso e o general Lott, ministro da Guerra, era o homem forte.

O secretário de Nereu era André Mesquita, que estava chegando de Bordeaux (França) com sotaque carregado, porque viveu 20 anos lá. Uma tarde, o presidente manda Mesquita levar uma mensagem confidencial ao ministro e o encontra numa reunião de comando:

– Generrrall, trago esta mensarrem do senrrror perrsidente, secrrreta e reserrrrvada.

E saiu. Lott olhou para os oficiais em torno da mesa:

– Estamos perdidos. Mensagem secreta enviada na mão de um estrangeiro.

Jornalistas

Perdido mesmo deve estar Lula, em cujo palácio ‘todos espionam todos e é uma brigalhada infernal’, segundo conta, na ‘Folha de S. Paulo’, a Eliane Cantanhede, que voltou perplexa das férias e, pela falta que faz, devia ser proibida de tirar.

Arapongas da Abin (Agência Brasileira de Inteligência, ou de Intrigas) espionam arapongas da Abin , que acusam jornalistas-espiões, assessores de ministros, de ‘repassarem informações de caráter sigiloso do Planalto a adversários políticos do governo’, pela merreca de R$ 2.500 mensais.

Os nomes dos arapongas e dos ministros a ‘Veja’ e os jornais publicam todos. Mas os dos jornalistas, não. Essa deve ser a tal da ‘ética da imprensa’. O máximo que dizem dos jornalistas-espiões é que um tem 46 anos e outro 48.

Ainda bem que nos tranqüilizam de que não são nem a Vera Fisher, que tem 52, nem o Fernando Henrique, que está fazendo 73, e nem jornalistas são.’