Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Elio Gaspari

‘Lula nomeou quatro novos ministros, e o comissário José Dirceu está no salão, apresentado-os à imprensa. Depois que o ministro do Planejamento disse que pretendia estimular a arrecadação, um repórter perguntou como ele fará isso, cumprindo a promessa de campanha de baixar os tributos.

Dirceu cortou:

‘Como combinamos que não iam existir perguntas, eu queria passar a palavra para o futuro…’

‘Não combinamos, não’, reagiu um repórter.

O comissário consertou:

‘Desculpa. Não foi combinado, é verdade. Você tem toda a razão. Foi apenas estabelecido. O verbo correto é esse. Eu aceito a corrigenda imediatamente. Como foi estabelecido que não haveria perguntas…’

Dito isto, seguiu-se um monólogo. Fez-se a corrigenda do verbo, mantendo-se a mímica do espetáculo.

Tudo o que está escrito aí em cima é verdade, mas o ministro José Dirceu não tem nada a ver com essa história. Nem ele nem aquilo que se chama de ‘arrogância petista’.

A cena ocorreu com o tucanaço Clóvis Carvalho, comissário da equipe de transição do prefeito eleito de São Paulo, José Serra. Na cena, ele apresentava à imprensa os quatro primeiros secretários da ressurreição. Felizmente a repórter Catia Seabra preservou suas palavras.

Se o ministro Dirceu disser que um monólogo não está combinado, mas ‘estabelecido’, o mundo cairá sobre sua cabeça: é um stalinista intratável.

No caso, não faltaria quem lembrasse que o problema do contribuinte não é a corrigenda dos verbos, mas o destino das taxas de Marta Suplicy.

Os petistas podem festejar. Vem aí o Sétimo Regimento de Cavalaria. Vai socorrer o governo trazendo de volta a prepotência tucana. Passaram-se dois anos e a patuléia, essa bondosa desmemoriada, esquecera-se da espécie. Clóvis Carvalho, por exemplo, hiberna desde 1999, quando o ministro da Fazenda, Pedro Malan, tirou-o do Ministério do Desenvolvimento. Antes, ocupara por quase cinco anos a chefia do Gabinete Civil da Presidência. Se metade do que dizia dele o grão-tucano Sérgio Motta era verdade, Serra comprou um bom pedaço de trilha no Raso da Catarina. Carvalho é aquele poderoso burocrata que no Carnaval de 1999 tocou-se com oito familiares para uma semana de sol em Noronha. Viajou pela ViúvaTours num Brasília VIP do 6º Esquadrão de Transporte Aéreo com direito a hotel e taifa da Força Aérea.

O doutor justificou-se dizendo que voou pela FAB por motivos de segurança, em função do cargo que ocupava. A explicação seria razoável para seus 120 vôos em 15 meses de governo, mas falta-lhe fubá para explicar os oito parentes. Era a quarta vez que os ventos do poder levavam Carvalho a Noronha. Terminou tudo bem porque o doutor praticou uma corrigenda e pagou R$ 25 mil à Viúva. (A bem da justiça, deve-se registrar que FFHH acabou com a mordomia dos passeios em vôos da FAB.)

A equipe tucana que assumirá a Prefeitura de São Paulo deve entender que seu novo barco chama-se Carpathia. O outro, grande, cheio de luzes, com Leonardo Di Caprio a bordo, foi posto a pique pelo iceberg de 52 milhões de votos de Lula. Não adianta pedir champanhe ao capitão. Ele tem sopa, chá e conhaque, mas em 2005, como em 1912, será pouco para o tamanho da demanda.

Por via das dúvidas, algum tucano pode responder ao repórter que perguntou como o novo prefeito pretende aumentar a arrecadação, caso pretenda acabar (logo ou mais tarde) com a taxas de Marta Suplicy. Não precisa ser uma reposta convincente. Apenas educada, porque, ao contrário do que supõe o comissário Carvalho, nunca esteve estabelecido que essa pergunta não deve ser respondida.’



Painel do Leitor, Folha de S. Paulo

‘Volta’, copyright Folha de S. Paulo, 2/12/04

‘ ‘Tivemos de saber pela coluna de Elio Gaspari (‘A volta do comissariado tucano’, Brasil, pág. A9) do truculento estilo tucano na primeira entrevista coletiva do governo Serra -enquanto o jornal se dedica totalmente apenas à crítica ao governo Lula. De forma coerente com a campanha eleitoral a favor de Serra, anuncia-se a benevolência com o governo do colunista da Folha.’ Emir Sader, professor de sociologia da USP e da Uerj (Rio de Janeiro, RJ)’