Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Esther Hamburger

‘Sem escombros, bombas, decapitações ou imagens de muçulmanos presos ou capturados. O mundo que a Al Jazira mostra todo dia em sua edição árabe é diferente do que estamos acostumados a ver nos noticiários televisivos ocidentais.

O planeta é a Terra, o tempo é contemporâneo. A tecnologia de gravação e exibição de imagens naturalistas também. Mas a ‘janela para o mundo’ que a telinha revela se debruça sobre paisagens e realidades quase opostas aqui e lá. Sinal dos tempos.

Muitas vezes vemos o já familiar logo da emissora sediada no Qatar em emissões da Record, Globo, CNN ou BBC. Afinal nada como câmeras locais, na língua local, para captar eventos no calor da hora.

Na Guerra do Iraque aprendemos a reconhecer nas imagens da Al Jazira -marcadas por um grifo que lembra uma gota desenhada com capricho no canto inferior direito do quadro- relatos confiáveis, produzidos por jornalistas comprometidos.

A emissora se consolidou no mundo árabe como um canal privilegiado de construção de uma imagem visual alternativa ao que se veicula no ocidente.

Não vemos imagens de árabes feridos, humilhados ou em posição de ataque terrorista. As paisagens exibidas salientam a estabilidade de países prósperos, habitados por mulheres que aparecem como apresentadoras de TV, guardas de trânsito, motoristas e executivas desfazendo a expectativa convencional no ocidente.

Essa esquizofrenia das imagens é assustadora. Tem a ver com o clima de guerra de guerrilha que tomou conta do mundo depois dos atentados de 11 de Setembro e que às vésperas das eleições presidenciais norte-americanas enseja manifestações fundamentalistas radicais de parte a parte.

É como se o mundo globalizado permitisse a convivência momentânea de realidades virtuais conflitantes. Como que a alimentar um bárbaro espírito beligerante. Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP’



PORTUGAL
Clóvis Rossi

‘Nem no Brasil’, copyright Folha de S. Paulo, 21/10/04

‘Jogaram, no sábado, Benfica e Porto, no maior clássico do futebol português. Deu Porto, 1 a 0.

‘Não foi o Porto que ganhou, foi o juiz’, reclama o segurança do Palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, enquanto espera o término da reunião entre ministros do Mercosul e da União Européia.

Frase típica de torcedor fanático, que remete às queixas contra o juiz, que teria deixado de marcar um gol para o Benfica (a bola teria entrado, coisa que o teipe não deixa claro) e dois pênaltis a favor da equipe lisboeta (ou equipa, como preferem os portugueses).

Foi um escândalo maiúsculo, tanto que o zagueiro Luisão (brasileiro que joga no Benfica) soltou uma frase que virou manchete no jornal esportivo ‘A Bola’.

‘Nunca vi uma coisa dessas. Nem no Brasil!’, explodiu.

Nem no Brasil. Que coisa, hein? É o mesmo que dizer que, no Brasil, a gente vê coisas de que até Deus duvida. Toda e qualquer esculhambação é perfeitamente possível.

Depois, ainda tem gente que reclama da imagem que o Brasil tem no exterior, que culpa jornais britânicos, por exemplo, por traçarem retratos supostamente injustos da pátria amada.

Luisão não é propriamente um filósofo ou um antropólogo. Apenas vive a vida, joga o jogo, é um profissional, enfim, com vivência daquém e dalém-mar.

Por isso mesmo é capaz de uma definição tão definitiva.’



CHILE
Liszt Vieira

‘Memórias do dia em que a democracia foi bombardeada’, copyright Jornal do Brasil, 22/10/04

‘Parecia um dia como outro qualquer. Havia rumores de golpe, mas, nas últimas semanas, boatos de golpe militar faziam parte da rotina, desde a tentativa frustrada do ‘tancazo’, poucos meses antes.

Na noite anterior, um amigo próximo, exilado como eu em Santiago, foi jantar lá em casa e disse que um golpe militar no Chile era impossível, tendo em vista a longa tradição democrática do país e a consciência avançada da classe operária.

Eu achava o contrário. Os jornais publicaram o caso famoso de marinheiros leais ao governo constitucional de Salvador Allende que foram torturados em dependências da Marinha. O governo não controlava as Forças Armadas e era minoritário no Parlamento. Os militantes da Unidade Popular se revezavam para tentar restabelecer a normalidade do abastecimento, num esforço heróico e muitas vezes infrutífero. Os supermercados estavam vazios, a classe média, assustada, e os partidos de centro e direita conspiravam abertamente contra a normalidade democrática.

Os sindicatos e partidos de esquerda organizavam manifestações praticamente todos os dias, muitas em frente ao Palácio de La Moneda, de cuja sacada Allende discursava ao povo que, apesar do frio inverno de 1973, comparecia em massa às manifestações para demonstrar apoio ao governo.

Não era difícil prever o golpe. Já havia sinais da Operação Condor e do apoio militar americano aos golpistas em caso de guerra civil. O governo Allende, apesar do apoio popular, estava isolado e enfraquecido.

O dia 11 de setembro de 1973 amanheceu com a movimentação golpista. O palácio do governo foi bombardeado, Allende morto, as estações de rádio e TV tomadas, conflitos e resistências localizadas em toda a cidade.

No fim da manhã, saí às ruas e fiquei sabendo que a instrução dos dirigentes socialistas era para não resistir. Encontrei na esquina um jornalista americano, com quem conversei rapidamente sobre a ditadura que estava por vir. Ele, como eu, não tinha nenhuma dúvida do caráter repressivo do regime militar que derrubava naquele momento o governo constitucional de Salvador Allende.

Milhares de mortos, um banho de sangue, o Estádio Nacional lotado de prisioneiros torturados, muitas vezes com a assistência técnica de ‘especialistas’ provenientes dos centros de tortura da ditadura militar brasileira.

Meu apartamento foi invadido e destruído. Já havia me afastado e me escondido na casa de amigos. Todo estrangeiro era suspeito. Muitos foram mortos sumariamente pelo simples fato de serem estrangeiros. No final de setembro, já estava claro que seria impossível permanecer no Chile.

Consegui entrar no casarão da Embaixada Argentina que acabou abrigando cerca de 750 pessoas. Ali passamos dois meses, angustiados pela incerteza quanto ao futuro. Conhecemos um terremoto que abalou o Chile em outubro, creio, e choramos o falecimento do grande poeta Pablo Neruda que não suportou viver em regime fascista e acabou precipitando a própria morte. O seu enterro foi inesquecível: um ato de amor e militância política que nem a ditadura fascista de Pinochet ousou interromper.

De meus amigos, alguns morreram. Muitos se exilaram, outros permaneceram e desses não tive mais notícias. Reencontrei muita gente na França e em outros países da Europa, principalmente depois do golpe militar na Argentina, em 1976. Todos têm uma história, sua própria história. Corriam os anos de chumbo, sob os auspícios da Operação Condor, abençoada pela CIA.

Hoje vivemos em regime democrático, com muitas injustiças sociais e desigualdades econômicas, é verdade. É inegável, porém, que prevaleceu no Cone Sul uma democracia política. E a memória do passado vive no presente.

O prefeito da cidade de Recoleta, em cujo cemitério repousam os restos mortais do presidente, proibiu visitação ao túmulo de Allende. Por outro lado, a ministra de Defesa do Chile, Michelle Bachelet, afirmou que já é hora de terminar com o ‘pacto de silêncio’, pois as ‘feridas sujas não cicatrizam’.

As novas gerações, que não conheceram a noite do arbítrio, devem prestar um tributo de reconhecimento a todos os que sacrificaram suas vidas pela liberdade que hoje conhecemos.’



HARRY vs. FOTÓGRAFOS
Folha de S. Paulo

‘Príncipe Harry agride fotógrafo em Londres’, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/04

‘O príncipe Harry, 20, terceiro na linha de sucessão do trono britânico, se envolveu em uma briga com um fotógrafo na saída de uma discoteca em Londres, na madrugada de quinta.

Assessores oficiais da família real afirmaram que o filho mais novo do príncipe Charles e da princesa Diana (morta em um acidente de trânsito em Paris, em 1997) foi atingido no nariz por uma câmera ao ser cercado por um grupo de dez fotógrafos quando saía de um clube por volta das três horas. Harry teria, então, empurrado para trás o fotógrafo Chris Uncle, 24, que cortou o lábio ao bater o rosto contra a própria câmera.

Os fotógrafos que estavam no local têm outra versão. De acordo com eles, Harry já estava entrando no carro quando voltou para a calçada e empurrou Uncle. O fotógrafo afirmou que foi ferido no rosto depois que Harry o empurrou deliberadamente gritando: ‘Por que você não me deixa em paz?’. ‘Havia dez fotógrafos tirando cerca de cem fotografias. Como pode que nenhuma tenha registrado o príncipe sendo atingido? Valeria uma fortuna’, questiona outro fotógrafo.

No entanto os fatos vão de encontro à campanha da família real de mudar sua imagem de ovelha negra. Há cerca de 15 dias, Harry foi acusado por uma professora de ter recebido ajuda para ser aprovado em artes na Universidade de Eton. Em 2002, o príncipe admitiu que fumava maconha e ingeria bebidas alcoólicas. Na época, ele tinha 17 anos.’