Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fernando Rodrigues

‘A chegada do PT ao Palácio do Planalto representou uma nova tendência para a distribuição de verbas publicitárias estatais entre os diversos órgãos da administração federal. Sob Luiz Inácio Lula da Silva, 86,3% de tudo o que o governo gasta com propaganda ficou concentrado em apenas seis anunciantes estatais, segundo revelam dados inéditos dos últimos quatro anos obtidos pela Folha.

Nos últimos dois anos de Fernando Henrique Cardoso, em 2001 e 2002, eram necessários de 19 a 20 órgãos federais para consumir mais de 86% das verbas publicitárias estatais.

Trata-se de uma mudança relevante. Demonstra a maneira concentrada de governar do PT. Com Lula no Planalto e seu amigo Luiz Gushiken comandando a propaganda federal, poucos dirigentes estatais passaram a ter um imenso poder no mercado publicitário.

Algumas agências de publicidade e marqueteiros são protagonistas da atual crise política. As empresas SMPB e DNA (que detinham as contas dos Correios e do Banco do Brasil) são acusadas de participação em caixa dois eleitoral. O publicitário Duda Mendonça revelou ao Congresso ter recebido cerca de R$ 10 milhões no exterior por serviços prestados ao PT -ele detinha até há poucas semanas a conta de publicidade institucional da Presidência.

Os números da publicidade estatal federal nos últimos quatro anos mostram que disparou, no governo Lula, o valor investido pelas duas principais empresas públicas do país, o Banco do Brasil e a Petrobras. Em 2002, último ano de FHC, o BB e a Petrobras gastaram R$ 246,3 milhões em propaganda. Em 2004, o valor saltou para R$ 401,7 milhões -um aumento de 63,1%.

Todos os dados são oficiais, embora a sua divulgação não tenha sido autorizada pelo governo (leia texto nesta página). Até hoje, só se conhecia o valor do gasto total do governo com propaganda.

Quando se observa a tabela com os maiores anunciantes estatais federais, nota-se que o Banco do Brasil respondeu, sozinho, por 25,6% de tudo o que o governo federal gastou com publicidade em 2004. É seguido pela Petrobras, com 20,5%.

No último ano do governo FHC, o BB representava 21,9% de tudo o que era consumido em propaganda. A Petrobras, 13,1%.

A concentração no governo Lula também se deu em razão da criação da conta publicitária da Subscretaria de Comunicação Institucional, ainda hoje conhecida como Secom, sigla de sua antiga designação (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República, que Gushiken deixou devido ao desgaste decorrente da crise, em julho passado).

Quebra-galho

Nos governos FHC (1995-2002), quando a Presidência desejava fazer alguma comunicação institucional, tinha de recorrer a um quebra-galho. Campanhas sobre o Plano Real, por exemplo, eram pagas por empresas estatais.

Ainda em 2002, na transição para o governo Lula, os tucanos recomendaram aos petistas que mantivessem a idéia de criar uma rubrica no Orçamento especificamente para cuidar da imagem institucional da Presidência. Assim foi feito, ao custo estimado de R$ 150 milhões por ano.

Em 2003, primeiro ano da gestão Lula, o valor gasto pela Secom com veiculação de publicidade foi de R$ 32,1 milhões. A licitação só terminou e efetivou-se no segundo semestre daquele ano. Em 2004, a cifra pulou para expressivos R$ 97,7 milhões. Registre-se que aí não estão incluídos custos com a produção dos comerciais.

Esse dinheiro usado pela Secom serve para campanhas como a ‘Muda Mais Brasil’, de abril passado, cujo objetivo é ‘informar a sociedade brasileira sobre importantes resultados econômicos e sensibilizá-la sobre o crescimento da economia do Brasil’.’



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‘Sigilosos, dados foram obtidos na antiga Secom’, copyright Folha de S. Paulo, 05/09/2005

‘Os números usados nas tabelas desta reportagem são oficiais. Foram atualizados em 27 de julho. Saíram dos arquivos da Subscretaria de Comunicação Institucional, ainda conhecida como Secom, sigla de sua antiga designação (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República).

As informações são consideradas sigilosas pelo governo. A Folha as obteve de maneira informal e na condição de não revelar os nomes das pessoas que ajudaram o jornal a obter os dados.

Desde a administração de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a Folha vem requerendo essas informações. Tanto no governo tucano quanto no de Lula a Secom negou o acesso.

A compilação dessas informações de maneira centralizada na Secom existe desde 1998. Depois que a Secom deixou de ter status de ministério, com a saída de Luiz Gushiken, em julho, a Folha conseguiu acesso informal aos dados.

Há dois motivos apresentados como argumentos para manter em sigilo esses valores. O primeiro é que a Secom negocia com cada veículo os preços pagos pela publicidade. A revelação das cifras diminuiria o poder de fogo do governo. Além disso, alguns órgãos do governo competem no mercado (Petrobras e Banco do Brasil, por exemplo). Ao tornarem conhecidos seus gastos com propaganda, ficariam vulneráveis aos concorrentes.

A Folha argumentou que há dinheiro público envolvido. O grau de sigilo sobre informações comerciais não deve ser o mesmo da iniciativa privada. A Secom nunca aceitou essa avaliação.

Os valores apurados vêem de autorizações que agências de publicidade enviam aos veículos para publicação. Apesar de reveladores sobre os gastos federais com propaganda, os números divulgados hoje ainda não são definitivos porque não há uma planilha consolidada com as as despesas de publicidade legal, patrocínios e produção de comerciais.’



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‘Governos gastam R$ 3 bilhões por ano com propaganda no Brasil’, copyright Folha de S. Paulo, 05/09/2005

‘É quase impossível saber o valor exato que os governos gastam no Brasil com publicidade. Os valores disponíveis e as estimativas do mercado indicam, entretanto, que a cifra chega a R$ 3 bilhões por ano quando se contabiliza as administrações federal, estaduais, distrital e municipais.

No caso do governo federal, o único valor conhecido é o total gasto em veiculação dos comerciais. Essa cifra se refere ao dinheiro pago às emissoras de TV, rádio, jornais, revistas, internet e outros meios pela divulgação da propaganda. Em 2004, atingiu R$ 871,8 milhões -valor semelhante ao recorde da gestão anterior, em 2001, com R$ 881,4 milhões.

A título de comparação, em 2004 o governo federal gastou R$ 9,2 bilhões com investimentos, destinados a ampliar a capacidade produtiva do país (obras de infra-estrutura, por exemplo). Os R$ 871,8 milhões consumidos pela veiculação de propaganda no mesmo período equivalem a 9,5% desses investimentos.

O custo de produção dos comerciais não é divulgado pelo Planalto. Estima-se no mercado e dentro da administração federal que o valor seja equivalente a 30% do que é gasto. Estaria, portanto, na faixa dos R$ 370 milhões.

Há também a publicidade legal -balanços e editais-, cujo controle fica com a Radiobrás, a estatal federal de comunicação. É essa empresa que distribui e controla a veiculação desse tipo de propaganda. Em 2004, o valor global ficou em torno de R$ 65 milhões.

Finalmente, há um outro tipo de publicidade sem qualquer controle centralizado no que diz respeito à contabilização de valores: os patrocínios. As empresas estatais ajudam a fazer filmes, patrocinam shows, equipes esportivas, bandas do interior. Dentro do governo, a estimativa é que não se gaste menos de R$ 200 milhões por ano com isso.

Tudo somado, o gasto total com patrocínio e propaganda estatal federal bate na casa de R$ 1,5 bilhão por ano. Estados, Distrito Federal e grandes cidades consomem juntos o mesmo valor. Em resumo, no Brasil os governos em todos os seus níveis investem por volta de R$ 3 bilhões no mercado publicitário anualmente.

Tome-se como exemplo o governo do Distrito Federal. Em 2004, a administração do governador Joaquim Roriz (PMDB) gastou R$ 82,6 milhões em publicidade. Uma das agências licitadas foi a SMPB, citada no atual escândalo do ‘mensalão’.

Gastos como esse, somados aos de outros Estados, municípios e do governo federal é que resultam em cerca de R$ 3 bilhões anuais investidos em propaganda estatal no país. Essa cifra dá ao setor governamental o título de maior anunciante do Brasil.

Segundo o Mídia Dados 2005, publicação do setor publicitário, o maior anunciante privado em 2004 foi a rede de varejo Casas Bahia, com um investimento de R$ 1,6 bilhão. O valor deve ser analisado com reservas: considera apenas o espaço ocupado por anúncios multiplicado pelo valor da tabela usado pelos veículos de comunicação. Não são contabilizados os descontos, uma praxe nessa área. É possível que as Casas Bahia tenham investido bem menos do que R$ 1,6 bilhão.

Já no caso do governo federal, os números que a Folha divulga hoje são reais.’



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‘Com PT, Globo aumenta sua fatia no bolo’, copyright Folha de S. Paulo, 05/09/2005

‘Os veículos de comunicação das Organizações Globo tiveram um aumento na participação do bolo publicitário estatal federal no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As empresas desse grupo, o maior do país nessa área, estão em primeiro lugar em três categorias (TV, rádio e jornal) como as que recebem mais verbas de propaganda sob comando do Planalto.

Em 2002, último ano da administração de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os jornais, rádios, revistas e TVs da Globo faturaram R$ 260,4 milhões em verbas publicitárias estatais federais. No ano seguinte, com o PT no Palácio do Planalto, o valor ficou quase estável: 262,4 milhões. O salto veio em 2004, com o montante pulando para R$ 335,1 milhões -alta de 27,7%.

A maneira mais correta de aferir o aumento, entretanto, não é com os números absolutos. É mais fácil perceber a proeminência das Organizações Globo medindo o quanto representam percentualmente no total de verbas publicitárias gastas pelo governo federal.

Nos dois últimos anos de FHC, o valor recebido pelas Globos por veiculação de publicidade estatal federal representou 34,8% (2001) e 37% (2002) do total gasto pela administração pública. Esses percentuais pularam para 42,5% em 2003 e 38,4% em 2004.

Os 42,5% recebidos pelas Globos em 2003 são uma demonstração de que pode ter ocorrido uma preocupação no primeiro ano do governo Lula para não reduzir a receita publicitária dos veículos desse grupo empresarial.

Com a chegada do PT ao poder, muitos contratos de propaganda estavam vencendo. Outros eram suspensos. Por conseqüência, minguaram as verbas publicitárias federais de maneira generalizada. A queda foi de 12,2% -dos R$ 703,6 milhões em 2002 para R$ 617,7 milhões em 2003.

Não se tratava de uma política deliberada de redução de despesas. A queda foi apenas resultado da troca de comando no Planalto.

Mesmo com a maioria dos veículos de comunicação do país experimentando algum tipo de redução nas verbas estatais em 2003, o baque não foi sentido pelas Globos, que registraram até um leve acréscimo.

Como o valor total despendido em publicidade pela administração pública caiu, o percentual abocanhado pelas Organizações Globo teve expressivo avanço. Saiu dos 37% do total de investimento publicitário estatal federal em 2002 para 42,5%, em 2003.

No ano seguinte, em 2004, o percentual caiu. Mas, desta vez, o valor absoluto é que subiu.

É importante registrar que os veículos das Organizações Globo estão entre os que atraem mais audiência (TVs e rádios) e leitores (jornais e revistas).

O caso mais evidente é o da TV Globo. De acordo com números do Ibope, a audiência média nacional dessa emissora, medida das 6h às 24h é de 9,83% (para 2004). Ou seja, de todos os televisores ligados nesse período, 9,83% sintonizam a Globo.

O SBT fica em segundo lugar, com 3,4%. A TV Globo tem, portanto, quase o triplo de audiência média na comparação com seu principal concorrente no setor.

Essa audiência média é aferida por meio de aparelhos instalados pelo Ibope em 3.500 domicílios do país inteiro. O percentual de audiência é calculado sobre o total de casas com TV que são atingidas pela amostra do instituto.

Ao se observar o que a TV Globo recebeu de verba estatal federal em 2004 (R$ 285,7 milhões), verifica-se que o valor equivale a 3,9 vezes do que foi direcionado ao SBT (R$ 73,5 milhões). É possível argumentar que a audiência média da Globo é apenas 2,9 vezes a do SBT. Haveria, por essa lógica, uma desproporção entre audiência e verbas recebidas.

Essa conta não é totalmente correta, pois não se sabe em quais horários foram veiculados os anúncios estatais na Globo e no SBT. É sabido que no chamado horário nobre -final da tarde e início da noite- a audiência da Globo fica na faixa dos 40 ou 50 pontos, muito à frente do segundo colocado.

Outras Globos

Em outros meios, as empresas de comunicação da Globo também se destacam.

As duas emissoras de rádio que mais receberam verbas estatais em 2004 foram a Globo e a CBN, ambas pertencentes às Organizações Globo. Juntas, tiveram R$ 12 milhões -ou 13,6% de tudo o que a administração Lula investiu nesse meio de comunicação.

Não há aferição de audiência média nacional para as redes de rádio. O Ibope calcula apenas as audiências locais. Por essa razão, não é possível fazer uma relação precisa entre os valores recebidos por veiculação de propaganda estatal e a penetração no mercado.

Quando se analisa jornais diários, ‘O Globo’ é o primeiro colocado. Com circulação média de 257,5 mil exemplares, recebeu R$ 10,6 milhões pela veiculação de publicidade estatal federal em 2004. Logo atrás está a Folha, com R$ 10,2 milhões recebidos e uma circulação média de 307,7 mil exemplares -ou 19,5% a mais que o diário concorrente do Rio.’



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‘Para Organizações Globo, governo faz ‘distribuição técnica’ dos anúncios’, copyright Folha de S. Paulo, 05/09/2005

‘Para Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, é correto o investimento que o governo faz veiculando publicidade nas empresas do grupo. ‘Como recomenda o bom senso, os investimentos em publicidade seguem uma distribuição técnica’, disse o executivo, por meio da assessoria da empresa.

‘Por ter a maior audiência em todos os segmentos, é natural que a TV Globo tenha a maior verba, tanto da iniciativa privada quanto das contas do governo’, declarou Erlanger.

Ele afirmou que ‘as verbas da administração direta do governo sempre representaram, historicamente, de 1,5% a 2,5% do faturamento da TV Globo’. Concluiu sua declaração afirmando que ‘a participação nos investimentos publicitários do setor privado é superior à participação nas verbas do governo’ na emissora.

A assessoria de imprensa das Organizações Globo também enviou uma declaração para ser interpretada como a posição geral para todos os veículos do grupo: ‘O governo se comporta como qualquer empresa que queira se comunicar de forma eficiente com a coletividade brasileira’.

Na Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria-Geral da Presidência da República (ex-Secom, Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), a Folha ouviu um comentário semelhante ao das Organizações Globo.

Para Caio Barsotti, subsecretário de publicidade, o governo faz ‘mídia técnica’, levando em conta o público a ser atingido.

Sobre haver uma concentração dos gastos de publicidade estatal em poucos anunciantes federais, Barsotti declarou: ‘Trata-se de uma visão de Estado que entende que o fortalecimento das empresas estatais depende das suas ações de marketing’.’



GOVERNO LULA
O Estado de S. Paulo

‘Os males da política externa’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 4/09/2005

‘Há cerca de três semanas, comentando a decisão da União Africana, que decidira não apoiar a proposta de reforma do Conselho de Segurança da ONU patrocinada pelo G-4 – do qual faz parte o Brasil -, o chanceler Celso Amorim queixou-se amargamente da imprensa brasileira, a seu ver excessivamente crítica da atual política externa. Chegou a dizer que identificava nessas críticas uma ‘torcida’ contra o êxito da proposta. ‘Preciso fazer psicanálise para entender (esse comportamento)’, afirmou. Esta semana, em depoimento na Comissão de Relações Exteriores do Senado, o ministro Celso Amorim voltou a atacar a imprensa, à qual atribuiu a tal ‘torcida’ para que as ações de política externa ‘não caminhem bem’ e a acusou de fazer críticas ‘irreais’ ao Itamaraty. Mas deixou o terreno da psicanálise, preferindo outras disciplinas para explicar as críticas feitas pela imprensa – especialmente pelo Estado, único jornal diretamente citado pelo chanceler: ‘Talvez fosse o caso de conversar com antropólogos e sociólogos, para que se detenham nessa necessidade de autoflagelação que existe no Brasil.’ Não será com psicanalistas, antropólogos e sociólogos que o chanceler encontrará as explicações que procura. Elas estão na política externa do governo Lula, formulada e executada pelos embaixadores Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e pelo assessor presidencial Marco Aurélio Garcia. Trata-se de política fundamentada num tipo de nacionalismo que já era retrógrado na década de 1950, num terceiro-mundismo que já estava ultrapassado há 30 anos e num antiamericanismo que nunca foi capaz, por si só, de ampliar a autonomia do Brasil em suas relações políticas e comerciais com o mundo. E note-se que a busca da autonomia não começou com o governo do PT, tendo sido, sempre, uma das diretrizes permanentes da política externa, exceto no governo Castelo Branco. Não se justifica, portanto, que o assessor Marco Aurélio Garcia atribua aos críticos da política externa uma ‘nostalgia da submissão’.

Durante bom tempo, a retórica flamejante – ou, para repetir a adjetivação da imprensa, da qual o chanceler se queixou, o ‘espalhafato’, o ‘excesso de exibicionismo’ e a ‘estridência’ – da diplomacia conseguiu para a política externa petista se não o apoio, pelo menos a neutralidade de parte da mídia. Mas, à medida que os previsíveis resultados dessa política, carregada de ideologia e vazia de pragmatismo, foram se tornando evidentes, as ações do Itamaraty passaram a ser analisadas criticamente pelos principais órgãos da imprensa. Até mesmo colunistas que antes acusavam os críticos da política externa de pertencer à ‘quinta-coluna’ agora apontam, com acidez, os pontos fracos dessa política.

Não por coincidência, o chanceler Celso Amorim e seus companheiros de triunvirato passaram a ver na imprensa um inimigo a combater. Há dias, a Folha de S.Paulo publicou artigo em que o senador Jefferson Péres, uma das figuras mais respeitáveis do Senado, apontava alguns erros da política externa: o engajamento ideológico que perdeu sentido prático com o fim da guerra fria; e o que chamou de ‘objetivos impossíveis’, de liderar a América Latina e de formar um bloco com a China e a Índia, em contraposição aos EUA. Fez o balanço de uma política ‘marcada por sonhos megalomaníacos, desapego a princípios e malogro nas disputas’. Embora os fatos lhe dessem razão, recebeu uma resposta malcriada do assessor Marco Aurélio Garcia, que tentou anular as críticas desqualificando o seu autor, sem imaginar que a megalomania criticada seria confirmada dias depois pelo presidente Lula ao se arvorar em moderno Bolívar.

Essas diatribes não escondem fatos básicos que vão do impasse das negociações com as grandes potências comerciais ao fracasso do projeto de liderar a América do Sul e à frustração do sonho de ser membro permanente do Conselho de Segurança, passando pela aliança estratégica com a China, que beneficiou Pequim, mas não o Brasil.

A política externa brasileira não é criticada porque a mídia sofre a síndrome do pessimismo ou do derrotismo. Ela é criticada porque se desviou de uma linha de pragmatismo que vinha trazendo bons resultados para o País, tanto do ponto de vista do prestígio internacional como da inserção da economia no mundo globalizado. Bolivarismo e bravatas antiamericanas são prerrogativas do coronel Chávez.’



GAROTINHO NA MÍDIA
Sergio Torres e Laura Mattos

‘Garotinho estréia programa de TV e amplia presença na mídia’, copyright Folha de S. Paulo, 4/09/2005

‘Candidato autodeclarado à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-governador Anthony Garotinho (PMDB) estrela desde agosto um programa de televisão transmitido por emissoras dos Estados de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul, do Paraná, da Bahia e do Distrito Federal.

O ‘Falando em Família’ faz parte da estratégia política de Garotinho, presidente do diretório do PMDB no Estado do Rio e secretário de Governo da governadora Rosinha Matheus, com quem é casado.

Embora seja um programa de aconselhamento, quase uma auto-ajuda, sem referências e comentários políticos, o ‘Falando em Família’ tem um claro objetivo eleitoral: o de tornar Garotinho mais conhecido entre os eleitores de camadas menos favorecidas de Estados populosos onde o PMDB tem representatividade.

E Garotinho, 45, está empenhado em mostrar ao partido que é o melhor candidato à sucessão do presidente Lula.

Amparado nos cerca de 15 milhões de votos obtidos na última eleição presidencial, quando chegou atrás do vencedor Lula e de José Serra (PSDB), ele está convencido de que pode manter esses eleitores, além de atrair aqueles que votaram no PT e, com a crise, se decepcionaram.

Campanha

O partido vai apontar seu candidato em 15 de março. Até lá, Garotinho está em campanha para ser o escolhido.

Para isso terá de vencer a resistência da cúpula do PMDB. O ex-presidente e senador José Sarney (AP) e o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), são favoráveis a uma aliança com Lula. Governadores importantes, como Germano Rigotto (RS) e Roberto Requião (PR), querem a candidatura própria, mas com Garotinho fora da disputa.

Eleito governador do Rio de Janeiro em 1999 com votos dos mais pobres, Garotinho não tem esperanças de atrair eleitores da classe média para cima. Mas, para baixo, acha que pode superar o desempenho da eleição presidencial, trocando o rótulo de candidato dos evangélicos pelo de candidato dos humildes.

Público-alvo

O público-alvo do programa de TV é o menos favorecido. Transmitido pela Rede Bandeirantes e afiliadas de segunda-feira a sexta-feira em horários próximos ao almoço, o ‘Falando em Família’ dura dez minutos.

Garotinho aparece em pé ou atrás de uma bancada, mexendo em um laptop. Aborda temas como a adoção, os maus-tratos sexuais na infância e a preguiça, por exemplo.

Ao final do programa, ele costuma falar sobre o cadastro que o site www.orepelobrasil.com.br está montando com o suposto objetivo de formar um banco de voluntários evangélicos para ‘orar pelo Rio de Janeiro’.

Concebido há um ano e meio como quadro de um programa do telepastor Silas Malafaia, o ‘Falando em Família’ começou a ser transmitido pela Band no último dia 10.

A direção e a produção são de Carlos Rayel, que já assessorou o o ex-senador e ex-governador de São Paulo Orestes Quércia. Rayel foi um dos coordenadores de marketing político na campanha presidencial de Garotinho em 2002. Desde então, vem atuando com o ex-governador.

Os cinco programas semanais são gravados de uma só vez, geralmente às segundas-feiras, nos estúdios da Bandeirantes no Rio. À Folha, Rayel negou que Garotinho pague algo à emissora. Segundo ele, ‘na Band, viram o programa e perguntaram se poderiam exibir’.

A Band, por meio de sua assessoria de imprensa, não deu uma resposta clara sobre o acordo com o ex-governador.

Informou tratar-se de um ‘projeto comercial em experiência’ e que está ‘avaliando a possibilidade de comercialização’, sem explicar o que isso significa. Ainda de acordo com a assessoria, a exibição foi acertada pelo período de 45 dias, prazo que expira no próximo dia 25.

A rede declarou não apoiar ‘nenhum candidato em nenhuma eleição’ e que o fato de transmitir o programa de Garotinho ‘não tem conotação nem política nem eleitoral’.

Radialista experimentado -exerce a profissão desde a adolescência em Campos, sua cidade natal no norte fluminense-, Anthony Garotinho tem atualmente dois programas diários, ‘Palavra de Paz’ (como apresentador) e ‘A Paz do Senhor, de Coração’ (como convidado especial), retransmitidos para cerca de 400 emissoras em todo o país.

Além da penetração eletrônica, Garotinho tem viajado pelo país. A média é de três viagens por semana, sempre conciliando os contatos políticos com os cultos e as celebrações religiosas.’



MÍDIA & MISÉRIA
Carlos Chaparro

‘A pobreza mora aqui, bem ao lado…’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 2/09/2005

‘Ainda que atualmente por boas razões, a mídia jornalística só tem olhos para os protagonistas de Brasília. Parece, até, que nada mais existe no Brasil, além das CPIs. Pois talvez seja esta uma boa ocasião para lembrar que o jornalismo só dará conta das suas complexidades e dos seus deveres se tiver talento e vontade para redescobrir os protagonistas das ruas, onde a indignidade da miséria circula ou se esconde.

1. Paliativos

Ao folhear papéis já amarelados, encontrei esta semana um exemplar da revista Imprensa de sete anos atrás, mais precisamente, de novembro de 1998. Guardei esse exemplar por causa de uma entrevista com Eduardo Suplicy, na qual o senador petista reclamava das omissões jornalísticas em relação ao seu projeta da Renda Mínima: ‘(…) Nem sempre a imprensa ex-plicou bem tudo o que poderia ser o projeto, e a experiência internacional que envolve o assunto. (…) Os meios de comunicação de massa deveriam esclarecer que a renda mínima é um direito à cidadania, que deve ser con-ferida a todos’.

No aproveitamento da oportunidade, Suplicy fez o habitual proselitismo em torno do seu meritório projeto, apresentado ao Senado em Dezembro de 1991. Lá, a tramitação não foi bem sucedida. Mais tarde, em novembro de 1997, o governo tucano aproveitou a maioria que tinha no Congresso para aprovar, com outro nome, um projeto similar de renda mínima, apresentado por um aliado, o deputado Nelson Marchesan.

O programa tucano de renda mínima entrou em execução em agosto de 1998. Previa ajuda de quinze reais por filho de até 14 anos, desde que fre-qüentasse a escola. Com uma ou outra diferença, trata-se do mesmo Bolsa Família que o governo Lula diz ter incrementado. E que, aqui e ali, em al-guns estados e municípios, teve imitações locais.

Já lá se vão, portanto, oito anos, desde o início desse programa de assistên-cia à pobreza. O programa é sem dúvida meritório. Mas, e daí? Será que algo mudou de forma significativa nos diagnósticos das carências sociais brasileiras? Creio que não. Nem para tais mudanças poderia haver expecta-tivas. Na verdade, na verdade, se o Brasil quiser acabar com a fome e a ex-clusão social, teremos que fazer bem mais do que programas de renda mínima.

2. Estatísticas e insensibilidade

A entrevista é interessante. E o senador Suplicy aproveitou o espaço ofere-cido pela revista Imprensa para falar do seu projeto de renda mínima. Por se tratar de uma publicação especializada em mídia e jornalismo, poder-se-ia esperar uma conversa sobre questões atinentes às temáticas da revista. Porém, das vinte perguntas, apenas três solicitaram críticas ou análises so-bre o comportamento da imprensa.

Quem editou a capa da revista transgrediu as normas técnicas defendidas em manuais. Além de dar destaque ao que no texto recebeu tratamento se-cundário, colocou na boca do senador altruísmos que ele não manifestou na entrevista: ‘Suplicy: os jornalistas têm que ajudar na luta contra a misé-ria’, alguém escreveu no título da capa. Lá dentro, no texto, o senador la-mentava, apenas, que a imprensa explicasse mal ou insuficientemente o projeto de renda mínima por ele proposto.

A meu ver, a transgressão da capa resultou melhor que a entrevista. Porque pôs em evidência um dos mais lamentáveis desvios de conduta da chamada grande imprensa: os olhos fechados para a miséria que humilha e castiga milhões de pessoas, ou, no caso da televisão, o uso da miséria apenas como espetáculo.

O senador Suplicy acabou fornecendo, em informações, boas razões para que a consciência social dos jornalistas fosse sacudida. Usando estudos e números do Banco Mundial, lembrou, por exemplo, que, àquela época, no índice de desigualdade, o Brasil só perdia para Serra Leoa,. E dava os índi-ces brasileiros: os 10% mais ricos detinham 47,9% da renda nacional, en-quanto os 40% mais pobres conseguiam apenas 8,2%.

Não acredito, mas pode até ser que os índices atuais sejam ligeiramente melhores. Mas certamente continuam a ser uma vergonha. E nem jornais nem jornalistas se incomodam com a dramaticidade da miséria. Continuam apenas empenhados em acompanhar os jogos de poder, as aparências da representação democrática, que o próprio jornalismo torna emocionantes. Fazendo parte delas.

3. Sínteses da miséria

O artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que as Constituições democráticas também assumem, estabelece que todos nas-cem iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Graças à Declaração Universal dos Direitos Humanos, dispomos hoje de critérios éticos, morais e até jurídicos para conceituar, qualificar, delimitar e quantificar a exclusão social. E os números revelam uma monstruosidade que exige indignação, inclusive dos jornalistas.

Apesar disso, estatísticas são abstrações, criadas por cientistas e burocratas. Dez por cento dos mais ricos detêm 47,9% da riqueza nacional… Qualquer manchete com esses dados pouco difere de qualquer outra manchete com índices, quer se refiram a mercado de capitais, produto interno bruto, défi-cit público ou aproveitamento futebolístico.

Se passarmos das estatísticas para os números absolutos, aumentam os ní-veis de clareza. E aumenta o peso dramático da realidade. Como demons-tração, aí vai uma surpresa: na exuberante Europa capitalista, a miséria a-tinge pelo menos 50 milhões de pessoas. No mundo, o contingente dos que sobrevivem abaixo da chamada linha de pobreza ultrapassa um bilhão de pessoas.

Não tem sentido, pois, continuar a fechar o foco nos discursos oficiais. Pior ainda quando esse ‘oficialismo’ se esconde sob o disfarce de simulações de rebeldia, que o marketing estimula e aproveita. Jornalismo ‘oficialista’, no caso, é aquele que consegue reduzir a estatísticas oficiais o drama humano da miséria, e ter para esse drama, sempre e somente, explicações ministeri-ais, descrições ‘neutras’ da ciência ou o proselitismo de políticos com pro-jetos de renda mínima.

Ora, se para cada dez cidadãos brasileiros, se estima que três vivem abaixo dos níveis toleráveis de pobreza, então a verdade da miséria está aqui, nas vizinhanças de qualquer redação. Em vez de manipular estatísticas, os re-pórteres do relato e os redatores da análise poderiam buscar as sínteses on-de elas verdadeiramente estão: ali, na casa ao lado ou na esquina vizinha, onde pessoas iguais a nós, com iguais direitos, vivem a realidade dos excluídos.’