Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

‘O presidente da França, Jacques Chirac, e o premiê Jean-Pierre Raffarin são os principais alvos do programa satírico ‘Les Guignols de l’Info’ (os bonecos da informação), da rede privada Canal Plus, desde o início da campanha para o plebiscito sobre a adoção da Constituição da União Européia, há três meses.

‘A atuação dos dois é tão risível que facilita nosso trabalho. Para dividir a esquerda, Chirac convocou o plebiscito, pois as pesquisas apontavam uma folgada vitória do ‘sim’. Pouco tempo depois, porém, o ‘não’ subiu mais de dez pontos percentuais, e ele continuou com seu estilo altivo, impassível. Ora, a casa pega fogo, e o presidente finge que nada está acontecendo’, afirmou à Folha Julien Hervé, 31, um dos roteiristas do programa de marionetes gigantes, grande sucesso na França.

Além dele, fazem parte da equipe de roteiristas Lionel Dutemple, 36, Ahmed Hamidi, 34, e Bruno Gaccio, 47. Todos são responsáveis pelos diálogos do programa há mais de cinco anos.

‘Depois, Chirac entrou de vez na campanha, e as coisas continuaram a piorar para o ‘sim’, do qual ele é o maior cabo eleitoral. Houve, então, seu programa com os jovens, no qual ele foi muito mal. E Raffarin está tão desgastado que é fácil fazer piadas’, acrescentou Dutemple.

Ironicamente, todos os roteiristas são favoráveis à adoção da Constituição da UE pela França. Questionados sobre a possibilidade de seus textos favorecerem o campo do ‘não’ ao ridicularizar o presidente e o premiê, ambos disseram não serem responsáveis pela agenda política.

‘Talvez tenhamos alguma influência sobre nossa audiência, mas não somos nós que forçamos os líderes políticos a tomar atitudes irrisórias. Só fazemos exagerar as coisas para torná-las mais engraçadas. É o velho dilema do ovo e da galinha. Mas, no nosso caso, nossas idéias não nascem antes das bobagens dos políticos’, explicou Hervé.

Os quatro roteiristas também são os autores do ‘Supermentiroso’, marionete criada em 2002 durante a campanha para a eleição para presidente. O personagem era Chirac vestido em trajes de Super-Homem, contando mentiras ao eleitorado.

‘Não deixamos o fato de falarmos a 3,5 milhões de pessoas subir à cabeça. Só queremos nos divertir e expor as gafes ou as inverdades dos políticos. Além disso, eles não são nossos únicos personagens’, disse Dutemple.

De fato, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Silvester Stallone, que representa sempre ‘o americano médio’, e o papa já fizeram parte de seu programa. Recentemente, aliás, eles tiveram problemas com grupos católicos porque uma de suas marionetes chamou Bento 16 de Adolfo 2º, referência à passagem de Joseph Ratzinger pela Juventude Hitlerista.’



FOTOGRAFIA / CARTIER-BRESSON
Suzana Velasco

‘Intuição precisa’, copyright O Globo, 30/05/05

‘A princípio invasiva, a fotografia parece, quando se vêem fotos de Henri Cartier-Bresson, ter sido essencial para que o momento registrado existisse. É como se a cena não pudesse ter ocorrido se a câmera não estivesse ali. Com sua pequena máquina Leica, e seus olhos cujo anonimato prezava para continuar fotografando anônimos, Cartier-Bresson foi uma espécie de homem invisível que captou instantes preciosos. E era isso que ele desejava: registrar o que chamou de ‘momento preciso’, e que, por ser preciso, necessitava da exatidão fotográfica, mas também da intuição. Cento e cinqüenta e cinco desses momentos, que unem geometria e sensibilidade, poderão ser vistos pelo público a partir das 18h30m de hoje, no Centro Cultural Correios.

A exposição, que faz parte da programação do FotoRio 2005, é um olhar do fotógrafo sobre sua própria obra, de todas as épocas. Escolhidas por Cartier-Bresson, as fotos correram o mundo e deram origem, em 1979, ao livro ‘Henri Cartier-Bresson – Fotógrafo’, que dá nome à exposição – e que tem um exemplar à venda, por R$ 600, na Livraria Travessa do Centro Cultural Banco do Brasil.

Estética clássica e fotos intimistas

– Não é uma exposição inédita, mas clássica – sintetiza Milton Guran, coordenador do FotoRio. – Ela permite a compreensão não só da estética do fotógrafo, mas também de seu aspecto humanista. Cartier-Bresson não foi apenas o grande nome da fotografia do século XX, mas também um homem que respeitava o outro, o meio ambiente e o próprio ato de fotografar – completa ele, que trouxe a exposição com o apoio do Consulado Geral da França e da Associação Francesa de Ação Artística (AFAA).

E nesse ato de fotografar, o tal momento preciso aspirado – e que levou o fotógrafo a rejeitar cenas posadas – foi tanto de anônimos nas ruas de Paris, como o menino lépido que carrega garrafas ( foto ao lado), como também de períodos importantes da História mundial, como a China antes e depois da vitória comunista e a Guerra Civil Espanhola.

Guran se lembra de uma mostra em Paris, em comemoração aos 80 anos de Cartier-Bresson, onde os visitantes se aglomeravam para ver as 530 fotos expostas. Era mesmo algo grandioso para o fotógrafo intimista. Considerado um dos mestres do fotojornalismo, mesmo suas fotos mais factuais têm um quê de intimidade, a mesma que ele gostava de preservar.

– Uma exposição desse porte não podia ser intinerante. E a mostra que trouxemos é capaz de emocionar qualquer um, é uma homenagem ao ‘Olho do século’ – diz Guran, lembrando que na sexta-feira, durante a montagem da exposição no Correios, outros fotógrafos pararam admirados para observar o material que saía das caixas.

Foi Agnes Sire, diretora-executiva da Fundação Henri Cartier-Bresson, quem coordenou de perto a montagem da exposição, que também recebeu o olhar atento da fotógrafa Martine Franck, presidente da fundação e viúva de Cartier-Bresson, morto ano passado, aos 95 anos.

– Ele passou dois anos escolhendo as fotos e a montagem da mostra segue a seqüência registrada num livro por Agnes – conta a discreta Martine.

Fotógrafa da Magnum – agência fundada por Cartier-Bresson ao lado de Robert Capa, George Rodger e David Seymour, em 1947 – Martine veio ao Rio para dar uma oficina de três dias para fotógrafos brasileiros, quando mostrou seus trabalhos e conversou sobre temas que aborda: retrato, paisagem e fotos de cena.

– Conheci o Milton Guran em Paris e ele me convidou para fazer o workshop. Nunca tinha me dado conta de que o Brasil tem uma tradição em fotografia. Recebi um grupo com trabalhos de alto nível – comenta ela.

Martine acaba de trabalhar num projeto da Magnum em diferentes cidades européias. Seu trabalho, que será exposto em setembro no Centre Georges Pompidou, em Paris, une três gerações de mulheres na República Tcheca e terá material audiovisual, com entrevistas.’

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‘Os destaques do FotoRio’, copyright O Globo, 30/05/05

‘Ao lado da exposição de Cartier-Bresson, o Centro Cultural Correios inaugura amanhã outras sete mostras em que a fotografia é a mídia principal, entre elas uma instalação de Walter Carvalho, ‘O sertão é todo espera’. No Museu Nacional de Belas Artes, cinco exposições estão previstas para inaugurarem amanhã, mas a grande expectativa é se o comando de greve dos funcionários do Ministério da Cultura vai permitir a abertura do museu.

– Apoiamos a greve, mas temos um compromisso com grandes fotógrafos, como Graciela Iturbide, a mais importante fotógrafa mexicana viva, e Valdir Cruz, com seu trabalho sobre ianomâmis ( foto ao lado ) – diz Milton Guran, coordenador do FotoRio.

O evento deste ano tem enfoque também na cultura africana, com exposições inauguradas nos próximos dias, como a mostra de Gianni Puzzo sobre os Dogon no Centro Cultural José Bonifácio e trabalhos de fotógrafos do Senegal no Centro Cultural da Justiça Federal.

Outro destaque do FotoRio é a criação do prêmio Hercule Florence pelo Ateliê da Imagem e pelo Consulado Geral da França, com inscrições até 29 de julho.’



FOTOGRAFIA / SEBASTIÃO SALGADO
Jô de Carvalho

‘O homem e a água’, copyright Direto da Redação (www.diretodaredacao.com), 22/05/05

‘Um encontro com Sebastião Salgado é sempre um privilégio. Passar algumas horas em sua companhia à beira do rio Marne, a poucos quilômetros de Paris, num ensolarado dia de primavera, é uma dessas raras oportunidades que a profissão de jornalista pode oferecer.

O fotógrafo brasileiro recebeu a imprensa em Champigny-sur-Marne para a inauguração de sua exposição ‘L’Homme et l’Eau’ (O Homem e a Água)*.

Sebastião explica que quando foi contatado para organizar a mostra, sua primeira reação foi dizer que ele não tinha as fotos, pois a água nunca foi objeto de seu trabalho. Pelo menos, não de maneira objetiva. Mas logo descobriu que ela estava presente em praticamente todas as suas reportagens fotográficas.

Do rio Amazonas ao rio Niger, passando pelo rio Congo ou pelo Nilo, Sebastião se deu conta de que a água é um denominador comum em sua obra. Acabou por achar tanta foto de água que se sentiu inundado, disse ele. ‘Água é vida e como estou há anos fotografando a vida, a água está obrigatoriamente presente em minha objetiva’, explica.

A dificuldade foi escolher as 100 fotos que se transformaram em livro** e as 40 que foram ampliadas para compor a mostra.

É a primeira vez que Salgado apresenta suas fotos em formato out-door e garante que não se trata apenas de uma exposição sobre a água, mas sim, de nossa vida com a água.

Ele se diz satisfeito com o resultado do trabalho e com o caráter democrático da exposição. As fotos estão expostas a céu aberto, numa das margens do rio Marne, passagem obrigatória para quem freqüenta a área de lazer e os restaurantes à beira do rio.

É a terceira vez que Sebastião Salgado expõe suas fotos ao ar livre e completamente acessíveis ao público. A primeira foi na avenida São João, em São Paulo e a segunda, em Lisboa, quando do lançamento do livro Terra.

Todas as fotos de ‘O Homem e a Água’ foram feitas com luz natural e ganharam ainda mais vida, mais força, uma leitura muito mais profunda pelo fato de estarem expostas ao sol, à beira de um rio.

Para Sebastião Salgado, a água é um elemento de importância capital no mundo. ‘A luta, hoje, é pela água e nós estamos em perigo’, diz o fotógrafo, ‘não apenas nós, os humanos, mas todo o planeta, pois a água está cada vez mais poluída, mais escassa’.

Ao expor sua opinião sobre a importância da água, Salgado lembra que a devastação da floresta amazônica e das regiões onde ainda há mata atlântica provoca a redução da quantidade de água. Segundo ele, as técnicas da agricultura intensiva com a necessidade cada vez maior de utilização de produtos químicos representam uma enorme ameaça para os lençóis freáticos.

Sebastião se diz muito atento para a questão da água e da desigualdade de acesso a esse bem universal. Ele e sua esposa, Lélia, fundaram, em 1999, o Instituto Terra, em Aimorés (Vale do Rio Doce -MG) para recuperar uma área degradada. Graças ao trabalho da associação, pouco a pouco, a mata atlântica começa e se recompor. O Instituto inclui uma unidade de formação e de educação ambiental, onde a água está no centro das discussões. Ele espera que aqui na França, sua exposição ‘O Homem e a Água’ poderá ajudar a chamar a atenção do público para o debate.

A exposição faz parte do Festival de l’Oh (trocadilho entre a exclamação ‘oh!’ e a palavra ‘eau’ que significa água, em francês, e se pronuncia ‘ô’). Promovido anualmente pelo Conselho Regional de Val de Marne, o festival inclui várias atividades artísticas e esportivas em torno e às margens do rio Marne.

Este ano de Brasil na França, sua majestade, o rio Amazonas, é o convidado de honra.

* A exposição ‘L’Homme et l’Eau’ pode ser vista até dia 31 de julho na guinguette du Martin pêcher, à Champigny-sur-Marne.

** L’Homme et l’Eau’ fotos de Sebastião Salgado. Textos de Christian Sorg. Edições TerreBleue.’



Leneide Duarte-Plon

‘Como no princípio do mundo’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 27/05/05

‘Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou.

Sebastião Salgado descobriu a natureza e pôs-se a fotografar. Vai descansar no nono ano.

O fotógrafo brasileiro mais conhecido, premiado e publicado concebeu um projeto ambicioso chamado Gênesis, que vai durar oito anos. O custo, não revelado, é sem dúvida astronômico. Mas quando Salgado quer fotografar lugares e grupos humanos ainda intocados, ‘como no princípio do mundo’, encontra sem maiores problemas revistas, fundações e organismos internacionais dispostos a financiá-lo. Salgado, de 61 anos, vai fotografar a natureza pela primeira vez.

Lugares e povos intocados? Salgado garante que em 46% do planeta o homem passou sem destruir o meio ambiente, mas em outros lugares mais da metade das espécies já perderam cerca de 90% do habitat. O projeto, ambicioso e um tanto idealista, ‘pretende religar-nos com o mundo do início, antes que a humanidade o transforme de vez em algo quase irreconhecível’. Sua busca de populações ‘imaculadas’ o levará aos nômades Dinca, no Sudão, aos índios Huicholes, no México, aos nômades Kouchi, no Afeganistão, aos índios do Xingu, entre outros povos, no que ele chama de ‘antropologia planetária’.

De uns anos para cá, Salgado está muito preocupado com as agressões ao planeta. O texto de seu projeto é uma defesa radical da natureza, um grito de alerta contra a destruição. O projeto Gênesis já o levou às geleiras da Antártica e à Argentina. ‘Tenho que trabalhar com uma pessoa que entende de segurança. Na Antártica você pode se matar num abrir e fechar de olhos.’

Sebastião quer alertar para o risco que corre o planeta. ‘A nossa espécie depende de todas as outras para sobreviver, todas, inclusive as espécies vegetais’, diz enfático, às margens do Rio Marne, perto de Paris, onde reuniu mais de 50 jornalistas para a exposição de fotos que resultaram no livro ‘L’homme et l’eau’. Que outro fotógrafo poderia levar tantos jornalistas parisienses de jornais, revistas, rádio e TV a uma exposição fora de Paris?

O contato de Salgado com a natureza começou no seu nascimento, num vilarejo do município de Aimorés que tem o poético nome de Conceição do Capim. E continuou com a criação do Instituto Terra, em 1991. Desde então, o fotógrafo e sua mulher, Lélia, se dedicam à recuperação de parte da Mata Atlântica para devolvê-la ao estado natural. Até hoje, já replantaram 500 mil árvores.

Apesar de próximo do PT, o economista que se tornou fotógrafo não poupa o governo Lula. Critica tanto a política econômica quanto a política do meio ambiente – ‘mais valorizada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso’. Como explicar o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente? ‘Acho que passam na frente os interesses econômicos, o interesse doentio de equilibrar a balança de pagamentos, interesse de produzir café, soja e pecuária, como nós estamos produzindo. Isso não é redistribuidor de renda. Nós utilizamos os bóias-frias, um trabalho semi-escravo.’

Em outubro, a Bibliothèque Nationale de France inaugura uma retrospectiva da obra de Sebastião Salgado, que se defende dos que o acusam de embelezar a miséria. ‘Sou um repórter fotográfico que tem uma escritura fotográfica’ – diz, nesta entrevista exclusiva a NoMínimo.

O projeto Gênesis revela sua preocupação com a destruição do planeta, seu interesse pela Terra. Como surgiu esse projeto?

Como todos os que fiz, surgiu dentro da vida, da forma de trabalhar, de me comportar, de viver. Como fotografia para mim é uma forma de vida, passa a ser uma forma natural e Gênesis nasceu dentro do Instituto Terra.

A partir da experiência do Instituto Terra?

Pelo fato da gente ter uma terra no Brasil que tinha de recuperar, começamos a trabalhar sério nela e começou a haver uma aproximação muito forte com a natureza. Comecei a ver que eu sou natureza, nós somos natureza, que o ser humano é inteiramente composto de tudo que compõe uma árvore, um macaco, um leão. Nós não temos muita diferença. Mas a gente se transformou num ser puramente urbano, com certa pretensão racional como se os outros não tivessem nenhuma racionalidade. Porque têm, apenas é uma outra forma de racionalidade. A gente tentou se abstrair da natureza. Quando se falava da Floresta Amazônica se falava do ‘inferno verde’. O fato de você matar as aranhas, matar as cobras, ter medo da natureza foi de tal forma impregnado, como se ela fosse a inimiga número um.

Quando e como você descobriu que a natureza não é inimiga e sim fonte de vida?

Eu nasci na roça. A chuva para mim não era uma coisa que ia atrapalhar a ida à praia. A chuva para mim era um sinal de que a erva ia crescer, ia ficar mais verde, o capim ia crescer. Nasci num lugarzinho chamado Conceição do Capim, interior no município de Aimorés. Fui criado num lugarzinho chamado Vala do Padre, numa fazenda. Só depois mudamos para a cidade. No interior se diz ‘mudou pra rua’. Eu vim de uma certa aproximação com a natureza. Quando você vê as fotos de uma exposição como essa da água, todas as fotografias têm uma preocupação com a natureza. Mostro de uma certa forma o planeta e me interesso pela natureza como quando criamos o Instituto Terra, com a preocupação de voltar realmente à natureza, de plantar árvores, de refazer a água, de ver voltarem os pássaros, de ver voltarem os insetos e outros animais, de ver voltarem os peixes, de ver renascer a água onde ela tinha morrido. Você começa a ter outra relação com a natureza.

Você também tem um trabalho político, tem preocupações políticas…

Tenho, a vida é política. Acho importantíssimo hoje a gente incluir o debate ecológico dentro do debate global. A gente não pode mais excluir a ecologia. Para mim é um grande erro do governo Lula… Eu apoio, eu gosto do Lula…

Você era do PT?

Eu nunca fui do PT, mas sempre fui próximo de todas as pessoas do PT. Mas acho que o governo Lula não está levando em consideração essa variável dentro do modelo que eles estão considerando, no qual o importante é o produtivismo, é produzir, é exportar, é equilibrar a balança de pagamento, é o produto industrial. Acho que, hoje, temos que levar em conta dentro da discussão global o meio ambiente.

O Ministério do Meio Ambiente não está sendo suficientemente valorizado?

Acho que não está. Era mais valorizado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Isso é contraditório porque uma parte das pessoas que votaram para levar Lula ao poder tinham um compromisso com o meio ambiente. Está enganado quem pensa que meio ambiente é uma moda, um modismo, uma coisa de pequena parte da população. É uma preocupação de grande parte da população e cada vez mais no mundo inteiro. Hoje se a gente quiser estar em consonância com o país, com o planeta, com a população da gente, temos que estar ligados ao meio ambiente, ao planeta cada vez mais.

Daí a construção do projeto Gênesis.

Exatamente, daí vem meu interesse e o despertar para a natureza, o comprometimento com a natureza. Hoje estou com 61 anos, o projeto vai me tomar uns 10 anos, quando estiver terminando vai ser difícil eu rodar o planeta inteiro fazendo um projeto.

Você quer que seja o seu canto do cisne em grande estilo?

Quero que seja um projeto que eu sinta no mais interior de mim mesmo. Que eu tenha um prazer imenso em fazer, como estou tendo, que tenha uma identificação imensa com os outros animais, que eu saiba que sou uma espécie a mais entre milhares de outras, que não tenho o direito de destruir o planeta. A minha espécie, para sobreviver, depende de todas as outras, todas, inclusive as espécies vegetais. Fazendo isso, vou estar ajudando a criar uma melhor qualidade de vida. Isso é que é importante e não ter dinheiro no banco. Não é importante você ter uma casa enorme, não é importante você ter um automóvel caro. Para mim, o mais importante é você militar por uma qualidade de vida na qual a gente se encontre, tenha o prazer de pensar e viver o amanhã. Os filhos e netos da gente precisam receber um planeta para sobreviver e continuar. É a idéia de deixar algo para as gerações futuras. Se pensarmos de forma imediatista, como hoje, só no economicismo, estamos perdendo essas coisas. Por exemplo, nós produzimos a soja mais limpa do mundo, o Brasil já era o primeiro produtor planetário, não havia razão de a gente entrar com a soja geneticamente modificada simplesmente para você criar uma massa ainda maior de produção. Não era necessário. Vamos perder em preço, vamos perder em qualidade, vamos perder em qualidade de vida. E vamos oferecer uma porcaria em lugar do bom produto que oferecíamos.

E por que o Ministério do Meio Ambiente não tem força para impor as diretrizes que defende, que a ministra Marina da Silva defende? Por que ele está tão esvaziado no governo Lula?

É difícil explicar. Acho que passam na frente os interesses econômicos, o interesse doentio de equilibrar a balança de pagamentos, interesse de produzir café, soja e pecuária, como nós estamos produzindo. Isso não é redistribuidor de renda. Nós utilizamos os bóias-frias, um trabalho semi-escravo.

O Brasil produz basicamente para exportar e pagar a dívida externa…

E dessa maneira estamos produzindo concentração de renda. Quem botou o Lula no poder não foram os grandes proprietários rurais, os grandes bancos, os grandes grupos. E eles não vão votar no Lula nas próximas eleições. Quem votou no Lula foram os que dependem do meio ambiente, que dependem da redistribuição de renda, que dependem de uma melhor compreensão social.

E queriam mudanças…

E que necessitam das mudanças e estão esperando. Claro, só tem dois anos que o Lula está no poder e temos que esperar mais dois anos e possivelmente mais quatro anos.

Mudando agora de assunto. O que você acha das fotos que o antropólogo Claude Lévi-Strauss fez entre os índios brasileiros? Parte daquele mundo que ele fotografou desapareceu. Foi importante a documentação que ele fez, o olhar de antropólogo? Muitos povos estão desaparecendo. O que você vai fazer com o projeto Gênesis é justamente tentar preservar pela imagem coisas que estão ameaçadas de desaparecimento e que ainda estão intactas. Nesse sentido, como você vê as fotos de Lévi-Strauss que estão expostas no Grand Palais na exposição ‘Brésil Indien’?

Acho importante a fotografia dele e todo o trabalho que ele fez, toda a atenção que ele chamou para o problema. Acho capital, muito importante. Naquela época, os meios de difusão eram restritos, os interesses eram outros, havia uma ideologia desenvolvimentista. O importante não era preservar a cultura indígena, era destruir a floresta para criar o chamado desenvolvimento econômico. Hoje, já não é mais isso. Nós temos consciência de que não é. Temos um sistema de informação que nos mostra que a preocupação planetária não é essa. O Brasil não produz só para o Brasil. Ele depende do mercado exterior, depende de uma opinião pública mundial, depende de financiamentos globais porque faz parte de um sistema global. Hoje existem centenas de outros Lévi-Strauss que estão trabalhando e temos de prestar atenção de outra forma. Essas coisas têm que ser preservadas. O governo que permitia a destruição da floresta amazônica, que permitia a destruição das culturas indígenas vai ser cobrado e de maneira muito intensa pelas gerações futuras. Não só no Brasil, no planeta inteiro, mas no Brasil inclusive, e muito mais.

Quem financia o projeto Gênesis, que é enorme, ambicioso e vai durar oito anos e meio?

Tenho uma série de parceiros no projeto, revistas como ‘Paris Match’, na França, ‘Rolling Stone’, nos Estados Unidos, ‘The Guardian’, na Inglaterra, ‘Visão’, em Portugal. Nós criamos um fundo para o Gênesis. Tenho no Brasil a Companhia Siderúrgica de Tubarão, grande parceiro nosso não só no Gênesis como no Instituto Terra. Temos várias instituições internacionais como a Unesco, como a organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente, além de duas fundações americanas participando do projeto.

E quantas pessoas estão envolvidas no Gênesis, quais os custos previstos?

Tenho seis pessoas que trabalham comigo permanentemente. Tenho que organizar viagens que são verdadeiras expedições. Estamos criando um projeto educacional juntamente com a Unesco. O conceito do projeto já está feito, começamos a aplicá-lo em Vitória, no Espírito Santo, numa rede de escolas nas quais a Companhia Siderúrgica de Tubarão trabalha, e possivelmente vamos trabalhar com a Fundação Ayrton Senna. A partir daí, vamos trazer, traduzir o projeto e a Unesco vai produzir no mundo inteiro o piloto que estamos criando. O teste vai começar este ano, em agosto, na região de Vitória.

Esta tarefa que você se outorgou de fotografar o mundo como ele era antes do aparecimento da vida animal ainda é possível com milhões de anos que nos separam desse momento? Ainda há lugares intocados pelo homem?

É possível, sim, pois em 46% do planeta o homem passou sem destruir. Quase metade do planeta ainda existe como no dia da concepção. Temos os grandes desertos, as grandes cadeias de montanhas, uma parte da floresta tropical na Amazônia, na África, em Papua, Nova Guiné, temos os dois pólos. São lugares de difícil exploração, mas temos de lutar pela preservação deles.

Como vai ser o seu acesso a esses lugares?

É difícil, tanto que hoje tenho que trabalhar com um guia de alta montanha e especialista de segurança para me ajudar na proteção porque são montanhas íngremes.

Por exemplo…

Eu estava há poucos dias na Antártica e lá tenho que trabalhar com uma pessoa que entende de segurança. Lá você pode se matar num abrir e fechar de olhos.

Qual o percentual do projeto você já realizou?

Tenho um projeto que calculo fotografar em oito anos e tenho um ano e meio de trabalho realizado. Faltam seis anos e meio.

Dos grupos humanos que você pretende fotografar quais os que você já visitou?

Estou começando com a natureza e o primeiro grupo humano vou fotografar no Xingu, nos meses de julho e agosto, parte das tribos da reserva indígena. Depois devo ir à Namíbia fotografar os himbas e os Bushmen do deserto Kalahari da África do Sul, e estou indo para a Etiópia em janeiro. Estou começando em breve a trabalhar com grupos humanos. Possivelmente trabalharei no Sul do Sudão em março e abril.

Você é freqüentemente acusado de embelezar a miséria, de estar imbuído de um estetismo que faz com que se admire a beleza das fotos e se esqueça o tema. Você se considera mais um esteta ou um repórter fotográfico?

Eu sou um repórter fotográfico, tenho uma escritura que é essa, não é outra. Como um escritor tem um estilo e não outro. Acho que é a mesma coisa, se é mais bonito ou mais feio…

Mas você é basicamente um esteta?

Eu não. Sou um repórter fotográfico que tem uma escritura fotográfica.

Você procura a beleza?

Você achou a exposição bonita? Você acha que estou estetizando a miséria?’