Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

‘O advogado Rogério Tadeu Buratti, que ontem prestou depoimento à CPI dos Bingos, fez um desabafo pessoal de cerca de 40 minutos no qual atacou a imprensa, reclamou da Folha, questionou reportagens que abordam sua vida pessoal, criticou o abandono do PT e pediu desculpas a familiares e ao corretor de imóveis preso com ele na semana passada, em Ribeirão Preto, acusado de sumiço de documentos.

Ele iniciou suas declarações desculpando-se por não ter comparecido à CPI anteontem -um atestado médico o dispensou do depoimento. Em seguida, passou a discorrer sobre aspectos de sua vida pessoal, sua história de 13 anos no PT, sua saída da prefeitura, em 1994, por conta de uma acusação de cobrar propina de empresários.

Depois de fazer um mea-culpa por causa do erro que cometeu em 1994, como ele mesmo admitiu, Buratti questionou a atuação da imprensa. ‘Sofri pessoalmente uma perseguição que não é banal, mas uma invasão profunda.’

O advogado citou nominalmente a Folha e a revista ‘Época’ em suas críticas. Buratti reclamou do fato de o repórter Rogério Pagnan, da Folha Ribeirão, ter procurado sua ex-mulher, a professora Elza Buratti, e entregue a ela um CD com seus diálogos telefônicos, interceptados com autorização da Justiça. ‘Certamente, quando você escuta uma pessoa por três, quatro, cinco, oito meses, alguns pecados pessoais desta pessoa podem ser expostos’, narrou.

A reportagem entregou o CD à professora para que ela ajudasse a identificar personagens e códigos usados pelo ex-secretário de Governo de Antonio Palocci Filho nas gravações telefônicas.

Na ocasião, Elza concordou em analisar o material para decidir se daria ou não entrevista sobre os negócios do ex-marido. Ela foi informada de que havia trechos de caráter pessoal. A reportagem sugeriu suprimi-los, mas Elza disse que não haveria necessidade, já que, segundo ela, nada mais poderia lhe causar surpresas ou deixá-la triste. No fim, nenhuma matéria sobre o caso foi publicada.

‘Que tipo de interesse existe em pegar uma gravação com pecados pessoais e mostrar para uma mulher para instigá-la a falar mal do ex-marido? Qual o interesse público? Eu acho que é desmoralizar’, afirmou o advogado na CPI dos Bingos. Buratti declarou também que ontem um repórter especial da Folha o procurou e ‘pediu desculpas formalmente em nome do jornal’.

Ontem, a Folha voltou a falar com Elza Buratti. A professora afirmou que o recebimento dos diálogos não interferiu no seu relacionamento, pois o casal estava separado havia quatro meses.

Elza disse que o CD também não lhe causou constrangimento. ‘Ofende quando vai a público, o que não foi o caso. Eu não concordo com tanta coisa que ele [Buratti] fez, eu não sabia da maioria delas, nem por isso ele me poupou.’ Segundo a professora, o diálogo travado com a Folha não foi revelado por ela. ‘Quem expôs foi ele [Buratti]. Só afetou ele.’

A professora declarou ainda que o fato de Buratti ter citado o repórter da Folha no depoimento à CPI foi uma estratégia do ex-marido. ‘Para quem está provocando uma coisa, precisa achar argumentos para fazer aquilo’, disse ela, sem dar mais detalhes sobre seu raciocínio.

Quanto à ‘Época’, o ex-assessor de Palocci reclamou de uma reportagem publicada nesta semana. ‘A revista entrevistou pessoas da noite de Brasília, a Jeany (Mary Corner, acusada de intermediar garotas de programa para festas com políticos e empresários), garçons, e deduziu que a farra acabou com meu casamento de 16 anos’, afirmou.

‘A ‘Época’ publicou coisas que eu não considero abusivas, mas desnecessárias.’

O advogado também questionou outra informação da revista: a de que havia se ‘encantado’ com uma mineira, apresentada por Jeany Mary Corner.

‘Não é verdade’, disse. Ele esclareceu que sua namorada mora em Belo Horizonte (MG) há cinco anos e é proprietária de uma confecção, e não uma prostituta, como insinuou a reportagem.

A direção da revista informou que sua reportagem não foi motivada por curiosidade com casos pessoais, mas procurou retratar a atividade de um grupo que envolve ‘lobistas, corruptores, corruptos e dinheiro público’.’

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‘Buratti reitera críticas à Folha’, copyright Folha de S. Paulo, 28/08/05

‘O advogado Rogério Buratti reafirmou ontem que considera incorreto a Folha ter entregue à sua ex-mulher, Elza, um CD com diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial. Mas disse que desconhecia que o repórter Rogério Pagnan, da Sucursal da Folha em Ribeirão, havia sugerido eliminar das gravações as conversas de caráter íntimo, o que não foi aceito por Elza. Para Buratti, o cuidado de Pagnan é um ‘atenuante importante’.

O repórter pedira ajuda a Elza Buratti para identificar personagens e códigos usados pelo ex-secretário de Governo de Antonio Palocci Filho nas gravações.

Buratti criticou o jornal em depoimento à CPI dos Bingos na quinta-feira. ‘Se eu fosse falar de novo, não falaria do mesmo jeito. Mas continuo considerando que não é um procedimento adequado procurar uma pessoa da família ou a ex-mulher de alguém com esse objetivo’, disse Buratti.

‘Não acho que seja eticamente correto, de respeito à privacidade, entrar na casa da pessoa e procurar provas contra ela dessa forma.’ A ex-mulher de Buratti reafirmou ontem que o CD não interferiu no seu relacionamento, pois já estava separada havia pelo menos quatro meses.

Ela disse que não se sentiu constrangida porque nada da sua vida particular foi publicado pelo jornal. Ela condenou a ação do marido, de criticar publicamente o jornalista da Folha.

‘Ele citou seu nome porque deve ter alguma coisa pessoal com você. Sou solidária com você’, afirmou a Pagnan.

No CD, há 230 diálogos em mais de 12 horas de gravações entre Buratti e dezenas de personagens. Antes de entregar o CD à reportagem, advertiu que havia trechos pessoais que poderiam ser suprimidos. Elza quis ouvir tudo.

Rogério Buratti revelou à CPI que um repórter especial da Folha o procurara, quando ‘pediu desculpas formalmente em nome do jornal’.

Em comentário interno, o ombudsman da Folha, Marcelo Beraba, observou ontem que, ‘se tudo ocorreu realmente como o jornal descreve, o repórter [Pagnan] agiu com correção’, e que por isso ‘não dá para entender por que um outro repórter pediu desculpas em nome do jornal’.

Na véspera do depoimento, Buratti contara ao repórter especial da Folha Mario Cesar Carvalho, no aeroporto de Brasília, que um repórter havia entregue à sua ex-mulher gravações com conversas íntimas dele com a atual namorada. Carvalho desconhecia o fato. E comentou que, se isso de fato ocorrera, o repórter havia errado. Em caráter pessoal, disse que, se a entrega das gravações ocorrera como Buratti tinha relatado, o repórter devia desculpas.

Nenhuma reportagem sobre os diálogos foi publicada pela Folha.

Nota da Redação – A Folha entende que a vida privada só tem relevância jornalística se estiver ligada a fato de interesse público. Foi com essa preocupação -a de tentar buscar elementos para esclarecer o caso de corrupção- que a reportagem procurou a ex-mulher de Rogério Buratti. Ela quis ouvir as gravações sem cortes, sabendo que havia trechos de conversas íntimas. A Folha deveria ter excluído essas partes para evitar eventuais constrangimentos. Apesar dessa falha, nada foi publicado a respeito.’



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‘Cobertura da Folha é bem avaliada por 82% de seus leitores’, copyright Folha de S. Paulo, 28/08/05

‘A cobertura da Folha sobre a crise política e as acusações de corrupção no governo Lula é aprovada por 82% de seus leitores e reprovada por apenas 4%.

Para a maioria, ela é imparcial (55%), completa (78%) e séria (82%). Em contrapartida, 42% acham o noticiário parcial, 18% o consideram incompleto e 15% o classificam como sensacionalista.

Esse levantamento foi realizado pelo Datafolha entre os dias 18 e 21 de agosto junto a 301 leitores do jornal na Grande São Paulo. A margem de erro máxima é de seis pontos percentuais para mais ou para menos, dentro de um intervalo de confiança da 95%.

O leitorado da Folha avalia que a cobertura é crítica ‘na medida certa’ em relação ao governo federal (70%). A mesma avaliação se estende ao acompanhamento aos governos de Geraldo Alckmin (70%) e de José Serra (66%). O espaço noticioso sobre as três administrações é considerado adequado por 72% no tocante ao governo federal, por 65% em relação ao estadual e por 66% no que diz respeito ao municipal. Todas essas avaliações apresentaram uma evolução positiva de abril para cá.

Eleições

Dos leitores da Folha, a maioria relativa (47%) reprova o governo Lula (contra 26% no eleitorado nacional). A quase totalidade (98%) julga que existe corrupção no governo e 57% acreditam que o presidente tem muita responsabilidade nas irregularidades (contra 29% no eleitorado nacional).

Por essa razão, o presidente não apresenta um bom desempenho na sucessão: apenas 7% dos leitores da Folha citam espontaneamente o nome de Lula quando questionados sobre em quem votariam para presidente, contra 14% que declaram voto em Alckmin, 7% em José Serra e 2% em Fernando Henrique Cardoso.

Num eventual segundo turno, Lula seria derrotado pelos três tucanos entre os leitores da Folha: perderia por 68% a 21% para Alckmin, 60% a 25% para Serra e 53% a 27% para FHC. O atual presidente só venceria o ex-governador fluminense Anthony Garotinho (PMDB) por 37% a 14%.

A grande maioria dos leitores (73%) também considera que Lula não deveria se candidatar à Presidência em 2006, mas a maior parte (64%) acredita que ele acabará disputando a reeleição.

Embora o governo seja aprovado por apenas 17% dos leitores, 69% consideram que a Câmara não deveria abrir um processo de impeachment contra o presidente (contra 29% que apóiam a abertura do processo). Uma porcentagem ainda maior (78%) acredita que Lula não será afastado.

Em relação à atitude que Lula deveria tomar, 63% dos leitores acham que ele deve permanecer no cargo, contra 15% que sugerem seu afastamento temporário e 19% que pedem sua renúncia.’



Camila Pereira

‘O marketing e a corrupção’, copyright Veja, 31/08/05

‘Nos últimos quinze anos, os custos das campanhas eleitorais brasileiras aumentaram em proporção extraordinária. Hoje, elas não só figuram entre as mais caras do mundo, como ultrapassam em muito os gastos com eleições na mais portentosa democracia e economia do planeta, a americana. As raízes desse fenômeno repousam na fragilidade dos partidos e nas características do sistema eleitoral. Aos primeiros, falta conteúdo programático. Quanto ao sistema eleitoral, ele joga em terceiro plano o debate de propostas. As falhas e distorções de ambos estimulam a exploração da imagem individual dos candidatos, jogando inclusive políticos de uma mesma agremiação uns contra os outros. Abre-se, então, o caminho para a hipervalorização da propaganda, orquestrada por marqueteiros pagos a preço de ouro. Não raro, trata-se de uma propaganda peculiaríssima, a que se faz nas campanhas – baseada exatamente no oposto do que receitam os melhores manuais de publicidade. Se são escassos os atributos pessoais do candidato (o produto), inventam-se qualidades para ele. Se seu capital de idéias é muito limitado, cria-se um modo de ampliá-lo de tal forma que a tacanhez se torne grandiosidade. Foi assim que o marketing emprestou um coração a Maluf. Foi assim que o marketing emprestou um intelecto e um plano de governo a Lula – duas qualidades fictícias que, somadas à realidade da Carta ao Povo Brasileiro, na qual o petista deu uma guinada ideológica em direção à racionalidade, lhe garantiram a vitória nas urnas.

As razões da explosão dos custos eleitorais estão claras há algum tempo para os cientistas políticos, mas suas conseqüências só recentemente começaram a ficar evidentes. A principal delas: por causa de seus gastos exacerbados, as campanhas brasileiras se transformaram numa poderosa mola propulsora da corrupção no país. O ciclo de degeneração tem início no momento em que são feitas as doações aos candidatos. Nos Estados Unidos, a maior parte das contribuições vem de indivíduos, e não de empresas. No Brasil, é o contrário. Em 1998, cada candidato a deputado federal teve, em média, apenas doze doadores individuais – na maior parte deles, seus parentes. O resto do dinheiro veio de pessoas jurídicas. Como grande parte das empresas impõe o anonimato como condição para as doações (seja para escapar do imposto de renda, seja para proteger-se de acusações sobre possíveis privilégios no futuro governo), o resultado, para os partidos, é a formação de um vultoso caixa dois. É consenso entre especialistas que os valores declarados pelos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) representam não mais do que um terço daquilo que de fato é torrado nas campanhas. Os outros dois terços permanecem sob o manto da ilegalidade – ou, para usar um eufemismo delubiano, entram no cofre dos partidos como ‘recursos não contabilizados’. Ora, sendo o dinheiro ‘não contabilizado’, o que significa ‘invisível’ aos olhos da lei, seus controladores se sentem naturalmente mais à vontade para usá-lo da forma que bem entenderem.

‘A compra de outros partidos, para a formação de alianças, é um exemplo disso’, afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP) e consultor político Gaudêncio Torquato. Mais: como lembra o professor do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Minnesota (EUA), David Samuels, estudioso das campanhas brasileiras, os recursos em dinheiro que entram como caixa dois nos partidos fatalmente têm de sair do caixa dois dos doadores. ‘E o dinheiro proveniente de caixa dois dificilmente é um dinheiro limpo’, diz Samuels. Ou seja, para consegui-lo, as empresas doadoras valem-se freqüentemente de meios ilegais, ainda que, na mais pueril das hipóteses, essas ilegalidades se limitem à sonegação de impostos. Portanto, à diferença do que sugeriu Lula em entrevista recente, ao fazer uso de caixa dois na última campanha presidencial, o PT não está simplesmente ‘fazendo o que todos os partidos fazem’. Está também contribuindo para a perpetuação da falcatrua em escala industrial.

Há outra forte razão para que a exacerbação dos gastos de campanha seja um fator determinante para o aumento da corrupção no país. Em depoimento à CPI do Mensalão, o empresário Marcos Valério declarou que ‘todas as empresas de publicidade do Brasil que atendem aos governos se relacionam com eles politicamente’. Em sua própria tradução: ‘Quem fez a campanha do presidente no passado atendeu às melhores contas do governo no passado’, disse. Valério pode não ter autoridade moral para acusar ninguém, mas já provou ser um especialista em assuntos do submundo eleitoral – e o que ele diz, nesse caso, afirmam especialistas, é a mais pura expressão da verdade. ‘A celebração dos chamados contratos de risco é uma prática cada vez mais comum entre marqueteiros e candidatos’, afirma o cientista político Rubens Figueiredo. Esses contratos (verbais, é claro) funcionam da seguinte forma: como o candidato não tem dinheiro suficiente para bancar a campanha milionária bolada pelo marqueteiro, este cobra apenas uma parte do custo durante a realização do trabalho. O restante dos gastos, bem como o lucro do publicitário, é pago depois, em caso de vitória do candidato – quando, então, o profissional é agraciado com gordas contas de publicidade no governo. Ou seja, a propaganda do candidato vencedor é paga com dinheiro público. O risco desses contratos, evidentemente, está em perder a eleição, quando o político não dispõe de verbas governamentais para remunerar o marqueteiro.

Nos Estados Unidos, o fato de existirem dois partidos fortes, o Democrata e o Republicano, com posições e propostas claras a respeito dos assuntos que interessam aos americanos – como o controle de armas, o aborto e a aplicação do orçamento -, faz com que o debate de idéias prevaleça sobre a exploração da imagem individual do candidato. No Brasil, na ausência de siglas com força equivalente, resta aos aspirantes a cargos públicos promover a si mesmos. ‘Em um país onde as siglas são fracas, o voto passa a ser muito mais personalista do que partidário’, afirma Torquato. Essa situação – somada à existência de um horário eleitoral gratuito que dura 45 dias e prevê inserções de até vinte minutos para alguns candidatos – produziu um fenômeno que, no Brasil, surgiu no governo Collor e atingiu o paroxismo na era Lula: o marketing do espetáculo, aquele em que 30% do orçamento de campanha é consumido na produção de filmes de propaganda para TV, o personal stylist ocupa lugar de honra na equipe, os discursos do candidato flutuam ao sabor das pesquisas de opinião e o político é anunciado como se fosse uma marca de cerveja. Um exemplo literal da situação foi protagonizado na campanha presidencial de 2002 pelo publicitário Nizan Guanaes, bruxo das campanhas que elegeram Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998. Ao assessorar a então pré-candidata Roseana Sarney (PFL), Nizan pegou carona em uma famosa propaganda de cerveja e ‘vendeu’ Roseana como a candidata ‘número 1’.

Os políticos sempre tiveram seus truques para edulcorar a própria imagem junto ao eleitorado. Getúlio Vargas se apresentava como o ‘pai dos pobres’. Jânio Quadros ‘almoçava’ bananas no palanque. A diferença é que o marketing moderno – terceirizado, profissionalizado e elevado aos limites da ficção – não só passou a forjar nos candidatos qualidades que eles, mais tarde, provarão não ter (veja quadro) como extrapolou as fronteiras das campanhas para invadir o território do governo. Durante boa parte de seu curto mandato, o ex-presidente Fernando Collor acreditou que se sustentaria à base de vôos em aviões de caça e outras pirotecnias de igual calibre. Lula foi além ao basear programas de governo em campanhas publicitárias desprovidas de recheio – o Fome Zero é o seu exemplo mais famoso. ‘Primeiro, o governo achou um slogan, para só depois pensar de que modo poderia colocar o projeto em prática’, afirma o professor Torquato. Como não conseguiu, o resultado é que, pirandellianamente, o Fome Zero se tornou um símbolo à procura de uma realização.

O uso do marketing do espetáculo não é uma prerrogativa nacional. Especialistas situam seu nascimento na campanha que elegeu o presidente americano John Kennedy, em 1960. Mais precisamente no debate em que o futuro presidente – aprumado, bem assessorado e maquiado – massacrou seu adversário, o carrancudo, suado e malbarbeado Richard Nixon (veja o quadro abaixo). Outro exemplo americano de uso do condão publicitário, dessa vez nem tão bem-sucedido assim, se deu em 1968, na campanha do também candidato à Presidência George Wallace. Àquele tempo, opositores insinuavam que Wallace não se notabilizava por seus dotes intelectuais. Diante disso, seus assessores tiveram a estapafúrdia idéia de sugerir-lhe que, num comício televisionado, usasse um par de óculos de grau, a fim de ‘sofisticar’ sua imagem. Wallace acatou a sugestão pela metade: afastado do público por um vidro de proteção, resolveu usar apenas a armação dos óculos, dispensando suas lentes. Foi desmascarado quando, ao sentir um cisco perturbando a visão, levou instintivamente o dedo ao olho – por cima das lentes inexistentes. O vexame foi parar nos jornais e, obviamente, não contribuiu em nada para a imagem do candidato, derrotado por Nixon.

A crise política que o governo enfrenta hoje tem como um dos panos de fundo a campanha eleitoral que o alçou ao poder. É preciso lembrar, no entanto, que, mesmo com sua dinâmica viciada, suas distorções e seus exageros, as campanhas não são ‘a causa’ da crise, como pretendem alguns petistas. O modo como se elegem hoje os candidatos, afinal de contas, por equivocado que possa ser, não tem nenhuma relação com o projeto do PT de colonizar o aparelho do Estado, tentar censurar a imprensa, amordaçar o Judiciário e cooptar parlamentares à base de métodos heterodoxos, como o mensalão – essas, sim, as causas da crise. Ao atrair os holofotes para o tema das campanhas, ela fez com que parlamentares improvisassem uma reforma eleitoral que, se votada e aprovada pela Câmara até o dia 30 de setembro, entrará em vigor já nas eleições de 2006. Ainda que inclua mudanças importantes, sobretudo por forçar o barateamento do custo das eleições (veja quadro), a reforma está longe de resolver o problema fundamental que as campanhas encobrem: o uso recorrente do caixa dois pelos partidos. O financiamento público de campanha costuma ser apontado como a melhor panacéia para esse mal. No Brasil, ele já vigora parcialmente por meio do horário eleitoral gratuito e do Fundo Partidário – dinheiro proveniente das multas aplicadas pela Justiça Eleitoral que é distribuído aos partidos para sua manutenção e uso nas campanhas. O financiamento público também já existe em outro sentido, por meio do assalto ao Estado. Por baixo do lençol, muitos políticos eleitos tratam de tirar do poder público parte do dinheiro que gastaram na campanha. Financiam-se com o dinheiro do contribuinte. A implantação integral do financiamento público, afirma Samuels, não eliminaria a existência do caixa dois – pelo contrário: ‘Nos moldes do sistema eleitoral brasileiro, ele poderia encorajar a corrupção’. Isso porque, segundo o especialista, os altos custos das campanhas continuariam a exigir recursos extras e, diante da inexistência de um ‘caixa um’, as empresas que hoje fazem ao menos parte das doações de maneira legal acabariam por fazê-las de forma totalmente ilegal, ou seja, por meio de caixa dois. Foi exatamente o que aconteceu no México. Em 1996, para acabar com as doações ilegais de campanha e quebrar a hegemonia do corrupto Partido Revolucionário Institucional (PRI) – encastelado no poder havia sete décadas -, o país adotou o financiamento público de campanha. O governo passou a bancar 80% do custo das eleições e permitir aos partidos o recebimento apenas de contribuições individuais – as empresas foram proibidas de doar. Quatro anos depois, o PRI foi derrotado e Vicente Fox, do Partido da Ação Nacional (PAN ), ganhou as eleições – para logo em seguida se ver no epicentro de um escândalo eleitoral. A oposição o acusou de ter recebido, ilegalmente, 15 milhões de dólares de empresas. Ou seja, proibidas de fazer doações pelo caixa um, as empresas fizeram o óbvio: recorreram ao caixa dois.

O fim do uso do caixa dois nas campanhas – e da corrupção que ele gera – demanda mais do que uma reforma tributária improvisada. Ele só seria possível se o caixa dois fosse eliminado também da vida das empresas. Para tanto, é preciso levar adiante uma reforma tributária que diminua o peso dos impostos na economia do país e desestimule a sonegação. Seria necessário, ainda, que os mecanismos de fiscalização e punição de quem recorre a esse expediente fossem mais rígidos. Mais: é impossível baratear realmente o custo das campanhas sem uma redefinição do sistema de representação proporcional dos partidos. Como funciona hoje, além de possibilitar que candidatos inexpressivos peguem ‘carona’ em um campeão de votos da mesma legenda, o sistema atua como mais um encarecedor de campanhas. Ao obrigar os postulantes a cargos no Legislativo a competir com seus próprios colegas de sigla – mais os adversários de outros partidos -, ele faz com que os candidatos, novamente, apostem na diferenciação do perfil individual em detrimento de uma plataforma partidária – para alegria dos marqueteiros e seus bolsos sôfregos. Não se trata aqui de demonizar a propaganda. Ela tem por função, repita-se, realçar as qualidades e propostas do candidato (o produto) – além de legítimo, isso é fundamental para ajudar o eleitor a definir o seu voto. O que ocorre hoje, também se repita, é que, no lugar de ressaltar atributos, o marketing à moda de publicitários como Duda Mendonça se presta tão-somente a escamotear os defeitos do candidato e forjar-lhe qualidades. E cobra caro por isso. Resultado: além de azeitar a máquina da corrupção, ele acaba produzindo ‘políticos sabão em pó’, que se liquefazem em espuma ao primeiro jato de realidade. O pior é que, na maioria das vezes, tais produtos não podem ser devolvidos à prateleira antes do tempo. É preciso esperar pelas próximas eleições. Mas tudo bem: com todos os problemas, ‘a democracia é um sistema que, se não garante a escolha dos melhores, impede que os piores se perpetuem no poder’. A frase é do filósofo de língua inglesa Karl Popper.

Confronto Histórico

Kennedy (à dir.) versus Nixon: na televisão, o democrata explorou até o suor do rival

O avanço do marketing sobre o terreno da política tem um marco zero: 26 de setembro de 1960. Nesse dia, pela primeira vez na história americana, dois candidatos à Presidência dos Estados Unidos – o democrata John F. Kennedy e o republicano Richard Nixon – participaram de um debate transmitido pela televisão. O resultado do confronto, e as inúmeras teorias criadas para explicar o sucesso de um e o fracasso do outro aos olhos dos telespectadores, é um tratado da lógica marqueteira. As imagens de um Kennedy jovial, bronzeado e sorridente em contraste com um Nixon suado, mal barbeado e abatido são consideradas até hoje o melhor exemplo de como uma boa estratégia de marketing pode determinar o destino de uma candidatura.

Enquanto a equipe de Nixon tratou o debate como apenas mais um evento na campanha, os assessores de Kennedy criaram um arsenal de artimanhas destinadas a humilhar o adversário. Os democratas sabiam que Nixon se recuperava de uma lesão no joelho e sofria de hiper-hidrose, disfunção que faz a pessoa suar além do normal. De posse dessas informações, fizeram questão de que os candidatos ficassem de pé durante todo o debate e pediram que a temperatura do estúdio fosse aumentada. Quando Nixon começou a passar seguidamente as mãos pela testa, para enxugar o suor, os marqueteiros de Kennedy irromperam na sala de edição e insistiram para que o diretor de imagens focalizasse os candidatos em close. O resultado marcou o início do reinado da imagem nas campanhas. Enquanto as pessoas que assistiram ao debate pela televisão viram em Kennedy o vencedor, os que acompanharam o confronto pelo rádio consideraram Nixon melhor. Kennedy ganhou a disputa eleitoral por uma pequena margem de votos.

Em A History of the American People (Uma História do Povo Americano), o historiador inglês Paul Johnson diz que a trajetória de Kennedy, coroada com uma milionária campanha que o levou à Casa Branca, mostra ‘até que ponto o dinheiro pavimentou o caminho da política americana a partir da segunda metade do século XX’. É verdade que Kennedy tinha grandes qualidades, não era um candidato ‘sabão em pó’. Mas também é verdade que, a partir de sua eleição, marketing, dinheiro e política estreitaram seus laços.’



Marcelo Carneiro, Juliana Linhares, André Rizek e Fábio Portela

‘O cerco dos lobistas a Palocci’, copyright Veja, 31/08/05

‘José Genoíno, Delúbio Soares e José Dirceu já tiveram seus momentos no centro da crise política que desmoralizou o PT e revelou o mais ousado desvio de dinheiro público da história do país. Na semana passada foi a vez de o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ser colocado no foco da crise. Vários fatores contribuíram para isso. VEJA mostrou, com base em investigações feitas por promotores paulistas, que Rogério Buratti, seu ex-secretário de Governo na prefeitura de Ribeirão Preto, agenciava encontros de empresários com Palocci já ministro. À CPI dos Bingos, Buratti confirmou o que havia dito à polícia paulista: a empresa de limpeza urbana Leão&Leão repassava um mensalão de 50 000 reais à prefeitura de Ribeirão Preto na administração de Palocci. Com reportagem dos jornalistas Fábio Portela e Carina Nucci, de São Paulo, Policarpo Junior, de Brasília, e Lucila Soares, do Rio de Janeiro, o editor-executivo de VEJA Marcio Aith fez o relato que se segue, mostrando a situação de extrema delicadeza em que se encontra o ministro Palocci.

‘Ao saltar da prefeitura de Ribeirão Preto para o Ministério da Fazenda, em 2003, numa ascensão meteórica, Antonio Palocci tinha duas questões imediatas a resolver. A primeira, colocar a economia nos trilhos e provar que o PT podia governar o país. A segunda, impedir que personagens controversos, sabedores de histórias delicadas de suas gestões como prefeito, não dinamitassem sua imagem. Palocci cuidou da primeira tarefa com desenvoltura, brilho e competência. Transformou-se na surpresa positiva de um partido que hoje desmorona a céu aberto. Nesse processo, tornou-se um homem público reverenciado no Brasil e no exterior como guardião da ortodoxia financeira e da sensatez. Palocci, no entanto, nunca conseguiu resolver a contento a segunda questão. Buratti é a prova viva e falante disso. A reportagem que VEJA traz nesta edição apresenta outras evidências de que personagens do passado continuam orbitando o ministro, valendo-se da decantada elegância de gestos de Palocci mas também do conhecimento de fatos que potencialmente poderiam danificar sua imagem e carreira. VEJA falou com diversos desses personagens e teve acesso a horas e horas de gravações em que eles aparecem se vangloriando de acessos privilegiados a assessores diretos de Palocci – e de encontros fortuitos e casuais com o próprio ministro.

O salto da obscuridade para o centro do poder federal e para a ribalta das finanças mundiais não livrou o ministro das sombras do passado municipal. Ele saiu de Ribeirão Preto, mas Ribeirão Preto não saiu totalmente dele. Alguns amigos do passado ganharam cargos. Outros ficaram vagando pela capital oferecendo serviços e buscando oportunidades de negócio. Sempre, é claro, com o governo entrando como pagador. Alguns amigos lembraram ao círculo íntimo de Palocci as lealdades dos tempos da prefeitura. Outros conseguiram encontrar fragilidades nesse círculo e até furaram o bloqueio. Palocci teve duas reações. A primeira foi evitar dar uma vassourada nesses personagens de modo a tirá-los de sua volta. Isso não é do seu estilo. Preferiu fingir que o assédio deles se dava apenas pelo hábito da convivência antiga. A segunda reação foi, aparentemente, cuidar para que todos os pleitos desses personagens que só poderiam prosperar com sua ajuda não fossem adiante. Palocci disse a VEJA que renuncia imediatamente se se provar que a ajuda dele ou de qualquer órgão ligado a seu ministério – incluindo o Banco Central – foi instrumental para o progresso de algum empreendimento dos personagens que insistiam em orbitar a sua volta. Foi essa a estratégia possível a Palocci. Pode não ter sido a melhor. Os amigos e conhecidos do ministro montaram na capital, durante algum tempo, um sistema paroquial e informal de influência política incompatível com o novo mundo que se abrira para o ministro. Mesmo que não se prove que eles prosperaram pela ação direta e positiva de Palocci, sempre pesará sobre ele o constrangimento pela desenvoltura da turma de Ribeirão Preto.

Até a semana passada, sabia-se que os antigos assessores de Palocci intermediavam encontros do já ministro com a Leão&Leão, a principal empresa da máfia que fraudava licitações de coleta de lixo em municípios paulistas e mineiros. O que se descobre agora é que outras empresas se aproximaram de Palocci usando, para isso, seus antigos colaboradores. Um deles é o grupo Peixoto de Castro, controlador do Banco Prosper, instituição financeira de porte médio cujo principal executivo, Edson Menezes – também conhecido como ‘gigante’ -, preside a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Em uma interceptação telefônica, VEJA mostrou, em sua edição anterior, que Menezes se encontrara com o ministro no Rio usando, como canal, Buratti e Vladimir Poleto, ex-funcionário da Secretaria de Finanças de Ribeirão Preto.

Em sua entrevista coletiva há uma semana (falaremos um pouco mais sobre ela logo adiante), o ministro admitiu ter se encontrado com Menezes apenas em Brasília, numa reunião agendada, segundo ele, pelas vias oficiais. Disse também ter recebido Menezes apenas na condição de presidente da bolsa.

Talvez por esquecimento, Palocci omitiu o segundo encontro, no Rio, relatado por VEJA. Mas isso importa menos. O que Palocci deixou de explicar é que Menezes fora o responsável pela solução de um de seus maiores dilemas pessoais: em 2004, o executivo do Prosper colocou na sua folha de pagamento dois homens que eram verdadeiros arquivos da gestão de Palocci em Ribeirão Preto: Ralf Barquete, falecido no ano passado, e o seu braço-direito, o já citado Poleto. Nos tempos em que Palocci era prefeito, ocupavam, respectivamente, a Secretaria da Fazenda e a chefia da Contadoria da prefeitura de Ribeirão Preto. Cargo$ importantes. Depois de um périplo por Brasília que deixou Palocci de cabelo em pé, ambos foram contratados como ‘consultores’ do Banco Prosper e mandados para o Rio com uma missão bem simples: abrir portas no governo. Conseguiram? Não existem provas inequívocas disso. Tentaram envolver o ministro? Disso não há dúvida.

Além das visitas, telefonemas, audiências e contratos, descobriu-se que a relação entre Palocci e Buratti era mais profunda do que ambos admitiram até agora e chegava aos momentos de descanso e lazer. Em Brasília, até fevereiro do ano passado, os dois se encontravam numa bela casa do Lago Sul, a região mais nobre da capital federal. Nessa casa, Palocci e Buratti, junto com outros amigos de Ribeirão Preto, faziam reuniões sociais, churrascos, jogavam tênis e passavam horas de lazer – em geral, nas noites de quarta-feira e sábado. A casa tem dois andares, 700 metros quadrados, quatro suítes, salão de jogos, piscina, churrasqueira e – essa era a exigência principal – quadra de tênis de piso sintético. O ministro Palocci joga tênis. A quadra era tão crucial que a primeira opção de aluguel foi por outra casa, também no Lago Sul, mas que não tinha a quadra de tênis, e seu proprietário, o diplomata Jorge Geraldo Kadri, não aceitou que os inquilinos a construíssem. Então, a escolha acabou recaindo sobre a casa de dois andares que já tinha a tal quadra de tênis. Hoje, essa casa, já desocupada pelos amigos de Ribeirão, abriga a Embaixada do Zimbábue.

Na semana passada, já circulavam em Brasília comentários de que a turma de Ribeirão Preto, o ministro incluído, mantivera uma casa para recreação em Brasília. Por isso, durante seu depoimento à CPI, Buratti chegou a ser perguntado se alugara um imóvel no Lago Sul. Buratti respondeu que não. Falou a verdade. A casa foi alugada por Vladimir Poleto. O aluguel foi feito em junho de 2003, ao preço de 10.000 reais mensais. O dono do imóvel, o advogado Luiz Antônio Guerra, conta que Poleto se apresentou como empresário que estava se mudando de Ribeirão para Brasília e não traria a família. Poleto visitou a casa, gostou e quis fechar o negócio. Como não tinha avalista, porque dizia não conhecer ninguém na cidade, propôs pagar adiantado os seis primeiros meses do aluguel. ‘Achei a proposta bem razoável’, lembra o proprietário. Na hora de assinar o contrato, Poleto não apareceu com um cheque ou ordem de pagamento. O adiantamento foi pago em dinheiro vivo: 60.000 reais, acondicionados numa valise, em maços de notas de 50 e 100 reais, com cinta de banco, cujo nome o advogado não lembra. Poleto pagou, pegou as chaves e disse que, em princípio, residiria na casa durante um ano.

A mansão nunca foi usada para moradia. O aluguel foi assinado por Poleto, mas o imóvel era usado por toda a turma de Ribeirão. Ali, eles se reuniam com empresários, organizavam festas e promoviam eventos para os amigos do poder. VEJA entrevistou uma personagem que conheceu a rotina da casa, mas pediu para manter sua identidade em sigilo. A fonte diz que a lista dos freqüentadores mais assíduos era composta do ministro Palocci e seu pessoal: Ademirson Ariovaldo da Silva, seu secretário particular, Juscelino Dourado, seu chefe-de-gabinete, o falecido Ralf Barquete, além, obviamente, de Buratti e Poleto. Quando visitava a mansão, o ministro costumava entrar pelos fundos, onde existe apenas uma pista discreta de acesso. Por ali, há um portão de ferro, acionado por controle remoto e vigiado por câmeras de segurança. Essa entrada dá acesso direto à área de lazer, onde estão a quadra de tênis e a churrasqueira. Muros de 3 metros de altura garantem a privacidade interna. A casa só foi desmontada no início de 2004, quando estourou o escândalo do ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, flagrado extorquindo o empresário de jogos Carlos Cachoeira. Poleto, então, ligou para o dono da casa e informou que teria de se mudar com urgência para o Rio de Janeiro, sede do Banco Prosper.

Na semana passada, VEJA perguntou ao ministro Antonio Palocci se ele já tinha freqüentado a mansão alugada por Poleto ou jogado tênis lá. Por meio do jornalista Marcelo Netto, seu assessor de imprensa, o ministro mandou dizer que não responderia à indagação de VEJA. Os auxiliares do ministro – o secretário particular Ademirson da Silva e o chefe de gabinete Juscelino Dourado – não retornaram as ligações de VEJA. Vladimir Poleto não foi localizado. Sobre ele, uma curiosidade final. Em sua última declaração apresentada à Receita Federal, Poleto informa que sua renda anual foi de 20.000 reais. Conclui-se que, para conseguir os 60.000 reais com que pagou adiantado seis meses de aluguel da mansão, Poleto ficou três anos trabalhando sem gastar um único tostão.

O ministro Palocci sustenta em sua defesa que receber pessoas não prova atos ilícitos. Além disso, afirma que seus ex-assessores foram grampeados por oito meses pelo Ministério Público de São Paulo sem que seu nome fosse envolvido em malfeitorias. Palocci tem razão quando fala das tentativas de negócios que prosperaram à sua volta. Até o momento, os grampos só mostraram muita agitação de seus ex-assessores. Mas há pelo menos três pontos que já podem ser divisados com nitidez:

1. Ex-assessores de Palocci vendiam o acesso ao ministro.

2. O ministro chegou a receber pessoas indicadas por seus ex-assessores.

3. Ele nunca deu um basta definitivo nas tentativas de negócio de seus colaboradores.

São situações de tirar a tranqüilidade de um ministro da Fazenda – cargo que, como disse um dos ocupantes, o economista Mário Henrique Simonsen, morto em 1996, não comporta um titular sob ataque (‘Não existe ministro da Fazenda forte ou fraco. Existe ministro da Fazenda. Ponto.’)

ELE OMITIU, MAS APARECEU

Na entrevista coletiva que concedeu no domingo passado, Palocci omitiu os contratos com a Leão&Leão que firmou quando era prefeito de Ribeirão Preto. Foi desmascarado pelo prefeito do Rio, Cesar Maia. Foram pelo menos oito. Apenas um com licitação: o de 41,6 milhões de reais para a coleta de lixo, válido até 2007′



Maeli Prado

‘Mídia internacional ainda vê crise como problema interno’, copyright Folha de S. Paulo, 28/08/05

‘A crise gerada pelas denúncias de corrupção no Brasil ainda é apresentada pelos maiores jornais de todo o mundo principalmente como um fenômeno com efeitos apenas sobre a política e economia internas.

Começam a aparecer nas últimas semanas, porém, mais textos e editoriais expressando preocupação com o impacto que a conjuntura brasileira pode ter na economia regional.

Essa é a conclusão de um levantamento realizado a pedido da Folha à Global News, empresa argentina que monitora meios de comunicação de 47 países.

Segundo a pesquisa, feita por amostragem em 23 jornais da América Latina, da Europa, dos EUA e do Canadá, entre os dias 1º e 23 de agosto, apenas 3,7% dos textos sobre a crise política brasileira nesse período trataram da possível ‘contaminação’ das economias da América Latina.

A maior parte, 68,7% dos textos, apresentou as denúncias como algo restrito à política interna. O restante, cerca de 28%, foi sobre a crise e a economia brasileira, sem mencionar os possíveis impactos em outros países.

Mesmo as reportagens falando sobre os possíveis efeitos da crise no Brasil sobre a economia da América Latina começaram a surgir a partir do dia 19 deste mês, quando o advogado Rogério Tadeu Buratti, 42, ex-assessor de Antonio Palocci Filho na Prefeitura de Ribeirão Preto, afirmou que o atual ministro da Fazenda recebia R$ 50 mil por mês de uma empreiteira privada quando era prefeito, entre 2001 e 2002.

Das 11 reportagens que relacionam a crise brasileira à economia da região analisadas pela Global News, 9 foram publicadas após as denúncias envolvendo Palocci.

‘Nos primeiros textos, observa-se o tratamento da crise política no Brasil como um fato de corrupção, com efeitos sobre a política interna. Depois começa a se dizer que afeta a economia interna, e posteriormente, nos últimos textos, um pouco mais sobre o possível impacto sobre a economia regional’, diz Laura Garcia, presidente da empresa Global News.

No último domingo, o jornal espanhol liberal ‘La Vanguardia’, por exemplo, publicou um texto intitulado ‘Brasil põe em alerta a América Latina’. ‘A brilhante trajetória que estão desenvolvendo nos últimos anos as economias latino-americanas, em geral, e a brasileira em particular, poderia experimentar algum tropeço se a instabilidade política se apoderar do Brasil’, afirma o texto.

Segundo o levantamento da empresa, os jornais ‘Financial Times’, do Reino Unido, e o argentino ‘Clarín’ foram os que publicaram mais textos sobre o impacto nas economias de países latino-americanos: dois cada um.

Vizinho

Na Argentina, a preocupação com os efeitos da conjuntura brasileira já apareceu até no último informe trimestral do Ministério da Economia. A crise política brasileira é colocada como um dos riscos atuais à economia do país vizinho.

O efeito imediato da crise sobre a economia da Argentina, entretanto, vem sendo positivo, pelo menos no curto prazo.

Isso porque a turbulência no Brasil vem ajudando o governo argentino a manter o peso desvalorizado ante o dólar, o principal objetivo da política econômica da Argentina atualmente. Nas últimas semanas, o banco central do país reduziu suas intervenções no mercado em parte por causa da turbulência no Brasil. Com menor oferta de dólares, a moeda americana se valorizou e o governo comprou menos no mercado.

Alertas

O britânico ‘Financial Times’, importante formador de opinião em todo o mundo, foi o único jornal, entre os pesquisados pela Global News, que deu uma conotação negativa à crise no Brasil em todas as matérias pesquisadas pela Global News.

Na edição do dia 23 de agosto, o diário publicou um editorial alertando, entre outras coisas, para o fato de que dentro do PT o apoio a uma política econômica conservadora diminuiu.

‘Os investidores deveriam se preocupar mais com o impacto a longo prazo sobre a governabilidade. As reformas econômicas estancaram. As investigações do escândalo estão ocupando totalmente as duas casas do Congresso e dificultando para o governo levar adiante até mesmo reformas modestas, como iniciativas para simplificar o sistema fiscal para as empresas’, diz o texto.

No mesmo dia, quando o dólar no Brasil subiu mais de 1%, outro importante formador de opinião, o americano ‘Wall Street Journal’, afirmou em sua versão na internet que a crise política no Brasil determinou a baixa das Bolsas latino-americanas.

Neutralidade

De todos os textos sobre a crise política no Brasil publicados nesse período nos 23 jornais analisados -somando os textos sobre política interna, economia interna e efeitos sobre a economia regional-, a maior parte, 70,2%, deu um tratamento neutro para o assunto.

Em 25,3% dos textos, o tom foi negativo, e, em 4,4% deles, o tom foi positivo.

No período analisado pela Global News, os jornais que publicaram a maior quantidade de textos sobre a crise foram os mexicanos, respectivamente o ‘Milenio’ e o ‘Reforma’.’