Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Folha de S. Paulo

PROJETO DA FENAJ
Celso Lafer

Liberdades e regulamentação do jornalismo

‘TEM SIDO muito criticado o projeto de lei aprovado pelo Congresso e encaminhado à sanção presidencial, que dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista. O projeto almeja regulamentar quem pode, privativamente, atuar nos meios de comunicação social e, na sua abrangente rigidez, vai muito além do disposto na legislação anterior, que data do regime autoritário.

Na discussão da questão, uma vertente da maior importância diz respeito à liberdade de pensamento e de expressão, consagrada na Constituição e objeto também de obrigações internacionais. Entre essas obrigações, avultam as provenientes da Convenção Americana de Direitos Humanos -o Pacto de São José, de 1969-, ao qual o Brasil aderiu e recepcionou no plano interno em 1992, reconhecendo, subseqüentemente, a competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A corte, além de sua competência jurisdicional, exerce uma competência consultiva. Pode emitir pareceres não só em relação à interpretação da convenção como também sobre a compatibilidade de leis internas com os dispositivos da convenção, efetuando, assim, um controle das leis nacionais em relação à convenção. No exercício de sua competência consultiva, a corte examinou matéria relacionada ao projeto de lei acima mencionado, pois, em 13 de novembro de 1985, deu parecer sobre legislação interna da Costa Rica relativa ao exercício do jornalismo. Essa legislação exigia filiação ao Conselho Profissional dos Jornalistas ao qual, por sua vez, só teriam acesso os detentores de diploma universitário de jornalismo.

A corte, por unanimidade, entendeu que a filiação obrigatória, ao impedir o acesso de qualquer pessoa ao uso pleno dos meios de comunicação social como veículo para expressar ou transmitir informações, era incompatível com o art. 13 do Pacto de São José, que trata da liberdade de pensamento e de expressão. A corte, também por unanimidade, entendeu que a legislação da Costa Rica, ao impedir que pessoas sem diploma universitário de jornalismo pertencessem ao Conselho Profissional de Jornalistas -e, conseqüentemente, pudessem valer-se plenamente dos meios de comunicação social como veículo para expressar e transmitir informações- era incompatível com o art. 13 do Pacto de São José.

Os argumentos da corte merecem ser lembrados na discussão ora em andamento sobre veto do presidente ao projeto de lei encaminhado à sua sanção.

O art. 13, item 1 da convenção, afirma: ‘Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha’.

Na sua análise, a Corte Interamericana de Direitos Humanos realçou as duas dimensões da liberdade de expressão: o direito individual de manifestação do pensamento e o direito coletivo, de todos, de receber informação e conhecer a expressão do pensamento alheio. Por isso, os meios de comunicação social devem estar virtualmente abertos para todos, sem discriminação -o que significa que não cabem exclusões a priori do acesso à mídia.

A corte levou em conta o item 3 do art. 19. Este afirma que não se pode restringir o direito de expressão por meios indiretos, tanto os de natureza governamental quanto os provenientes da ação dos particulares. Concluiu que a legislação da Costa Rica implicava numa restrição à liberdade de expressão que ia além do legitimamente permitido pela convenção.

A corte reconheceu a validade e a utilidade da organização profissional de jornalistas, que é uma expressão do direito de associação. Aduziu, no entanto, que essa utilidade, sobretudo em matéria de auto-regulação da fé pública e da ética, está subordinada ao bem comum. Registrou, nesse sentido, que a liberdade de expressão se insere na alta hierarquia da ordem pública de uma democracia.

Por isso, não cabem, em matéria de exercício do jornalismo, a filiação obrigatória à ordem profissional e a exigência de diploma, como ocorre no caso da medicina ou do direito. Médicos e advogados prestam serviços ao público de outra natureza. No caso do jornalismo, não cabe limitar o direito ao uso pleno das faculdades reconhecidas a todo ser humano pelo art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos que, ademais, restringe indevidamente o direito da coletividade em geral de receber, sem travas, informações de qualquer fonte.

CELSO LAFER , 64, doutor em ciência política pela Universidade Cornell (EUA), é professor titular da Faculdade de Direito da USP e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi ministro das Relações Exteriores (governos Collor e FHC) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (governo FHC). É autor, entre outras obras, de ‘A Internacionalização dos Direitos Humanos’.’



ORIENTE MÉDIO EM GUERRA
Sérgio Dávila

Entre americanos, ‘guerra de palavras’ é ganha por Israel

‘Uma norte-americana dá entrevista ao âncora Tony Harris, da CNN. Ela é uma das milhares de pessoas que tentam escapar de uma cidade do sul do Líbano. Diz estar chocada com a incapacidade de Washington de parar o que ela chama de matança brutal de civis por Israel. ‘Essa não é a visão aqui’, interrompe rapidamente o âncora, para cortar a entrevista.

Um dos correspondentes da NBC em Israel pergunta ao ex-primeiro-ministro Ehud Barak: ‘Por que, cada vez que Israel está disposto a ceder mais aos palestinos, mais sofre ataques?’. Pelo menos na grande imprensa televisiva dos EUA, os lados já estão tomados. ‘Quando se trata de Israel, não há cobertura imparcial possível aqui’, decreta Steve Rendall, da organização liberal Fairness & Accuracy in Reporting (equilíbrio e exatidão no jornalismo, ‘Fair’ na sigla em inglês, que também quer dizer ‘justo’).

É que o país é parceiro estratégico de longa data dos EUA numa região problemática, e o lobby de Israel é muito poderoso na indústria de informação norte-americana, acredita o analista-sênior, ‘o que torna a imparcialidade virtualmente impossível’. ‘Não vai aqui um juízo de valor’, ameniza. ‘Lobby é lobby, mesmo o Brasil deve ter o seu em Washington.’

Escolha de palavras

Mesma impressão tem Scott M. Libin, especialista em liderança e gerenciamento do prestigioso Instituto Poynter, especializado em estudos de jornalismo e mídia. ‘O jornalismo impresso é mais equilibrado no noticiário -um pouco menos, mas sem grandes distorções, nos editoriais.’ Ele aborda um aspecto curioso na cobertura: a ‘guerra de palavras’.

O que ocorre hoje no Oriente Médio é ‘guerra’ ou ‘conflito’? O Hizbollah é ‘terrorista’ ou ‘extremista’? A região estava ‘À Beira da Guerra’ (primeiro título da CNN para a cobertura, depois mudado para ‘Oriente Médio em Alerta’, que lembra o ‘Tensão no Oriente Médio’ da rival Fox News)? ‘Israel mira apenas alvos do Hizbollah’, como declarou a MSNBC? ‘As emissoras fazem suas escolhas editoriais na escolha de palavras’, conclui Libin.

O problema não é de hoje. Já em 2002, o Fair escrevia: ‘Na mídia dos EUA, palestinos ‘atacam’ e Israel ‘responde’. Segundo o estudo, era desequilibrado o tratamento das três maiores emissoras abertas, ABC, CBS e NBC, às forças em conflito na segunda intifada palestina. Quatro anos depois, o acadêmico americano de origem libanesa Fawaz Gerges defende o mesmo, com números:

‘Os ataques de Israel no Líbano deixaram mais de 360 mortos, mil feridos e meio milhão de desabrigados; os ataques do Hizbollah no norte de Israel mataram mais de 30 israelenses. Mas a imprensa americana já escolheu seu lado e ignora a reação desproporcional de Israel à ação agressiva do Hizbollah’, diz o professor de estudos internacionais da faculdade Sarah Lawrence, autor de ‘Journey of the Jihadists’.

Talvez o equilíbrio esteja na fala do repórter britânico Robert Fisk, correspondente-chefe para o Oriente Médio do jornal ‘The Independent’, que vive no Líbano há três décadas. ‘Há uma quantidade incrível de propaganda [de ambos os lados]’, resumiu ao programa ‘Democracy Now!’.’



TELEVISÃO / EUA
Julie Bosman

Índice medirá, nos EUA, audiência de propagandas na TV

‘DO ‘NEW YORK TIMES’ – Os compradores de anúncios norte-americanos já aguardam o início das negociações do tempo de anúncios nas redes de televisão para o próximo ano. Pela primeira vez, eles poderão contar com novos índices de audiência da Nielsen Media Research, que lhes permitirão saber quantas pessoas realmente estão assistindo aos comerciais, e não apenas aos programas, nos Estados Unidos.

Os novos índices não mostrarão a audiência de cada comercial -somente a média de todos os comerciais do programa. ‘Não será um índice do comercial de uma cerveja às 11h08’, explicou Jack Loftus, vice-presidente sênior de comunicações da Nielsen.

Não está claro se os novos dados de audiência -que começarão a ser oferecidos a partir de setembro- vão provocar uma redução de preços para os clientes, que gastam bilhões em comerciais nas redes de TV. Mas os compradores de anúncios estão entusiasmados.

Eles poderão usar os números para provar antigas idéias consolidadas: os espectadores de televisão assistem menos comerciais que programas. Mais importante, eles poderão analisar a audiência de comerciais por programa -informação valiosa para seus clientes.

Tudo isso significa que, a partir do próximo ano, quando começarem as negociações para a compra de anúncios para a temporada televisiva de 2007-08 nos EUA, os anunciantes podem negociar preços menores.

Os anunciantes têm diversificado cada vez mais suas compras para a internet, onde os compradores de anúncios sabem quantas pessoas vêem um site, quanto tempo ficam lá e quantas pessoas clicaram no anúncio. Em 2005, as vendas antecipadas foram inferiores às do ano anterior e provavelmente cairão de novo neste ano.

Mas, para um especialista do setor, é cedo para prever como os novos dados afetarão as vendas antecipadas, apesar de que os índices de audiência de comerciais são uma contagem mais precisa das pessoas que podem estar expostas a mensagens de marketing.

‘Eu acho que essa é somente uma medição e uma ferramenta que é um fator na definição de preços’, disse Charlie Rutman, executivo-chefe para a América do Norte em Nova York da agência de mídia MPG. ‘Há outras coisas, como oferta e demanda. Nem tudo tem a ver com audiência.’

As estimativas da indústria situam a audiência de comerciais em cerca de 5% a 10% a menos que a dos programas no horário nobre. Para TV a cabo, os números variam de 3% a 15%. Agora que os anunciantes estão a poucos meses de receber números concretos sobre os índices de comerciais, as estimativas serão testadas.

Ainda assim, não está claro se os executivos das redes serão influenciados por um argumento pela redução de preços quando chegar o mercado de antecipados do próximo ano. ‘Se eu soubesse que as audiências de comerciais estão 5% abaixo da média, deveria dizer: ‘Vou lhe pagar 5% a menos?’, disse Gary Carr, vice-presidente sênior da TargetCast TCM, agência que compra tempo de comerciais. ‘Ou eles dirão: ‘Vocês sempre souberam que é 5% a menos, então nada mudou?’ A próxima luta será essa.’

O presidente de pesquisa da NBC Universal, Alan Wurtzel, disse que a rede avaliará a nova bordagem na próxima temporada. ‘Se for tão promissora quanto pensamos, então a usaremos no ano seguinte e se tornará importante parte do negócio. Mas é um grande passo.’

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES’



TELEVISÃO
Daniel Castro

Tony Ramos será um antipático em novela

‘Intérprete tradicional de heróis, o ator Tony Ramos vai fugir desse estereótipo em ‘Copacabana’ (nome provisório), próxima novela das oito da Globo, que substitui ‘Páginas da Vida’ a partir de 5 de março.

Na nova trama de Gilberto Braga, Ramos viverá um milionário antipático e machista. ‘Ele não será um vilão, mas um cara frio, superantipático’, adianta Braga. Ramos, que já encarnou mais de 130 personagens, nunca viveu um vilão clássico _o mais próximo disso foi um empresário sem muitos escrúpulos na minissérie ‘Mad Maria’, no ano passado.

Em ‘Copacabana’, que terá o turismo sexual como um de seus temas centrais, Ramos fará parte de um grupo de empresários que comanda uma rede de hotéis, pelos quais se travará uma manjada luta de poder.

Na novela, ele voltará a fazer par com Glória Pires. Nos primeiros capítulos, estará casado com Renée de Vielmond. Mas vai se separar dela ao se apaixonar pela personagem de Glória. ‘Ela será uma heroína de trama paralela, tipo participação especial’, diz o dramaturgo.

Segundo Braga, que dividirá a autoria de ‘Copacabana’ com Ricardo Linhares, quase todo o elenco já foi definido. ‘Há dois ou três papéis a serem escalados. Fora os jovens principais, queremos ao menos um casalzinho desconhecido’, afirma. O herói será Fábio Assunção e o vilão, Wagner Moura. A direção caberá a Dennis Carvalho.

MENOS CANTORIA 1O SBT ainda não adquiriu os direitos de produção de uma segunda edição de ‘Ídolos’, mas a diretora do ‘reality show’, Daniela Beyrutti (filha de Silvio Santos), já faz planos.

MENOS CANTORIA 2Daniela quer que ‘Ídolos 2’ tenha mais espaço para a primeira fase, em que os jurados esculacham calouros. Para tanto, pretende aumentar o número de cidades em que serão feitas audições de quatro para seis, incluindo também Belo Horizonte e Salvador.

MENOS CANTORIA 3O primeiro ‘Ídolos’, que termina nesta quinta, não foi um megasucesso, mas emplacou entre as adolescentes _72% de seus telespectadores são mulheres e quase metade tem menos de 24 anos de idade.

ALTA ROTATIVIDADEFernanda Nobre, que acaba de fazer a novela ‘Prova de Amor’, vai entrar para o elenco de ‘Cidadão Brasileiro’, da Record. Luiz Carlos Miéle e a cantora Danni Carlos, também.

NOVO GALÃAndré Bankoff, 27, o Juba de ‘Bicho do Mato’, seu primeiro trabalho de destaque na TV, já está arrasando corações. Telespectadoras da Record não param de ligar para a emissora pedindo um contato com o ator. Parte delas exige uma reprise de cena em que ele tomou banho nu numa lagoa.

ÂNCORA CONTUNDIDOO jornalista Celso Freitas não pôde apresentar o ‘Jornal da Record’ na última quinta. Na véspera, a caminho do estádio do Morumbi, ele feriu o rosto ao tropeçar numa calçada.’

Laura Mattos

Plástica digital

‘Como Regina Duarte consegue, à beira dos 60 anos, ter a pele tão lisinha e sem rugas que vemos em ‘Páginas da Vida’?

O segredo atende pelo nome de Baselight. Não se trata de um creme caríssimo, plástica ou botox, e sim de um programa de computador comprado pela Globo numa feira de tecnologia de Las Vegas. Não é um tratamento na pele da atriz, mas em sua imagem no vídeo.

O software é bem mais do que um cirurgião plástico digital. Tem múltiplas funções para melhorar a qualidade das imagens, dentre as quais a correção de luz e cores. ‘Sinhá Moça’, a atual novela das seis, tem ‘cara’ de cinema graças a ele.

O rejuvenescimento é só uma das armas do software, mas não a menos importante para ‘Páginas da Vida’, uma vez que Helena, a heroína interpretada por Regina Duarte, tem entre 45 e 50 anos, enquanto a namoradinha do Brasil completou 59 em fevereiro. Era algo que a simples maquiagem não poderia ter resolvido.

Para remoçar a atriz, o Baselight cria uma espécie de ‘máscara’ virtual a partir de seu rosto, com imperfeições corrigidas. O operador do computador, então, escolhe pontos de ‘tracking’ (‘seguindo a pista’, em tradução literal), que podem ser, por exemplo, os olhos.

É como se ele desse a ordem: ‘os olhos da máscara devem perseguir os da atriz’. Assim, a ‘máscara’ digital se move de acordo com os movimentos do rosto da personagem em cena.

O uso do Baselight para melhorar a aparência das heroínas pode ser comparado ao que o software Photoshop faz nas fotografias, de acordo com Marcelo Siqueira, diretor de efeitos especiais da Casablanca, a maior empresa de finalização de filmes do país. O programa é utilizado por revistas masculinas para apagar, nas fotos, celulites, estrias e outros ‘inconvenientes’ das mulheres nuas.

‘O tratamento para melhorar a imagem é realizado há muito tempo na publicidade e no cinema. Na televisão, era mais difícil, em razão da pressa nas gravações. Isso agora está mais fácil com esses novos softwares’, afirma Siqueira, que trabalhou nos filmes ‘Se Eu Fosse Você’ e ‘Deus É Brasileiro’, entre outros.

A estréia do Baselight na Globo foi em ‘Sinhá Moça’, focada no efeito ‘cara de cinema’. Em ‘Páginas da Vida’, veio o rejuvenescimento, além de outros tratamentos para ‘harmonizar’ cores e iluminação.

O programa é empregado na pós-produção, ou seja, as cenas são gravadas e editadas normalmente e, só no fim do processo, passam pelo software. O interessante é que os elementos da cena podem ser trabalhados separadamente. Não é um filtro ao qual a cena é submetida por completo. Uma atriz pode ter a pele rejuvenescida enquanto o ator que contracena com ela permanece com seu rosto ‘original’. Adivinhar quem passou e quem não passou pelo Baselight pode ser um jogo divertido para o espectador de ‘Páginas da Vida’. Será que as espinhas de Thiago Lacerda sumiram de um capítulo para outro ‘na vida real’ ou graças ao Baselight?

A Globo não dá detalhes sobre o uso do software. Quando questionado sobre seu efeito rejuvenescedor, Jayme Monjardim, diretor de ‘Páginas da Vida’, respondeu, por e-mail: ‘Nossa preocupação é que as imagens sejam sempre bonitas e agradáveis ao olhar. A estética da novela é um conjunto de fatores, começa pela iluminação no estúdio ou nas externas, passa pela caracterização dos personagens, pelo enquadramento das câmeras até chegar ao uso do Baselight’.

O autor, Manoel Carlos, diz que foi consultado sobre o uso do software e aprovou a idéia. ‘Todos os recursos à nossa disposição devem ser usados, e o Jayme os usa de maneira equilibrada. Imagens bonitas merecem o melhor tratamento para chegarem ainda mais bonitas para o público.’

A Folha o questionou sobre a necessidade de tornar Regina Duarte mais moça para interpretar Helena. ‘Ela também está muito bem e bonita pessoalmente, conforme tenho visto quando me encontro com ela’, se limitou a responder.

Ricardo Waddington, diretor de ‘Sinhá Moça’, disse que o software ‘é justo com a beleza de nossas atrizes’. ‘A imagem do vídeo era muito dura, cruel. É evidente que o tratamento favorece as atrizes, como já acontecia no cinema. O Baselight faz justiça com nossas atrizes, que já são lindas.’

Ele afirma que o uso do software é resultado de três anos de pesquisa na Globo. ‘Não basta existir o programa, é preciso saber usá-lo. Nossa equipe foi treinada em Las Vegas pelos fabricantes do software.’

Marcelo Siqueira lembra que a ferramenta terá de ser aperfeiçoada com a mudança para a TV digital. ‘A nitidez será maior do que a dos aparelhos atuais, e os truques de hoje seriam notados pelo público.’’



***

Na vida real, tratamento custa R$ 6.000

‘Dermatologista de celebridades e socialites, Ligia Kogos comentou com o marido ao ver ‘Páginas da Vida’: ‘Nossa, como a Regina Duarte está bonita, parece uma mocinha!’ Não foi como comentar com qualquer um. O marido, Waldemar, namorou a namoradinha do Brasil quando ela era uma linda e famosa atriz de 18 anos. ‘Conheço a atriz de festas e me chamou a atenção a luminosidade de sua pele na TV.’

Antes de ser informada pela Folha sobre o Baselight, arriscou avaliar. ‘Ela tem pele de constituição privilegiada, clara, sem ser claríssima, é morena clara. Está com a pele brilhante, refinada, é uma mulher que se trata.’

Mas se trata como? ‘Pode ser com ácido. Pode ter feito peeling ou Quantum, equipamento de emissões de luzes e laser que tem um efeito colágeno, dá firmeza à pele. A plástica estica, mas não dá necessariamente essa luminosidade.’ Na vida real, o ideal seriam seis sessões, a R$ 1.000 cada uma em sua clínica. Ao saber do Baselight, Lígia se surpreendeu e teorizou: ‘O cinema e a TV são ilusões. É bom que as atrizes estejam bonitas, porque a TV é a primeira referência estética para a população brasileira’. (LM)

COMO FUNCIONA A PLÁSTICA ELETRÔNICA DA GLOBO

O programa de computador baselight atua na tonalidade da pele da atriz, pode apagar marcas, como cicatrizes, atenuar e até eliminar rugas e outros sinais de expressão;

O software também pode deixar a pele mais corada e dar luminosidade, um aspecto saudável e jovem

PASSO A PASSO

1 A partir do rosto da atriz, é construída uma espécie de máscara eletrônica, com as correções feitas na pele pelo computador;

2 Para que a máscara se movimente exatamente sobre o rosto da personagem em cena, o operador do computador determina um ponto de ‘tracking’ (‘seguindo a pista’, em tradução literal)

3 Dessa forma, a máscara se movimenta em cima do rosto, segue todos os seus movimentos na cena

SAIBA MAIS

FILMAGEM

As cenas são filmadas normalmente, como em outras novelas, mas já com uma luz especialmente pensada para que depois as imagens passem pelo tratamento do baselight;

PÓS-PRODUÇÃO

As cenas são editadas e só depois, ou seja, na pós-produção, passam pelo software;

OUTROS RECURSOS

O baselight não é um programa de plástica, mas de correção de cor e luminosidade, entre outras ferramentas; a mudança na pele das atrizes é só uma de suas possibilidades;

O diretor de fotografia pode usar o baselight para dar o clima das cenas, como para tornar a luz mais quente em um encontro romântico ou para construir o seu eixo dramático’.

Em ‘Sinhá Moça’, o baselight é usado para aproximar a imagem da de cinema;

Em ‘Páginas da Vida’, o programa também ajuda a uniformizar as cenas que gravadas em câmeras HD (alta definição), nas externas, com as gravadas em câmeras digital, no estúdio;’

Laura Mattos

‘Cobras’ tira Globo do sufoco apesar do bafafá de plágio

‘A Globo não podia mais ter problemas no horário das sete após a crise de audiência gerada pela confusa ‘Bang Bang’. Eis que ‘Cobras & Lagartos’ estréia com a missão de salvá-la do naufrágio e, ‘buemba’, é acusada de plágio pelo consagrado cineasta Walter Salles.

Correria no departamento jurídico à parte, a direção da Globo apostava que a trama de João Emanuel Carneiro iria decolar. Tinha, para isso, nomes fortes no elenco, a direção do veterano Wolf Maya e uma história bem construída em torno dos velhos ingredientes folhetinescos. Três meses após a estréia, a cúpula confirma que estava certa ao apostar no autor, que já batera recordes de audiência em sua primeira novela, ‘Da Cor do Pecado’. A curva ascendente de ‘Cobras’ no Ibope tirou o canal do sufoco e aponta para mais crescimento.

Depois de ser acusado de copiar o casal protagonista que toca música clássica de um filme inédito de Salles, com quem trabalhou, Carneiro poderá incluir no currículo o feito de pegar um horário no limbo e transformá-lo em fenômeno.

Na primeira semana, ‘Cobras’ teve 31 pontos (1,6 milhão de domicílios na Grande SP), sintonizada por 45% das TVs ligadas no horário (na Globo, ficar abaixo de 50% é crise). Na 11º semana, já havia subido para 36 pontos (1,9 milhão), vista por 54% dos telespectadores.

Polêmica

À época das acusações de plágio, a Folha tentou entrevistar Carneiro para registrar a sua versão, mas não obteve resposta. Agora, sobre o sucesso da novela, ele topou falar, ainda que por e-mail, via assessoria de imprensa da Globo.

Sobre o sumiço dos instrumentos musicais tocados pelos mocinhos Duda (Daniel de Oliveira) e Bel (Mariana Ximenez), pivôs da polêmica, afirmou: ‘Bel e Duda seguem exatamente suas trajetórias previstas na sinopse original. Ela é a perfumista herdeira de uma loja de luxo e ele, um pequeno empresário que Omar Pasquim [Francisco Cuoco] escolheu para herdeiro da sua fortuna. O fato de terem o hobby de tocar instrumentos musicais é apenas um adereço’.

Não foi bem assim nos primeiros capítulos. Bel tocava violoncelo, e Duda, clarinete. Os diálogos giravam em torno de música clássica e eles se encontravam num conservatório -que também desapareceu.

Carneiro defende que é Foguinho (Lázaro Ramos) -e não Bel e Duda- o protagonista da novela. ‘O papel do Lázaro sempre foi a artéria principal da história. A novela é construída em cima dessa parábola: a ascensão e a queda de um homem-sanduíche, homem-placa como se diz em São Paulo, que se torna dono de uma loja de luxo tomando emprestada a herança de seu homônimo’.

Segundo ele, foi a perua Milu que superou a sinopse original. ‘Marília Pêra deu uma vida ao personagem que está muito além do escrito no papel.’

O último parágrafo vai para os noveleiros. Omar volta, ao estilo Bia Falcão? ‘Não acho que ele volte em carne e osso. Mas nunca se sabe…’, responde Carneiro.’



CINEMA & JORNALISMO
Sylvia Colombo

Investigação sobre Watergate dá lições ao jornalismo de hoje

‘‘Follow the money’ (siga o dinheiro), orientava, pausadamente, a voz do misterioso informante conhecido como Garganta Profunda, ao jovem repórter do ‘Washington Post’ Bob Woodward (Robert Redford), numa garagem às escuras, no meio da noite.

Nos 30 anos que separam o lançamento nos cinemas de ‘Todos os Homens do Presidente’ e os dias de hoje, mudou o jornalismo, mudou a maneira como circulam as informações e mudou a geopolítica mundial, mas as razões dos crimes de poder -e suas respectivas pistas- continuam as mesmas.

O filme, lançado agora em DVD, relata como Bob Woodward e Carl Bernstein, jornalistas do ‘Washington Post’, desvendaram a relação entre o então presidente dos EUA, Richard Nixon, e a invasão do escritório do comitê democrata no edifício Watergate. A operação tencionava sabotar a campanha eleitoral do oponente de Nixon, o senador George McGovern. O escândalo levou à renúncia do presidente.

Aos olhos de hoje, a saga dos repórteres parece romântica e heróica em demasia. Mas o filme, para além da importância histórica, guarda passagens cinematográficas marcantes, como a maneira como o diretor Alan J. Pakula retratou Wa-shington, uma cidade cinzenta e cheia de construções de concreto, aparentemente sem vida, na qual pessoas e carros, filmados do alto, parecem pequenos e insignificantes diante da força invisível do poder.

Os extras do DVD trazem bom material para discussões atuais sobre a relação entre a imprensa e o poder. O editor da revista ‘Newsweek’ faz um incômodo paralelo com o que poderia acontecer se Watergate estourasse nos dias de hoje: Woodward e Bernstein provavelmente seriam levados ao tribunal e forçados a revelar quem era o Garganta Profunda, não iam querer dizer, iriam para a cadeia e a história nunca seria revelada. ‘O que é meio assustador’, conclui.

A história do mítico Garganta Profunda, cuja identidade só foi revelada no ano passado, é contada num mini-documentário. Mas as razões que teriam lavado Mark Felt, então funcionário de alto escalão do FBI, a vazar informações aos repórteres são apenas especuladas.

Os ‘verdadeiros’ Bernstein (vivido por Dustin Hoffman) e Woodward dão longos depoimentos, assim como o então editor-chefe do ‘Post’, Ben Bradlee (que, de carne e osso, é mais simpático e menos canastrão do que na interpretação de Jason Robards).

‘Boa Noite e Boa Sorte’

Bem menos interessante é outro lançamento em DVD de um filme sobre jornalismo e política, ‘Boa Noite e Boa Sorte’. Dirigido por George Clooney, a produção relata a história do âncora Edward R. Murrow, que, nos anos 50, enfrentou o senador republicano Joseph McCarthy e sua política de perseguição a ditos ‘comunistas’ em seu programa na rede CBS. Fraca direção de atores e muita falação em torno de passagens demasiado específicas desse embate diminuem o filme. Interessantes são as imagens de época do próprio McCarthy e dos processos. Os extras também são fracos, só com depoimentos elogiosos de todos sobre todos.

TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE

Lançamento: Warner

Direção: Alan J.Pakula

Quanto: R$ 47,90

BOA NOITE E BOA SORTE

Lançamento: Paris

Direção: George Clooney

Quanto: só para locação

OUTROS FILMES A RESPEITO DE JORNALISTAS

Quem se interessa pelo tema deve ver os clássicos ‘A Montanha dos Sete Abutres’ (1951), de Billy Wilder, e ‘Cidadão Kane’ (1941), de Orson Welles, e o recente ‘Capote’ (2005), de Bennett Miller.’



CINEMA & TELEVISÃO
Folha de S. Paulo

Filmes nacionais patinam até com o apoio da Globo

‘Tem coisas que a propaganda na Globo não faz por você. É isso que cineastas e produtores brasileiros descobriram, depois de fechar acordo com a Globo Filmes para fazer comercial de seus longas na emissora de maior audiência no país. Mesmo com a propaganda, os títulos patinam na bilheteria.

‘Do ponto de vista mercadológico, não valeu a pena’, diz a produtora Assunção Hernandes, uma das primeiras a aderir ao plano, para o lançamento de ‘De Passagem’ (2003), de Ricardo Elias. O filme ficou na casa dos 20 mil espectadores.

O acordo com a Globo Filmes prevê levar ao ar 25 comerciais do filme (de 15 segundos), nas principais praças da Globo. O valor estimado das inserções é de R$ 500 mil, mas a Globo Filmes oferece 85% de desconto, como forma de apoio.

Pelo acordo, a Globo Filmes torna-se sócia do filme, detendo 5% de seu patrimônio, e tem o direito a 5% das receitas de distribuição, segundo explicaram os produtores à Folha. O que ocorre na prática, dizem eles, é que os primeiros R$ 75 mil que o filme apura na bilheteria devem ser destinados a pagar os custos dos comerciais -aqueles 15% do orçamento original de R$ 500 mil. Veja o que diz a Globo Filmes abaixo.

Tiro de canhão

É aí que surge o problema, quando o filme vende poucos ingressos e, conseqüentemente, tem renda pequena.

‘Hoje, eu não gastaria esse dinheiro dessa forma. Dei um tiro de canhão para matar uma andorinha’, diz o cineasta Toni Venturi, que fez o acordo com a Globo Filmes para lançar seu ‘Cabra Cega’ (2005).

O diretor afirma que esperava ter entre 35 mil e 50 mil espectadores para as sete cópias em cartaz. O resultado foi ‘o piso’ de 35 mil, que Venturi considera ‘modesto, mas digno’.

Embora o diretor use a expressão ‘tiro de canhão’ para se referir ao poder de fogo da Globo, a avaliação mais comum de quem aderiu ao pacote é que o número de comerciais do contrato não produz efeitos.

‘O que vale na TV é a repetição. 25 inserções é pouco para dar resultado’, diz a produtora Sara Silveira, que usou o plano com ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’ (2005, Marcelo Gomes).

Com uma ressalva (‘que fique claro que não estou falando mal da Globo’), Silveira diz acreditar que, sem os comerciais na Globo, o filme teria os mesmos 120 mil espectadores que atingiu. Por que então ela fechou o acordo? ‘É uma tentativa de notabilizar o seu filme, porque passa numa emissora de grande audiência’, diz. A sedução de ‘passar na Globo’ não parece ser um fator menor na opção dos cineastas pelo plano.

‘Minha família amou ver os comerciais na Globo, mas cinema é um negócio, não pode ser uma coisa narcisista’, diz o cineasta Joel Zito Araújo, que fez o acordo para lançar ‘Filhas do Vento’ no ano passado.

Com ‘40 e poucos mil espectadores’ obtidos, Araújo diz: ‘Temos de questionar se essa forma de apoio significa de fato alguma coisa’. Na opinião dele, o que torna efetiva a contribuição da Globo para o sucesso de um filme é uma técnica de divulgação que a emissora aplica aos títulos que co-produz, a ‘cross media’ (mídia cruzada).

O expediente consiste em divulgar o filme não só em comerciais, mas também nas atrações da grade artística e jornalística da emissora.

Exemplos disso ocorrem quando personagens das novelas mencionam elogiosamente um filme em cartaz, o ‘Casseta & Planeta’ faz um quadro de ‘merchandising’ ou o ‘Fantástico’ faz reportagem sobre uma sessão do filme.

‘É natural que a Globo faça isso de forma ostensiva e competente nos filmes produzidos por ela. Mas avalio que há uma disparidade de tratamento. Seria interessante que a Globo Filmes estivesse aberta para negociações’, disse Araújo.’



***

A opinião da Globo Filmes

‘A Folha tentou entrevistar o diretor da Globo Filmes Carlos Eduardo Rodrigues. Ele preferiu enviar o seguinte comentário:

Não estamos interessados em polêmica, porque esta é uma questão objetiva, o que interessa são os números. Recentemente, o filme B (que é uma empresa brasileira especializada em números do mercado de cinema) publicou o ranking do cinema nacional em 2006, que mostra a situação real do cinema brasileiro. ‘O Gatão da Meia Idade’, por exemplo, aparece entre os cinco filmes de melhor desempenho neste ano. Dos dez primeiros, cinco são co-produções da Globo Filmes e quatro receberam nosso apoio no lançamento.

Segue o ranking dos 10 primeiros:

1 – ‘Se Eu Fosse Você’ – 3,6 milhões de espectadores – co-produção;

2 – ‘Didi – O Caçador de Tesouros’ – 1 milhão de espectadores – co-produção

3 – ‘Xuxinha e Guto contra os Monstros do Espaço’ – 500 mil – co-produção

4 – ‘Irma Vap – O Retorno’ – 246 mil espectadores – co-produção

5 – ‘O Gatão de Meia Idade’ – 81 mil espectadores – apoio

6 – ‘A Máquina’ – 55 mil espectadores – co-produção;

7 – ‘Mullheres do Brasil’ – 46 mil espectadores – apoio

8. ‘Tapete Vermelho’ – 35 mil espectadores – apoio

9. ‘Acredite! Um Espírito Baixou em Mim’ – 30 mil

10 – ‘Depois Daquele Baile’ – 28 mil espectadores – apoio

Ou seja, esta aí a prova indiscutível de que o apoio cria um diferencial.’



MEMÓRIA / GIANFRANCESCO GUARNIERI
Valmir Santos

Gianfrancesco Guarnieri morre em SP aos 71 anos

‘O ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri, 71, morreu ontem, às 16h30, ‘em função de complicações geradas por insuficiência renal crônica’, conforme nota do hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

Guarnieri estava internado havia 49 dias, mas tratava a doença desde 2001. Em períodos críticos, fazia até três sessões semanais de hemodiálise. Deixa cinco filhos e sete netos.

O velório, fechado ao público, aconteceria na noite de ontem no hospital. Às 15h de hoje, o corpo será levado para o cemitério Jardim da Serra, em Mairiporã, onde será enterrado.

Quando recebeu a Folha em sua casa, na serra da Cantareira (SP), em abril de 2005, o autor de ‘Eles Não Usam Black-Tie’ falou sobre a doença: ‘Ainda bem que existe a hemodiálise, sempre agradeço. Após quatro anos, sinto-me mais animado. A doença dá uma depressão terrível, aquele cansaço. Não é moleza, não. Mas, ao mesmo tempo, não é dizer: ‘Que terrível, morreu’. Morreu o escambau. Está aí e vai em frente, rapaz, com todo o sorriso de felicidade que tem’.

Nos últimos anos, Guarnieri pontuou trabalhos aqui e ali, como sua recente atuação na novela ‘Belíssima’, da TV Globo, na qual interpretava Peppe. O personagem foi retirado da história por causa do agravamento do seu estado de saúde. Guarnieri atuou em outras novelas, como ‘O Meu Pé de Laranja Lima’ (1970) e ‘Mulheres de Areia’ (1973).

Filho de italianos, Guarnieri nasceu em Milão, em 1934. Seu teatro é conhecido pelo forte cunho político. Com ‘Eles Não Usam…’ (1958), inscreveu seu nome na história da dramaturgia brasileira. Dirigida por José Renato no Teatro de Arena, a peça demarcou a presença do autor ao contar a história de um líder operário que tem no próprio filho um fura-greve. Foi adaptada para o cinema em 1981, por Leon Hirszman, que recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza.

Seguiram-se outras peças de igual tom político, como ‘Arena Conta Zumbi’ (1965) e em um dos seus últimos textos, ‘A Luta Secreta de Maria da Encarnação’ (2001).

Guarnieri foi secretário municipal de Cultura de São Paulo de 1984 a 1986.’

Sérgio Salvia Coelho

Autor criou teatro sem maniqueísmo

‘‘O QUE me dá alegria é saber que fiz tudo o que pude e sempre da maneira que gosto.’ Grande Guarnieri. Nunca cedeu às armadilhas da automistificação, mas nunca fez menos do que aquilo que achava que deveria fazer. Impunha um imenso respeito e simpatia pela sua humildade -a atitude dos que olham o outro com insaciável curiosidade, tentando entender seu ponto de vista.

Tendo aprendido sobre a injustiça não na teoria ideológica mas abrindo os olhos para a vida, como Brecht, passou a infância acompanhando o pai, um maestro militante comunista, em pichações noturnas, ou acompanhando a empregada em incursões pelo morro.

Mudando-se para São Paulo, exerceu essa alegria de viver nos palcos, com Oduvaldo Viana Filho no Teatro Paulista do Estudante, em 1955, grupo que se juntou ao Teatro de Arena. Desponta assim como um vibrante ator em direções de José Renato (‘Escola de Maridos’, de Molière) e Augusto Boal (‘Ratos e Homens’).

Em 1958, para encerrar as funções de um Arena atolado em dívidas, José Renato tomou a iniciativa de encenar um dos textos desenvolvidos pelos atores em oficinas de dramaturgia. O escolhido foi ‘Eles Não Usam Black-Tie’, de Guarnieri, que, como quis a história, não foi um canto do cisne mas um renascimento do teatro nacional. Ficando em cartaz em São Paulo por mais de um ano, fato inédito até então, espalhou pelo Brasil a possibilidade de um teatro sem maniqueísmo nem meios termos, que colocava o operário e a greve no centro do palco.

A consagração que se seguiu foi internacional, pelas mãos de Maria della Costa, com ‘Guimba’, e no TBC, com ‘A Semente’, ambas com a cumplicidade de Flávio Rangel e a dura marcação da censura.

O Golpe de 64, longe de desmotivá-lo, produziu ‘Arena Conta Zumbi’ (1965) e ‘Arena Conta Tiradentes’ (1967), com um outro parceiro fundamental, Edu Lobo. Fazendo letras das músicas, Guarnieri tem um cancioneiro a ser revisitado.

A obra que se segue é definida como ‘teatro de circunstância’ por Guarnieri, mas ‘Botequim’, ‘Um Grito Parado no Ar’ e ‘Ponto de Partida’, sobre o assassinato de Herzog, são fortes documentos de época.

‘Se você me perguntar se tenho medo da morte, não tenho, me enturmo com o que vier.’ Grande Guarnieri. Que a tua dignidade nos ilumine em tempos tão duros.

REPERCUSSÃO

JOSÉ RENATO, diretor teatral (dirigiu a peça ‘Eles Não Usam Black-Tie’, em 1958, com Lélia Abramo, Miriam Mehler e Milton Gonçalves) ‘É uma notícia terrível, junto com a morte do Raul [Cortez]. Falar sobre a importância da perda é inútil. Eu posso falar do homem, que foi de grande dedicação ao seu trabalho e à sua ideologia, que sempre trabalhou pelo que acreditava. Esse foi o principal mérito de toda sua vida. Ele sempre pensava no que era melhor para todos.’

ANTÔNIO ABUJAMRA, diretor teatral e ator ‘Gianfrancesco Guarnieri sempre foi o nosso grande ator invejável, nosso grande autor sempre descobrindo o Brasil, sem posturas erradas neste país enigma. Ele ficará comigo para sempre.’

CHICO DE ASSIS, dramaturgo (trabalhou com Guarnieri no Teatro de Arena)

‘Ele era um bom amigo e foi o maior autor da dramaturgia brasileira. Era também um grande ator. Enfim, um homem de teatro, que viveu a vida toda ligada ao teatro e que, claro, vai fazer falta, como amigo e como homem de teatro.’

FERREIRA GULLAR, escritor

(conheceu Guarnieri na época do Opinião e do Arena e na casa de criação da Rede Globo)

Fiquei chocado com a notícia. Sempre o admirei como teatrólogo, como ator e ser humano. Era um amigo afetuoso e bom. Inconformado com a desigualdade social de nosso país, pôs seu talento a serviço de mudar nossa sociedade. Foi um raro e comovido artista. Ficamos mais pobres com a sua morte. Era um talento excepcional.

RAIO-X

Nome completo: Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Martinenghi de Guarnieri

Nascimento: em Milão (Itália), em 1934

Filiação: o maestro Edoardo de Guarnieri e a harpista Elza Martinenghi

PRINCIPAIS PEÇAS

‘Eles Não Usam Black-Tie’ (1958)

‘Gimba, Presidente dos Valentes’ (1959)

‘A Semente’ (1961)

‘O Filho do Cão’ (1964)

‘Arena Conta Zumbi’ (1965) – em co-autoria com Augusto Boal

‘Arena Conta Tiradentes’ (1967) – em co-autoria com Augusto Boal

‘Marta Saré’ (1968)

‘Castro Alves Pede Passagem’ (1971)

‘Um Grito Parado no Ar’ (1972)

‘Ponto de Partida’ (1976)

‘A Luta Secreta de Maria da Encarnação’ (2001)

PRINCIPAIS FILMES

‘O Grande Momento’ (1957)

‘Diário da Província’ (1977)

‘As Três Mortes de Solano’ (1978)

‘Curumim’ (1978)

‘Gaijin, Caminhos da Liberdade’ (1980)

‘Asa Branca, um Sonho Brasileiro’ (1980)

‘Eles Não Usam Black-Tie’ (1981)

‘A Próxima Vítima’ (1983)

‘Beijo 2348/72’ (1990)

‘O Quatrilho’ (1995)

PRINCIPAIS ATUAÇÕES NA TV

‘O Terceiro Pecado’ (1968), como Alexandre

‘A Muralha’ (1968), como Leonel

‘O Meu Pé de Laranja Lima’ (1970), como Ariovaldo

‘Mulheres de Areia’ (1973), como Tonho da Lua

‘Os Inocentes’ (1974), como Chico

‘Éramos Seis’ (1977), como Júlio

‘Sol de Verão’ (1982), como Caetano

‘Vereda Tropical’ (1984), como Jamil

‘Mandala’ (1987), como Túlio

‘Rainha da Sucata’ (1990), como Saldanha

‘A Próxima Vítima’ (1995), como Eliseu

‘Terra Nostra’ (1999), como Giulio

‘Belíssima’ (2006), como Pepe’



MARKETING & MÍDIA
Andrew Billen

A fronteira final do marketing

‘Quando contemplamos as estrelas, as vemos não como são agora, mas como eram há muitos anos. De maneira semelhante -pelo menos é o que argumenta ‘How William Shatner Changed the World’ [Como William Shatner Mudou o Mundo], um abrangente e cansativo documentário de duas horas- foram precisos 40 anos, sim, 40, para que desenvolvêssemos uma visão clara sobre ‘Jornada nas Estrelas’.

É bom ter em mente que sempre houve um lapso de tempo entre a transmissão e a apreciação da série. Os cinco anos de ‘exploração de mundos novos e estranhos’, que constituía a missão do seriado original, foram reduzidos a três, em 1969, e ‘Jornada nas Estrelas’ só veio a conquistar verdadeira popularidade em reprises, ao longo dos anos 70.

Por fim, as vendas de mercadorias relacionadas à série cresceram tanto que, em 1979, a Paramount lançou ‘Jornada nas Estrelas – O Filme’, a primeira de uma série de lucrativas produções para cinema, e em 87 surgiu um novo seriado para a TV, ‘Jornada nas Estrelas – A Nova Geração’. A longa jornada da série e de seus derivados na TV só terminou no ano passado, com o episódio final de ‘Star Trek – Enterprise’.

Shatner, que agora tem mais de 70 anos, se reinventou como um ator cuja especialidade é parodiar seu mais famoso personagem -o capitão Kirk.

No documentário, o truque narrativo é o desempenho de Shatner, que se comporta como se tivesse forçado a assumir o papel de mestre-de-cerimônias em um programa especialmente ruim voltado aos ‘nerds’, mas na verdade com a esperança de que os telespectadores mais perceptivos terminassem por considerar o documentário excelente.

Jornadas reais

O homem já tinha chegado ao espaço quando o seriado foi lançado, mas, ao que parece, os futuros cientistas da Nasa encontraram tanta inspiração na velocidade de dobra da Enterprise [que dobra o espaço a sua volta e alcança uma velocidade, vista do exterior, como maior que a da luz] quanto na cautelosa alunissagem do Eagle no satélite da Terra.

Vemos Marc Rayman, engenheiro-chefe do departamento de propulsão da Nasa, atendendo a seu telefone em forma de Enterprise e cambaleando de emoção ao ouvir a voz de Shatner. Responsável por enviar a atual Voyager (nome que designa um terço dos descendentes televisivos de ‘Jornada nas Estrelas’) ao lado errado de Júpiter, sua inspiração para a propulsão à base de ferro foi um roteiro de um episódio da série.

Da mesma maneira, a coleta de pedaços acinzentados de rocha na Lua não era excitante o bastante para o jovem Seth Shostak, que queria um espaço exterior repleto de alienígenas e agora vasculha os céus no Centro de Busca de Inteligências Extraterrestres.

A astronauta Mae Jamison, a primeira negra a ir ao espaço, teve seus sonhos despertados pela tenente Uhura, e em seu vôo no ônibus espacial norte-americano, em 1992, enviou uma mensagem a Houston [onde fica o Centro Espacial Johnson, da Nasa] dizendo ‘todas as freqüências de comunicação estão abertas’ (o que talvez possa significar alguma coisa para alguns de vocês).

No dia-a-dia

Mas os mais impressionantes vínculos entre o futuro delineado por ‘Jornada nas Estrelas’ e o futuro que terminamos por viver não podem ser encontrados no espaço exterior, e sim em nossas casas e escritórios.

Rob Haitani, designer de produtos da Palm One, explicou que não é possível encontrar emprego no Vale do Silício se você não for fã de ‘Jornada nas Estrelas’. Martin Cooper, que foi engenheiro-chefe da Motorola, insiste em que seu protótipo para o primeiro celular, ainda que pesado como um tijolo, foi inspirado tanto pelo comunicador de Kirk quanto por sua sábia percepção de ‘as pessoas são inerentemente móveis’.

Um dos primeiros computadores domésticos se chamava Astare, por causa de um planeta que servia de cenário a um episódio da série, e, o mais importante, a Enterprise estava repleta de computadores portáteis ou de mão em um momento em que Arthur C. Clarke previa que em 2001 as máquinas seriam grandes a ponto de permitirem que pessoas flutuassem em seu interior.

Até mesmo os scanners portáteis que diagnosticam nossos tumores hoje em dia se assemelham aos aparelhos portáteis de diagnóstico usados pelo doutor McCoy na enfermaria da espaçonave. Como disse Cooper sobre ‘Jornada nas Estrelas’, ‘para nós, não era uma fantasia: era um objetivo’.

Tripulação multiétnica

Shatner faz algumas menções ao gênio visionário de Gene Roddenberry, o inventor da série, ainda que se tenha descoberto que não havia grande amizade entre eles. Boa parte da ‘visão’ era fruto da necessidade. Os roteiristas terminaram por desenvolver a idéia da sala de teletransporte, que conduzia Kirk em segurança aos planetas que a espaçonave visitava, porque o modelo da nave auxiliar da Enterprise atrasou.

Mas a insistência de Roddenberry em uma tripulação multiétnica foi, na verdade, um gesto corajoso. Como metáfora para um planeta que poderia não apenas sobreviver mas prosperar caso seus habitantes trabalhassem juntos, a cabine de comando da Enterprise não era nada má. As iniciais de James T. Kirk não ficavam longe das iniciais de JFK.

Shatner não é bobo, embora hoje em dia ele constantemente faça papel de bobo. Minha análise favorita sobre o sucesso de ‘Jornada nas Estrelas’ foi a que ele fez em entrevista a um fã, anos atrás. Shatner se queixou de que ninguém costumava mencionar a alegria, que era a marca do programa. O humor do documentário, como Shatner hoje em dia, talvez careça de agilidade, mas pelo menos tentou honrar a alegria de viver que era a marca do programa que lhe serve de tema.

Este texto foi publicado na ‘New Statesmen’. Tradução de Paulo Migliacci.’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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