Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

LÍNGUA PORTUGUESA
Márcio Pinho

Livros terão de ser reeditados para seguir normas do acordo

‘Com a nova norma, muitos livros terão de ser ‘reeditados’. Ou será que a palavra correta aqui seria ‘re-editados’? Pois é, a forma correta dessa palavra não é definida claramente pelo acordo ortográfico.

O excesso de ‘etc.’ e a falta de exemplos que ilustrem a aplicação das novas regras, além da subjetividade de certos pontos do acordo, que dá margem a interpretações, são apontados por professores de português como causa de dúvidas.

As novas regras devem manter aquecidos os debates sobre como escrever corretamente pelo menos até fevereiro, quando a ABL (Academia Brasileira de Letras) anuncia a divulgação do Volp (‘Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa’), que trará a grafia oficial das palavras.

As controvérsias já fizeram editoras de livros didáticos como suas ‘vítimas’. A Ática, por exemplo, retirou momentaneamente de um de seus livros didáticos, agora impressos na nova norma, uma lição baseada em um anúncio publicitário com palavras formadas por hífens -tema onde estão concentradas as principais dúvidas. Já os dicionários em versão de bolso já atualizados trouxeram conflitos na grafia de palavras.

A palavra ‘pára-raios’ (forma como era grafada na antiga regra e que perde o acento na nova) é agora indicada como ‘pararraios’, no ‘Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa’, e ‘para-raios’, no ‘Meu Primeiro Dicionário Houaiss’ e no ‘Minidicionário Houaiss’. A dúvida ocorre porque o acordo diz que devem ser aglutinadas, sem hífen, as palavras compostas quando ‘se perdeu, em certa medida, a noção de composição’, conceito usado para gerar a palavra ‘paraquedas’.

‘A noção de composição é um pouco subjetiva. Por dedução, interpreta-se o que foi adotado para ‘paraquedas’, que perdeu o hífen. Trata-se de um objeto em si. Portanto, a grafia correta é tudo junto’, afirma Carlos Mendes Rosa, editor-chefe de livros universitários e dicionários da Editora Ática -entre eles o ‘Minidicionário Luft’-, que também adotou ‘pararraios’.

Mauro Villar, do Instituto Antônio Houaiss, diz que todas as obras do grupo reproduzirão na sua grafia as normas do novo acordo, assim como as regras sugeridas pela Academia Brasileira de Letras. ‘Estamos trabalhando em consenso com os ortógrafos e filólogos da ABL.’’

 

 

Folha de S. Paulo

Folha adota nova regra ortográfica no dia 1º

‘A Folha passa a adotar as novas regras do acordo ortográfico no dia 1º de janeiro. A mudança valerá para todo o Grupo Folha, que inclui o ‘Agora’, a Folha Online, a Agência Folha e o Banco de Dados.

Como preparação para a mudança, cerca de 500 funcionários assistiram a uma aula de português com a professora Thaís Nicoleti de Camargo, consultora do Grupo Folha.

Para o período de adaptação, que inicialmente será de janeiro a fevereiro, o jornal reforçou a sua consultoria de português, com mais um profissional para tirar dúvidas e ajudar as equipes que participam da produção do jornal. Além disso, foram distribuídas apostilas e o corretor ortográfico no computador foi atualizado.

Nos casos de palavras em que ainda há dúvidas, a Folha manterá a grafia antiga até a publicação do novo ‘Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa’ da Academia Brasileira de Letras -que registra a forma oficial de escrever as palavras-, prevista para fevereiro.

‘Entendemos que haja dúvida ainda quanto a termos como ‘coabitar’ ou ‘co-habitar’, ‘carboidrato’ ou ‘carbo-hidrato’, afirma Thaís.

O uso das regras do acordo ortográfico será obrigatório a partir de 2013. Só 0,5% do vocabulário usado no Brasil será alterado com a reforma.

Estranhamento

‘É normal que no começo haja um estranhamento para todo mundo, para quem está escrevendo e para quem está lendo’, diz Ana Estela de Sousa Pinto, editora responsável pelo treinamento da Folha. ‘Mas é uma questão de tempo para as pessoas se acostumarem.’

De acordo com a professora Thaís, uma das mudanças que devem causar mais estranheza é a retirada do acento do ditongo aberto das palavras paroxítonas (‘ideia’, ‘assembleia’, ‘estreia’ etc).

Passado

A última reforma da língua portuguesa foi marcada pelas mudanças na acentuação. No dia 19 de janeiro de 1972, quando começava a vigorar a lei que modificava o vocabulário, a manchete da Folha foi: ‘Podada a floresta de acentos’, uma referência à ‘simplificação da acentuação’ da época.

Deixaram de ser usados o acento circunflexo que diferenciava, por exemplo, o substantivo ‘govêrno’ e o verbo ‘governo’, o acento grave em palavras como ‘sòmente’ e ‘sòzinho’ e o trema facultativo na palavra ‘saüdade’.’

 

MÍDIA & POLÍTICA
Carlos Heitor Cony

O sol por comissão

‘RIO DE JANEIRO – Li reclamações na mídia sobre a visita do presidente francês ao Brasil. Os resmungões de sempre (entre os quais o cronista) chegaram a chamá-lo de caixeiro viajante, um mascate que vai com sua mala cheia de novidades às regiões distanciadas do consumo, levando artigos de armarinho que não chegam lá.

Não chega a ser novidade. Na década de 1920, quando veio o rei Alberto, da Bélgica, entendidos descobriram que o descendente da rainha Vitória representava um grupo econômico que servia de fachada do Comitê des Forges, e o resultado foi a criação da Belgo Mineira.

São muitos e variados os exemplos dos mascates que aqui chegam com seus produtos, em alguns casos, simples bugigangas. Evidente que não foi o caso do presidente Sarkozy. Ele veio com submarinos e tecnologia nuclear para vender, além de uma bela primeira dama que deu trabalho aos fotógrafos que fizeram plantão na calçada do Copacabana Palace.

A verdade é que os chefes de Estado há muito se transformaram em representantes de ponta das grandes empresas de seus países. Se ganhassem comissões pelos acordos feitos, na base dos 10% ou dos 20% em suas viagens, seriam os executivos mais bem pagos do mundo. Ganhariam uma baba.

Bem verdade que Sarkozy teve uma espécie de comissão pessoal nessa visita. Aproveitou a viagem de negócios para passar uns dias no litoral baiano, apreciando a bela paisagem acrescida com a presença de sua jovem e recente esposa: ninguém é de ferro.

Lá na França, a oposição reclamou da ausência do seu presidente em época de crise mundial, justo no momento das festas natalinas. Acontece que Sarkozy já deve estar de saco cheio de ver a torre Eiffel iluminada e preferiu ver o luminoso sol da Bahia.’

 

FOTOGRAFIA
João Wainer

Saudades da revolução

‘O fotógrafo gaúcho Izan Petterle, 52, era um estudante nos anos 1970 quando viu a célebre foto de Che Guevara feita por Alberto Korda.

Morava em Alegrete, a 300 km de Rosário, cidade natal de Che, na Argentina.

Do outro lado do Atlântico, o jornalista holandês Frans Glissenaar, 49, também estudava e tinha uma camiseta com a mesma foto estampada. Seus ídolos eram Janis Joplin, Hendrix, Jim Morrison e Che Guevara.

Desde que foi publicada pela primeira vez na Itália, em 1967, e em seguida exibida nas manifestações estudantis de 1968 em Paris, a foto de Korda tornou-se um ícone que embalou os sonhos revolucionários de milhões de jovens pelo mundo.

Em abril de 2008, Izan e Frans embarcaram em uma jornada pessoal em busca do espírito revolucionário que os guiou na juventude. Jornalista e fotógrafo foram a Cuba munidos dos diários de Che e refizeram os 3.900 km percorridos pelo revolucionário e seu grupo desde Playa las Coloradas, onde ocorreu o desembarque do barco Granma, até a chegada triunfal na capital Havana.

O resultado da viagem está no livro ‘Cuba de Che – 50 Anos Depois da Revolução’, lançado pela editora Carlini Caniato.

No relato de Glissenaar e nas fotos de Petterle, fica clara a desilusão da dupla com o que viu durante a viagem. ‘Foi um desencanto. As pessoas não são felizes em Cuba. É um país melancólico. Che para mim sempre significou a liberdade e foi difícil aceitar que o grande ícone da minha juventude havia ajudado a criar um regime totalitário e opressor’, diz Petterle.

Cuba talvez seja um dos países mais fotografados do mundo, e a revolução é uma história que já foi contada muitas vezes em inúmeras obras. Além da dificuldade em fazer algo diferente no livro, há a censura do governo cubano a jornalistas estrangeiros. Para trabalhar, a dupla criou uma fábula que era utilizada sempre que eram interrogados por policiais.

Fidel

Para as autoridades cubanas, Frans era um professor de história holandês apaixonado por Cuba e Izan, seu amigo fotógrafo amador. A estratégia deu certo e eles colheram relatos que dificilmente seriam dados a jornalistas pelo desconfiado povo cubano.

Nas entrelinhas do livro, percebe-se que nos grotões de Cuba, enquanto a figura de Fidel Castro vai se apagando, a de Che Guevara vai se acendendo.

Por mais desgastada que esteja a imagem da revolução, o símbolo ‘Che’ fica cada vez mais forte. Guevara aparece como um esportista, ou artista, que morre no auge, sem deixar que o público veja sua decadência, enquanto Castro se comporta como aqueles que não souberam a hora certa de se aposentar e ficaram marcados por isso. Essa é a novidade das 148 páginas da obra.

Em formato de diário de viagem, o livro traz relatos atuais, curtas entrevistas com moradores que testemunharam a revolução e também trechos do diário de Che, publicado com o titulo original de ‘Pasajes de la Guerra Revolucionaria’. Nota-se que pouca coisa mudou na região percorrida pelos autores. Cinqüenta anos depois, eles continuam isolados. ‘Eles nos surpreendiam com as perguntas mais básicas sobre o resto do mundo’, diz o fotógrafo.

A posse de Barack Obama em 2009 e as especulações sobre o fim do embargo a Cuba geram expectativas. ‘Acredito que em dez anos Cuba vai ser um país globalizado’, diz Petterle.

LEIA MAIS sobre o cinqüentenário da Revolução Cubana em Mundo’

 

TELEVISÃO
Marcelo Ninio

TV pública divide opiniões na Europa

‘Bem ao estilo de seu hiperativo presidente, a França saiu na frente em um tema cujo debate se arrasta há anos na União Européia: a reformulação das TVs públicas. E como é típico do governo de Nicolas Sarkozy, o pacote de mudanças que entra em vigor em janeiro está causando polêmica e uma onda de protestos, além de apimentar as discussões em escala européia.

Os críticos da reforma, aprovada pela Assembléia Nacional francesa no apagar das luzes de 2008, desconfiam que por trás dela está uma manobra para dar a Sarkozy o controle dos quatro canais públicos do país.

O presidente rebate com o argumento de que está promovendo uma ‘revolução cultural’ que devolverá a qualidade ao serviço público, cada vez mais desgastada pela competição com os canais privados.

O ponto mais controvertido da reforma é o financiamento, que passará a ser 100% público: a partir de 5 de janeiro, os comerciais começam a desaparecer das TVs públicas francesas.

Sua receita, equivalente a um terço do orçamento, será substituída por novos impostos sobre os canais privados e provedores de internet, herdeiros de uma fatia publicitária de pouco mais de 250 milhões.

Não demorou para surgir o temor de que a autonomia econômica leve a abusos políticos.

Para David Levy, especialista em radiodifusão pública da consultoria britânica Oxford Global Media, e um dos membros da comissão parlamentar que discutiu as reformas na França, a redução da dependência comercial é bem-vinda, já que devolve o foco para o interesse da sociedade. Mas o ideal, afirma, seria um modelo misto, que combinasse dinheiro público e privado.

‘A preocupação é que o governo use as novas formas de financiamento público para exercer controle editorial’, disse Levy à Folha. ‘É um temor justificado, sobretudo depois que o presidente Sarkozy disse que o Estado passará a escolher o diretor da TV pública.’

Debate no bloco

Também na UE, o financiamento é o ‘x’ da questão. Em novembro a Comissão Européia reabriu o debate, propondo emendas às regras em vigor desde 2001. O objetivo principal é evitar concorrência desleal, em meio a uma montanha de dinheiro do contribuinte destinada às TVs estatais.

Os serviços públicos de radiodifusão europeus recebem 22 bilhões anualmente, em taxas cobradas dos usuários ou ajuda direta dos governos. O setor é o terceiro maior beneficiário de verbas estatais no bloco (perde para a agricultura e as empresas de transporte).

Nas novas propostas da UE, que devem entrar em vigor nos próximos meses, não há interferência direta no conteúdo das programações. Mas a definição do que é ‘valor público’ interessa à UE, já que, em tese, este é o ingrediente que justifica o financiamento do governo. O problema é que a fronteira entre utilidade pública e comércio nem sempre são claras.

‘A transmissão de uma missa ou de uma partida de futebol é uma necessidade democrática?’, questionou Manuel Núñez Encabo, especialista espanhol em direito e ética nos meios de comunicação, no jornal ‘El País’. Para ele, a inclusão dessas e outras atrações na programação da TVE (canal público espanhol) é um exemplo de desvio dos princípios previstos nos tratados da UE.

É um dilema comum a todos os canais públicos, do húngaro Magyar Televizio à TV Brasil, criada por Lula, que acaba de completar um ano com traço no Ibope: como manter uma programação de qualidade e ao mesmo tempo atingir uma parcela expressiva da platéia?

Levy acha que um serviço público tem sempre de almejar uma grande audiência, para justificar o financiamento estatal e criar um elo com a sociedade. E cita a britânica BBC, considerada o modelo ideal de canal público, para demonstrar que isso é possível.’

 

Bia Abramo

Duas meninas e homens de preto

‘DUAS MENINAS simbolizam o melhor e o pior da TV em 2008. De um lado, a superexposta, explorada e explícita criança precoce Maisa; de outro, a adolescente Capitu, desvelada e revelada pela adulta Letícia Persiles.

De um lado, a máquina de fazer doido, que faz de uma pessoa, neste caso uma quase pessoa, ainda uma criança de seis anos (e só seis anos…), virar um personagem que é caricatura da graça, da espontaneidade, da beleza. De outro, a possibilidade de reinventar um personagem emblemático pela recriação dramatúrgica de uma graça e uma beleza de forma muito peculiar.

Apesar das enormes distâncias de gênero televisivo entre a fabricação de uma apresentadora-mirim de desenhos animados e a uma personagem ficcional recriada por uma atriz, há, nos dois casos, a manipulação de uma certa ilusão etária que se processa de forma muito semelhante, embora com efeitos e intenções opostos.

Num caso, faz-se acreditar que uma menina real pode ser, ao mesmo tempo, ingênua e espertíssima; em outras palavras, adulta e criança, de quem se poderá exigir e esperar as duas coisas, a ingenuidade e a esperteza. Num certo sentido, Maisa e Xuxa estão em duas pontas de uma mesma operação perversa, que consiste em eliminar as barreiras e os tabus etários para liberar o desfrute dos adultos.

Na minissérie, ao contrário, há uma manipulação consciente, claro, ao se colocar uma atriz adulta a interpretar uma adolescente. Mas aqui, estamos no terreno da ficção, onde o artifício serve, não para enganar, mas, de alguma forma, para revelar.

Capitu, 14, ganha uma inflexão sexualizada, apaixonada, que se torna possível porque, ao narrador adulto que rememora, interpôs-se a interpretação de uma outra pessoa adulta. É como se Letícia, 25, destrinçasse as contradições do desejo de uma adolescente justamente porque não o é (mas já foi).

Os homens de preto, leia-se ‘CQC’, não apenas acharam um caminho que andava meio esquecido entre o escracho e a crítica para o humor brasileiro, como fizeram o melhor programa de variedades.

Em vez de tratar o jornalismo com leveza, o ‘CQC’ utiliza instrumentos da investigação jornalística para mostrar o ‘outro lado’ daquilo que se ser quer sério.

E, claro, eles produziram a melhor piada do ano. O fato de a gente ter tido de importar o formato da Argentina é prova de que a ironia é mesmo a fada-madrinha do humor bom.’

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