Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Folha de S. Paulo

ACORDO ORTOGRÁFICO
Márcio Pinho

Escritora portuguesa diz que Acordo Ortográfico é ‘pirata’

‘O novo sistema ortográfico é considerado ‘um acordo em desacordo’ pela escritora portuguesa Inês Pedrosa, que promete continuar seguindo a antiga regra em seus livros. Nascida em Coimbra em 1962, Pedrosa venceu o prêmio Máxima de Literatura, dado em Portugal, com o livro ‘Nas Tuas Mãos’. Ela já foi também diretora da versão portuguesa da revista ‘Marie Claire’.

FOLHA – A sra. é contra ou a favor do Acordo?

INÊS PEDROSA – Sou contra, porque, para começar, o Acordo é um produto falso, um produto pirata. Na verdade, ele não estabelece um acordo. Significa, então, jogar livros fora. O Acordo Ortográfico uniformiza umas coisas, mas altera outras. Vamos supor que ele significasse a unificação gráfica do português. Tampouco sou a favor, mas isso poderia ter um interesse pedagógico. Se por um lado poderia criar um monopólio na edição, poderia gerar manuais escolares comuns, o que seria uma vantagem.

FOLHA – Por que não considera o novo sistema um Acordo?

INÊS – Porque ele cria muita confusão, é inútil e prejudicial. É um acordo em desacordo. O hífen, por exemplo, gera confusão. Além disso, muita coisa é definida de acordo com a pronúncia, e palavras que hoje têm determinadas letras internas, como ‘concepção’, no Brasil, não deixarão de ser escritas e faladas assim para usar a nova versão portuguesa, que muda de acordo com a pronúncia, desuniformizando-se, passando a escrever ‘conceção’. O trema, por exemplo, que Portugal já não usava, acredito que faz falta. Como vamos explicar a quem aprende a língua que certos ‘us’ se pronunciam? A palavra ‘sequestro’, por exemplo: em Portugal pronuncia-se muitas vezes, erradamente, como ‘sekestro’, sem ‘u’.

FOLHA – O que acha da mobilização em torno ao Acordo? PEDROSA – Gostaria que todo o dinheiro gasto em encontros, viagens e reuniões para se debater o Acordo tivesse sido investido em iniciativas para promover uma ponte cultural entre os países de língua portuguesa. As iniciativas são raras.

FOLHA – Como os portugueses veem e se preparam para o Acordo?

PEDROSA – Ainda não vi nenhum jornal anunciar que irá adotá-lo a partir de janeiro. Há portugueses entretidos em contar quantas adaptações terão de fazer em relação aos brasileiros. Mudam principalmente as palavras com determinadas consoantes internas. Mas vejo essa guerrinha de quem deve liderar as discussões do idioma português inútil. Não vejo problema de o Brasil, um país com quase 200 milhões de pessoas, liderar as discussões [Portugal tem cerca de 10 milhões]. Acredito que as diferenças hoje estão entre o Brasil e os outros países, que têm um idioma mais semelhante ao de Portugal, pois foram colônias até mais recentemente.’

 

Luisa Alcantara e Silva

Para Rubem Alves, o povo faz a língua

‘Para o escritor Rubem Alves, 75, quem deveria ter feito a reforma eram os escritores, que são os ‘amantes da língua’, e não os gramáticos.

O colunista da Folha diz que não irá se adaptar às mudanças nos seus livros, mas diz que, na sua coluna semanal, aceitará a reforma. A exceção será para os casos em que houver prejuízo à compreensão do texto. ‘Há situações em que vou desobedecer.’

Leia trechos da entrevista.

FOLHA – O senhor é favorável ao Acordo?

RUBEM ALVES – Não seguirei. O povo faz a língua, não os gramáticos. Há coisas horríveis na língua, como ‘pra mim fazer’, mas, como falam, mais cedo ou mais tarde isso fará parte da gramática.

FOLHA – Como fará com os seus livros? Não vai querer que mudem?

ALVES – Não. Já numa outra reforma, antigamente havia estória e história. Os gramáticos tiraram ‘estória’, deixando apenas história, mas são tão diferentes quanto abacaxi e ovo de avestruz. Escrevi um livro baseado na diferença entre história e estória. A história é aquilo que ocorreu no passado e nunca mais acontece, a estória é aquilo que acontece toda vez que ela é contada. Você sabe que o maldito revisor, sem me consultar, botou tudo igual, tudo com ‘h’ e arrasou o livro.

FOLHA – E agora, como o livro é publicado?

ALVES – Voltou ao certo, quando tem estória é estória e quando é história é história [a primeira edição da obra foi publicada como ‘O Poeta, o Guerreiro, o Profeta’; a versão atual é ‘Lições de Feitiçaria – Meditações Sobre a Poesia’].

FOLHA – Então o senhor não vai querer que os seus livros sejam adaptados?

ALVES – Ah, não quero que seja adaptado, não. Sabe, estou meio como o [escritor português José] Saramago. Ele não admite que ninguém corrija o português dele. Não tem ponto, não tem vírgula. Acho que seria melhor se os escritores tivessem se reunido para fazer a reforma, e não os gramáticos.

FOLHA – Por quê?

ALVES – Porque os gramáticos são os anatomistas da língua, e os escritores são os amantes. Então, eles têm regras diferentes’

 

Márcio Pinho

População ignora tema, diz Ondjaki

‘Nascido em Luanda, a capital de Angola, em 1977, o escritor e poeta Ondjaki afirma que falta divulgação sobre o Acordo Ortográfico e que as novas regras não preocupam os angolanos atualmente. O país deverá ratificar o acordo neste ano, não o tendo feito em 2008 em razão da mobilização em torno de eleições nacionais, segundo o governo. Morando hoje no Rio de Janeiro, após uma passagem por Portugal, Ondjaki tem entre suas obras livros infantis como ‘Ynari: A Menina das Cinco Tranças’, de 2004, e correalizou o documentário ‘Oxalá Cresçam Pitangas – Histórias de Luanda’, em 2006. Leia trechos da entrevista à Folha.

FOLHA – Qual a sua opinião sobre as novas normas?

ONDJAKI – Não estou suficientemente informado sobre este Acordo e tenho pena disso. Acho que não circula suficiente informação, mas sobretudo não se sabem as razões que levam à assinatura do Acordo. Acompanho a imprensa angolana com muita atenção e vejo que o problema de divulgação sobre o Acordo é ainda mais acentuado em Angola.

FOLHA – Acredita que há alguma desvantagem em unificar a grafia, do ponto de vista cultural, prático?

ONDJAKI – Só penso no ponto de vista artístico, da escrita literária. Há algo de tom, cheiro e personalidade que se vai perdendo.

FOLHA – Como será a recepção às novas normas em países africanos como Angola?

ONDJAKI – Não sei como será, e essa questão tem sido muito pouco debatida no nível da sociedade em geral. Não penso que a questão do Acordo Ortográfico preocupe os angolanos neste momento.

FOLHA – As normas afetam a vida prática das pessoas ou apenas escritores, jornalistas?

ONDJAKI – Afetam a vida de todas as pessoas que escrevem corretamente e que dão atenção aos pequenos detalhes.

FOLHA – Acredita que as regras irão pegar?

ONDJAKI – Acho que vai ser uma questão de geração. Quem estiver na escola e aprender tudo com as novas regras possivelmente até achará a nossa escrita obsoleta. É normal. E eu acharei a escrita deles simplificada demais ou simplesmente estranha.’

 

Maria Helena de M. Neves

Reforma sem rigor

‘Neste período de efervescência do processo de implantação do Novo Acordo Ortográfico, a pergunta inicial que se recebe é sempre a seguinte: ‘Você concorda com o acordo?’. Ou seja: ‘Era ele necessário?’. Prefiro responder alterando a pergunta: sim, era necessário um acordo, não exatamente este. Surgem, por aí, duas questões, que tratarei pela ordem: 1) qual era a situação do regramento ortográfico nos países de língua oficial portuguesa, e 2) qual é a avaliação de mérito do novo acordo. Contra o acordo, um argumento forte é o que se centra no fato de que outros países vivem comunidades de língua oficial sem necessidade de regramento ortográfico comum, ficando abrigadas pacificamente grafias diferentes nos diferentes países, e até dentro de um mesmo país.

É assim que o Cambridge International Dictionary registra ‘babysit’, enquanto o dicionário Collins-Cobuild registra ‘baby-sit’, e, para o verbete ‘baby talk’, ainda traz o registro ‘also spelled with a hyphen’ [também escrito com um hífen].

Ora, não era essa situação consentida de ‘livre escolha’ que ocorria entre nós. Vivíamos, na comunidade de língua oficial portuguesa, uma situação histórica peculiar: Brasil e Portugal tinham, cada um, seu regramento ortográfico particular e oficializado. Além disso, exibiam uma história frustrada de tentativas de acordo. Se não, vejamos.

No começo da história de uma busca de fixação ortográfica, os tempos eram outros. Quando, em 1904, Portugal fez sua tentativa nesse sentido, nada sinalizava alguma atenção à produção linguística do Brasil, ainda sem a mínima padronização de linguagem e sem representatividade político-cultural. O texto português referia-se apenas à ‘anarquia ortográfica’ existente em Portugal.

Sem ortografia

O Brasil, por sua vez, na mesma época (1907), cuidou de uma uniformização interna da grafia, com um projeto que também denunciava uma ‘anarquia ortográfica’ brasileira. Longe estava qualquer propósito de unificação entre Brasil e Portugal, pelo contrário, o texto declarava não ser possível uma ortografia ‘conciliadora’, dada a grande diferença entre as duas pronúncias.

Mais do que isso, em ‘desabafo’, o texto dizia que nem haveria razão para que 20 milhões de brasileiros se dobrassem aos hábitos de prosódia de 5 milhões de portugueses. Veementemente criticado, o projeto não vingou.

Em 1911, Portugal fez uma reforma ortográfica, e a situação passou a ser esta: Portugal tinha uma ortografia, e o Brasil, não. Até que, em 1915, o Brasil deu o primeiro passo na tentativa de uma unificação, harmonizando sua reforma de 1907 com a portuguesa de 1911. Mas também não foi aí que a unificação chegou. Só em 1931 se firmaram as ‘bases’ de um primeiro acordo entre os dois países, mas Portugal elaborou um Vocabulário Ortográfico (1940), e o Brasil elaborou outro (1943), ou seja, permaneceu a divergência.

Ainda em 1943, assinou-se uma Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, abalada, porém, já em 1945, quando outra reunião fixou novas ‘bases’, que, entretanto, o Brasil, justificadamente, não ia aceitar: restabeleciam-se, por exemplo, consoantes de simples valor etimológico, como em aflicção, conductor, assumpto, uma reviravolta que os brasileiros não teriam condição de assimilar.

Era esta, pois, a situação (problemática) vigente em 1986, início da definição deste novo acordo: dois acordos assinados em sequência, cada um deles oficializado num país, e, afinal, um desacordo ‘oficial’.

Ora, estamos hoje em um novo palco mundial: além da globalização, assiste-se à ampliação do universo da língua oficial portuguesa para um bloco de novas nações independentes, cujo destino no concerto das nações está por definir-se, mas que representam um contingente a pesar na avaliação da lusofonia. Ora, todos eles, até agora, se regram pela fixação ortográfica de Portugal, o que compõe um cenário estranho, que coloca o Brasil numa situação oficializada de ortografia discrepante daquela dos demais componentes do bloco de países de língua oficial portuguesa. Aí está montada, afinal, a situação inconteste da conveniência de um acordo ortográfico para esse concerto de nações de mesma língua.

Justificativas

O problema é que merecíamos um documento mais preciso, completo, autossustentado e coerente. Não tenho a pura intenção de crítica nas questões de que tratarei a seguir, mas qualquer balanço desse acordo que passa a vigorar há de resultar em cobrança de melhor resolução final.

Algumas regras não têm nenhuma razão ligada ao sistema de representações, pelo contrário -e, por isso, são difíceis de entender-, mas têm sua justificativa na simples finalidade de unificação: por exemplo, a queda (no Brasil) do acento agudo dos ditongos abertos (éi, ói e éu) em palavras paroxítonas (como ideia) atende exclusivamente ao fato de que essas palavras não levavam acento em Portugal. No contraponto, existem casos de mudança do que havia em Portugal, para efeito de unificação com o Brasil: por exemplo, a eliminação daquelas mesmas consoantes ‘mudas’ (simplesmente etimológicas), como em aflição, diretor, batizar. Tudo dentro do que consideraríamos as ‘regras do jogo’: alguém ‘perde’ aqui, mas ‘ganha’ ali.

Outras regras, também unificadoras, têm, além disso, um papel simplificador, por exemplo a eliminação do trema e a eliminação do acento na sequência ‘oo’. Mesmo a decisão de desvincular o uso do hífen das especificidades dos prefixos é simplificadora, mas por aí ingressamos no grande problema desse texto que por mais de 20 anos simplesmente dormiu, ignorado e incontestado, enquanto poderia ter sido submetido ao exame de especialistas, para verificação de seu rigor e completude. No geral, era de esperar que se seguissem mais sistematicamente os princípios declarados, que se desse complementaridade absoluta às medidas e que se atingisse maior precisão e coerência.

Sugestões

Caberia, por exemplo: 1) Conferir sempre rigor às formulações: ‘[Nas locuções] não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções já consagradas pelo uso’.

2) Não abrigar circularidades: usa-se hífen ‘nas formações em que o segundo elemento começa por h’; e ‘o h inicial mantém-se […] quando numa palavra composta pertence a um elemento que está ligado ao anterior por meio de hífen’.

3) Não abrigar contradições: acentuam-se diferentemente pônei e pónei porque ‘apresentam oscilação de timbre’; mas não se acentua proteico ‘dado que existe oscilação […] entre o fechamento e a abertura na sua articulação’.

4) Não abrigar incoerências: ‘Além dos ditongos orais propriamente ditos, os quais são todos decrescentes, admite-se, como é sabido, a existência de ditongos crescentes’.

5) Não abrigar enganos: ‘[O ditongo nasal ‘uin’,] embora se exemplifique numa forma popular como ruim, representa-se sem til nas formas muito e mui, por obediência à tradição’.

6) Não extrapolar competências: ‘Existem […] verbos em ‘-iar’ […] que admitem variantes na conjugação: negoceio ou negocio’.

7) Não deixar lacunas, como a do uso do hífen com o prefixo re- e com os prefixos terminados em d e b (ad-, ab-, ob-, sob-, sub-).

8) Não deixar zonas totalmente descobertas, como ocorre com o uso do hífen em compostos, caso que, aliás, poderia ter sido resolvido coerentemente com o princípio de abrigo de ‘duplas grafias’. Assim, e finalmente, o que há de criticável, na verdade, não é a medida em si -muito pelo contrário-, nem é este ou aquele acento que se tira ou que se põe, antes diz respeito ao rigor que o conjunto nos fica a dever, aos do lado de cá como aos do lado de lá do Atlântico.

MARIA HELENA DE MOURA NEVES é linguista, professora da Universidade Mackenzie e da Universidade Estadual Paulista. É autora de ‘Gramática de Usos do Português’ (Ed. Unesp).’

 

TELE
Folha de S. Paulo

Interino na Abin aciona Justiça contra Brasil Telecom

‘Mesmo com o aval para exercer o cargo de diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o interino Wilson Trezza decidiu aguardar a escolha do nome que vai comandar a instituição, sem tomar nenhuma decisão até lá.

Oficial de inteligência da Abin, Trezza trabalhou na Brasil Telecom durante a gestão do banqueiro Daniel Dantas, alvo a Operação Satiagraha, que contou com a participação de mais de 60 homens da agência durante as investigações.

‘Trezza tem todo apoio para tomar qualquer medida porque os cargos de diretor e diretor-adjunto estão vagos. Não vejo impedimento [por ele ter trabalhado com Dantas e chefiar a Abin]’, afirmou o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Jorge Felix.

Para se manter no cargo, ainda que interinamente, Trezza afirmou que não tem nenhum tipo de relação com Dantas e que processa a Brasil Telecom e a Fundação BrTprev.

O oficial pediu à Justiça do Trabalho benefícios e gratificações referentes ao ano em que prestou serviço para as duas empresas.

O Tribunal Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul determinou, em segunda instância, que Trezza tem direito a receber R$ 27,5 mil referentes a bônus por cumprimento de metas, R$ 31 mil descontados indevidamente na rescisão do contrato, além de hora extra e outros benefícios.

‘Esse não é o valor exato da condenação, mas o que a empresa depositou. Só depois de transitado e julgado é que a controladoria judicial vai estipular o valor’, explicou a advogada de Trezza, Alessandra Chaves.

Ela disse ainda que que Trezza foi contratado inicialmente como consultor de recursos humanos da Brasil Telecom e, em seguida, eleito diretor da fundação. Por isso, teria direito a benefícios como hora-extra.

A Brasil Telecom recorreu ao TST (Tribunal Superior do Trabalho), e o processo está no gabinete do relator do caso, ministro José Simpliciano Fernandes, desde maio do ano passado. A companhia diz, em nota, que ‘a decisão do TRT não reconhece as estipulações prévias firmadas no contrato de trabalho com o autor’.’

 

COLUNA NA FOLHA
Antônio Ermírio de Moraes

Um agradável convívio

‘SEMPRE ACHEI um enorme privilégio poder escrever em um jornal influente e independente e que presta tantos serviços à democracia brasileira como a Folha de S.Paulo.

Ademais, gosto da palavra escrita. Meu professor de português do Ginásio Rio Branco, o velho Castelões, via nesse gosto uma possível carreira de escritor. Previsão errada, aliás, como fazem muitos economistas nos dias de hoje… Formei-me engenheiro e, como tal, passei a escrever mais números do que letras, até que o saudoso Octavio Frias de Oliveira abriu-me a página 2 da Folha. Era uma oferta de ouro para quem desejava debater com centenas de milhares de leitores os grandes temas nacionais. Aceitei na hora.

Os primeiros artigos foram motivo para longas conversas com o querido Frias, nas quais íamos muito além dos temas, querendo consertar o Brasil e o mundo. Senti-me feliz na nova empreita. Mas faltava a prática. Minhas ideias não cabiam no espaço do jornal.

Êta coisa irritante! Tive de aprender a pensar dentro da magreza da coluna. Mesmo assim, de quando em vez, protestava junto ao Frias, até que um dia ele me perguntou: por que você não escreve um livro para contar a sua vasta experiência de empresário, chefe de uma bela família e colaborador de tantas obras sociais? A pergunta me intrigou. Não sabia se era uma sugestão séria ou mera brincadeira. Fiquei com ela na cabeça. Lembrei-me do Castelões. Mas a mosca me mordeu. Pensei alguns dias e decidi: vou escrever uma peça de teatro. E acabei escrevendo três.

Os atores amigos já tinham me falado que as ideias transformam-se em verdadeiros torpedos quando expostas num palco, com emoção, música, cenários e figurinos. Eles estão certos. Com essa moldura, elas penetram fundo e atingem a alma.

Como aprendiz de dramaturgo e na forma de ficção, procurei passar para o público, e em especial para a juventude, a minha infinita crença nos valores da humildade, do trabalho, da educação, da ética, da liberdade, da democracia e, enfim, em tudo aquilo que meus pais me ensinaram e eu nunca esqueci.

De maneira muito modesta, no jornal e no teatro, nas empresas e nas obras sociais, esforço-me para exercer a cidadania, fazendo propostas, criando empregos e ajudando os necessitados. Para os artigos, meus leitores me alimentam com excelentes sugestões. Sou muito grato a todos.

Otavio Frias Filho, ao suceder seu pai no jornal, acolheu-me com a mesma amabilidade, fazendo-me sentir parte da família Frias. Gente generosa. Competente. Patriótica.

Sou grato a todos, inclusive aos funcionários da Folha, de quem espero igual apoio na inauguração de uma nova fase, na qual pretendo escrever ocasionalmente, mas com o mesmo propósito: ajudar a construir um Brasil melhor.’

 

TELEVISÃO
Laura Mattos

Em nome da mãe

‘Jayme Monjardim, 53, é conhecido, entre outros trabalhos, pela direção inovadora na novela ‘Pantanal’ e pelo filme ‘Olga’. A partir de amanhã, será o filho da cantora Maysa.

Diretor da Globo, ele leva ao ar na emissora o grande projeto de sua vida: uma minissérie de nove capítulos sobre a turbulenta vida de sua mãe (1936-1977), estrela da música brasileira de carreira internacional, celebrizada pela interpretação de ‘Meu Mundo Caiu’, entre outros grandes sucessos do samba-canção e da bossa nova.

Fora dos palcos, sua vida foi marcada por atitudes controversas, paixões polêmicas, abuso de álcool, de moderadores de apetite e tentativas de suicídio. Morreu aos 40, em um acidente de carro na ponte Rio-Niterói.

Monjardim tinha apenas dois anos quando Maysa se separou de seu pai, o bilionário André Matarazzo, e foi deixado na casa de avós, sendo criado por uma empregada. Aos seis, quando o pai morreu, o ‘jogaram’ em um colégio interno na Espanha por quase dez anos.

Uma cena criada pelo autor da minissérie, Manoel Carlos (leia entrevista à pág. E3), tenta resumir o sofrimento e a sensação de abandono: em uma rara visita ao internato, Maysa se depara com o filho pequeno doente e diz que não irá beijá-lo para não correr o risco de se resfriar e prejudicar sua voz. Monjardim, que diz nunca ter feito análise, contou à Folha como se manteve ‘congelado’ ao rever -e dirigir- cenas tão dramáticas de seu passado.

FILHO X DIRETOR

Consegui separar o filho do diretor, ter um distanciamento suficiente para não sofrer ou me emocionar. Sem isso, não poderia ter feito esse trabalho.

Já imaginou gravar essa cena [em que Maysa não beija Monjardim no internato] e começar a chorar? Me dediquei a esse projeto, talvez o mais importante na minha vida, para contar uma linda história de amor. O projeto é tão elevado, já sofri tanto por ser um menino sozinho, que parece outra encarnação. Mas, quando assistir na TV, não sou mais diretor, e sim o filho. Aí não me responsabilizo pelo que vou fazer, porque até agora estou congelado.

CENAS FORTES

A minissérie é um resumo muito sutil do que aconteceu. Aquilo foi um beijo, mas imagina passar dez anos em um colégio interno sozinho. Os dez anos foram tão violentos que essa cena não é mais violenta para mim. O que tinha que chorar já foi. [A cena em que Maysa é encontrada em uma banheira cheia de sangue após cortar os pulsos] Não vi, mas vi muitas outras. Vivi cenas muito difíceis. Mas isso não é um problema para mim. Não tenho defeitos de fabricação por causa disso. Todos os filhos de artistas passam por problemas não tão diferentes dos que eu passei. As grandes estrelas são complicadas, polêmicas, intensas. Algo tem de especial, não são normais. Acabam fazendo besteiras e vivendo loucuras.

ABANDONO

Nunca fiz análise. Na minha vida inteira me virei sozinho. Imagina ficar sozinho em um colégio interno, sem sair nem para as férias, durante dez anos.

Não falava português direito e até hoje não sei escrever em português. Mas foram 30 anos de análise em dois anos que estou nesse projeto da minissérie. Não tenho por que ficar me lamentando. Eu sou tão realizado. Tenho três filhos lindos, uma mulher linda, ganho muito bem para fazer o que gosto.

Por que reclamar do meu passado? Trabalhei anos para acabar com os meus monstrinhos.

ACERTO DE CONTAS?

[Sobre cena em que André Matarazzo cobra de Maysa atenção ao filho: ‘Um dia ele vai crescer e há de julgar a boa mãe que você foi ou deixou de ser’] É lógico que já a julguei mal pra caramba. Tinha raiva, era revoltado, pô, como minha mãe me largou em um colégio? Mas, à medida em que cresci, fui entendendo que Maysa agia assim por milhões de motivos. Entendia por que ela bebia, por que a vida dela era difícil. E vivi os dois últimos anos da vida dela muito bem, como grandes amigos. Consegui admirá-la.

HOMENAGEM

Acho que ela ia achar [a minissérie] uma graça, ficar impressionada de andar no Projac e ver um carrinho com o nome dela. Ela morreu endividadíssima, tadinha, ferrada. Eu me sinto à vontade. A minissérie é para cima, não uma lavação de roupa, é uma purificação, uma recuperação de nossa memória e uma homenagem à música brasileira. O país estava esquecendo um patrimônio nacional.’

 

***

Filme, livro e trilha saem na sequência

‘Se a audiência aprovar ‘Maysa’, Jayme Monjardim parte para a nova fase de seu projeto: transformar a minissérie em um filme. Para isso, terá de reduzir as quase seis horas da TV para no máximo duas. Ele também está preparando o DVD, a ser lançado em fevereiro, com todos os capítulos e, nos extras, a íntegra dos musicais da minissérie, com a atriz Larissa Maciel dublando a voz de Maysa, apresentações da própria cantora, como um musical para o ‘Fantástico’, além de um ‘making of’.

Monjardim também acaba de lançar um livro, ‘Maysa’ (editora Globo, 44 págs., R$ 44, em média), com fotos da vida da cantora e trechos de seus diários, músicas e poemas.

Também no embalo, a Som Livre -braço fonográfico das Organizações Globo- coloca nas prateleiras um CD duplo (R$ 35, em média) com as músicas que compõem a trilha sonora da minissérie. Dentre as canções, estão ‘O Barquinho’, ‘Chão de Estrelas’, ‘Besame Mucho’ e ‘Meu Mundo Caiu’. A onda deve turbinar também a já bem-sucedida biografia de Lira Neto, ‘Maysa – Só numa Multidão de Amores’, de 2007 (ed. Globo, 400 págs., R$ 36, em média).’

 

Flávia Cesarino Costa

Vida intensa é burilada com apuro visual

‘Há muitos riscos quando as minisséries contam a vida de gente famosa. Um pouco de endeusamento, um resumo dos principais altos e baixos das vidas envolvidas, uma rica produção e atuações exageradas bastam para esvaziar as histórias em clichês conhecidos. Não é o que acontece com ‘Maysa – Quando Fala o Coração’.

A intensidade da vida da cantora é burilada com cuidado visual e dramatúrgico, evitando ciladas que os grandes orçamentos oferecem. O resultado é um primor de adequação entre o mito e o relato.

O fato de o diretor Jayme Monjardim acalentar há tanto tempo o projeto de contar a vida da mãe contribuiu para que tudo fosse feito com cuidado -e o resultado fosse deslumbrante. Monjardim já tinha filmado a vida de Maysa em duas oportunidades, num curta em 1979 e num especial da Band em 1983.

Talvez por ter sido tão pensada e repensada antes, a minissérie consegue juntar a excelência da fotografia de Affonso Beato, o texto equilibrado de Manoel Carlos e atores com carreira no teatro. Monjardim acumulou durante anos enorme quantidade de material, como diários da mãe, mais de 3.000 fotos e recortes de jornais e arquivos da TV e do cinema. Não é uma biografia cronológica, mas um benfeito mosaico de idas e vindas no tempo, em que a trajetória e as emoções da cantora tecem uma vida de ousadia.

A gaúcha Larissa Maciel fez não uma imitação, mas uma interpretação pessoal, emocionante por não ser exagerada. Como em outras minisséries da Globo, optou-se por uma visualidade mais próxima à do cinema do que à da TV. A câmera digital Arriflex 21 e o pós-tratamento da imagem produzem uma sofisticada gama de cores e de luzes, amplos enquadramentos e a valorização de detalhes de vestuário e de cenografia. Permitiram a sofisticada realização da cena do acidente em que morreu Maysa, na ponte Rio-Niterói, feita com recursos avançados de computação gráfica que não devem nada a Hollywood.

FLÁVIA CESARINO COSTA é professora de audiovisual no Centro Universitário Senac e autora de ‘O Primeiro Cinema’ (ed. Azougue, 2005)’

 

Laura Mattos

Autor inventa cenas ‘que poderiam ter acontecido’

‘O diretor Jayme Monjardim tinha de colocar a minissérie ‘Maysa’, projeto de sua vida, nas mãos de um escritor. Seu escolhido foi Manoel Carlos, a quem chama de ‘o autor do coração das mulheres’. O novelista terá agora de deixar de lado suas Helenas, protagonistas de novelas como ‘Baila Comigo’, ‘Laços de Família’ e ‘Páginas da Vida’, para escrever pela primeira vez sobre uma heroína da vida real.

FOLHA – Seria possível criar uma Helena [protagonistas das novelas de Manoel Carlos] como Maysa?

MANOEL CARLOS – Não ia ser uma tarefa fácil, já que a Maysa tinha uma personalidade mutante, que oscilava de uma hora para outra com comportamentos paradoxais. Talvez, numa Helena, essa personalidade soasse indefinida e pouco compreensível. Mas o lado B, digamos assim, da Maysa, sim, é possível. A mulher desbravadora, corajosa, mas insegura, que vivia intensamente as paixões. Minha próxima Helena terá algumas características semelhantes.

FOLHA – Acredita que seu nome esteja nesse projeto porque a vida de Maysa poderia ser uma novela sua?

MANOEL CARLOS – Não sei dizer se isso ocorreu ao Jayme Monjardim [filho de Maysa, diretor e idealizador da minissérie]. O convite que ele me fez foi decorrente da boa parceria que fizemos em ‘Páginas da Vida’, assim como da amizade e confiança que se estabeleceu entre nós. Mas acho a pergunta muito interessante e, se ele não pensou nisso, pode ter sido levado instintivamente a estabelecer essa ligação, essa ponte.

FOLHA – O sr. tenta trabalhar com ‘a vida real’ nas novelas. Agora faz o inverso, pincela a vida real de Maysa com ficção. O que é mais difícil? Quanto há de ficção na minissérie?

MANOEL CARLOS – Não se pode dizer que fiz uma obra de ficção, mas que ficcionei a realidade. Tudo o que a minissérie mostra aconteceu, de um modo ou de outro, mas com a interpretação de quem pesquisou. Poderia dizer que é Maysa segundo Manoel Carlos. Ou um ensaio sobre a vida dela. Uma cena vivida com o personagem X, coloco com o Y. Criei muitas cenas que não aconteceram, mas que poderiam ter acontecido, pois pertencem ao universo real da Maysa. Ela não falou tal coisa, mas poderia ter falado. Resumindo, o que criei teria o consentimento dela, como teve o do Jayme, seu filho único.

FOLHA – Quando escrevia, conseguiu não pensar em qual seria a reação de Monjardim ao ver cenas como aquela em que ele, doente, não é beijado pela mãe no internato porque teme ficar gripada ou a em que é achada na banheira com sangue?

MANOEL CARLOS – Só pensei nisso antes de mostrar a ele o primeiro capítulo. Ele chorou e me autorizou a fazer o que achasse que devia. Sobre a cena em que ela não beija o filho, hesitou por instantes. Menos por ele do que pelo elenco, que ficou horrorizado. Mas mostrei a ele que a cena não havia ocorrido, mas estaria dentro das possibilidades de ocorrer. E falei que isso propiciaria outra cena, no final, em que ambos se perdoariam. Ele ficou feliz e gravou como escrevi. A tentativa de suicídio não o chocou porque ele viveu próximo dessas ocorrências durante o tempo em que viajou na companhia da mãe. Ele me contou que foram muitas as tentativas de suicídio da Maysa (reais ou fingidas) que ele presenciou.

FOLHA – Como não sentir Monjardim como uma espécie de ‘censor’?

MANOEL CARLOS – Jayme é de um senso profissional incomum. Visa ao trabalho, antes de qualquer coisa. Me disse que se preparou a vida toda para um dia tocar nessas feridas. Por isso não fez nenhum tipo de censura. Conversávamos só quando entregava o capítulo pronto. Jantávamos juntos, à volta de uma boa garrafa de vinho, e comentávamos o que estava pronto. Foi prazeroso, apesar de doloroso, já que nos defrontávamos, a cada capítulo, com uma vida passional, cheia de excessos de toda natureza.’

 

Bia Abramo

Maldade desbocada salva ‘A Favorita’

‘QUASE NO final, João Emanuel Carneiro acertou a mão. A maldade destrambelhada e desbocada de Flora acabou por conquistar a audiência e, sim, dar uma certa sobrevida à novela. Conquistar é pouco: na verdade, a personagem de Patrícia Pillar vem eletrizando o público de tal maneira que todos os inúmeros buracos de roteiro de ‘A Favorita’ ficaram em segundo plano.

O que há de distintivo em Flora é que toda a perfídia é anunciada: não basta ser má, há que enunciar os malfeitos, há que emitir em voz alta as palavras do desprezo pelos personagens ingênuos e bons.

A ruindade escancarada de Flora não resolve, é claro, os impasses da novela, desta mesma e do gênero. De maneira geral, a história de ódio e perseguição das duas rivais e o pano de fundo de comentário político-social que fizeram o tecido de ‘A Favorita’ tangenciaram, quase sempre, o tédio narrativo, com picos aqui e ali de interesse.

Mesmo a revelação antecipada do ‘quem matou?’ -e quem, no fundo, é bom e quem é mau- teria passado apenas como um dos truques agora tão habituais para fazer subir a audiência não fosse a, digamos, radicalização da vilã.

Fazendo de Flora a vilã sem peias e sem pejo, com traços de psicopata, o autor achou uma maneira de fidelizar os espectadores, que querem voltar, todos os dias, à frente da televisão para gozar da crueldade de Flora.

Ponto para João Emanuel Carneiro e Patrícia Pillar. Uma das tarefas mais complicadas da novela, atualmente, é esta, criar a necessidade de ligar a televisão todos os dias. Pelo jeito, só a narrativa não segura mais; é preciso mais do que o suspense em relação aos destinos dos personagens.

De alguma forma, é necessário ter algum ponto de galvanização emotivo: aqui, é a perversidade que se orgulha de si mesma e se proclama em voz alta (fazendo o espectador odiá-la, sim, mas ao mesmo tempo desejar a sua desfaçatez); em ‘Paraíso Tropical’, de Gilberto Braga, que antecedeu ‘A Favorita’, era a paixão maluca que humanizava o vilão e a puta -e fazia o espectador ora torcer pela punição das maldades de Olavo (Wagner Moura), ora torcer pelo final feliz do amor dele e de Bebel (Camila Pitanga).

A novela que não consegue essa resposta emocional ambígua não vinga ou só se mantém no hábito e por falta de alternativa melhor.’

 

CHINA
Esther Hamburger

Censura chinesa relaxa e fomenta ‘cinema de autor’

‘O espetáculo cinemático que a China proporcionou durante as Olimpíadas de 2008 expressa a efervescência cultural e econômica que o país vive hoje.

Como outros intelectuais, os cineastas procuram deixar para trás os estereótipos que tanto encantam o mundo ocidental.

O cinema expressa tensões de uma época em que as distensões no Oriente revelam o desejo democrático, enquanto as diversas crises no Ocidente estimulam a descrença nos modelos políticos liberais.

A censura continua ativa. Um filme passa por vários tratamentos antes de ser aprovado para exibição. Essa negociação limita, mas não impede a criação, como no caso de Liu Jie (leia texto ao lado).

Séries de ficção televisiva e um respeitável circuito de venda de DVDs sinalizam resultados de uma política de estímulo à indústria que compensa a relativa baixa no número de espectadores nas salas de cinema.

Em 1979, na esteira da abertura que seguiu o fim da Revolução Cultural (1966-1976), a chamada ‘quarta geração’ de cineastas chineses (1977-1985), viveu a chamada era de ouro do cinema chinês, quando o número de espectadores atingiu o pico de 293 milhões ao ano.

Cineastas como o popular Xie Jin, morto em outubro do ano passado, fizeram nesse período filmes de grande sucesso de público como ‘Hibiscus Town’ (A cidade dos hibiscos, de 1986), famoso por ter forçado os limites impostos pela censura com o beijo mais longo até então retratado na telona.

Começa aí o relaxamento paulatino da repressão com a exibição de imagens sugestivas de comportamentos cada vez mais liberais.

Paisagens exuberantes

A abertura inspirou trabalhos que buscaram retomar os vínculos com a cultura tradicional chinesa. Diretores como Zhang Yimou (‘Herói’ e ‘A Maldição da Flor Dourada’) e Cheng Kaige (‘Adeus, Minha Concubina’), da ‘quinta geração’ (1986-2001), revelaram um olhar exuberante sobre práticas e paisagens deslocados da ideologia oficial.

O estúdio da tradicional cidade de Xian, a mesma que abriga as escavações e o exército de terracota, serviu de base a esse movimento, que ganhou as telas dos principais festivais do Ocidente, embora em geral não tenha alcançado boa bilheteria em seu próprio país.

Nos anos 80 e até o ano 2000, com o crescimento da TV, o público de cinema diminuiu para 136,5 milhões. A entrada do cinema norte-americano nos anos 90 acentuou a queda da bilheteria dos filmes chineses.

Hoje, há realizadores chineses que disputam o público com as grandes produções hollywoodianas. É o caso do jovem Ning Hao (‘Crazy Stone’ e ‘Mongolian Ping Pong’), que conta com apoio de um produtor de Hong Kong em seu esforço para demonstrar que o público chinês prefere ver filmes em sua própria língua.

O cinema de autor encontra seu espaço no trabalho de diretores da ‘sexta geração’, ou ‘geração urbana’, que possuem suas próprias produtoras, como Jia Zhang-ke, de ‘24 City’ (24 cidades), sobre as transformações em curso na cidade de Chengdu que impressionou na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Wang Xiaoshuai participa desse grupo que afirma uma veia realista, com, entre outros ‘Bicicletas de Pequim’, versão do clássico ‘Ladrões de Bicicleta’. A diversidade contemporânea inclui ainda o monumental documentarista Wang Bing ou o fotógrafo-diretor Liu Jie.

Produção triplicada

A internet, a televisão e o DVD se afirmam como alternativas que favorecem o dinamismo do setor. A produção de séries de TV aumentou de 5.625 horas em 1997 para 14.570 horas em 2007, embora somente 8.000 horas encontrem espaço na TV. O resto fica restrito à distribuição em DVD.

As séries chinesas vão ao ar diariamente. E poucos se lembram das novelas brasileiras que um dia celebrizaram atrizes como Lucélia Santos.

As realizações contemporâneas são chinesas e feitas por produtoras privadas, que alimentam uma rede de cerca de 1.500 canais estatais. A cada dia há cerca de 40 novos episódios no ar. Séries estrangeiras, como a norte-americana ‘Desperate Housewives’, participam desse mercado aquecido, mas não em horário nobre.

Na primeira década do novo milênio, a tendência de queda de bilheteria dos filmes chineses foi revertida para um ligeiro crescimento. Há esforços de coprodução e associação com distribuidores internacionais.

Embora minoritária no faturamento ascendente da indústria cultural, a produção cinematográfica cresce e se diversifica. Há um movimento de construção de novas salas para tornar o cinema acessível nas regiões do imenso território.

Em uma situação de transição, em que não há modelos predeterminados, o ‘cinema de autor’ chama a atenção pela vitalidade das ideias.’

 

FOTOGRAFIA
Jorge Coli

Fotografia, arte

‘No século 19 havia mostras periódicas de arte contemporânea. O modelo era os Salons, de Paris, em que milhares de artistas expunham suas criações em rude concorrência.

Nas salas atapetadas de quadros, os pintores tentavam chamar alguma atenção. Existiam meios diversos para isso: um deles era o escândalo. Outro, era o tamanho. Uma tela de 5 m x 4 m passava menos despercebida que uma paisagem de 20 cm x 30 cm. Os artistas investiam esforço nessas obras de fôlego, correndo certo risco. O quadro enorme podia virar um trambolho: em muitos casos não se tratava de encomenda e se não fosse comprado pelo poder público, não encontrava colecionador.

Mas o tamanho generoso, que exigia uma complexa orquestração de meios visuais, era testemunho de excelência artística. O pintor provava suas qualidades mostrando-se capaz de dominar uma obra muito complexa e exigente. Essa situação própria a um passado já bem distante pode evocar certo caminho que a produção fotográfica tomou hoje. Fotógrafos escolhem o grande formato, por vezes imenso: uma tiragem de Katharina Sieverding pode ter 24 metros quadrados; há ainda maiores e os diaporamas atingem proporções desmedidas.

Esses gigantismos, facilitados por avanços técnicos, têm outra razão para existirem. Há duas ou três décadas, os museus de arte contemporânea passaram a incorporar fotografias, expondo-as não mais em guetos bem separados, mas em concorrência com outras obras de artes plásticas. O recurso às superfícies vastas tornou-se um meio para que a foto se afirme entre as belas-artes, sobretudo no terreno dominado pela pintura.

Pincel

Em 1989, Thomas Struth fotografou o público no Museu do Louvre. As pessoas se espalham diante da Sagração de Napoleão, pintado por David em 1805, enorme tela. Captou também gente aglutinada na frente das Meninas, de Velásquez, no Museu do Prado, em Madri. Suas fotos afirmam ao mesmo tempo consciência e desejo de um elevado estatuto artístico.

Ateliê

Várias fotos de Struth e de Katharina Sieverding estão apresentadas na mostra ‘Objectivités – la photographie à Düsseldorf’ [no Museu de Arte Moderna de Paris]. A cidade alemã é um centro nevrálgico das artes contemporâneas. Ali, o fulcro do ensino fotográfico situou-se na Escola de Belas-Artes, com o casal Bernd e Hilla Becher. Ambos puseram em pauta o princípio de objetividade, para melhor desmontá-lo, criando mundos ao mesmo tempo reais e irreais, lógicos e alucinatórios.

Durante décadas, os Becher fotografaram, em preto e branco, em formato modesto, edifícios utilitários modernos. Silos, caixas d’água, fornos industriais, repetem a mesma frontalidade, sem presença humana, em momentos sem sombra, empregando as mesmas lentes. O construído se tornou, graças a eles, uma transcendência calma e misteriosa da fabricação racional.

Propensão

Os tamanhos gigantes repetem-se, espetaculares, na exposição parisiense sobre a fotografia de Düsseldorf. Cores de impacto, superfícies brilhantes, névoas finíssimas, enquadramentos ponderados, suprema definição técnica: tudo conduz à visão artística no oposto da foto reportagem, do instante decisivo e intuitivo que Cartier-Bresson proclamava.

É como se o controle do fotógrafo sobre o visível lhe desse uma legitimidade autoral maior. Gerhard Richter, pintor abstrato ou minuciosamente figurativo, também fotógrafo, cruza esses campos e, grande criador, legitima a dissolução das fronteiras.’

 

 

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