Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Folha de S. Paulo

TELEVISÃO
Daniel Castro

Para Marcelo Tas, jornalista que faz propaganda é antiético

‘Apresentador do ‘CQC’, da Band, o multimídia Marcelo Tas, 49, se viu no centro de uma polêmica, há dez dias, quando o jornal norte-americano ‘The Wall Street Journal’ revelou que ele, com sua ‘mistura de humor e jornalismo’, tornou-se uma celebridade no Twitter, rede social em que publica uma espécie de blog cujas mensagens (ou ‘tweets’) não ultrapassam 140 caracteres. Tas tinha então 18 mil seguidores -já são mais de 22 mil.

O problema é que o Twitter de Tas publica mensagens patrocinadas pela Telefónica. E, numa dessas mensagens, elogiou um produto da empresa, o Xtreme (banda larga, telefonia e TV paga via fibra ótica). No ‘CQC’, o engenheiro Tas, que quase se formou em jornalismo, anuncia chiclete e cerveja. Tas, no entanto, considera antiético jornalista fazer publicidade disfarçada de jornalismo. Mas defende o direito de vender espaços comerciais. Diz que seus detratores querem ‘transformar a internet numa Cuba’ eletrônica. A Folha propôs a Tas uma bateria de perguntas agressivas, como as que fazem os integrantes do ‘CQC’. Ele topou.

FOLHA – Você acha ético jornalista fazer propaganda disfarçada?

MARCELO TAS – Não, não acho ético. Mas não é absolutamente isso o que estou fazendo.

FOLHA – O que você está fazendo?

TAS – Estou dando dicas de vídeo como eu sempre fiz. E tem muito jornalista se mordendo de inveja, tentando dizer isso que você colocou.

FOLHA – Você acha que tem jornalista invejoso dizendo que isso é jabaculê?

TAS – Não. E, se fosse, seria um jabaculê muito caro, porque tenho um banner de três centímetros na minha página [espaço ocupado pela Telefónica]. Qualquer portal tem banner de 13 centímetros.

FOLHA – E quanto vale esse jabá?

TAS – Por contrato não posso dizer. Acredito que estejam atribuindo à minha opinião algum valor.

FOLHA – Isso quer dizer que você está vendendo a sua opinião?

TAS – Não, estou vendendo um espaço no meu Twitter, como a Folha vende. A Ilustrada vem com a primeira página inteirinha empastelada de publicidade e ninguém fala nada. As pessoas confundem espaço publicitário com vender opinião. Gostaria que me apontassem com rigor e precisão onde vendi a minha opinião.

FOLHA – Você publica ‘tweets’ com a palavra ‘xtreme’.

TAS -’Xtreme’ é a ‘tag’ de todos os ‘tweets’ que estão relacionados a esse contrato com a Telefónica. Aliás, eu exigi isso, para que fique transparente. Quem achar que isso está contaminado, que não clique.

FOLHA – Quando você começou a fazer cross dressing, a se disfarçar de jornalista e humorista e vice-versa?

TAS – Comecei no primeiro dia, com Ernesto Varela, porque não sabia fazer jornalismo.

FOLHA – Você chama seus detratores de ejaculadores precoces. Tem conhecimento de causa?

TAS – Não. Sempre treinei, desde quando me relacionava com animais na fazenda, a retardar o meu prazer para deleitar minhas parceiras, ha, ha, ha.

FOLHA – Você não acha o CQC argentino melhor que o brasileiro?

TAS – Não, é muito pior. É tão pior que está em crise, até trocaram o apresentador.

***

O OPOSTO

Fernanda Machado, 28, conheceu o sucesso em sua terceira novela, ‘Paraíso Tropical’, e com ‘Tropa de Elite’, em 2007. Agora reconhecida, viverá sua primeira vilã, seu primeiro papel central. Em ‘Caras & Bocas’, próxima novela das sete da Globo, disputará Malvino Salvador com a mocinha de Flávia Alessandra. ‘Laís é minha primeira personagem que é muito distante de mim, o oposto de mim. Sempre fiz personagens mais ou menos parecidas, um acting mais minimalista mesmo. A Laís, não.. Ela é totalmente exuberante, grandiosa, voluptuosa, barraqueira. Usa cabelão, saltão, minissaia’, descreve. ‘É uma personagem de filme de Pedro Almodóvar’.

GALÃ ANÔNIMO

Galã nos anos 70, Mario Cardoso sumiu da TV há dez anos. Há quatro, reapareceu em participações curtas. Sobreviveu como diretor de dublagens e gerente de uma indústria. A partir de abril, terá de novo emprego na televisão com a série ‘Tudo Novo de Novo’, da estreante Lícia Manzo, sobre descasados que reconstroem famílias. Ele interpretará um executivo bem-sucedido que não quer ter mais filhos, apesar da insistência da namorada (Cristina Flores).

TOSCANA

Cauã Reymond e Paola Oliveira são mais dois nomes reservados para a próxima novela de Silvio de Abreu, que só deve estrear em meados de 2010. A trama terá também Fernanda Montenegro, Tony Ramos, Mariana Ximenes, Cleyde Yaconis e Sérgio Brito. Terá uma fase grande com gravações na Toscana, na Itália. Outro núcleo, segundo Abreu, será ambientado em São Paulo.

ASCENSÃO

O ‘Domingão do Faustão’ passa por uma nova fase de alta no Ibope. Em São Paulo, marcou 14 pontos em janeiro, 15 em fevereiro e está com 17 em março. No horário, o SBT também sobe. Neste mês, aparece empatado com a Record, com dez pontos na capital paulista. O ‘Domingo Legal’ vem se destacando no Rio e em Fortaleza, onde foi líder na semana passada.

INTERNACIONAL

A Globo firmou um convênio de cooperação científica e intercâmbio cultural com a prestigiada Universidade da Califórnia, a UCLA, dona de um dos maiores núcleos de estudos sobre o cinema e a televisão da América Latina. Seus estudantes estão assistindo às minisséries de Luiz Fernando Carvalho (‘Hoje É Dia de Maria’, ‘Os Maias’), para sabatiná-lo em seminário em 6 e 7 de maio.’

 

José Henrique Reis Lobo

Quem não se comunica se trumbica

‘LEVANTAMENTOS do Ibope mostram que, em números absolutos, a TV Cultura está entre as emissoras menos vistas de São Paulo. Penso que, em grande parte, isso se deve ao fato de que os veículos da Fundação Padre Anchieta são tratados como laboratórios de experiências no que se refere à programação. De fato, nunca se soube que naquela emissora programas entrassem e saíssem do ar em razão de algum levantamento que mostrasse a existência de um público (potencial) consumidor. Historicamente, é o voluntarismo, a opinião e o gosto pessoal que definem a programação.

Não foram, portanto, os atuais dirigentes que inauguraram esse estilo de gestão, mas espero que eles tenham sensibilidade para compreender que é preciso começar a mudar a situação. Insisto em que as TVs públicas deveriam fazer uma grande reflexão sobre os seus objetivos e os seus resultados em meio à opinião pública.

A diretora de jornalismo de uma TV pública escreveu um artigo que ocupou um quarto de página de um jornal para mostrar a excelência da programação da emissora, cuja audiência, se existe, também é próxima de zero. E afirma, como quem não tem dúvidas, que quem não gosta é quem não vê.

Alguns dias depois, o mesmo jornal publicou cartas de leitores que discordavam daquela articulista. Isso mostra que a percepção dos dirigentes é, muitas vezes, diferente da percepção do público, e, como é para este que se faz televisão, em principio é ele quem tem razão.

Sou capaz de entender que certos programas devam ter a sua importância medida por outros critérios, aos quais se adicionará o da audiência. Entretanto, pretender convencer, por meio de raciocínios transversos, que, para a TV Cultura, a audiência é uma questão de somenos importância parece exercício de acadêmicos e intelectuais com o qual o senso médio não consegue concordar.

De repente, passou-se a fazer crer que a TV Cultura não tem audiência exatamente por apresentar uma programação altamente diferenciada. Discordo. Qualidade e audiência não se excluem, mas, ao contrário, são o verso e o reverso de uma mesma moeda. Além disso, sendo a televisão um meio de comunicação de massas que entra compulsoriamente e de graça na casa de milhões de brasileiros, se eles não a assistem é porque alguma coisa está errada.

Nesse caso, de nada adianta o argumento de que ela apresenta programas que não têm espaço nas emissoras comerciais, porque, sem audiência, ela não consegue cumprir o seu papel de veículo de difusão cultural e educacional. Sugerir, portanto, que os que defendem a audiência estariam pretendendo que se façam concessões ao popularesco ou a programas que descumpram a finalidade da TV é, no mínimo, perigoso, pois pode incentivar o imobilismo, que nem os atuais dirigentes desejam, e desqualificar as críticas daqueles que estão legitimamente preocupados com a situação de indigência que as emissoras públicas vivem em matéria de audiência.

Insisto em que, para definir a programação da TV, dever-se-ia procurar saber, em primeiro lugar, se há público para o conteúdo que se pretende oferecer e, em havendo, apresentá-lo de maneira interessante e inteligente, tanto no formato quanto na linguagem e na estética. É por isso que defendo que esse trabalho seja conferido a profissionais contratados exclusivamente pela sua notória capacitação.

Quando falo da reforma do conselho, faço-o por acreditar que é preciso ter a coragem de discutir se o seu formato não está superado, tanto do ponto de vista do número de seus componentes quanto da representatividade da sociedade e do poder público, bem como das competências que lhe são atribuídas. Não tenho uma ideia preconcebida a respeito de como deveria ser.

Mas insisto em colocar o tema como proposta de reflexão e discussão sobre o assunto, porque acho que, se necessário, mudanças devem ser feitas, desde que possam contribuir para a melhoria da TV Cultura e da Fundação Padre Anchieta.

JOSÉ HENRIQUE REIS LOBO, 65, advogado especializado em direito administrativo e procurador aposentado, é conselheiro da Fundação Padre Anchieta, secretário de Relações Institucionais do governo do Estado de São Paulo e presidente do Diretório Municipal do PSDB-SP. Foi presidente do Memorial da América Latina e assessor especial do governo de SP (gestão Alckmin).’

 

Cristina Fibe

Fim de plantão

‘O mais longevo drama médico da TV americana chega ao fim na próxima quinta-feira, dia 2, nos EUA. Um episódio de duas horas encerrará ‘ER -Plantão Médico’, que, ao longo de seus 15 anos, trocou diversas vezes de elenco -mais de 750 atores passaram por seus 331 episódios- e perdeu gradualmente a audiência.

Apesar disso, a série, que alçou George Clooney à fama e é exibida em ao menos 18 países, deixa uma legião de fãs órfãos, inconformados com o fim do corre-corre e o desligamento das máquinas no pronto-socorro fictício de Chicago.

Não é à toa: além de recordista de indicações ao Emmy (mais de 120), a série conquistou prestígio suficiente para atrair convidados célebres, como os atores Susan Sarandon e Steve Buscemi e o diretor Quentin Tarantino (‘Pulp Fiction’), que comandou o penúltimo episódio da primeira temporada, em 1995.

Mas, após uma década entre as dez séries mais vistas nos EUA, segundo a ‘Variety’, ‘ER’ começou a cair e, no ano passado, foi parar na 48ª posição no ranking da audiência dos seriados na TV americana, sua pior performance. No Brasil, tampouco permanece entre as mais vistas -por aqui, a última temporada deve ser exibida ainda neste semestre.

‘Comecei a acompanhar a série na primeira temporada. Assistia a quase todos os capítulos, mas aí foram substituindo os personagens com uma tal frequência que acabei me desinteressando um pouco’, diz a neurologista Carla Baise, 35.

De fato, não restou nenhum médico ‘original’ na equipe de plantonistas do 15º ano -que, no entanto, foi ‘premiado’ com a participação de personagens que marcaram a série, como os de George Clooney, Anthony Edwards e Noah Wyle.

‘ER’ foi se modificando. É muito difícil sobreviver tanto tempo em TV, ainda mais com a interatividade atual, sem se transformar’, diz o psiquiatra e colunista da Folha Jairo Bouer, 43, ‘doente por ‘ER’.

‘Há quem diga que as últimas temporadas ficaram mais fracas, que os atores não tinham tanto carisma, que as tramas se repetiam um pouco, mas, para mim, elas são bem boas também, prendendo a atenção desde o começo do episódio’, defende Bouer.

A médica residente de oncologia Marina Gonçalves, 28, concorda que ‘ER’ manteve o bom padrão, apesar de achar que ‘as primeiras temporadas são incomparáveis’. Ela confessa ter aplicado no trabalho ensinamentos da ficção.

‘Um dia, vi um caso raro na vida real, na residência de clínica médica. Os chefes perguntaram se alguém já tinha visto aquilo, e eu já tinha, no ‘ER’! Fui estudar o assunto, e a conduta do seriado estava correta.’

Exageros e gafes

Mas nem sempre é assim. Os médicos (e fãs) entrevistados pela Folha apontam gafes que questionam a preocupação do drama com a verossimilhança.

Para o dermatologista Marcelo Bellini, 41, ‘fiel realmente não é’. ‘É incrível que, quando chega um ferido e tem algum médico na porta, eles largam o café, o cigarro, saem correndo sem nenhuma proteção e começam o trabalho. Isso se prolonga nas cirurgias e atendimentos no pronto-socorro.’

As angustiantes conversas íntimas em operações de risco e as intermináveis jornadas de trabalho são outros aspectos pintados com exagero.

Adelmo Botto, 43, obstetra e plantonista há 20 anos, diz que ‘qualquer situação de estresse, de emergência, determina concentração máxima’.

‘Quando tratamos pacientes terminais, dificilmente se consegue falar da vida pessoal. É um momento delicado, em que se percebe que está se perdendo a luta contra a doença. Os médicos são mais sensíveis ao sofrimento dos pacientes’, concorda Vitório Maddarena Junior, 44, cirurgião plástico.

Botto acha ainda que a série escorrega em ‘situações absurdas, como pessoas operando sem máscaras cirúrgicas’, e contribui para ‘perpetuar a ideia fantasiosa de que médicos são seres endeusados e incansáveis, escravos da profissão’.

O dermatologista Alexandre Leon, 34, discorda. Ele afirma que ‘ER’ ‘é fiel ao que acontece no ambiente médico’, coisa rara entre produções do gênero. ‘As angústias que vivemos, a experiência da residência, a hierarquia, as relações entre médicos e a relação médico-paciente. É muito real.’’

 

Cássio Starling Carlos

Série renovou a ficção televisiva

‘Para quem ainda vive ou se lembra, a febre começou nos anos 60, quando eles se chamavam doutor Kildare ou Marcus Welby e já guardavam, além do poder de salvar vidas, o de expor as entranhas de uma sociedade. Nos anos 70, foi a vez do escárnio, na figura dos cirurgiões aloprados de ‘M.A.S.H.’, a série criada a partir da visão cáustica e antibélica imaginada pouco antes no cinema por Robert Altman em pleno tempo de guerra.

Já nos 80, a desilusão contaminou a amargura do tom e infeccionou com um novo realismo o hospital de ‘St. Elsewhere’, preparando o terreno para o impacto que ‘ER’ provocaria na década seguinte.

Com ‘ER’ chegou o momento de o médico, este semideus de nossa ficção cotidiana, abandonar seu avental de homem bom e ícone virtuoso e encarnar fragilidades diante do bem e do mal e, sobretudo, da vida e da morte.

Os corredores do pronto-socorro do Chicago County Hospital lotaram de milhares de histórias de perdas. E refletiram com audácia e pertinência a dor das mutações sociais e das crises morais, tantas rupturas de um tempo saturado de urgências.

O sucesso avassalador de ‘ER’ foi efeito, sem dúvida, da conjugação de fatores, como a combinação de habilidades narrativas, astúcias temáticas e a injeção de um ritmo taquicárdico nas ficções de TV. E de talentos, como a trinca de criação, produção e execução a cargo de Michael Crichton, Spielberg e John Wells.

Com a força de um desfibrilador, ‘ER’ revitalizou a ficção de TV, enquanto ‘Chicago Hope’, sua companheira de berçário e concorrente direta, foi mandada para a UTI e entrou num longo coma.

A receptividade e longevidade de ‘ER’, contudo, explicam-se mais por ter sabido captar, explorar e expressar a medicalização da vida, cuja emergência é sua contemporânea.

Por trás da preocupação com nossos corpos e nossa saúde, o sucesso de ‘ER’ repercute de fato um sintoma, depois amplificado pela chegada do doutor House, que sofremos de uma epidemia que antes recebia o nome mais exato de hipocondria.’

 

Bia Abramo

Mutantes em ritmo de novelão

‘PELO MENOS, os mutantes tinham piada. Agora, ‘Promessas de Amor’, além do nome péssimo, afunda tentando botar um pé em cada barco.

Vejamos: os mutantes, depois de inúmeras peripécias, continuam no planeta Terra, agora perseguidos pelo governo que baixou uma lei antimutantes. Todos, inclusive os do bem, serão presos. Como diz o delegado Ferraz, parafraseando o delegado Sivuca da famigerada Scuderie Le Cocq, ‘mutante bom é mutante morto’. Aliás, a paráfrase, pelo jeito, é mais ampla: o próprio Departamento de Pesquisa e Controle dos Mutantes, o Depecom, pelo jeito, vai se inspirar nos esquadrões da morte.

Enquanto isso, a mocinha, sequestrada pelo ex-namorado possessivo, chora num carro em disparada. O mocinho, num cavalo branco (isso mesmo, um cavalo branco), corre atrás, murmurando: ‘Ele está armado, aquele sociopata…’. (E quem é que, num momento de tensão, perseguindo um sujeito armado, xinga com palavras de quatro sílabas?)

A nova novela da Record cumpriu o que prometeu nas chamadas antes da estreia: enxertou um novo arremedo de novelão ao velho arremedo da versão trash-brazuca de ‘Heroes’. Por ora, os dois núcleos não se encontraram, a não ser num momento ‘Bridget Jones encontra os X-Men’, em que mutante reclama com o namorado: ‘Deixa de ser mentiroso, Metamorfo!’.

Ainda não se sabe como o autor vai mesclar esses dois mundos, da novela mais convencional com a novela destrambelhada. Uma das maneiras, ao que parece, é botar todo o núcleo de mutantes jovens numa mesma escola -momento ‘X-Men’ encontra ‘Malhação’- para que floresçam amores entre mutantes e humanos. O que é de admirar é a insistência do núcleo de teledramaturgia no tema: a bem dizer, a obra de Tiago Santiago já é uma trilogia, que está no ar desde agosto de 2007. E isso, de forma ininterrupta, coisa inédita, salvo engano, na televisão brasileira.

Como alternativa às mirabolâncias indianas da Globo, funciona muito mal. As cenas de ação, que já foram razoáveis, pelo menos nos primeiros capítulos das outras encarnações, desta vez vieram simplesmente patéticas. Um exemplo: duas crianças escapam de um vilão e encontram outro de arma em punho/corta/o menino aciona seu superpoder/fogem/encontram a supervilã também armada/corta/o menino, de novo e em gesto idêntico, aciona seu superpoder. E por aí vai.

E os pobres atores nesta terceira encarnação parecem cansados -se não física, pelo menos mentalmente. O que mais pode explicar a inexpressividade com que recitam diálogos?’

 

Ivan Finotti

Jaspion ganha caixa com 23 aventuras

‘Eis o grande mistério de Jaspion: fracasso absoluto no Japão, onde só teve uma temporada com 46 episódios e foi logo arquivado, o caçador de monstros espaciais superou as expectativas ao estrear no Brasil. Aqui, tornou-se a primeira febre japonesa pop moderna, se você entender por ‘moderno’ um sucesso que extrapola os suportes no qual foi concebido: ele sai da TV e vira boneco, revista, figurinhas, chiclete, caderno, jogo de tabuleiro, etc.

‘Jaspion’, em 1985, nada mais fazia do que captar os ensinamentos de ‘Guerra nas Estrelas’ (1977) e os traduzir para a cultura oriental dos monstros gigantes. O fato de ser bem colorido e bastante barulhento -ao contrário dos antigos Ultramen- certamente ajudou.. Outra boa ajuda foi o fato de a Rede Manchete escalar o programa para o fim da tarde, logo depois da escola da criançada.

Mas a razão que fez Jaspion fracassar lá fora -e virar sinônimo de série japonesa no Brasil- ainda não tem resposta. Talvez essa caixa com as 23 primeiras aventuras ajude a explicar (o segundo e último volume está previsto para agosto). Entre os diversos subgêneros dos seriados de ação japoneses (família Ultra, filmes de monstrengos tipo Godzilla, esquadrões com cinco heróis e outros), este se insere no chamado heróis de metal.

A ideia era fazer ficção científica. Jaspion (cujo nome vem da primeira sílaba de ‘justice’ e da última de ‘champion’) é um órfão cósmico, criado por um sábio e treinado para se tornar o guerreiro que vai destruir o mal criado por Satan Goss.

‘O Fantástico Jaspion’ estreou no Brasil em 1988, junto com o esquadrão Changeman. Seus primeiros episódios se passavam em outros planetas, até que a Toei Company exigiu menos gastos. Dessa forma, Jaspion aterrissa no Japão e passa a combater os inimigos dentro de um enorme robô de metal chamado Daileon.

Conta-se que lá pelo décimo capítulo a Toei fez outra exigência, ainda mais marcante: que o herói tirasse o permanente do cabelo. Por sorte, os manda-chuvas decidiram manter a camisa de leopardo albino.

Hu, he, ha

O dublador de Jaspion é o ator Carlos Takeshi, 48, hoje famoso após fazer algumas novelas e passar 12 anos no canal Polishop, vendendo computadores e videogames. Ele ainda estava na faculdade quando a Álamo estava procurando novas vozes para dublagens. ‘Jaspion’ foi meu primeiro trabalho que durou mais do que um ou dois dias’, diz o ator.. ‘Mas, logo no começo, vi que ia sofrer pra caramba. É muito grito. É ‘hu, he, ha’ pra todo lado. A garganta sofria’, conta Takeshi, que entende japonês e logo pegou o jeitão da coisa: ‘Não precisava nem assistir antes a movimentação labial. Era só sair gritando’.

O FANTÁSTICO JASPION – 1

Lançamento: Focus Filmes

Quanto: R$ 24,90 (avulso), R$ 99 (5 DVDs) ou R$ 149,90 (lata com 5 DVDs, cards e boneco)

Classificação: Livre’

 

MARKETING
Fernando Rodrigues

Lula dobra valor de patrocínios estatais

‘É verdadeira a impressão que muitos brasileiros têm sobre o aumento da presença de logotipos de empresas estatais e do governo federal em filmes e em eventos culturais e esportivos. A administração Lula quase duplicou seus investimentos nessa área. Houve um pulo de R$ 555 milhões em 2003, ano da posse, para R$ 1,086 bilhão em 2006, quando o petista foi reeleito. Um salto de 96%.

O pico de gastos com patrocínios registrado em 2006 sofreu um recuo em 2007, caindo para R$ 913,2 milhões. O valor ficou quase estável em 2008, em R$ 918,4 milhões, mas a cifra ainda é 65% maior do que quando Lula assumiu o cargo.

Quando se soma o montante dedicado a patrocínios com o de publicidade federal, chega-se a R$ 2,2 bilhões em 2006, o recorde até agora de Lula. A cifra é idêntica ao que será consumido pelo Senado neste ano para pagar a sua folha salarial, de cerca de 10 mil pessoas.

Outra comparação possível é com o mercado publicitário privado. Segundo levantamento Ibope Monitor, em 2008 o maior anunciante brasileiro foi a Casas Bahia, com R$ 3,1 bilhões. O segundo lugar ficou com a Unilever (dona de Kibon, Omo, Dove e Rexona), cujo gasto atingiu R$ 1,75 bilhão -abaixo do consumido pelo governo Lula e suas estatais no seu recorde apurado em 2006, somados patrocínios e publicidade.

Esses números consolidados de patrocínio público federal são inéditos. Devem começar a ser divulgados regularmente pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Em administrações anteriores, não era costume revelar tal estatística. Assim, é impossível comparar os gastos de Lula com os de seus antecessores.

No caso do governo Lula, padronizou-se nos patrocínios o uso obrigatório da marca multicolorida criada pelo publicitário Duda Mendonça, com o slogan ‘Brasil, um país de todos’.

Patrocínios sigilosos

Os patrocínios estatais são os mais variados possíveis. Muitos são conhecidos do grande público. A Petrobras banca o time de futebol do Flamengo. A Caixa Econômica Federal investiu nos Jogos Panamericanos. O Banco do Brasil tem tradição no vôlei de praia. É comum filmes de cinema nacional terem dinheiro dessas três empresas, exatamente as que concentram o maior número de projetos e recursos gastos em patrocínio.

Em 2008, a CEF teve 2.535 projetos de patrocínio aprovados. A Petrobras veio em seguida, com 1.479, à frente do BB, com 1.227. O total de 5.241 equivale a 67% dos 7.876 projetos do ano passado. Tudo precisa ser aprovado pela Secom, na Presidência, comandada pelo ministro Franklin Martins.

O que o governo e as estatais não divulgam são listas completas de patrocínios, com nomes e valores dos projetos. A imensa maioria das ações fica fora do conhecimento dos cidadãos. A Folha tentou obter a relação, mas não teve sucesso.

O secretário-executivo da Secom, Ottoni Fernandes Jr., é o responsável pela supervisão de patrocínios e de publicidade. Segundo ele, está em curso um processo de mais abertura nesses dados, mas o detalhamento completo só pode ser feito pelas empresas, ‘pois muitas disputam no mercado com os concorrentes privados, e essa informação é essencial para a estratégia de cada uma’.

Segundo o Banco do Brasil, há também contratos ‘com cláusula de confidencialidade’, o que impediria a sua divulgação. Da CEF, a Folha recebeu a contabilidade total dos valores gastos -em 2008, foram R$ 97,7 milhões-, mas não o detalhamento projeto a projeto. A Petrobras não respondeu.

Nos seus endereços na internet, essas estatais também não apresentam relatórios completos sobre a eficácia de seus patrocínios. O discurso do governo sustenta que essas ações extrapolam o marketing, tendo uma função social. ‘O patrocínio possui qualidades importantes ao criar um diferencial na promoção da marca ou mesmo na venda de produtos. Mas o que chama atenção é o quanto essa ferramenta de comunicação pode somar-se às políticas públicas governamentais e gerar valor para a sociedade’, afirma Ottoni Fernandes Jr.

Como não são conhecidos em detalhes todos os projetos, não há como aferir o efeito exato dos patrocínios. Na área esportiva, as estatais são grandes patrocinadoras de esportes olímpicos. Apesar do dinheiro investido nas últimas décadas, o país não se tornou uma potência em Olimpíadas.

Renúncia fiscal

Um aspecto pouco notado nos patrocínios públicos é que as empresas do governo também se beneficiam de isenção ou descontos no imposto a pagar. Por causa da lei de incentivo à cultura, conhecida como Lei Rouanet, a estatais federais deixaram de pagar R$ 1,4 bilhão de impostos de 2003 a 2008. O valor é quase equivalente ao R$ 1,5 bilhão consumido no ano passado com a merenda escolar de 35 milhões de crianças.

Desde o primeiro ano em que Lula chegou ao Planalto, o total de imposto não pago por causa de descontos com base na lei Rouanet foi de R$ 4,4 bilhões -incluindo empresas privadas e estatais. O R$ 1,7 bilhão das estatais responde por 39% da renúncia fiscal no período. Os grandes nomes da cultura no âmbito governamental são Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, CEF, BNDES e Correios.

Como propicia amplos descontos no imposto devido, o patrocínio cultural é um favorito das estatais. No ano passado, 2.751 das ações (47,5% do total ) foram em cultura. Em segundo lugar ficou o esporte, com 498.

Está em curso uma descentralização dos patrocínios sob Lula. Desde 2006, o Sudeste sofreu uma queda na divisão do bolo: recebia 50,4% do dinheiro e caiu para 37,4% em 2008. Não houve benefício de uma região específica, mas um avanço na modalidade ‘nacional’, quando uma ação atinge todo o país. Esse tipo de marketing recebia 17,2% do bolo em 2006 e pulou para 31,6% no ano passado.’

 

PRÊMIO
Folha de S. Paulo

Arte da Folha recebe prêmio internacional de infografia

‘O júri do 17º Prêmio Internacional de Infografia Malofiej concedeu medalha de prata à Folha pelo quadro que acompanhava a reportagem ‘Perícia prioriza tempo em simulação’, produzido pelos infografistas Marcelo Pliger e Eduardo Asta, e publicado na edição de 28 de abril de 2008 em Cotidiano.

Considerado o mais importante prêmio internacional da categoria, o Malofiej é uma iniciativa conjunta da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra (Espanha) e da SNDE -a seção espanhola da SND (Society for News Design)- e leva essa denominação em homenagem ao grande infografista argentino Alejandro Malofiej (1938-1987).

No ano passado, o jornal já havia conquistado duas medalhas no Malofiej -uma de prata e outra de bronze. Para o editor da Arte da Folha, Fabio Marra, ‘cada vez mais a infografia bem elaborada se faz fundamental em jornais de qualidade. Recursos e técnicas usadas na linguagem visual dos infográficos ajudam e dão conforto na compreensão das notícias, e o leitor ganha com isso’.’

 

CIBERESPAÇO
Nicholas D. Kristof, do ‘New York Times’

O meu jornal diário

‘Alguns dos obituários mais recentes não estão saindo nos jornais, mas são dos jornais. O ‘Seattle Post-Intelligencer’ é o mais recente a desaparecer, excetuando um resquício de que vai existir só no ciberespaço, e o público está cada vez mais buscando as notícias que consome não nas grandes redes de televisão ou em fontes impressas em tinta sobre árvores mortas, mas em suas incursões on-line.

Quando navegamos on-line, cada um de nós é seu próprio editor, o guardião de sua própria entrada. Selecionamos o tipo de notícias e opiniões de que mais gostamos.

Nicholas Negroponte, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), chamou a esse produto noticioso emergente ‘O Meu Jornal Diário’. E, se isso for uma tendência, que Deus nos salve de nós mesmos..

Isso porque existem provas bastante convincentes de que, em geral, não desejamos realmente informações confiáveis, e sim as que confirmem nossas ideias preconcebidas. Podemos acreditar intelectualmente no valor do choque de opiniões, mas na prática gostamos de nos encerrar no útero tranquilizador de uma câmara de ecos. Um estudo clássico enviou despachos a republicanos e democratas, oferecendo-lhes vários tipos de pesquisas políticas, ostensivamente de uma fonte neutra. Os dois grupos mostraram mais interesse em receber argumentos inteligentes que corroborassem suas ideias preexistentes.

Também houve interesse mediano em receber argumentos tolos em favor das posições do outro partido (nós nos sentimos bem quando podemos caricaturar os outros). Mas houve pouco interesse em estudar argumentos sólidos que pudessem enfraquecer as posições anteriores de cada um. Essa constatação geral foi repetida muitas vezes, como observou o autor e ensaísta Farhad Manjoo em 2008 em seu ótimo livro ‘True Enough: Learning to Live in a Post-Fact Society’ [Verdade Suficiente: aprendendo a viver numa sociedade pós-fatos].

Permita que deixe uma coisa clara: eu mesmo às vezes sou culpado de buscar verdades na web de maneira seletiva. O blog no qual busco análises sobre notícias do Oriente Médio frequentemente é o do professor Juan Cole, porque ele é inteligente, bem informado e sensato -em outras palavras, frequentemente concordo com ele. É menos provável que leia o blog de Daniel Pipes, especialista em Oriente Médio que é inteligente e bem informado -mas que me parece menos sensato, em parte porque frequentemente discordo dele.

Segregação

O efeito do ‘Meu Jornal’ seria nos isolar ainda mais em nossas câmaras políticas hermeticamente fechadas. Um dos livros mais fascinantes de 2008 foi ‘The Big Sort: Why the Clustering of Like-Minded America is Tearing Us Apart’ [A grande classificação: porque a divisão da América em agrupamentos de ideias iguais nos está dividindo], de Bill Bishop.

Ele argumenta que os americanos vêm se segregando em comunidades, clubes e igrejas onde são cercados por pessoas que pensam como eles.

Hoje, diz Bishop, quase metade dos americanos vive em condados que votam por maioria avassaladora em candidatos democratas ou republicanos.

Nos anos 60 e 70, em eleições nacionais igualmente disputadas, só cerca de um terço dos eleitores vivia em condados que apresentavam maiorias avassaladoras nas eleições.

‘O país está ficando mais politicamente segregado -e o benefício que deveria advir da presença de uma diversidade de opiniões se perde para o sentimento de estar com a razão que é próprio dos grupos homogêneos’, escreve Bishop.

Um estudo que abrangeu 12 países concluiu que os americanos são os que demonstram menos tendência a discutir política com pessoas de visões diferentes, e isso se aplica especialmente aos mais bem instruídos. Pessoas que não concluíram o ensino médio tinham o grupo mais diversificado de pessoas com quem discutiam ideias. Já as que tinham concluído a faculdade conseguiam colocar-se ao abrigo de ideias que lhes eram incômodas.

O resultado disso é a polarização e a intolerância. Cass Sunstein, professor de direito em Harvard que agora trabalha para o presidente Obama, fez uma pesquisa que mostrou que, quando progressistas ou conservadores discutem questões como ação afirmativa ou mudanças climáticas com pessoas que pensam como eles, suas ideias rapidamente se tornam mais homogêneas e mais extremas que antes da discussão.

Em um estudo, alguns progressistas inicialmente temiam que as ações para enfrentar as mudanças climáticas pudessem prejudicar os pobres, enquanto alguns conservadores inicialmente se mostravam a favor da ação afirmativa. Mas, depois de discutir a questão durante 15 minutos com pessoas que pensavam como eles, os progressistas se tornavam mais progressistas, e os conservadores, mais conservadores. O declínio da mídia noticiosa tradicional vai acelerar a ascensão do ‘Meu Jornal’; vamos nos irritar menos com o que lemos e veremos nossas ideias preconcebidas confirmadas com mais frequência. O perigo é que esse ‘noticiário’ autosselecionado aja como entorpecente, mergulhando-nos num estupor autoconfiante por meio do qual enxergaremos as coisas em preto e branco, sendo que os fatos normalmente se desenrolam em tons de cinza.

Qual seria a solução? Incentivos fiscais para progressistas que assistam a Bill O’Reilly [comentarista do canal conservador Fox News] ou conservadores que vejam Keith Olbermann [âncora do canal progressista MSNBC]? Não -enquanto o presidente Obama não nos dá o atendimento médico universal, não podemos correr o risco de um aumento grande no número de infartos.

Então talvez a única maneira de avançar seja que cada um se esforce por conta própria para fazer uma malhação intelectual, enfrentando parceiros de discussão cujas opiniões deploramos. Pense nisso como uma sessão diária de exercícios mentais análoga a uma ida à academia: se você não se exercitou até transpirar, não valeu. Agora, com licença. Vou ler a página de editoriais do ‘Wall Street Journal’.

Tradução de CLARA ALLAIN’

 

ECONOMIA
Luiz Carlos Bresser-Pereira

Reportagens e análises preciosas

‘MUITOS economistas constroem modelos matemáticos complicados para explicar a realidade econômica à custa de uma simplificação brutal que se transforma em uma caricatura.

O grande jornalista econômico Celso Pinto sempre fez o inverso: ajudado por seus entrevistados, mas jamais submisso a eles, formulava explicações simples e compreensíveis de uma realidade econômica sempre complexa e contraditória.

Os textos que escreveu entre 1974 e 2003, alguns dos quais reunidos no livro ‘Os Desafios do Crescimento – Dos Militares a Lula’, mostram bem isso.

Não é fácil para os jornalistas informar os leitores sobre economia porque os sistemas econômicos são sempre imprevisíveis, e as teorias econômicas, necessariamente precárias.

Eles podem simplesmente noticiar os fatos ou então entrevistar autoridades econômicas e economistas e reproduzir suas ideias. Quando, porém, além disso, o jornalista decide fazer a análise do que está acontecendo e concordar ou discordar das ideias dos entrevistados, seu trabalho se torna muito mais difícil e desafiador.

Celso Pinto, enquanto teve saúde para realizar seu trabalho, aceitou sempre esse desafio. Ele começou no jornalismo na Folha, em 1974, depois passou para a ‘Gazeta Mercantil’, foi correspondente econômico em Londres, voltou para a Folha e, convidado pelos grupos Folha e Globo, fundou e deu forma ao ‘Valor Econômico’, que nada fica a dever aos melhores jornais econômicos do mundo.

Em todo esse período, ele desenvolveu uma forma especial de jornalismo econômico, escrevendo o que eu chamaria de ‘reportagens-análises’. Ele não escrevia uma coluna, em que o colunista faz com frequência predeterminada análise do que está acontecendo, nem fazia reportagens ou entrevistas nas quais o repórter informa os fatos ou reproduz as palavras ou as ideias dos entrevistados. Em vez disso, ele combinava a notícia e a entrevista com a análise de uma forma integrada, o que permitia que o leitor ficasse informado e com uma noção razoavelmente clara dos problemas complicados sobre os quais versava.

O organizador do livro distribuiu as reportagens-análises em oito capítulos. Escolho o capítulo sobre a taxa de câmbio para ilustrar o método de Celso Pinto. No texto ‘Controle cambial na berlinda’ (3/9/98), por exemplo, ele foca o problema do controle dos fluxos de capitais que estava sendo discutido na época. Mostra que os economistas heterodoxos, apoiados por Paul Krugman, eram a favor dos controles, enquanto os ortodoxos, no governo, eram contra, garantindo que não eram necessários. Celso Pinto não toma partido, mas termina seu texto assinalando que o grande aumento das saídas de capital não justificava o otimismo governamental. Na verdade, naquele momento a crise cambial estava batendo à porta.

Um mês depois, ele fala no ‘plano B’ que se especulava ter o governo e que economistas estrangeiros como Rudiger Dornbusch apoiavam a dolarização da economia na linha seguida pelo Plano de Conversibilidade da Argentina e comenta, manifestando delicadamente seu desacordo: ‘Nenhum país de dimensão continental como o Brasil jamais experimentou um ‘currency board’.

A clareza e o didatismo comparecem em outra reportagem-análise, ‘Custos e benefícios do novo câmbio’, que ele escreve em seguida à bem-sucedida flutuação do câmbio, em janeiro de 1999. Depois de noticiá-la, Celso Pinto analisa a mudança do câmbio sob cinco dimensões: comparação com outros países, impacto fiscal, impacto sobre juros e crescimento, pressão sobre a inflação e futuro do regime de câmbio. E em seguida escreve sobre cada um desses pontos, com grande propriedade e competência.

Em outro texto, ‘A tentação de ‘operar’ o mercado’, Celso Pinto discute as tentativas do governo de administrar a taxa de câmbio antes da crise cambial do final de 1998. Diz ele que, nesses momentos, o formulador de política econômica tem sempre ‘a profunda convicção de que o mercado financeiro aposta contra ele porque não entendeu direito os fundamentos ou porque está metido em uma especulação desenfreada’. Em seguida, entrevista um desses formuladores e, quando este faz afirmações pouco convincentes, não hesita: escreve um claro ‘discordo’.

Esses textos são uma preciosidade jornalística e econômica. A Publifolha está de parabéns ao fazer uma segunda reimpressão do livro. O Grupo Folha podia agora completar o trabalho e oferecer na internet todas as reportagens-análises que Celso Pinto escreveu e criar um mecanismo de busca interno a essa coleção de textos. Essa iniciativa seria uma grande contribuição ao estudo da economia brasileira.

LIVRO – ‘Os Desafios do Crescimento – Dos Militares a Lula’ Celso Pinto; Publifolha, 376 págs.’

 

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