Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

POLÍTICA
Valdo Cruz

Mídia criminalizou as doações, diz ministro

‘O caixa dois não existe por causa de campanhas eleitorais.

A afirmação é do ministro Paulo Bernardo (Planejamento): ‘As empresas dão dinheiro de caixa dois porque tem caixa dois. E o caixa dois contamina as eleições. Vamos ser francos’.

Para o ministro, o maior problema hoje no financiamento das campanhas eleitorais é que ‘criminalizaram as doações legais’. ‘As empresas fazem doação legal. Na hora da prestação de contas, falam que elas têm conluio com esse e aquele candidato, deu dinheiro porque tinha interesse’, afirma.

Em sua opinião, a doação direta para os partidos deveria ser incentivada como forma de fortalecer o sistema partidário.

Ele observa ainda que o candidato que está na frente nas pesquisas eleitorais recebe mais dinheiro, mas que é muito comum o fenômeno das empresas que doam para os dois lados: ‘Digamos, para ficar bem com todo mundo’. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

FOLHA – Qual a sua expectativa sobre o financiamento de campanha na eleição deste ano?

PAULO BERNARDO – Está ruim e vai continuar ruim.

Folha – Por quê?

PAULO BERNARDO – Porque visivelmente o Congresso não consegue reunir maioria para votar projetos de reforma política, profunda mesmo. Temos um sistema que induz a absurdos, como as doações de caixa dois. As pessoas são induzidas pela mídia a achar que caixa dois existe por causa de eleições, mas não é verdade. As empresas dão dinheiro de caixa dois porque tem caixa dois. E o caixa dois contamina as eleições. Vamos ser francos. E tem um problema adicional. A lei prevê doações legais, feitas formalmente para candidatos e partidos. Quando sai a prestação de contas, é tratado como se fosse um absurdo, uma irregularidade.

FOLHA – A sua avaliação é que criminalizaram o caixa um?

PAULO BERNARDO – Está criminalizado, a eleição está criminalizada. Então, se uma empresa faz uma doação para um candidato ou se faz por partido, que é legal também, na hora que sai a prestação de contas, falam que ela tem conluio com esse e aquele candidato, deu dinheiro porque tinha interesse.

FOLHA – Isso estimula a doação pelo caixa dois, na sua opinião?

PAULO BERNARDO – Acho que inibe a doação legal. Tem as doações para os partidos, o que é legal, mas é tratado como se fosse bandalheira.

FOLHA – A doação oculta…

PAULO BERNARDO – Mas a doação não é oculta. O cara faz um cheque, deposita na conta e o partido distribui para quem quiser.

FOLHA – Conversei com empresários e eles estão dizendo que vão priorizar a doação aos partidos, porque avaliam que a contribuição para os candidatos ficou criminalizada.

PAULO BERNARDO – Quem doa dinheiro oficialmente, faz a doação legal, vai para o jornal como participante de algum conluio, como se ele estivesse querendo fazer alguma irregularidade. Agora, repetindo, não é verdade que caixa dois exista só na eleição.

FOLHA – Mas o sr. não acha que, pela doação aos partidos, a empresa não está tentando dissimular para quem doou?

PAULO BERNARDO – Eu acho que, diferentemente do que os jornais têm propagado, penso que a doação para um partido é uma forma digna de fazer a contribuição. Faz para o partido, tem vínculo com aquele programa daquele partido. Isso fortalece os partidos.

FOLHA – Reservadamente, alguns empresários disseram que, junto com a doação para os partidos, segue uma lista de quem deve receber o dinheiro, uma prova de que eles estão querendo fugir da identificação com esse e aquele candidato.

PAULO BERNARDO – Parece que é verdade. Agora, de qualquer forma, cria um vínculo com o partido, porque o tesoureiro desse partido pode passar ou não esse dinheiro, não é verdade? Essa é uma doação legal. Eu não entendo por que essas pessoas criminalizam isso.

FOLHA – O sr. acha que a ministra Dilma vai ter mais facilidade de arrecadar dinheiro no ano que vem por ser do governo, que controla o BNDES, os fundos de pensão?

PAULO BERNARDO – Olha, a gente tem observado é que o candidato que está na frente nas pesquisas costuma receber mais recursos. A história é essa.

FOLHA – O Serra?

PAULO BERNARDO – Não, eu não disse que é o Serra. Estou dizendo que, normalmente, o candidato que está na frente nas pesquisas recebe mais dinheiro e é muito comum o fenômeno da empresa que doa para os dois lados. Digamos, para ficar bem com todo mundo.’

 

Especialista não vê opção para empresas

‘Advogado especializado em legislação eleitoral e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Torquato Jardim diz que a doação ao partido é a ‘mais tranquila porquanto não expõe a empresa, protege a empresa, porque o doador não aparece vinculado a um candidato’.

Ele diz que essa forma de doação sempre existiu, mas se intensificou porque ‘a mídia tende a ‘criminalizar’ o doador’, embora as doações apareçam nas contas dos partidos.

Para ele, a questão principal reside no fato de que ‘a maior parte do dinheiro que circula na política em todo o mundo é ilícito, caixa dois’. O problema é ‘que a estrutura constitucional do Estado brasileiro vai sempre obrigar um empresário a tentar uma doação comprometida’, porque a maior parte da economia do país é financiada pelo poder público.

‘Favores fiscais, descontos, redução de tributos, BNDES, Banco do Brasil, CEF, Sudene, Sudam. O empresário brasileiro não compra de empresas brasileiras para vender no setor privado, compra para vender para o governo’. É isso que o obriga a ‘financiar o candidato. Se ele não tiver seu representante na Comissão de Orçamento, se ele não tiver o seu amigo dentro do Poder Executivo, está fora do mercado’.’

 

REPÓRTER
Clóvis Rossi

30 anos

‘SÃO PAULO – Inicio meu 30º ano como repórter desta Folha. Como testemunha ocular da história de meu tempo, posso festejar o trânsito do Brasil, nesse período, para país quase normal, quase.

Comecei no tempo em que terroristas atacavam bancas de jornais e outros alvos, como a OAB, identificados como de oposição à ditadura. Escrevi um texto dizendo que, se se quisesse chegar aos autores, bastaria bater às portas dos DOI-Codi, os braços operacionais do mecanismo repressivo (o que se comprovaria no atentado do Riocentro, no ano seguinte).

À noite, recebo em casa telefonema do então ‘publisher’ da Folha, Octavio Frias de Oliveira. Comenta a repercussão da nota e oferece refúgio, por alguns dias, em sua granja de São José dos Campos.

Trinta anos depois, jornalistas da Folha enfrentam riscos, mas judiciais, casos de Elvira Lobato e Frederico Vasconcelos, para ficar só nos desta casa. Mas o jornal lhes oferece advogados, em vez de refúgio. É bem melhor assim.

Faz uns 15 anos, durante um dos encontros anuais do Fórum de Davos, almocei com um jornalista português que queria saber da transição brasileira. Contei como a ditadura havia sido derrubada, digamos assim, por um Colégio Eleitoral montado por ela própria, com maioria governista, mas que elegeu um oposicionista, que se gabava de jamais ter tido nem mesmo um resfriado, mas caiu no hospital na véspera da posse e só saiu dele para outro hospital e dali para o cemitério, substituído pelo vice, que não era da oposição, mas fora presidente do partido de sustentação da ditadura, mas, não obstante, fez a transição e ainda por cima um plano econômico que lhe valeu recorde de popularidade…

Parei aí. Nem eu acreditava que tudo aquilo acontecera. Trinta anos depois, o Brasil chega ser aborrecidamente normal nesse capítulo.

Felizmente.’

 

DINAMARCA
AP

Somali agressor de cartunista é indiciado

‘Um cidadão somali de 28 anos foi indiciado ontem pela Justiça dinamarquesa pela tentativa de homicídio ocorrida na véspera contra o autor das polêmicas charges do profeta Maomé publicadas em 2005. A polícia disse que o acusado tem vínculos com a rede Al Qaeda e o grupo somali Al Shabab.

Segundo autoridades, o agressor invadiu a casa de Kurt Westergaard, 75, na cidade de Aarhus, armado com um machado e uma faca. O cartunista fugiu com o neto de cinco anos e chamou a polícia, que atirou no suspeito, ferindo-o na perna e na mão.’

 

TELEVISÃO
Bia Abramo

Um certo exercício de futurologia

‘SALVE 2010 , o ano em que deveríamos fazer contato com os alienígenas. Neste primeiro domingo de janeiro, ainda é cedo para saber se Arthur C. Clarke estava certo. Há mais 51 domingos pela frente, mas, pelo estado da investigação espacial, é muito provável que o ano acabe sem que a gente troque ideias (ou tiros) com extraterrestres.

Mas, de alguma forma, estamos agora, inequivocamente no futuro. Desde que entramos no século 21, estamos vivendo a era que foi largamente imaginada como ‘o futuro’ desde o final do século 19.

Os anos do segundo milênio pertencem tanto às utopias como às distopias, os porvires redentores ou catastróficos projetados pela humanidade na aurora de uma era de progresso técnico-científico.

O ano de 2010 encerra a primeira década do futuro, portanto. Nesses dez anos já passados, muito do que se previu para o segundo milênio caiu por terra. Por exemplo, nos primeiros tempos da internet, ainda na década de 90, quando a banda larga era privilégio de ainda menos gente do que ainda é hoje e não se imaginava o tipo de uso que prevaleceria na rede, uma das cartadas dos futurólogos era a ‘entrada’ da internet pela TV. Aconteceu, mas no sentido oposto: a TV é que teve de se adaptar à internet e às novas maneiras de relação com a comunicação e entretenimento.

Ao mesmo tempo, diversos novos formatos da TV dobraram-se a realidades de interação social criadas ou potencializadas pela rede. Os reality shows, por exemplo, só se tornaram a modalidade de entretenimento dominante nesta primeira década do século 21 porque a internet consagrou a espetacularização da vida privada, acelerou os processos de fabricação de celebridades instantâneas e, de maneira geral, aguçou a bisbilhotice.

Agora, com enorme risco de errar, o que parece ter vindo para ficar e deve comandar talvez a próxima década na TV não é nem a tecnologia nem os formatos, mas sim uma forma cada vez mais autônoma de cada espectador se relacionar com a TV, em que ele decide como, quando e em que tipo de aparelho eletrônico ver o conteúdo audiovisual.

Bem longe do charme e da surpresa de estar em contato com homenzinhos verdes inteligentes, por certo. Mas talvez mais divertido do que foi a TV até agora.

Esta é minha última participação como colunista de TV da Ilustrada. Agradeço a todos aqueles que contribuíram com leitura, comentários e sugestões.’

 

Caio Barretto Briso

Série envelhece elenco em 40 anos

‘Fábio Assunção barrigudo, papudo e meio careca. Adriana Esteves com o rosto cheio de rugas e os cabelos grisalhos e desgrenhados. É assim que os dois atores vão aparecer na parte final da minissérie de cinco episódios ‘Dalva e Herivelto -Uma Canção de Amor’, de Maria Adelaide Amaral, que estreia amanhã na Globo.

Para interpretar dois importantes nomes da música brasileira, Herivelto Martins (1912-1992) e Dalva de Oliveira (1917-1972) -que foram casados durante mais de dez anos e fizeram sucesso na era de ouro do rádio, entre as décadas de 30 e 50, e mesmo depois dela-, Assunção, 38, e Esteves, 40, tiveram que envelhecer quase 40 anos. Os cinco episódios percorrem na história um período que vai de 1936 a 1972, ano em que Dalva morreu.

‘Tivemos que criar essa prótese para o Fábio, que o deixou papudo. Além disso, clareamos suas sobrancelhas, aumentamos as entradas do cabelo e deixamos seu bigode igual ao do Herivelto’, conta a maquiadora Anna Van Steen, que tem no currículo filmes como ‘Carandiru’, ‘Cidade de Deus’ e ‘Ensaio sobre a Cegueira’.

Steen explica que seu trabalho começa sempre pelos cabelos dos personagens. ‘Aprendi com Betty Faria que televisão é 3×4. Começar pelos cabelos me inspira para todo o resto.’

Ela trabalhou com uma equipe de sete maquiadoras fixas, além de outras 13 colaboradoras. Para tornar o elenco de 38 atores o mais parecido possível com os personagens reais, reuniu mais de mil fotos. ‘Quando interpreto o Herivelto mais velho, com a prótese no pescoço, com a barriga postiça, com as entradas maiores, isso me faz sentir pesado, mais lento, mais velho’, diz Assunção, que faz seu primeiro trabalho desde que deixou a novela ‘Negócios da China’, em 2008, para se tratar da dependência de drogas.

E toda a caracterização precisa estar em sintonia com a época da minissérie. Na década de 40, nenhuma mulher usava maquiagem azul, por exemplo. ‘Um tom muito comum nessa época, que nós adotamos em ‘Dalva’, foi o amarelo, que hoje ninguém mais usa’, diz Steen.

A figurinista de ‘Dalva’ é a experiente Marília Carneiro, que fez os filmes ‘Se Eu Fosse Você 2’, ‘Os Desafinados’ e ‘Tempos de Paz’, além da minissérie ‘Maysa’. ‘Tentei chegar a um realismo máximo em ‘Dalva’, principalmente por causa de sua origem pobre e da vida sofrida que teve’, diz.

Adriana Esteves tem, na minissérie, 92 peças de roupa. A maioria foi desenhada por Carneiro e por sua equipe de sete assistentes, mas uma parte foi comprada em brechós. Para os momentos finais da minissérie, quando Dalva morre, o figurino dos personagens foi feito com cores frias. ‘No fim é tudo cinza, concreto, pálido. Como num hospital.’’

 

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