Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Folha de S.Paulo

O jornal ‘The New York Times’ publicou ontem um editorial, intitulado ‘Uma Pausa para Olhar para Trás’, para se desculpar mais uma vez por ter afirmado que o ex-ditador do Iraque Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa.

‘Nos últimos meses, esta página repetidamente exigiu que o presidente [George W.] Bush reconhecesse os erros que seu governo cometeu quando entrou em guerra com o Iraque. (…) Se queremos que o sr. Bush seja franco sobre seus erros, devemos ser igualmente diretos sobre os nossos.’

O diário lembra que publicou dezenas de editoriais, antes da guerra, que insistiam em que qualquer invasão deveria ter amplo apoio internacional. ‘Mas concordamos com o presidente em um ponto crítico: que Saddam Hussein estava escondendo um grande programa de armas que poderia representar uma ameaça para os Estados Unidos ou para seus aliados.’

O jornal observa que, após a queda do regime de Saddam, em abril de 2003, admitiu, em diversos editoriais, que estava enganado a respeito das armas. Nota, porém, que deveria ter sido ‘mais agressivo no sentido de ajudar os leitores a entender que havia uma possibilidade da inexistência de um arsenal imenso’.

‘Muitos políticos que votaram a favor da autorização para a guerra ainda se recusam a admitir que cometeram um erro. Mas cometeram. E, apesar de termos atacado a invasão, nós nos lamentamos agora por não termos feito mais para contestar as suposições do presidente.’’



O Globo

‘‘NYT’ faz novo ‘mea culpa’ sobre o Iraque’, copyright O Globo, 17/7/04

‘Um dos mais influentes jornais americanos, o ‘New York Times’ reconheceu ontem, em editorial, que errou ao concordar com o presidente George W. Bush — antes da guerra no Iraque — que Saddam Hussein escondia armas de destruição em massa. ‘Repetidamente, apelamos ao Conselho de Segurança da ONU para que se unisse a Bush para forçar o Iraque a se desarmar’, disse o jornal. ‘Como observamos em vários editoriais desde a queda de Bagdá, estávamos errados em relação às armas. E deveríamos ter sido mais agressivos ao ajudar nossos leitores a entender que sempre houve uma possibilidade de grandes estoques (de armas) não existirem.’

O editorial começa lembrando que nos últimos meses o ‘Times’ têm repetidamente exigido que Bush reconheça os erros de seu governo relacionados à guerra, ‘particularmente seu papel em enganar o povo americano’ em relação às armas de Saddam e suas ligações com a al-Qaeda. E emenda: ‘Se queremos que Bush seja honesto em relação a seus erros, devemos ser igualmente abertos em relação aos nossos próprios erros.’

O ‘Times’ diz ainda que errou por não analisar a questão das armas com a mesma eficiência com que tratou a questão da ligação entre Iraque e al-Qaeda: ‘Não ouvimos cuidadosamente pessoas que discordavam de nós. Nossa certeza veio do fato de que uma esmagadora maioria de funcionários dos governos passado e presente, altos funcionários da inteligência e outros especialistas estavam certos de que as armas estavam lá.’

Em maio deste ano, o jornal já admitira ter publicado informações questionáveis em sua cobertura da guerra, baseadas em fontes duvidosas. ‘Não fomos tão rigorosos como deveríamos’, disse. E ainda: ‘As histórias contadas por dissidentes iraquianos nem sempre eram pesadas devido ao forte desejo deles de ver a queda de Saddam Hussein.’

No ano passado, o ‘Times’ viveu uma crise de credibilidade. Demitiu o repórter Jayson Blair e publicou uma reportagem para mostrar como ele falsificara, inventara ou plagiara histórias. A confissão levou ao afastamento do diretor de redação, Howell Raines, e do editor-executivo, Gerald Boyd. Meses depois, outro jornalista, Rick Bragg, deixou o jornal por assinar um texto escrito por um freelancer. Mais tarde, o jornal criou o cargo de editor de público, para defender o interesse do leitor.’



ANIMA MUNDI
Ana Maria Bahiana

‘Madeleines com pipoca’, copyright Comunique-se, 15/07/04

‘Não me entendam mal: eu acho a Flip um luxo. A simples idéia de 10 mil pessoas reunidas durante um fim de semana em torno de livros, palavras, páginas impressas – isso num momento em que o pobre vernáculo português sofre todo tipo de infâmia, e a comunicação verbal parece estar revertendo a um estágio neandertalesco – é de enternecer. Que isso se dê numa cidade-patrimônio da humanidade, com direito a maltas de vira-latas interrompendo uma performance de Arnaldo Antunes e escritores ‘tratados como pospstars’, segundo veículos da nossa imprensa, é tempero fino e raro para nos salvar da gororoba cotidiana.

Mas, pra mim, o Anima Mundi é mais. Mesmo que não fosse – como diz ser, e eu acredito – a ‘maior mostra de animação das Américas’, o evento já seria o máximo. Com dez anos não apenas de sobrevivência, mas de expansão (num país que costuma passar o rolo compressor por tudo que dura mais que um par de anos ), com suas mostras múltiplas e simultâneas, sua abrangência de estilos, gêneros e nacionalidades, o Anima Mundi é uma das maiores mostras cinematográficas do mundo, simplesmente. E um acontecimento de repercussões profundas, demoradas, importantes sob qualquer prisma.

Considerem que a animação é, hoje, um dos maiores negócios do mundo: um negócio que movimenta 60 bilhões de dólares anualmente (segundo o The Economist) . Não vou falar dos EUA – onde uma única empresa, a Pixar, é capaz de gerar 541 milhões de dólares de renda líquida em um ano. Vou falar de um país um tantinho mais próximo da nossa experiência: a Índia. Na Índia, a animação deve ultrapassar a marca de 1.5 bilhões de dólares no final de 2005. Em 2006, segundo o jornal Financial Times de Nova Delhi, a indústria da animação terá criado 30 mil novos empregos no subcontinente indiano.

Se o aspecto económico ainda não fez seu queixo cair o suficiente, considere o lado artístico, criativo: a animação envolve praticamente todas as disciplinas da criação artística, da escultura à escrita, da pintura à pesquisa. E soma a elas a vanguarda do conhecimento técnico – não é a toa que, hoje, os países que saltaram à frente no setor são os que tambem assumiram a liderança na informática: Japão, Coréia e India.

A animação é uma linguagem com imenso potencial universal, transcultural, uma possível lingua franca – lembrem-se de que quem ganhou o Oscar de animação este ano foi uma co-produção França- Canadá – usada numa miríade de mídias e plataformas, sozinha ou em conjunto com outras técnicas.

Por dez anos o Anima Mundi mostrou o trabalho de animadores do mundo todo e, através de suas oficinas, formou novos talentos, muitos dos quais, por conta do jeito como este Brasil gosta de ficar, tiveram que emigrar para exercer seu ofício.

Por que eu não li isso com a frequência e a profundidade que o evento pedia? Por que animação ainda é tratada como ‘coisa pra criança’, ou ‘cult’, coisa menor, coisa massificada, coisa supérflua?

Vocês sabem, eu fui educada a biscoito fino. Finíssimo: tive até quatro anos de latim, que se revelaram, aliás, extremamente úteis numa variedade de circunstâncias. Sou cada vez mais a favor de uma educação de madeleines e uma prática de pipoca caramelada. Cada vez mais vejo triunfar, sobreviver e imprimir seu DNA sobre o futuro a cultura que tem o vigor dos grandes espaços, que movimenta grandes grupos, que viaja, que não precisa de estufa, de preservação e de tombamento.

O Brasil poderia ter uma indústria de animação como a da Índia. Talento não falta. Mas já tem o Anima Mundi. É um bom começo.’



CREDIBILIDADE
Jornal do Brasil

‘Credibilidade jornalística na berlinda’, copyright Jornal do Brasil, 17/07/04

‘‘Confie em mim: sou um jornalista.’ Com este título, Frank Kane, crítico do The observer, abriu sua reportagem sobre o mais recente livro do jornalista John Lloyd, What the media are doing to our politics (Constable and Robinson, 224 páginas, US$ 12,99). Se os tempos fossem outros, talvez Kane nem precisasse pedir confiança. Mas depois de casos como o de Jayson Blair – para ficar no último mundialmente conhecido – é cada vez mais difícil acreditar na total veracidade da mídia.

Antes mesmo de começar a análise do livro em si, Kane fez uma rápida descrição de seus primeiros anos no jornalismo e dos seus ideais de foca (jargão utilizado para denominar jornalistas recém-formados). Quando começou, há 20 anos, tinha orgulho de sua profissão e identificava seus colegas de trabalho como verdadeiros heróis, que tinham como missão transmitir a verdade ao mundo.

Depois de alguns anos, Kane passou a se questionar sobre a possibilidade de o jornalista ser o responsável por propagar falsas informações, ser sempre conivente com o Estado e agir de acordo com seus interesses pessoais. Se Kane ainda tem dúvida quanto a tais atitudes, John Lloyd, em seu novo livro, não hesita em afirmar que o jornalista seria o grande responsável pela crise na imprensa.

Para Lloyd, os jornalistas se tornaram profissionais hipócritas que exageram, fazem sensacionalismo e distorcem quase todos os aspectos da notícia que ‘supostamente registram’. E ele parte dessa constatação para confrontar o atual jornalismo (‘jornalismo sensacionalista’) e o jornalismo ideal (‘jornalismo cívico’), que divulgaria os valores de uma sociedade democrática.

O argumento de Lloyd é desenvolvido com rigor intelectual, analisando a globalização da mídia e a influência de algumas das grande corporações que controlam o quarto poder. Mas, para Kane, o pensamento do jornalista não responde, de fato, sua inquietação em relação à profissão. Lloyd cairia numa retórica sobre como a mídia chegou a tal ponto de falta de credibilidade, por meio da análise do fim de alguns jornais da Europa e da América.

Assim, em What the media are doing to our politics, a ênfase é na trajetória da imprensa. Dessa forma, os motivos que implicam a má qualidade do jornalismo político e sua conseqüente cobertura parcial são preteridos. Outras questões poderiam ter exploradas pelo autor: o que faz jovens jornalistas abrirem mão de seus ideais e se entregarem nas mãos de seus editores? Ou ainda, o que faz os jornalistas tão cínicos e maleáveis?

O crítico prefere acreditar que as respostas para tais perguntas não se justifiquem com a busca de um promoção, de um salário mais alto ou de mais poder. Mas também não hesita em afirmar que há muitos jornalistas que incorporam as mais diversas opiniões políticas, normalmente da extrema esquerda para a direita. E acreditam que, mesmo depois de tantas mudanças ideológicas, continuam tão imparciais e altruístas como no início de suas carreiras.

Apesar de não ficar satisfeito com o livro de Lloyd, Kane defende sua leitura como um meio de alertar os leitores para a manipulação da mídia e, sobretudo, para a função do jornalismo num mundo globalizado.’