Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha e Estado publicam
editoriais contra Chávez


Leia abaixo os textos de quarta-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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O Estado de S. Paulo


Quarta-feira, 10 de janeiro de 2007


VENEZUELA
Editorial


A escalada autocrática de Chávez


‘Desde a sua primeira eleição, em 1999, até agora, o presidente venezuelano Hugo Chávez concentrou-se em acumular recursos de poder, construindo uma autocracia sem pôr abaixo as aparências da ordem democrática, enquanto se desvencilhava das últimas estribeiras que poderiam tolher a estridência de sua retórica. Mas o gradativo arrocho político e a desenfreada oratória ‘antiimperialista’ conviviam com um mal disfarçado realismo em questões econômicas. Não só a economia de mercado no país permaneceu a salvo do intervencionismo chavista, tão prolífico nas demais esferas da vida nacional, como seguiram de vento em popa os negócios da Venezuela com os Estados Unidos.


Tanto assim que, nesses anos de louvações oficiais ao socialismo, se desenvolveu na Venezuela o que se poderia chamar uma nova classe bolivariana, formada não pelos pobres alçados a condições mais dignas de existência, mas pelos estratos médios que enriqueceram e pelos ricos que ficaram ainda mais ricos. A explicação, naturalmente, está nas cotações do petróleo, que chegaram a quintuplicar antes de tomar o caminho inverso em 2006. Chávez, de todo modo, deixou correr solto o consumo até ostentatório dos novos e velhos endinheirados venezuelanos. No ano passado, por exemplo, as vendas de carros dobraram e os preços dos imóveis dispararam. (O mesmo, segundo relatos insuspeitos, vem ocorrendo com a corrupção no governo dito revolucionário.)


‘A vida cotidiana para muitos venezuelanos’, escreveu semanas atrás na revista New Yorker o jornalista econômico James Surowiecki, ‘faz lembrar um catálogo da Neiman-Marcus’, a mais luxuosa rede americana de lojas de departamentos. ‘Se isso é socialismo’, observou, ‘é o socialismo mais amigável aos negócios que já se inventou.’ As relações comerciais com os Estados Unidos que o digam. Além do petróleo – a Venezuela é o seu quarto maior fornecedor e o império do demônio da demagogia chavista é o seu principal cliente -, 1/3 de todas as importações venezuelanas é made in USA. No ano recém-terminado, o intercâmbio entre os dois países aumentou 36%. Doravante, tudo é incógnita, dado o anúncio de Chávez, segunda-feira, de que nacionalizará empresas elétricas e de telefonia.


Ele deu a entender que poderá estatizar também os multibilionários projetos petrolíferos na Bacia do Orenoco. Em 2006, Chávez aumentou o controle estatal sobre numerosas operações petrolíferas em regime de joint venture. Não está claro, por ora, se a proclamada nacionalização comportará indenizações ou será pura e simples expropriação. O certo é que a medida anunciada tem menos a ver com a economia do que com a concentração de poder nas mãos de Chávez, em marcha batida para descartar as derradeiras aparências de democracia. Não por acaso, ele aproveitou o dia para comunicar que deseja do unânime Congresso venezuelano poderes para legislar por decreto.


A escalada ditatorial do presidente, na atual fase, começou em dezembro, quando avisou que fundirá as legendas da coligação pela qual se reelegeu para mais seis anos no Palácio Miraflores em um único partido socialista. Ele tampouco esconde que está resolvido a governar a Venezuela até o fim dos tempos, mediante sucessivas reeleições. Não menos evidente é outro objetivo chavista associado a este: o de transformar a sua influência junto aos países mais pobres da região em verdadeiro controle de caráter imperialista. O projeto começa pela Bolívia de Evo Morales, onde o ditatorial presidente venezuelano, comprando jornais e uma emissora de TV, ambiciona ter sob o seu polegar o sistema nacional de comunicação.


Pode-se apenas especular sobre o que dará essa ofensiva interna e externa, com o seu potencial desestabilizador na região. Um primeiro sinal de que esse potencial pode ser reduzido a zero da noite para o dia foi a queda recorde dos preços do petróleo, ontem. Mas, mesmo que ele se mantenha, as conseqüências imediatas poderão ser positivas para o Brasil, se o presidente Lula – por palavras, e ainda mais por atos – mostrar ao mundo que personifica a alternativa latino-americana ao chavismo. Quanto mais o venezuelano radicalizar, e já não apenas na retórica, mais o presidente brasileiro poderá deixar claro que o seu horizonte é o do reformismo responsável, compatível com o Estado democrático, a economia de mercado e o investimento estrangeiro.’


O Estado de S. Paulo


Pacote de estatizações de Chávez abala mercados e irrita os EUA


‘O pacote de estatização de empresas das áreas de eletricidade e de telefonia, anunciado anteontem pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, abalou o mercado financeiro do país e foi recebido com ‘forte preocupação’ pelo governo dos Estados Unidos. A Bolsa de Caracas caiu ontem 18,7%, e a negociação das ações de duas empresas que devem ser afetadas pela estatização – a CANTV (maior operadora de telefonia da Venezuela) e a Eletricidade de Caracas – foi suspensa depois de despencar mais de 20%. A cotação do bolívar, a moeda nacional, disparou no mercado paralelo. O dólar foi negociado por 4 mil bolívares, ante a cotação de 2.150 bolívares pela taxa oficial.


‘As nacionalizações têm uma longa e pouco gloriosa história de fracassos ao redor do mundo’, disse o porta-voz da Casa Branca, Tony Snow. ‘Apoiamos o povo da Venezuela porque esse é um dia triste para eles.’ Gordon Johndroe, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, disse esperar que ‘empresas dos EUA atingidas sejam compensadas rápida e justamente’.


Chávez, reeleito em dezembro para um terceiro mandato (que vai até 2013) com 63% dos votos, toma posse hoje. Ele anunciou seus planos de estatização como parte de um projeto de implementar um regime socialista no país. Chávez só se referiu explicitamente à CANTV, mas destacou a necessidade de retomar o controle de outras áreas, que foram privatizados antes de ele chegar ao poder, em 1999.


Os Estados Unidos são o principal parceiro comercial da Venezuela, que contribui com 11% das importações de petróleo americanas. O comércio bilateral cresceu 24% em 2006. Várias empresas americanas podem ser afetadas. A Verizon Communications detém 28,5% das ações da CANTV e a AES, que no Brasil comprou a Eletropaulo, controla a Eletricidade Caracas. As petrolíferas ExxonMobil, Conoco Philips e Chevron Texaco trabalham em projetos de exploração de petróleo no Orinoco.


O anúncio foi feito durante a posse do seu novo gabinete e surpreendeu os venezuelanos. Apesar de sua retórica socialista desde que assumiu o poder, Chávez não havia tomado decisões tão drásticas como as prometidas anteontem. Ele ainda determinou ao recém-nomeado vice-presidente Jorge Rodríguez que analise uma forma de aumentar o controle estatal nos projetos de empresas estrangeiras para exploração de petróleo na Bacia do Orinoco e prometeu acabar com a autonomia do Banco Central venezuelano. Além disso, Chávez disse que pedirá à Assembléia Nacional (parlamento) a aprovação da chamada ‘Lei Habilitante’ – que lhe permite aprovar leis por decreto. Antes, havia anunciado que pretende reformar a Constituição e criar um partido único para unificar as correntes governistas.


‘Chávez age como um déspota, e sua intenção de governar por decreto, ignorando a Assembléia Nacional, é uma vergonha para o sistema democrático’, acusou o líder da oposição, Manuel Rosales. Para Jose Luiz Betancourt, presidente da Fedecamaras, a principal federação empresarial do país, a estatização deve aumentar a corrupção no país. O ministro das Finanças, Rodrigo Cabezas, porém, advertiu: ‘Nenhuma circunstância de conjuntura vai deter nossa disposição de construir uma sociedade democrática.’


Armando Yanes, executivo da CANTV, exigiu explicações ao presidente. ‘O governo precisa explicar sua posição aos acionistas, como vai proceder, o quanto vai pagar, etc’, disse. A CANTV é a maior empresa privada do país e a única com papéis negociados na Bolsa de Nova York. Já o presidente do Banco Central venezuelano, Domingo Maza, disse que é ‘inconcebível’ um Banco Central sem autonomia.


FRASES


Tony Snow


Porta-voz da Casa Branca


‘As estatizações têm uma longa e história de fracassos. Apoiamos o povo da Venezuela porque este é um dia triste para eles’


Gordon Johndroe


Porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca


‘Espero que as empresas atingidas sejam compensadas’


AP, REUTERS E EFE’


LULA BEM NA FITA
Gabriel Manzano Filho


Lula é vice no ranking de líderes, diz ‘Newsweek’


‘Uma surpreendente maioria de 53% das elites da América Latina acha que a região ‘está no bom caminho’ e que a presidente chilena, Michelle Bachelet, é ‘o melhor modelo de liderança’, segundo pesquisa feita pelo Instituto Zogby International para a revista Newsweek, com ajuda da Universidade de Miami. Repetindo seu antecessor, Ricardo Lagos, em idêntica pesquisa feita em 2003, Bachelet conseguiu 28% dos votos. O brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva ficou em segundo, com 26% (o mesmo lugar da pesquisa anterior). O colombiano Álvaro Uribe conseguiu 13%, ficando em terceiro, à frente do venezuelano Hugo Chávez.


A pesquisa revela, ainda, que essas elites – representadas por 603 importantes políticos, empresários, funcionários de governo, intelectuais e jornalistas – estão confiantes como nunca. Chegam a 43%, segundo o Instituto Zogby, os que acham ‘boa’ ou ‘excelente’ a situação de seu país – em 2003 não passavam de 7%. Indiferentes aos críticos que acusam um constante distanciamento entre a região e as economias asiáticas, 81% dos consultados acreditam que ‘a situação econômica vai melhorar’ nos próximos dois anos.


O Brasil se destaca, entre os sete países pesquisados (os outros são Argentina, Peru, Chile, Colômbia, Venezuela e México), pelo otimismo: 89% esperam anos melhores pela frente (e boa parte é a favor da Área de Livre Comércio das Américas). A previsão do Banco Mundial para 2007 é de crescimento médio de 4,2% na região, mas na Argentina, no Chile, no Peru e na Venezuela a expectativa é crescer além disso. Os argentinos são os mais confiantes no futuro imediato (67%) e os mexicanos, os mais pessimistas (83%).


Para explicar tanto bom humor, a Newsweek lembra que nos últimos 3 anos o preço das commodities, de modo geral, esteve alto, ajudando nas exportações, a inflação foi contida e o excesso de dólares no mercado alimentou as bolsas de valores.’


TELEVISÃO
Etienne Jacintho


Amazing Race chega ao Brasil


‘The Amazing Race, formato vencedor de quatro Emmys, chega ao Brasil pela Hispaniola Produções, que tem sede nos EUA e filiais na Espanha e na República Dominicana e agora, no Brasil. Detentora do formato da Buena Vista/Disney, a produtora gastou US$ 80 mil em um programa piloto, composto por dois episódios, e que foi exibido durante os L.A. Screenings, que revela programas.


A Hispaniola tem sede em Pernambuco e apostou no Nordeste para seu piloto, produzido no início de 2006. Os competidores passaram pela Paraíba e por Alagoas, além de Pernambuco. ‘Já temos três roteiros prontos para a primeira edição do reality no Brasil’, conta Rony Curvelo, vice-presidente da Hispaniola.


O original The Amazing Race é exibido no canal AXN e é um Survivor – fonte inspiradora do reality show global, No Limite – repaginado, em que pessoas comuns embarcam em uma competição de aventura em diferentes lugares do mundo. No Brasil, as equipes terão 30 dias para percorrer o País atrás da recompensa de R$ 500 mil.


Os grandes trunfos do reality show são a fotografia, que abusa das paisagens, e a edição, que mantém o telespectador grudado na telinha. A filmagem é toda feita em HDTV e a seleção de candidatos está aberta.


Só não há ainda acordo de parceria fechada com nenhum canal. ‘Estamos negociando há seis meses com uma emissora, mas não estou satisfeito por causa da demora’, fala Curvelo, que também será o apresentador da atração. ‘Por isso estamos abertos a conversas com outras emissoras. Quero muito que o programa saia agora em 2007, pois estamos com este projeto há dois anos.’


Os interessados em participar podem mandar fitas para a Hispaniola Produções (Rua São Salvador, 181, Recife – PE. CEP 52020-000).


entre-linhas


Durante a exibição do show do Black Eyed Peas, ao vivo e direto da Praia de Ipanema na virada do ano, o Multishow foi líder de audiência entre todos os canais de TV por assinatura. Ficou na frente também das emissoras abertas, exceto da TV Globo, no total de assinantes.


No sábado, à 0h30, estréia no GNT a série The Strip. Inédita no Brasil, ela conta a história de Melissa, advogada traída pelo marido com outro homem e que resolve abrir uma casa de strip-tease masculino. Produzida pela TV3 da Nova Zelândia, a série já foi exibida na Inglaterra, pelo canal LivingTV.’


HQ
O Estado de S. Paulo


Quino anuncia que vai parar de desenhar por um ano


‘O criador de Mafalda afirmou que precisa descansar para modernizar os seus trabalhos e temas


Pela primeira vez em mais de meio século de carreira, o desenhista argentino Joaquín Lavado, mais conhecido como Quino, pretende abrir um parêntese em sua trajetória para dedicar-se à renovação de seus desenhos, considerados por ele antiquados.


‘Para mim, é claro que preciso descansar um pouquinho para ver se encontro um novo enfoque no meu trabalho, porque noto que o meu desenho está antigo’, disse o criador da tira Mafalda, a menina mordaz de classe média argentina cuja visão de mundo, em especial sua crítica à situação política da América Latina, foi traduzida para mais de 20 idiomas. Quino declarou certa vez que se inspirou em sua avó, ‘uma mulher abertamente comunista e com grande senso de humor’, para compor sua personagem.


Nascido em Mendoza, no centro-oeste da Argentina, há 74 anos, na década de 50 mudou para Buenos Aires, onde conseguiu espaço no revista Eto Es. Ali Quino estreou suas histórias, dando início a uma carreira que terá sua primeira pausa agora, em 2007.


Mas este não será um ano sabático. ‘Sempre tive a intenção de fazer um livro com trabalhos inéditos’, comentou em uma reportagem publicada no domingo pelo semanário Viva, do jornal Clarín, para o qual ele desenha desde 1980. A tira Mafalda deixou de ser editada em 1973, no entanto, as suas reflexões ácidas continuam vendendo em todo o mundo.


‘Hoje, depois de mais de 43 anos, Mafalda ainda tem a visão de que o mundo não evoluiu. Antes havia mais pudor’, afirmou.


O desenhista iguala a sua decisão de deixar de desenhar por um tempo com o adeus a Mafalda. ‘Eu me dei conta de que não gosto dos meus desenhos atuais, nem de minha temática, preciso ser honesto com os meus leitores e comigo mesmo, do mesmo modo quando tive de deixar Mafalda por não me sentir mais à vontade com ela.’


Entre os numerosos prêmios, Quino foi eleito o Desenhista do Ano de 1982 e em 2005 foi destacado como cidadão ilustre de Buenos Aires. AFP’


MEMÓRIA / IWAO TAKAMOTO
Jotabê Medeiros


Morre Takamoto, o criador do Scooby Doo


‘Que mundo é esse em que morrem os cartunistas daqueles desenhos que mais amamos?


Anteontem, foi a vez de Iwao Takamoto, o homem que criou ou ajudou a criar personagens de desenho animado que conquistaram gerações: Scooby Doo, Zé Colméia, Dom Pixote, Pepe Legal, Dick Vigarista e Mutley, Penélope Charmosa, Bibo Pai e Bobi Filho, Josie e as Gatinhas e Johnny Quest. Takamoto morreu aos 81 anos, no Centro Médico Cedars-Sinai, em Los Angeles, de problemas respiratórios, segundo informou a Warner Bros. Animation.


O Estado falou com Takamoto em outubro de 2001, quando seus velhos desenhos começaram a ser reprisados no canal Boomerang. Tinha acabado de acontecer o atentado às Torres Gêmeas em Nova York, e Sakamoto estava triste, mas não desesperançado.’O que eu diria para as crianças é: tenham fé, este mundo vai continuar sendo um bom mundo para vocês crescerem nele’, disse naquele dia o veterano cartunista.


Ele também contou como foi que batizou seu cachorro mais conhecido, o Scooby Doo. Foi a partir de uma canção de Frank Sinatra, Strangers in the Night, na qual Sinatra faz um scat parecido no final da música. ‘Dooby-doooby-doo.’


Para o artista, o que fazia a longevidade de seus desenhos é que eles falam de uma forma direta às pessoas. Não lhe importava que novos heróis – como Johnny Bravo, O Laboratório de Dexter, Os Padrinhos Mágicos e Meninas Superpoderosas – tivessem passado a perna nos seus cães falantes. ‘São coisas criadas para os dias de hoje, algumas melhores e mais ricas que outras. O que desejo é que os desenhistas coloquem algo deles nos cartuns.’


Era uma fera criando cachorros atrapalhados, como Scooby, Mutley e Astro, o cão dos Jetsons. ‘Os cães são sociáveis com o ser humano’, explicou, acrescentando que também era um animal com o qual se identificava. Ele chegou a trabalhar também em A Dama e o Vagabundo e Os Dálmatas.


Ah, a respeito de Penélope Charmosa (Ou Penelope Pitstop, no original), o animador contou que foi baseada numa personagem de antigos filmes mudos chamada Pearl White. Takamoto começou na animação em 1945, trabalhando para os Estúdios Disney. Tornou-se amigo de William Hanna, dos estúdios Hanna & Barbera, para quem trabalhou a partir de 1960. Hanna morreu em março de 2001 e Joseph Barbera, seu sócio, morreu em dezembro.’


YOU TUBE CENSURADO
Laura Diniz e Camilla Rigi


TJ manda desbloquear YouTube


‘O desembargador Ênio Santarelli Zuliani, do Tribunal de Justiça (TJ), mandou ontem os provedores de acesso a internet liberarem o acesso dos internautas brasileiros ao site de vídeos YouTube. Ele desfez, então, a confusão que seu despacho anterior havia provocado: a intenção era bloquear apenas o vídeo em que a apresentadora Daniella Cicarelli aparece com seu namorado Tato Malzoni na praia de Cádiz, na Espanha, mas o entendimento geral foi de que havia mandado bloquear o site como um todo. À tarde, antes mesmo de receber a notificação, a Brasil Telecom desbloqueou o YouTube. A Telefônica desbloqueou totalmente apenas à noite.


A decisão, que visava esclarecer a ambigüidade da liminar, foi iniciativa do próprio desembargador, tomada assim que soube do bloqueio. Para evitar equívocos, Santarelli mandou, com todas as letras, ‘restabelecer o sinal do site, solicitando que as operadoras informem ao Tribunal as razões técnicas da suposta impossibilidade de serem bloqueados os endereços eletrônicos (dos vídeos)’.


No despacho, Santarelli diz acreditar ‘que o fechamento completo do sinal de acesso ocorreu por dificuldades técnicas de ser criado o filtro que impeça o acesso ao vídeo’. No entanto, sua ordem não foi interpretada como ele queria nem mesmo pelo juiz Lincon Antônio Andrade de Moura, da 23ª Vara Cível, que mandou ofício para as empresas, informando que Santarelli teria ordenado ‘o bloqueio do site www.youtube.com’.


Para o desembargador, ‘é forçoso reconhecer que não foi determinado o bloqueio do sinal do site YouTube’. Ele ponderou também que a interdição poderia ser interpretada como medida desproporcional porque, para proteger um casal, milhões de internautas seriam prejudicados. Santarelli, no entanto, ressalva: uma medida drástica como o bloqueio total do site pode ser adotada no futuro se a decisão de retirar os vídeos do ar for novamente descumprida.


No balanço geral, segundo ele, o resultado da confusão foi positivo porque ‘o incidente serviu para confirmar que a Justiça poderá determinar medidas restritivas, com sucesso, contra as empresas, nacionais e estrangeiras, que desrespeitarem as decisões judiciais’.


O advogado de Malzoni, Rubens Tilkiam, preferiu não se pronunciar por enquanto. Foi o namorado de Cicarelli quem procurou a Justiça para evitar a exibição do vídeo. As empresas ainda analisam se é tecnicamente viável bloquear apenas o vídeo.


Na opinião do presidente da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet (Abranet), Antônio Tavares, o decisão de impedir o acesso ao YouTube foi um ato de censura. ‘Causou um dano irreparável à imagem do Brasil’, afirmou. Tavares ponderou que houve certa ingenuidade do desembargador, mas adiantou que a sociedade não vai admitir outro parecer como este. ‘Serviu como lição.’


A entidade Repórteres sem Fronteiras também considerou a primeira ordem do magistrado ‘desproporcional’.’


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Internautas comemoram nova decisão como fim da censura


‘Blogs e sites que continham protestos ganharam comentários elogiosos à liberação do site, mas insultos lotaram página da modelo em enciclopédia


O YouTube foi desbloqueado, mas nem por isso os insultos à apresentadora Daniella Cicarelli deixaram de circular na rede. Ontem, páginas da apresentadora na enciclopédia virtual Wikipedia foram atacadas por internautas. ‘Fora Cicarelli e não volte nunca mais!’, dizia uma das ofensas mais leves, retirada rapidamente do ar.


Em outras páginas da web, blogs e sites de relacionamento que anteontem registraram protestos, ontem tinham mensagens de comemoração. ‘Vencemos! Vencemos o fantasma da censura!’, dizia um blog que promove o boicote à apresentadora. O dono da página, auto-identificado Dono da Verdade, disse que o magistrado se dobrou à pressão popular. ‘Não tinha como manter a decisão que, na prática, teve efeito pífio’, declarou.


A página para boicotar Cicarelli foi criada no início do mês e, em apenas cinco dias, teve 123.342 acessos. ‘Eu realmente não esperava tanta repercussão, visto que só falei do blog para cinco amigos’, contou Dono da Verdade, que é estudante e tem 25 anos. Para ele, ‘o povo cansou de ser pisado’.


A MTV Brasil, emissora que exibe o programa de Cicarelli, confirmou ter recebido milhares de e-mails de protesto contra o bloqueio. Em nota, disse que sempre lutou pela liberdade de expressão, mas, neste caso, ‘embora revestidos de legitimidade, a maioria dos protestos no fundo compartilha dos mesmos valores que quer atacar, pois fomenta a censura a um canal de televisão.’


No Orkut, o número de comunidades relacionadas ao nome da apresentadora e do YouTube aumentou. À tarde, os internautas paulistas questionavam a demora. ‘E a Telefônica não vai desbloquear?’, questionavam. A primeira a cumprir a decisão foi a Brasil Telecom. ‘Não tinha motivo para eu ser penalizado se quem praticou um ato obsceno em público foi a ela’, afirmou o programador Alexandre Conrado, de 29 anos.


Para o engenheiro do Comitê Gestor de Internet (CGI) no Brasil, Demi Getschko, o bloqueio ‘é a mesma coisa que mandar fechar uma rodovia porque se descobriu que o contrabando está sendo feito por ali’, explicou. O CGI não se posicionou oficialmente, mas, para Getschko, o correto seria punir o autor do vídeo. ‘Não creio que o magistrado quis censurar, mas na prática foi o que aconteceu. ‘


A organização dos internautas, que elaboraram abaixo-assinado online e criaram várias páginas de protesto, impressionou o engenheiro. Ele acredita que impedir a divulgação do vídeo será tarefa árdua.


bSites ensinam acesso alternativo


Um dia foi suficiente para os os internautas brasileiros encontrarem novos caminhos para acessar o YouTube. Endereços como www2.youtube.com; www.youhide.com; www.tubemania.com, entre outros, foram divulgados pelos internautas para furar o bloqueio. Até configuração de proxy era ensinada passo a passo. ‘Existem vários endereços para uma mesma página que não são informados. Neste caso, os poucos que sabiam como driblar, compartilharam a informação’, explicou o engenheiro do Comitê Gestor de Internet, Demi Getschko.’


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Folha de S. Paulo


Quarta-feira, 10 de janeiro de 2007


VENEZUELA
Editorial


O Rubicão de Chávez


‘O PRESIDENTE Hugo Chávez vai dissolvendo as poucas dúvidas que ainda restam acerca de seu pendor autoritário. Pôs-se agora em marcha batida para fazer da Venezuela a segunda ditadura das Américas -se o regime cubano sobreviver até lá.


A estatização dos setores de telefonia e eletricidade, anunciada com pompa como ato inaugural do terceiro mandato, não é o que mais preocupa na agenda ‘socialista’ de Chávez. Usar fundos públicos para indenizar empresas privadas e submeter a prestação de serviços à costumeira ineficiência empresarial do Estado é apenas uma opção obsoleta.


Supõe-se, evidentemente, que o chavismo não lance mão do confisco de bens, o que seria um esbulho contra empresas venezuelanas e estrangeiras. Supõe-se, também, que não se valha do monopólio na telefonia para censurar a internet, como ocorre na China, no Irã e em Cuba.


Não é preciso saber que forma tomarão as estatizações, no entanto, para temer pelo futuro da democracia na Venezuela. Quando requer poderes para ditar ‘leis revolucionárias’ por decreto, quando pleiteia a reeleição ilimitada e quando revoga por razão ideológica a concessão de um canal de TV (ameaçando fazer o mesmo com os outros grupos de oposição), Chávez atinge direitos civis e políticos fundamentais.


A Organização dos Estados Americanos é regida por uma cláusula democrática -outrora apenas retórica, mas que foi reafirmada em 2001 pelos países-membros. Assegurar as liberdades da democracia é condição para integrar a entidade. O secretário-geral da associação, o chileno Jose Insulza, zelava pela carta da OEA quando manifestou estranheza diante da não-renovação da licença de funcionamento da mais antiga rede de rádio e TV venezuelana.


Insulza foi tratado com impropérios por Chávez, que agora está em campanha pela substituição do secretário-geral. Na empreitada, o líder venezuelano fará pressão sobre o Mercosul para que o bloco embarque em sua investida contra Jose Insulza.


Surge nova oportunidade para o Brasil reformar a sua diplomacia em relação a Chávez. Não basta o Itamaraty moderar o venezuelano nos bastidores. Brasília deveria manifestar solidariedade ao dirigente da OEA, atacado com brutalidade por um chefe de Estado associado. Deveria, em nome da cláusula democrática que também vigora no Mercosul, transmitir a Chávez preocupação com os rumos de seu regime.


Hugo Chávez, é bom frisar, não foi consagrado pelas urnas nas eleições de dezembro. Quase 40% dos eleitores votaram contra estender seu mandato até 2013. A oposição não dispõe de uma quantidade proporcional de assentos no Congresso porque cometeu o erro de boicotar o pleito legislativo de 2005 -para não mencionar a sua desastrosa e injustificável opção pelo golpismo três anos antes.


Não cabe ao Brasil tomar atitude que configure ingerência em assuntos internos da Venezuela. Mas devemos manter distância diplomática de um governo vizinho prestes a cruzar o Rubicão rumo à ditadura.’


Folha de S. Paulo


EUA cobram indenizações da Venezuela


‘O governo americano cobrou da Venezuela que respeite os contratos e indenize as empresas afetadas por seu plano de reestatização. A resposta dos Estados Unidos ao plano anunciado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, de nacionalizar uma empresa telefônica e uma distribuidora de energia, ambas com sócios americanos, veio por quatro fontes do primeiro escalão de Washington.


Outra reação foi a forte queda da Bolsa de Valores de Caracas, de 18,66%, e a desvalorização das ações das empresas que estão na mira de Chávez. No mercado paralelo, o bolívar, moeda local, desabou.


O porta-voz da Casa Branca, Tony Snow, disse que ‘as nacionalizações têm uma longa e pouca gloriosa história pelo mundo’. ‘Apoiamos o povo venezuelano, hoje é um dia triste para eles’, afirmou. Além de cobrar respeito aos contratos, o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, chamou as nacionalizações de ‘propostas desgastadas’.


O secretário (ministro) de Energia dos EUA, Samuel Bodman, falou que os contratos deveriam ser ‘invioláveis’. ‘Se companhias americanas forem afetadas, esperamos que elas sejam compensadas de modo imediato e justo’, disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Gordon Johndroe.


Os anúncios dos planos estatizantes foram feitos na segunda-feira, durante a posse dos ministros que acompanharão Chávez em seu segundo mandato, que vai até 2013.


Chávez toma posse hoje, quando prometeu dar mais detalhes sobre as novas medidas. Ele citou que pretende estatizar a Companhia Anônima de Telefones da Venezuela (Cantv), maior empresa de telefonia fixa e maior servidor de internet do país. Pelo seu discurso, deduziu-se que também a empresa Electricidad de Caracas deve ser reestatizada.


Empresas afetadas


Os investidores americanos na Venezuela são os maiores afetados com os anúncios.


Criada em 1930 como uma empresa privada e nacionalizada em 1951, a Cantv foi privatizada novamente em 1991.


Metade de suas ações foram vendidas pela bolsa de valores. A Cantv tem 10 mil acionistas na Bolsa de Caracas e outros 3.000 na Bolsa de Nova York. A americana Verizon ficou com 28,5% das ações, e a espanhola Telefónica, com 6,9%.


No ano passado, a Verizon negociou a venda de sua participação na Cantv para a empresa América Móvil, do magnata mexicano Carlos Slim, dono da Embratel e da Claro. A venda aguardava a aprovação das autoridades venezuelanas.


Com o anúncio de segunda-feira, as ações da Cantv caíram 30,2% na Bolsa de Nova York – o valor da empresa perdeu US$ 770 milhões. Para ‘proteger os pequenos investidores’, a Comissão Nacional de Valores da Venezuela tirou as ações da Cantv e da Electricidad de Caracas do mercado.


Esta última foi comprada em 2000 pelo grupo americano AES (que é proprietário da Eletropaulo, no Brasil), por US$ 1,6 bilhão. Na época, Chávez recebeu bem a compra pelos americanos, que impediram que a empresa ficasse com a ‘oligarquia’ venezuelana. As ações da empresa caíram 20% até sua retirada do pregão.


O bolívar se desvalorizou em 20% ontem no mercado paralelo e ficou cotizado em 4.200 bolívares, 700 bolívares a mais que na segunda-feira. A Venezuela tem um controle de câmbio desde fevereiro de 2003, com uma cotação oficial em 2.120 bolívares por dólar.


Com agências internacionais’


Richard Lapper


Retórica à parte, mudança assinala maior peso do Estado e traz riscos


‘DO ‘FINANCIAL TIMES’ – Quando, há pouco mais de um mês, Hugo Chávez conquistou uma vitória arrasadora nas eleições presidenciais, foi claro ao falar de suas intenções radicais. Mesmo assim, a rapidez com que agiu pegou muitas pessoas de surpresa. Uma analista em Caracas da consultoria Latin Source, Tamara Herrera, diz que a velocidade das mudanças ‘foi um choque’.


Algumas das medidas anunciadas podem ser mais retórica do que realidade. As negociações com as empresas que operam na bacia do Orinoco já vêm acontecendo há alguns meses. É previsto que os investidores vão concordar com os novos termos, incluindo o controle majoritário do Estado sobre novos empreendimentos, do mesmo modo como fizeram no ano passado duas dúzias de outras companhias que operam nos campos petrolíferos convencionais da Venezuela.


Mesmo assim, as novas medidas parecem, sim, conduzir a Venezuela num rumo novo, confirmando o papel crescente do Estado na economia e um modelo político mais centralizado. Quando Chávez chegou ao poder, o governo seguia um modelo econômico muito mais pragmático. Após a tentativa fracassada de golpe contra ele, em 2002, Chávez foi pouco a pouco aumentando o controle do Estado sobre os preços e as taxas de juros e tomou medidas para restringir o acesso do setor privado a divisas.


A nacionalização de empresas como a Cantv, porém, deve reduzir de modo dramático o peso do setor privado na economia. Ganharão peso maior o governo, as joint ventures controladas pelo Estado, as cooperativas e as firmas comunitárias, muitas das quais são dependentes do Estado. As medidas anunciadas abrem duas áreas de vulnerabilidade. Em primeiro lugar, Chávez pode começar a ter dificuldade maior em administrar os desequilíbrios econômicos. A ação hostil contra empresas estrangeiras deve resultar numa redução dos investimentos nos campos petrolíferos. As nacionalizações também podem intensificar as pressões sobre o mercado de divisas.


Nacionalizações na escala anunciada irão reduzir a confiança e incentivar a fuga de capitais. Tamara Herrera, da Latin Source, prevê aumento dos preços e que o governo amplie os controles sobre os preços. Em segundo lugar, a adoção de um modelo político mais restritivo aumenta os riscos de isolamento de Chávez na América Latina. No ano passado, a Venezuela entrou para o Mercosul. Para ser membro desse clube, a Venezuela precisa respeitar as regras democráticas comumente aceitas. Tradução de CLARA ALLAIN’


SADDAM EXECUTADO
Marcelo Coelho


Caso encerrado


‘NO COMEÇO, tudo está muito escuro, há apenas um vozerio masculino, como se fosse uma equipe de mudanças discutindo como carregar um armário até o andar superior. Há em seguida uma escada, um corrimão de madeira um tanto precário e um balcão, também de madeira, no segundo andar.


O lugar parece um galpão de fábrica ou uma garagem abandonada. No teto, aliás, há um rombo, como se estivessem fazendo algum conserto na caixa d’água. A confusão parece crescer, e os encarregados do serviço chegam com uma corda reforçada, capaz de puxar piano de cauda.


No meio do vídeo, surge um ponto luminoso, quase cor-de-rosa. É o rosto de Saddam Hussein. Passam a corda em volta de seu pescoço, há muita falação, gritos ritmados, a imagem aparece e desaparece.


Foram tantas as quebras de continuidade, os momentos de escuridão completa, que, até o último momento, eu não sabia se o filme da execução de Saddam estava completo. A telinha do YouTube informava que o registro durava dois minutos. Mas nada parecia acontecer, e o tempo se prolongava estranhamente.


Então o corpo de Saddam caiu com a velocidade de um raio. Reto, perpendicular, imóvel, como se já estivesse morto antes mesmo que a corda quebrasse o seu pescoço.


É estranho pensar que um enforcamento tem a mesma velocidade de uma execução pela guilhotina; essa sempre parece, nos filmes sobre a Revolução Francesa, ser mais cirúrgica e precisa.


Já nos enforcamentos de faroeste, o corpo do condenado fica girando no galho de uma árvore, indefinidamente, à espera dos abutres que se destacam contra os céus poeirentos de Nevada ou de Oklahoma. Há uma sensação de agonia que o enforcamento de Hussein não transmitiu.


Ocorreu-me, sinistramente, o pensamento de que o corpo do condenado é seu próprio instrumento de execução; um réu excessivamente magro talvez morresse mais devagar ou tivesse de cair de uma distância ainda maior. Com o tempo, os carrascos devem adquirir o know-how necessário. George Orwell (1903-1950) se refere a dificuldades desse tipo num curto ensaio de 1931. Está disponível em português na coletânea ‘Dentro da Baleia’ (Companhia das Letras).


Antes de se dedicar à carreira de jornalista e escritor, Orwell integrou a polícia imperial britânica, na Birmânia. Em ‘Um Enforcamento’, narra a execução de um prisioneiro, ‘um hindu, um homenzinho franzino de olhos vagos’. O réu caminha tranqüilamente para o cadafalso, ‘com aquele modo bamboleado de andar dos indianos, que nunca endireitam os joelhos (…) os cachos de cabelo sobre o couro cabeludo subiam e desciam numa dança, os pés se imprimiam no cascalho molhado.


E uma vez, apesar dos homens que lhe agarravam cada ombro, pisou ligeiramente de lado para evitar uma poça d’água no caminho’. O pormenor impressiona Orwell.


‘Aquele homem não estava agonizando, estava tão vivo quanto nós (…) os olhos tinham visto o cascalho amarelo e as paredes cinzentas, e o cérebro ainda se lembraria, anteveria, pensaria -pensaria até sobre poças d’água. Ele e nós éramos um grupo de homens caminhando juntos, vendo, ouvindo, sentindo, percebendo o mesmo mundo; e, em dois minutos, com um estalo súbito, um de nós partiria -uma mente a menos, um mundo a menos.’


Não tenho a menor pena de Saddam Hussein, e uma mente como a dele não faz certamente falta no planeta. Mesmo assim, e creio que é este o sentido do texto de Orwell, a execução de um homem tem uma dimensão maior do que o simples ato de fazer justiça. A morte administrativa, mecânica, de um culpado pode ser muito mais ‘certa’ do que os crimes cometidos pelo réu. Mas é a impessoalidade da execução -o fato de que, ao matar um culpado, o carrasco não é culpado de nada- o aspecto mais desproporcional, disparatado, incompreensível.


Cômico, até. Orwell diz que, depois do enforcamento do indiano, uma sensação de hilaridade tomou conta dos presentes. As frases mais tolas pareciam tremendamente engraçadas. A execução tinha sido bem sucedida. ‘Não é sempre assim, ah, não!’, diz um policial. ‘Soube de casos em que o médico foi obrigado a entrar debaixo do cadafalso e puxar as pernas do prisioneiro para garantir a morte. Muito desagradável!’ Outro funcionário comenta: ‘Querendo se safar, é? Isso é ruim!’.


E todos dão muita risada. Depois de mostrar o rosto de Saddam, a telinha do YouTube ficou totalmente preta. Caso encerrado.’


POLÍTICA CULTURAL
Folha de S. Paulo


Cultura: Gil formaliza demissão de Grassi


‘O ministro da Cultura, Gilberto Gil, formalizou ontem a demissão do presidente da Fundação Nacional de Arte, Antônio Grassi. Em reunião fechada no Rio, Gil e Grassi conversaram sobre a transição do cargo. O ator Celso Frateschi é o nome cotado para substituir Grassi.’


YOU TUBE CENSURADO
Constança Tatsch


Justiça manda desbloquear YouTube


‘O site YouTube foi desbloqueado para os internautas brasileiros ontem, após nova determinação da Justiça sobre o caso que envolve o vídeo com carícias entre a modelo Daniella Cicarelli e o seu namorado Renato Aufiero Malzoni Filho.


A medida havia afetado mais de 5,5 milhões de pessoas, clientes da Brasil Telecom, além dos internautas que usavam provedores da Telefonica.


Na sexta passada, a Brasil Telecom impediu o acesso ao site após ofício da 23ª Vara Cível que pede ‘o bloqueio do site www.youtube.com, da co-ré Youtube Inc, aos internautas brasileiros’. Ontem a Telefonica fez o mesmo. Outras empresas, como a Embratel, se preparavam para obedecer à ordem.


O ofício foi expedido para fazer cumprir uma decisão do desembargador Ênio Santarelli Zuliani, do Tribunal de Justiça de SP, que julgava um recurso de Tato Malzoni. Mas ontem o desembargador deu novo despacho esclarecendo que sua decisão ‘determina o bloqueio do acesso ao vídeo no site YouTube’, e não a todo o YouTube.


A reportagem conseguiu encontrar o vídeo proibido no YouTube, embora a maior parte tenha sido removida.


Apesar da mudança, o site pode voltar a ficar inacessível no país. No despacho de ontem, Zuliani diz que não está descartada a hipótese de serem tomadas ‘medidas drásticas, como o bloqueio preventivo (do site), por trinta dias ou mais, até que o Youtube providencie a instalação de software, com poder moderador das imagens cuja divulgação foi proibida.’


Tudo depende de laudos técnicos que foram exigidos às operadoras. Segundo especialistas, é praticamente impossível que as empresas consigam tecnicamente fazer esse tipo de filtragem.


O advogado que representa Malzoni, Rubens Decossau Tilkian, disse que preferia não se manifestar sobre as decisões, por motivo de ‘estratégia’.


Repercussão


A medida foi destaque em sites internacionais como do ‘The New York Times’ e da rede ‘CNN’. O bloqueio foi comentado até mesmo pela organização mundial Repórteres Sem Fronteiras. Em comunicado, a Ong afirma que a condenação foi ‘desproporcional’ e pediu o livre acesso ao site.


Internautas também se revoltaram (leia texto abaixo) e chegaram a criar um site que pede o boicote à modelo.


A assessoria de Daniella Cicarelli disse que não fala sobre sua vida pessoal, mas que não recebeu reclamação de nenhum dos seus clientes.


O diretor de programação da MTV, Zico Goes, disse à Folha que recebeu mais de 50 mil mensagens de protesto. Segundo ele, nada vai acontecer em relação à apresentadora, mas ‘pega mal’ para a emissora ter sua imagem vinculada à censura. ‘É mais uma gritaria porque um brinquedo foi tirado do que sentimento contra censura.’


Em nota, a MTV disse que a que a emissora ‘sempre repudiou a censura’ e sempre lutou pela liberdade de expressão’.’


***


Internautas protestam, divulgam as imagens e propõem boicote à modelo


‘‘Alguém ainda não tinha visto esse filme?! Dá uma baixadinha aí e ajuda a propagar’, diz mensagem no Orkut.


Se a intenção do casal Daniella Cicarelli e Tato Malzoni era impedir que as pessoas assistissem ao vídeo, o bloqueio do site YouTube provocou a reação contrária nos internautas. Além de divulgar as imagens, eles se mobilizaram para promover um boicote à modelo.


No site ‘Boicote à Cicarelli -Brasil Sem Censura’ são propostas diversas formas de forçar o canal MTV ou a marca de lingeries Hope -que tem a modelo como garota-propaganda- a dispensar a apresentadora. O objetivo é ‘provar que é mais fácil tirar a Cicarelli do ar do que ela tirar do ar um site!’


Na comunidade YouTube do Orkut, que conta com mais de 71 mil membros, o bloqueio e Cicarelli foram os assuntos do dia. Os internautas aparecem com a frase ‘boicote à Cicarelli: Brasil sem censura’ ou ‘No Cicarelli; Yes YouTube’.


Na comunidade ‘Cicarelli, devolva o YouTube’, com mais de 5.300 pessoas, os internautas chegam a colocar o número do telefone e e-mail de um diretor da MTV para exigir a saída da apresentadora.


‘O pedido de demissão dela deve continuar mesmo que a decisão judicial caia. Ela tem que ser exemplo para nenhum outro boçal tentar atentar contra a liberdade da circulação da informação!’, afirma Gypsypri.


No Orkut, existem pelo menos 12 comunidades sobre o vídeo da apresentadora. Na maioria dessas comunidades, ela é alvo de ataques.


‘Eu quero ver se ela vai conseguir que sejam bloqueados todos os sites onde dá para ver o vídeo… Não tem jeito, esse vídeo vai continuar rolando. E agora mais do que nunca, só de raiva daquela rapariga…’, dizia a internauta Jaci.’


INTERNET
Gustavo Villas Boas


Buscadores sofisticados querem espaço


‘O campo de batalha dominado pelo Google promete mudar em 2007. Novas empresas investem em inteligência artificial, personalização e intuitividade em seus mecanismos de busca. Elas prometem precisão e agilidade para o internauta chegar a resultados relevantes. É a chamada busca vertical. Segundo a empresa de pesquisa de mercado Outsell, esse nicho deve movimentar US$ 1 bilhão em 2009.


Um dos destaques nesse campo é o Hakia.com, que possui uma tecnologia capaz de identificar o contexto das páginas analisadas. O site também organiza buscas comuns em galerias. Ao buscar por ‘car’ (carro, em inglês), ele separa os resultados em tópicos como notícias, fabricantes e inovações. Assim, o internauta identifica rapidamente o que lhe serve.


Na seara dos buscadores especializados, sites como o Kayak.com e o Retrevo.com devem se destacar.


O primeiro é voltado para viagens e, com controles na tela, ajuda a encontrar passagens ou hotéis por todo o mundo, além de hospedar um fórum de discussão sobre o tema.


O segundo, destinado a eletrônicos, separa os resultados em tópicos -como fóruns, resenhas, lojas e imagens.


Outra fatia que deve crescer é a da busca social, aposta de sites como o delicious.com e o www.technorati.com. Eles utilizam ‘tags’ para organizar o que agrada à comunidade e para gerar os resultados.


Gigantes de olho


As grandes empresas também investem em novidades. Microsoft (search.live.com/macros), Yahoo (builder.search.yahoo.com) e Google (www.google.com/coop) permitem a criação de mecanismos personalizados -os usuários escolhem onde vai ser feita a busca. Um médico pode optar por sites científicos, por exemplo, evitando páginas voltadas aos leigos.


O Google lançou, também, o Searchmash.com, que organiza os resultados por mídias e pede a colaboração do usuário para aprimorar os serviços, ainda em testes.


VEJA A DIVERSIDADE DOS SITES DE BUSCA


MÃO HUMANA


O www.chacha.com conta com guias que fazem a busca baseada em perguntas de um chat


OUVIDOS ATENTOS


O www.podzinger.com ‘lê’ o áudio de podcasts e do YouTube e procura palavras nele


MEU BUSCADOR


No rollyo.com, o usuário escolhe o assunto e faz uma lista de sites confiáveis para a busca


MULTIMÍDIA


O www.flurl.com busca vídeos, arquivos em flash e áudio e o usuário avalia os resultados


ENTRETENIMENTO


O www.biggerboat.com é especializado em filmes e em músicas


OLHADINHA


O www.snap.com mostra na própria tela uma imagem das páginas encontradas


INTELIGÊNCIA COLETIVA


O www.eurekster.com une o conceito de wiki e de personalização para aprimorar os resultados


POR PARTES


O clusty.com cruza dados de diversos buscadores e separa em tópicos os resultados


MAPA DA REDE


O www.kartoo.com, com versão em português, mostra os resultados em uma interface visual. Uma versão atende as crianças’


MÍDIA & RELIGIÃO
Vinícius Queiroz Galvão e Kleber Tomaz


EUA prendem casal fundador da Renascer


‘O FBI (a polícia federal norte-americana) prendeu na madrugada de ontem, no aeroporto de Miami, o casal Estevam Hernandes Filho e Sônia Haddad Moraes Hernandes, fundadores da Igreja Apostólica Renascer em Cristo.


Os dois foram presos porque são acusados de entrar naquele país com US$ 56 mil (mais de R$ 120 mil) em dinheiro vivo -eles haviam declarado às autoridades de imigração que portavam menos que US$ 10 mil (R$ 21 mil).


O apóstolo e a bispa serão investigados agora nos Estados Unidos por suspeita de crime de lavagem de dinheiro. Segundo a defesa do casal no Brasil, os dois não foram presos, mas tiveram apenas que esclarecer às autoridades norte-americanas o motivo da entrada do dinheiro levado por eles.


De acordo com a polícia americana, Estevam Hernandes disse ser o responsável pela declaração falsa de dólares e assumiu sozinho a autoria do crime.


O casal foi levado a uma delegacia local, onde acabou libertado pelas autoridades norte-americanas, após pagar fiança no valor de US$ 100 mil (R$ 215 mil) estipulada por um juiz.


Fundada em 1986, a Renascer tem 1.100 templos no país. No Brasil, o casal responde a processo por falsidade ideológica, estelionato, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.


Os dois têm residência legal nos EUA e são donos de outros bens no país, como uma casa de praia em Boca Raton, no litoral da Flórida, avaliada em US$ 470 mil (R$ 1,27 milhão). Como há suspeita de envio ilegal de recursos para os EUA, a investigação é estendida aos órgãos de inteligência americanos.


O casal havia embarcado anteontem por volta das 23h25 no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, na primeira classe do vôo JJ 8100 da TAM, operado pela American Airlines.


Chegaram ao aeroporto de Miami às 4h30 no horário local (7h30 em Brasília). Uma ação conjunta do Gaeco (Grupo de Atuação de Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público Estadual de São Paulo, da Polícia Federal brasileira e do FBI monitorou o casal desde o embarque em São Paulo.


Estevam e Sônia Hernandes estão proibidos de deixar os EUA nas próximas duas semanas. Nesse período, deverão se apresentar à Justiça americana na condução do processo a que respondem no país.


Bíblia


Os US$ 56 mil que traziam foram apreendidos pela Receita Federal americana. Desse dinheiro, US$ 10 mil estavam dentro de uma Bíblia que a bispa Sônia carregava, segundo relatório da alfândega. Também foram achados dólares num porta-CDs, na mala de Estevam e até na mochila de seu filho.


O casal estava na lista de procurados do FBI por ser investigado por crime de interesse dos EUA e por terem status de residentes legais no país.


A classificação cromática de Estevam e Sônia, medida de risco utilizada pela polícia americana, havia sido marcada como ‘alerta azul’. Desde que começaram a ser investigados pelo Ministério Público, os Hernandes já tiveram vários bens bloqueados ou seqüestrados pela Justiça, entre os quais uma casa na Flórida e um haras em Atibaia (a 60 km de SP), comprado pela Renascer por R$ 1,8 milhão. Eles também são acusados pelo Gaeco de fraudar em R$ 7 milhões a Fazenda Estadual.


Colaborou EVANDRO SPINELLI, da Reportagem Local’


Kleber Tomaz


No Brasil, Ministério Público faz novo pedido de prisão de apóstolo e de bispa


‘O Gaeco fez ontem um novo pedido de prisão preventiva contra o apóstolo Estevam Hernandes Filho e a bispa Sônia Haddad Moraes Hernandes, que terá conseqüência apenas quando eles voltarem ao Brasil. Esse pedido deve ser analisado hoje pela Justiça.


‘O comportamento do casal dias depois da revogação da prisão preventiva no STJ [Superior Tribunal de Justiça] demonstra completo pouco caso no processo e reiteração da conduta pelo qual estão sendo processados: lavagem de dinheiro’, disse ontem à Folha o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro, do Gaeco.


Esse foi o segundo pedido de prisão feito pelo Ministério Público contra o casal Hernandes.


O que motivou o primeiro pedido, feito no final de 2006, havia sido o fato de o casal faltar a uma audiência, segundo a defesa, por motivo de saúde.


Naquela ocasião, a Justiça aceitou o pedido de prisão e determinou que ele fosse cumprido. O casal, porém, ficou foragido por 19 dias até conseguir uma liminar no STJ que anulou a prisão preventiva.


Sonegação


Levantamento feito por fiscais da Fazenda do Estado de São Paulo concluiu no segundo semestre de 2006 que os fundadores da Igreja Renascer deixaram de pagar R$ 7 milhões em tributos envolvendo outras dez empresas em nome deles.


A Justiça também já havia autorizado o bloqueio da movimentação de oito contas bancárias das empresas Colégio Gamaliel e Publicações Gamaliel, que movimentaram R$ 46 milhões, entre 2000 e 2003.


No final do ano passado, o casal Hernandes tinha perdido outra queda de braço com a Justiça, que bloqueou um haras no interior do Estado, avaliado em R$ 1,8 milhão. (KT)’


Evandro Spinelli


Foi apenas um erro em formulário, diz advogado


‘O advogado Luiz Flávio Borges D’Urso, que defende no Brasil o casal Estevam Hernandes Filho e Sônia Haddad Hernandes, fundadores da Igreja Renascer, disse que eles não foram presos nos EUA, mas apenas tiveram de prestar esclarecimentos às autoridades norte-americanas sobre a entrada de dinheiro no país.


D’Urso afirmou que eles erraram no preenchimento das declarações aduaneiras sobre o dinheiro e que por isso ficaram retidos no aeroporto até que a situação fosse esclarecida.


O advogado afirmou que Sônia foi liberada no início da tarde e Estevam, no fim da tarde. As autoridades norte-americanas confirmam apenas a liberação de Sônia.


De acordo com D’Urso, o casal estava acompanhado de dois filhos e três netos e que teria de ser preenchida uma declaração para cada pessoa, mas foram feitas três.


Como a legislação norte-americana permite que cada pessoa, independentemente da idade, entre no país com até US$ 10 mil em dinheiro, eles poderiam portar até US$ 70 mil. O fato de apenas três declarações terem sido preenchidas pela família fez com que o limite individual ‘estourasse’.


D’Urso afirmou ainda que o caso não tem nenhuma relação com as investigações brasileiras por suposta lavagem de dinheiro. ‘O episódio vivido pela família Hernandes não tem nada a ver com os processos a que eles respondem no Brasil.’


Ele disse não ter informação sobre a participação do FBI (a polícia federal dos Estados Unidos) na investigação sobre o casal Hernandes.


D’Urso também disse não ter informação sobre o pagamento de fiança para a liberação do casal. ‘Eles não foram presos, portanto não há motivo para o pagamento de fiança.’ Havia a informação -não confirmada- de que eles teriam pago US$ 100 mil de fiança.


O advogado não soube informar também o local de embarque dos fundadores da igreja Renascer. No Brasil, é permitido embarcar para o exterior com no máximo R$ 10 mil sem ter de dar explicações à Receita Federal. Os US$ 56 mil, na cotação de ontem do dólar turismo, equivalem a R$ 126,56 mil, mais do que permite a lei brasileira. Não há informações de que eles tenham feito essas declarações antes de embarcar no aeroporto de Cumbica.


Sobre o motivo da família ter levado tanto dinheiro, D’Urso disse que Estevam tem Green Card [documento que dá ao portador o direito de manter residência permanente nos Estados Unidos], mora e trabalha nos Estados Unidos. ‘Ele tem toda uma estrutura de trabalho lá que ele tem de suportar.’


D’Urso afirmou que obteve todas as informações sobre o episódio por meio de um advogado que trabalhou para a família Hernandes no caso. D’Urso, no entanto, não soube dizer quem é o advogado norte-americano. ‘Eu conversei com ele por meio de um tradutor’, explicou o advogado, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São Paulo.


Nota


A Renascer divulgou nota sobre o episódio, citado como ‘engano de alguns veículos da imprensa que noticiaram uma suposta prisão do apóstolo Estevam e da bispa Sônia’.


A nota se refere ao equívoco no preenchimento, que foi ‘esclarecido’. ‘Isso ocorrendo, foram eles, em seguida, liberados, deixando claro tratar-se de procedimento normal e absolutamente regular.’


‘Ainda é importante salientar que o episódio nos Estados Unidos nada diz respeito a eventuais outros processos no Brasil, que nas devidas instâncias e no momento adequado serão também totalmente esclarecidos’, diz ainda a nota.’


Paulo Sampaio


Prisão não vai abalar crença, afirmam fiéis


‘Os fiéis presentes aos cultos de ontem na Igreja Evangélica Apostólica Renascer em Deus do Cambuci (região central) afirmaram que a prisão do casal de pastores Sônia e Estevam Hernandes não abalou em nada sua crença na religião.


‘Venho aos cultos pelas graças que eu alcancei, pelo que aconteceu comigo e eu vivenciei, e não por causa de coisas que me disseram ou que eu li nos jornais’, diz a dona de casa Elizabeth (nome fictício), 34, sentada na segunda fila do principal templo da igreja, na rua Lins de Vasconcellos.


Outras fiéis acomodadas por perto concordam com a cabeça.


Foram dois cultos ontem, um às 18h, outro às 19h30. No primeiro, havia em torno de 60 pessoas no templo, cuja capacidade é de cerca de duas mil.


Praticamente aos gritos, pastora Orliene prega: ‘Mesmo quando há apenas três pessoas, gente, pode acreditar, Cristo está ali! Amém!’.


Entre uma assertiva e um conselho, ela cita o nome da pastora Sônia e do marido, defendendo-os. ‘O Estêvão [primeiro mártir cristão] foi apedrejado, São João Batista teve a cabeça cortada, mas nós continuamos aqui porque Jesus sabe a verdade’, ela diz, num tom crescente, após recolher os envelopes com as doações.


O momento parece delicado: ‘Quanta porcaria, com o perdão da palavra, tem sido oferecida por aí, quanto prato de lentilha. Aqui, não! O alimento é de verdade. Não há engano, não há roubo, só entrega’, afirma.


Um presbítero (cargo logo abaixo do de pastor) aproxima-se querendo saber as intenções da reportagem, e informa que no dia anterior dois jornalistas foram retirados do templo, revistados e presos.


‘Tenho a informação de que o sr. é jornalista. Olha, eu sou policial e digo: o artigo 15 nos autoriza a chamá-lo para fora do templo, revistar sua bolsa e limpar fitas gravadas e confiscar filmes.’


No palco, pastora Orliene usa com insistência a palavra ‘limpeza’ (referindo-se à alma, ao espírito). Apesar do tom impositivo, Orliene precisa recorrer a Jesus para explicar por que continua pregando depois do escândalo recente.


Ela afirma: ‘Jesus também foi perseguido, execrado, crucificado. Eu me senti tocada por Ele há vinte anos, e o instrumento foi a Sônia, por quem tenho a maior admiração.’


Fora do templo, a desempregada Daniela, 30, diz que já doou muito dinheiro para a igreja, mas não se sente lesada ao imaginar que sua doação pode ter servido para financiar mansões ou haras. ‘Não penso nisso, porque eles fizeram muita benfeitoria nos templos.’’


TELEVISÃO
Silvana Arantes e Laura Mattos


João Bosco cobra desculpas de diretor do especial sobre Elis


‘O músico João Bosco disse estar ‘estupefato’ com a declaração do cineasta João Jardim de que ele não participou do especial de fim de ano da TV Globo sobre Elis Regina porque ‘fez doce’.


A afirmação de Jardim foi feita em carta enviada ao fanzine virtual ‘Almanakito’, editado pela jornalista e crítica de cinema Maria do Rosario Caetano, e reproduzida em reportagem da Folha, na última sexta-feira.


Jardim dividiu a direção do especial ‘Por Toda a Minha Vida’ com Ricardo Waddington, diretor de núcleo da emissora. O programa foi levado ao ar no último dia 28, com boa média de audiência.


A carta de Jardim ao ‘Almanakito’ era uma resposta à crítica feita pela autora do fanzine de que não havia entendido a ausência de Chico Buarque no programa nem o pudor em falar da morte de Elis (1945-1982).


À Folha, Jardim afirmou que Bosco, Chico Buarque e Caetano Veloso, citados em conjunto na carta, não participaram do programa porque ‘não se disponibilizaram na urgência da televisão’.


Procurada pela reportagem na semana passada, a assessoria de Bosco indicada em sua página na internet afirmou que o músico responderia se julgasse necessário. Bosco estava em viagem ao Chile e fez contato com a Folha anteontem.


‘Não recebi nenhum convite [para participar do especial sobre Elis]. Dizer que eu não tinha espaço na agenda sem obter de mim nem sequer uma resposta é leviano e grosseiro. É uma calúnia. Isso não existiu’, afirma.


O músico disse que aguarda ‘as devidas desculpas’ de Jardim. ‘Estou esperando que essa pessoa se retrate ou diga onde e quando foi que eu disse que não atenderia [o programa] por questões de espaço na agenda.’


Procurado pela Folha para comentar a reação de Bosco, Jardim disse que não gostaria de falar à reportagem.’


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