Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Folha entrevista o diretor do filme Capote

Em dia de poucas notícias sobre imprensa e mídia nos grandes jornais brasileiros, a Folha de S. Paulo entrevista o diretor de cinema Bennett Miller, do filme Capote, indicado a cinco Oscars. Baseado na vida de Truman Capote (1924-1984), um dos criadores do chamado jornalismo literário, o filme estréia no final deste mês no Brasil.


Outro destaque das edições de segunda-feira é a sequência das manifestações em países islâmicos contra as charges que satirizavam o profeta maomé, originalmente publicadas por um jornal da Dinamarca.


Leia abaixo os textos desta segunda-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006


CHARGES POLÊMICAS
Folha de S. Paulo


Dinamarca tem outra missão incendiada


‘Empunhando bandeiras islâmicas e entoando o cântico ‘Deus é o maior’, manifestantes muçulmanos atearam fogo ontem ao consulado dinamarquês em Beirute. O protesto no Líbano deu continuidade às reações violentas contra a publicação, iniciada por um jornal dinamarquês, de charges sobre o profeta Muhammad.


No sábado, manifestantes haviam incendiado as embaixadas da Dinamarca e da Noruega em Damasco, capital da Síria. Protestos públicos ocorreram ontem também no Egito, na Turquia, no Paquistão e na Palestina. O incêndio em Beirute deixou um morto e 28 feridos. Mais de 60 pessoas foram presas.


‘Qualquer um que insulte o profeta Muhammad deve ser morto’ diziam faixas carregadas por milhares de manifestantes, que atiraram pedras nas forças de segurança em Beirute. A multidão foi dispersa sob bombas de gás lacrimogêneo e jatos d’água.


Mas houve cobranças por moderação nas manifestações. Muhammad Rashid Qabani, maior representante do clero muçulmano no Líbano, disse que independentemente de como os muçulmanos se sentem sobre as charges, eles devem exercitar o comedimento. ‘Reações exageradas ultrapassam os limites dos atos democráticos e são perigosas à defesa da causa muçulmana’, reiterou um comunicado da Organização da Conferência Islâmica.


As manifestações no Líbano incluíram ainda o apedrejamento de uma igreja e estragos em uma propriedade particular situada em área cristã, elevando a tensão sectária num país que ainda não se recuperou completamente das divisões que causaram a guerra civil de 1975 a 1990.


Entre os que puseram fogo no prédio da embaixada, um homem foi atingido pelas chamas e morreu depois de saltar do terceiro andar, segundo informou um oficial à agência de notícias Reuters.


Copenhague ordenou que os dinamarqueses deixem o Líbano imediatamente ou permaneçam dentro de casa. Na rádio pública dinamarquesa, o chanceler Per Stig Moeller pediu calma.


‘É uma situação crítica e muito séria’, declarou Moeller minutos após os manifestantes atearem fogo ao consulado em Beirute. ‘O governo não tem nenhuma intenção de insultar os muçulmanos’, enfatizou o chanceler. ‘A situação não deve mais ser inflamada. Aqueles que a inflamaram devem agora acalmá-la.’


A retaliação muçulmana e a onda de protestos violentos entraram na pauta de uma reunião na Alemanha que reuniu ministros da Defesa de vários países. Eles pediram calma e ressaltaram a necessidade de respeito tanto à liberdade religiosa quanto a liberdade de imprensa. ‘Devemos impedir uma situação em que as pessoas achem que devemos optar por uma dessas duas liberdades’, afirmou o ministro das Relações Exteriores alemão, Frank-Walter Steinmeier.


As forças de segurança libanesas acabaram abrindo caminho para a passagem dos manifestantes depois de tentar em vão bloquear as ruas que levam ao consulado dinamarquês em Beirute.


O premiê libanês Fouad Saniora condenou a violência e negou que tenha faltado vigor à polícia. ‘Ou abríamos fogo contra eles, ou lidaríamos com a situação da maneira que fizemos’, disse. O governo libanês se reuniu ontem para discutir os distúrbios. Durante a reunião, o ministro do Interior, Hassan Sabei, apresentou sua renúncia ao premiê e abandonou o encontro em seguida.


Com agências internacionais’


CENSURA NA NASA
Folha de S. Paulo


Administrador repudia censura a cientista


‘Embora não publicamente, o administrador da Nasa, Michael Griffin, pediu ‘abertura científica’ na agência espacial americana depois das acusações do principal pesquisador de clima da Nasa, James Hansen, que é chefe do Instituto Goddard para Estudos Espaciais, ter dito que estava sendo censurado e até mesmo ameaçado por suas afirmações sobre o aquecimento global. ‘Não é o trabalho do pessoal de relações públicas’, escreveu Griffin numa mensagem de e-mail enviada aos 19 mil empregados da agência, ‘alterar, filtrar ou ajustar material científico ou de engenharia produzido pela equipe técnica da Nasa.’ (DO ‘NEW YORK TIMES’)’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


É fantástico


‘Avançou pelo fim-de-semana o confronto entre ‘Jornal Nacional’ e ‘Jornal da Record’. Anteontem, o primeiro mais parecia o ‘Aqui Agora’ – até com o mesmo repórter, César Tralli, no ‘desfecho de um seqüestro’.


E a disputa prosseguia ontem, na estréia de Paulo Henrique Amorim no ‘Domingo Espetacular’, com cenas de Suzane von Richtofen em liberdade. Na corrida com o ‘Fantástico’, a Record apelou e passou duas vezes a mesma reportagem.


Mas na quinta-feira, em meio a tanto crime, o ‘JN’ conseguiu dar manchete ao ministro das Comunicações, Hélio Costa, por uma crítica que ele havia feito ao ‘telefone popular’ um dia antes. É que, para além da batalha de ibope, outra está sendo travada, quanto ao padrão de TV digital a ser adotado no país.


Começou, pelo menos para o telespectador, há três semanas, no mesmo ‘JN’. ‘As empresas de radiodifusão’, vale dizer, a Globo, ‘fizeram estudo e constataram que o modelo japonês é o mais adequado’.


Na reportagem, o ministro surgia para afirmar que ‘o sistema a ser adotado deve permitir que a tecnologia seja usada em aparelhos móveis, tipo celular’, e que ‘o padrão japonês, neste momento, atende a todas essas especificidades’. O europeu, supostamente, não.


Desde então, o jogo é aberto. Costa não esconde o que deseja. Nos sites que cobrem o setor, já avisou -por assim dizer- ao presidente que ‘ ele pode fazer um gol de placa, um gol devagar ou chutar para fora’. O gol de placa é japonês.


Quatro ministros (ele, Luiz Furlan e Dilma Rousseff, mais Antônio Palocci) devem ajudar Lula na decisão.


Costa já questionou Furlan, ou melhor, ‘setores do governo’ que crêem no ‘mito de que a TV digital vai influenciar produção e exportação de equipamentos’. É um dos argumentos do padrão europeu -e de fábricas de equipamentos como Siemens, Philips e Nokia.


Também já questionou Dilma ou, nas palavras dele, ‘setores da Casa Civil’, exatamente por conta do ‘telefone popular’ -que nada tem a ver com a história, mas serviu para a escalada do ‘JN’ de quinta.


Fechando a semana, como se viu do ‘Valor’ ao site IDG Now, Hélio Costa bateu boca com os representantes do modelo europeu, que diziam que o padrão tem, sim, as ‘especificidades’ tão cobradas pelo ministro há três semanas.


No site Pay-TV, Costa foi apoiado depois por Fernando Bittencourt, diretor da Globo. Segundo o site, com ironia, ‘o ministro, após uma ‘pesquisa’ realizada pelo ministério, havia rebatido [os europeus] usando exatamente os argumentos de Bittencourt’.


Por trás de tudo, a campanha. Da Folha, ontem:


– Está em jogo a reeleição de Lula. Segundo analistas, se fizer o que as TVs querem -ou seja, optar já pelo padrão japonês- ele terá a gratidão das emissoras, que retribuirão com cobertura generosa na campanha.


Dizem até, nos sites, que Hélio Costa, que já foi do ‘Fantástico’, é um vice para Lula.


AS CRIADAS


Demorou, mas o jornal francês ‘Le Monde’ também acordou para o novo retrato da desigualdade no Brasil. Estava lá, fechando a semana, a longa reportagem sobre a Daslu, tão conhecida de outros jornais do mundo.


Receberam seu quinhão, por serem parte do ‘percurso fechado de aristocratas, burgueses esclarecidos, modelos e estrelas de televisão’, na São Paulo do ‘luxo kitsch’, o hotel Emiliano, o restaurante Fasano, o bar Skye e até a rua Haddock Lobo como um todo.


Acima de todos, porém, ícone supremo, a Daslu e suas ‘prestativas criadas de quarto de avental bordado’.


Como se não bastasse, o espanhol ‘La Vanguardia’, de Barcelona, fez ontem o longo relato de ‘uma operação de libertação de escravos na Amazônia’:


– Com a noite cerrada, surgem uns 30 trabalhadores. Sujos, silenciosos. Nenhum deles sabe que são escravos. Para eles, a vida sempre foi assim.’


TELEVISÃO
Laura Mattos


Trabalho de faculdade vira ‘astro’ na Cultura


‘Alunos de graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado poderão ter suas pesquisas divulgadas pela televisão. Essa é a proposta de ‘Campus’, que a TV Cultura planeja estrear em abril.


O programa semanal deverá ser produzido pela emissora paulista em parceria com universidades. Até a última semana, três instituições negociavam o acordo de co-produção: Universidade do Estado de Minas Gerais, Faap e Mackenzie, de São Paulo.


Cada episódio terá meia hora e poderá ser produzido pelos próprios alunos, nos laboratórios de TV das faculdades de comunicação, ou contar com a estrutura e profissionais da Cultura.


Segundo Marcos Mendonça, presidente da Fundação Padre Anchieta (que administra a Cultura), a intenção é ampliar a rede de universidades associadas e incluir outras instituições públicas.


Além da estréia de ‘Campus’, a programação deverá passar por outras reformulações em abril. Mendonça diz que uma das prioridades para a rede neste ano é abrir espaço a programas voltados para jovens.’,


CINEMA & JORNALISMO
Sérgio Dávila


Jornalismo de luxo


‘A conversa deveria girar em torno principalmente de ‘Capote’, o filme, indicado na terça a cinco Oscars, incluindo filme, direção, roteiro adaptado e ator. Mas o diretor estreante Bennett Miller acabou falando de muito mais, da crise no jornalismo a política, de George W. Bush a Glauber Rocha.


Apesar de ter sido indicado ao Oscar já em seu primeiro longa de ficção, Miller, 38, é tão desconhecido do grande público que o site especializado IMDb traz apenas três informações biográficas: que ele nasceu em 1967, que se formou na Mamaroneck High School em 1985 e que foi colega de classe de Dan Futterman. Onde? Quem? Mamaroneck é uma cidadezinha no interior de Nova York, onde ele nasceu. Ator, Futterman é amigo de infância de Miller e o responsável por apresentar ao diretor o universo de Truman Capote (1924-1984).


Considerado um dos criadores do chamado jornalismo literário (ou novo jornalismo), Capote é autor de duas obras importantes, ‘Bonequinha de Luxo’ (1958), de ficção, e ‘A Sangue Frio’ (1966), em que investiga um crime bárbaro acontecido numa cidadezinha do Kansas em 1959. O último e a conturbada vida do escritor são a base de ‘Capote’, o filme, segundo roteiro de Futterman, baseado na biografia de Gerald Clarke.


Antes disso, Bennett Miller só dirigiu o documentário ‘The Cruise’ (1998), sobre o guia turístico nova-iorquino Timothy ‘Speed’ Levitch (que lhe valeu prêmios em Berlim e no Emmy), e comerciais de TV, ‘dezenas e dezenas deles, enquanto esperava e aperfeiçoava minha técnica’, disse ele, por telefone, à Folha. ‘Capote’ estréia no Brasil no dia 24.


Folha – Por que Capote, por que este assunto agora?


Bennett Miller – Eu estava procurando um filme para dirigir já há alguns anos, sem muito sucesso. Futterman, meu amigo desde os 12 anos, me mandou o roteiro. Ao lê-lo, achei que Capote era particularmente relevante hoje. E há algumas razões para isso. Primeiro, porque me sinto culturalmente deslocado do ciclo atual. Quando vou procurar a origem disso, de por que as coisas começaram a ficar do jeito que ficaram, chego a Capote. O que ele realmente fez foi perceber antes para onde nossa cultura estava indo, em termos de jornalismo, celebridade.


Outra razão, talvez maior, é que Capote é um desses personagens cuja vida e morte representam muito mais do que eles próprios. Representam uma verdadeira tragédia americana, sobre uma pessoa que realmente tem tudo que alguém pode querer, talento, dinheiro, sucesso, fama e todo o resto, e não consegue evitar destruir a si mesmo. Por fim, o tema de pessoas não entendendo realmente as conseqüências do que fazem para conseguir o que querem. Essa, aliás, é uma tendência moderna, que se aplica igualmente a indivíduos, empresas e países.


Folha – Nesse sentido, ‘Capote’ pode ser visto como um filme político, a biografia de uma pessoa abertamente gay feita nos EUA de hoje. Concorda?


Miller – Não. Espero que seja mais profundo do que um filme político. Para mim, política é efêmera, ninguém faz política como uma condição humana profunda (risos). Se há uma leitura política do filme, isso é bom, mas o objetivo não foi político. Eu realmente espero que este filme se mantenha de pé daqui a cem anos, quando George W. Bush, sua administração e tudo o que ele está fazendo hoje estejam esquecidos.


Folha – O sr. acompanhava o jornalismo literário, gênero que Capote ajudou a inventar?


Miller – Não, foi uma coincidência. O mundo do personagem é fascinante, mas quando li a história eu pensei que tudo aquilo parecia uma metáfora de algo que transcendia ele e a história.


Folha – O sr. deve estar ciente da crise por que passa o jornalismo hoje, no seu país especialmente motivada pelos casos de Jayson Blair e Judith Miller no ‘New York Times’. Há também a queda em vendas e publicidade. O sr. acha que a indústria que fez de Capote o que Capote foi está morrendo?


Miller – Sim, é uma questão profunda. O jornalismo realmente está em crise, e isso não prejudica tragicamente apenas a profissão, é um pilar de integridade da sociedade que se pode perder. A corrupção praticada por essas pessoas vai ter conseqüências que eles mesmos não entendem.


Eu diria, no entanto, que o próprio Capote contribuiu para o problema ao convidar o entretenimento para o noticiário, no que chamamos hoje de ‘infotainment’. A partir dele, a meta virou mais atrair um maior número de espectadores e entretê-los para vender produtos do que ter a responsabilidade e a integridade que o jornalismo deve ter para servir seu propósito na sociedade.


Um exemplo: enquanto Capote escrevia ‘A Sangue Frio’, Kennedy assumiu a Casa Branca. Havia então uma completa ciência das infidelidades de Kennedy entre os membros da imprensa. Todo mundo sabia que esse cara estava dormindo com legiões de mulheres. E ninguém, no entanto, jamais escreveu uma linha sobre isso. E a razão pela qual Kennedy continuava a fazer isso tão freqüentemente, bem debaixo do nariz da imprensa, era porque ele sabia que nunca escreveriam algo a respeito. Fazia parte da cultura.


O que Capote fez foi pegar uma história muito privada de uma família metodista do meio do país -e ele foi aos detalhes mais sórdidos- e torná-la em algo que era jornalismo, claro, mas também entretenimento e também rentável. Hoje em dia, é impossível para um jornalista ter ciência de qualquer insinuação sobre a vida pessoal de um presidente e não publicar. É como se fosse um bando de hienas procurando carniça, como no caso dos jornalistas que se iludiam achando que procuravam uma verdade maior por trás do sexo oral de Bill Clinton.


Folha – Por que a escolha de Philip Seymour Hoffman?


Miller – Porque este personagem é tão complexo e famoso que havia o perigo de ser interpretado de maneira falsa. Mas Capote era também um ser humano, que lutava contra a tragédia. Eu queria um ator que conseguisse dar conta desse personagem mas não o deixasse se tornar uma máscara. Havia um grande perigo de fazer de Capote uma caricatura.


Folha – O sr. é desconhecido do grande público. Quais as suas influências? Li que Jim Jarmusch é um diretor que o sr. respeita.


Miller – Gosto da independência dele, que realmente faz filmes autorais. Mas existem diretores que me são mais próximos, como Stanley Kubrick, os primeiros filmes especialmente, Werner Herzog, o Nicolas Roeg de ‘A Longa Caminhada’ (1971), os irmãos Maysles (Albert e David, dos documentários ‘Monterrey Pop’, 1968, e ‘Gimme Shelter’, 1970), o Wim Wenders do começo, de ‘Alice nas Cidades’ (1974).


Folha – Algum brasileiro?


Miller – Sou fã de Fernando [Meirelles], especialmente ‘Cidade de Deus’, mas infelizmente não sou tão curioso quanto outros cineastas, como Scorsese, que parece conhecer tudo sobre todas as cinematografias do mundo. Você não me recomenda uns dois nomes de brasileiros depois de ver ‘Capote’?


Folha – Glauber Rocha, para começar. E Eduardo Coutinho.


Miller – Glauber Rocha? Por qual filme eu deveria começar?


Folha – ‘Terra em Transe’.’


Carlos Eduardo Lins Da Silva


Um fiel observador dos fatos


‘Truman Capote foi um dos grandes nomes do movimento que ficou conhecido como novo jornalismo. Sua biografia, entretanto, diferencia-se muito do arquétipo do intelectual que brilhava nos anos 1950 e 60 nas rodas chiques de Nova York.


Sua inserção nesse circuito se deu pelos andares de baixo. Depois de uma infância turbulenta, arrumou emprego na célebre revista ‘The New Yorker’ no departamento de contabilidade e, depois, como arquivista. Naquela época, a ‘New Yorker’ fazia jus ao slogan de ‘provavelmente a melhor revista do mundo’.


Capote teve a sorte e o talento de conquistar espaço nesse centro de qualidade jornalística: foi encarregado da famosa seção ‘Talk of the Town’, passou a escrever reportagens de turismo e, afinal, tornou-se repórter pleno.


A ‘New Yorker’ se notabilizava por extensas reportagens. Em meados da década de 1990, sob nova direção, rendeu-se às pressões do mercado e praticamente as eliminou. Recentemente, voltou a publicar textos mais longos, nada similar aos de 40 anos atrás.


‘A Sangue Frio’, talvez o mais importante de todos os ícones do novo jornalismo, era originalmente uma daquelas grandes reportagens. Ela foi o produto do aperfeiçoamento das técnicas de entrevista e de estilo que Capote desenvolveu ao longo dos anos.


Para entrevistas, recorria à memória prodigiosa, que o desobrigava de gravar o depoimento ou tomar notas, e à capacidade de criar empatia com o entrevistado.


As duas táticas davam ao jornalista melhores condições para retirar a inibição da pessoa com quem conversava e, em conseqüência, obter dados que não seriam revelados numa entrevista formal. Para estimular a empatia, Capote trocava de posição com o entrevistado: falava de si, revelava inconfidências. Com isso, implicitamente criava a obrigação da contrapartida pelo interlocutor.


No quesito de estilo, usava recursos tradicionalmente exclusivos da prosa ficcional: gastava muitos parágrafos na descrição de ambientes físicos, introduzia observações pessoais de caráter psicológico, usava diálogos.


Apesar desses maneirismos narrativos, Capote sempre foi muito cioso em relação à lealdade aos fatos, sem recorrer aos frutos da imaginação. Nesse sentido, era mais fiel à profissão do que foi, por exemplo, Bob Woodward. As conversas em ‘A Sangue Frio’ com Nancy, a filha assassinada dos Clutter, eram todas baseadas em diálogos testemunhados por alguém que Capote entrevistara.


Já Woodward, em ‘The Final Days’, reproduziu um diálogo entre o presidente Nixon e os retratos de seus antecessores na Casa Branca sem que ninguém jamais lhe tivesse contado esse incidente, que segundo o próprio autor ocorrera sem testemunhas.


Embora se utilizasse da empatia com os personagens (particularmente aguda com os acusados do caso Clutter), Capote sempre se mantinha um observador da realidade. Talvez fosse esse o segredo principal de seu talento.


Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas’


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O Globo


Segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006


POLÍTICA CULTURAL
Martha Beck


Promoção de cultura vira sonegação


‘Um benefício criado para promover a cultura no país está sendo usado para sonegar tributos e prejudicar a concorrência. O papel destinado à impressão de livros, revistas e jornais é chamado imune, ou seja, sobre ele não incidem impostos. No entanto, a Receita Federal verificou uma série de casos em que empresas compraram o papel-imune e utilizaram o produto para outros fins, como cadernos, catálogos e folhetos publicitários. Por isso, agora o Fisco decidiu passar um pente-fino no setor: só no ano passado, as autuações a empresas chegaram a R$ 500 milhões.


Segundo o coordenador de Fiscalização da Secretaria da Receita Federal, Marcelo Fisch, a idéia é pedir explicações de fabricantes de papel, distribuidores, importadores, gráficas e até mesmo usuários que apresentem algum tipo de comportamento considerado suspeito. Os fiscais poderão pedir, por exemplo, que uma gráfica que também tenha se registrado como distribuidora de papel-imune comprove para quem vendeu o produto.


Empresas têm que apresentar demonstrativo


Desde 2001, qualquer empresa que trabalhe com papel-imune precisa ter um registro especial na Receita Federal. Elas também são obrigadas, desde 2002, a apresentar trimestralmente a declaração especial de informações relativas ao controle do papel-imune (DIF), documento que permite à Receita acompanhar a movimentação do setor.


– Mas se constatarmos que uma empresa vendeu papel-imune para alguém sem registro, ela vai ser punida – explicou Fisch, lembrando que a punição nesses casos vai da cobrança dos impostos sonegados ao cancelamento do registro especial.


De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf), Mário César de Camargo, a imunidade do papel para a impressão de livros, revistas e jornais permite que não haja incidência de ICMS e IPI – apenas PIS/Cofins com alíquota reduzida. No entanto, para o papel comercial, esses impostos representam uma carga tributária que chega a 35%.


Papel representa 50% do custo de uma publicação


– Quando uma gráfica se beneficia do papel-imune para vender folhetos publicitários ou catálogos, ela sonega impostos e ainda pratica concorrência desleal, pois toma clientes de quem respeita a lei – diz Camargo.- Muitas empresas travestem o nome do produto. Chamam um catálogo de livro ou revista apenas para justificar a utilização do papel-imune.


Segundo o presidente da Abigraf, o papel representa cerca de 50% do custo de uma publicação. Por isso, mesmo que uma gráfica reduza sua margem de lucro para tentar competir com a que está usando o papel-imune para ganhar clientes, ela perde a disputa.


Ele acrescenta que o produto imune representa hoje 60% do comércio de papel no país, enquanto o papel comercial equivale a 40%. No entanto, pelo tamanho do mercado editorial brasileiro, a proporção deveria ser de 30% de papel-imune e 70% comercial. Ele destacou que o prejuízo às gráficas provocado por irregularidades com papel-imune chega a mais de R$ 500 milhões por ano.


Segundo Marcelo Fisch, no fim de 2005, a Receita cancelou o registro especial de 107 empresas que estavam com o CNPJ cancelado ou inapto. Outra medida foi multar quem não entregou a DIF. Somente em 2005, foram autuadas 1.109 empresas num total de R$ 250 milhões. Já as autuações por irregularidades neste setor somaram R$ 823,5 milhões em 2005 e envolveram 706 contribuintes, entre fabricantes de papel, distribuidores e gráficas.


Será usado o cruzamento de informações


Fisch explicou que, este ano, o trabalho dos fiscais será feito por meio do cruzamento das informações prestadas na DIF. Até 2005, muitas irregularidades eram descobertas quando a empresa envolvida estava sendo fiscalizada por outro motivo.


– Mas agora vamos dar ênfase aos desvios praticados com o papel-imune – explicou o coordenador de fiscalização.’


TELEVISÃO
Lilian Fernandes


Glória Pires, recuperada da hepatite, volta a ‘Belíssima’


‘Cadê a minha estrela? Acordou? Vambora !’. A saudação da diretora Denise Saraceni, quando entrava no camarim do estúdio C, do Projac, foi acompanhada de um caloroso abraço e marcou a volta de Glória Pires às gravações de ‘Belíssima’, anteontem à tarde. Afastada do trabalho há 15 dias por causa de uma hepatite, a intérprete de Júlia, protagonista da novela das 21h da Rede Globo, mostrava disposição.


– Estou ótima. Tive alta quinta-feira e o médico disse para eu levar vida normal, mas avisou que posso sentir um pouco de cansaço. E recomendou que, na medida do possível, eu respeite meu corpo – contou Glória.


Júlia vai reaparecer no capítulo de amanhã


Quando adoeceu, a atriz pensou ter contraído uma virose, mas, por via das dúvidas, decidiu ir ao médico.


– Sou muito cuidadosa com a saúde, e se sinto qualquer coisa procuro fazer um exame de sangue para ver se não é nada mais sério. E aí o médico foi investigar e diagnosticou hepatite – explicou. – Fiquei 15 dias realmente de repouso, só levantava para ir ao banheiro. No início foi preocupante, por estar no meio da novela. Até desacelerar…


O médico de Glória conversou com o autor de ‘Belíssima’, Silvio de Abreu, e com Denise Saraceni, e determinou quanto tempo ela precisaria ficar afastada. Por causa da ausência inesperada da protagonista, Silvio reescreveu cenas de 18 capítulos. Para justificar o sumiço da personagem, inventou que Júlia tivera uma crise nervosa depois de fazer o reconhecimento do corpo da avó Bia (Fernanda Montenegro) e que seu marido, André (Marcello Antony), decidira interná-la para fazer um tratamento que incluía sonoterapia (daí o ‘acordou?’ brincalhão de Denise). Depois, fez com que Gigi (Pedro Paulo Rangel) visse André e a enteada Érica (Letícia Birkeheuer) se beijando, flagrante que seria dado pela própria Júlia. Quando estes arranjos começaram, a apreensão dominou a equipe, conta Denise:


– Assim que soube que a Glória estava doente, conversei com o Silvio e combinamos o que fazer. Aproveitamos tudo o que tínhamos gravado dela, mas nos primeiros dias o texto ( reescrito) ia chegando ao estúdio muito perto da hora de gravar, o que deixava todo mundo tenso. Mas todos se uniram num plantão solidário, e, como estamos preparados para imprevistos, não chegou a haver uma crise.


No sábado, Glória gravou seqüências que estarão no ar a partir de amanhã, quando será exibido o capítulo 81. Contracenou com Marcello Antony, Pedro Paulo Rangel, Letícia Birkeheuer, Tony Ramos (Nikos) e Emílio Pitta (Natanael). As cenas eram ambientadas na clínica onde Júlia está internada. Na primeira, André, acompanhado de Érica, leva Gigi ao local, para acabar com as suspeitas de que ele a está escondendo da família.


Na quarta-feira, a atriz gravará a volta de sua personagem para casa. Como várias tramas que giram em torno de Júlia precisam ser desencadeadas agora, muito trabalho a espera, segundo a diretora Denise Saraceni.


– Temos a preocupação de poupá-la, de ir um pouquinho mais devagar, mas semana que vem ela vai gravar muito: estúdio, externas, noturnas, diurnas…


Uma das preocupações de Denise anteontem foi com o cheiro de tinta que dominava o recém-montado cenário da clínica de Júlia:


– E aí, será que você agüenta o cheiro de tinta? – perguntou à atriz.


– Bom, quem vai dizer é o Figueiredo! – brincou Glória, referindo-se ao combalido fígado.’


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O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006


TV DIGITAL
Editorial


O jogo da TV digital


‘A decisão da Câmara dos Deputados de entrar no debate sobre a escolha do sistema de televisão digital a ser adotado no Brasil teria sido muito mais útil se tomada há bem mais tempo. Anunciada na semana passada, ela chega tarde e pode retardar o processo. O governo, que previa para o dia 10 de fevereiro a definição sobre o assunto, garante que a decisão será tomada até o dia 15 deste mês. Mas a entrada da Câmara no debate pode aprofundar divergências dentro do governo.


Trata-se de um negócio bilionário. A troca do sistema analógico pelo digital deverá movimentar R$ 100 bilhões em quatro anos. Esse valor inclui a venda de conversores, necessários para permitir que os aparelhos atuais recebam a transmissão digital, novos televisores, aparelhos de telefone celular e receitas publicitárias e de assinantes. Conforme a escolha que fizer, o Brasil pode tornar-se grande exportador de aparelhos de TV digital, e não apenas para países da América do Sul.


Para o público, o caso se resume praticamente à escolha do sistema. Há três deles em uso no mundo: o americano ATSC, o europeu DVB e o japonês ISDB. No início do governo Lula, foi anunciado que o País desenvolveria um sistema próprio, idéia felizmente abandonada, pois continha o risco de isolar o mercado brasileiro e inviabilizar as exportações.


A escolha do sistema é importante, pois dela dependerá a qualidade da imagem e a disponibilidade de serviços, como a mobilidade (a instalação da TV digital em veículos), a portabilidade (a possibilidade de receber o sinal em diferentes pontos) e o número de canais por freqüência. Essa escolha estabelecerá a maneira como se fará a interatividade (se o retorno utilizará a rede telefônica ou a própria banda de freqüência). Outra questão que está em jogo é a da convergência, isto é, o uso de outros meios, como internet e a telefonia celular, para difusão da programação.


Mas a escolha do sistema não é a questão decisiva. O que está em jogo é o novo modelo de negócio da telecomunicação de massa. A convergência propiciada pela televisão digital coloca num mesmo negócio, ou numa mesma atividade, setores que até agora não se enfrentavam diretamente: a televisão, a telefonia celular e a internet.


A produção do conteúdo e sua difusão são as questões que dividem os dois maiores grupos envolvidos no debate, as redes de televisão e as operadoras de telefonia celular. As primeiras, que vivem da receita publicitária, querem manter o domínio sobre a produção e evitar que sua transmissão imponha custo adicional ao usuário. As operadoras, que vivem das tarifas e estão interessadas em novos negócios, vislumbram a possibilidade de transmitir conteúdo, o que implicaria concorrência entre produtores.


Algumas emissoras de televisão – com o apoio discreto do ministro das Comunicações, Hélio Costa, conhecido profissional de televisão – manifestaram preferência pelo modelo japonês. Apontaram razões técnicas para sua escolha, mas a explicação parece relativamente simples. O sistema europeu abre espaço para que uma mesma freqüência seja usada por até quatro canais, e, por isso, tende a estimular a concorrência entre os produtores de conteúdo, o que não ocorre com o japonês. Parte do governo vê o modelo europeu como o mais adequado para programas como de educação a distância e para o estímulo às TVs comunitárias. Além disso, ao contrário do japonês, o sistema europeu permite a interferência das operadoras nas transmissões pelo sistema de telefonia móvel. Ou seja, as operadoras podem cobrar pelo serviço.


A escolha não pode deixar de considerar também as possibilidades de conquista de mercados externos. Dependendo do sistema escolhido, o Brasil poderá tornar-se grande exportador de televisores, mas, segundo alguns analistas, o sistema japonês, por seu uso restrito, inviabilizaria as exportações.


Além de levar em conta a realidade brasileira, constituída por um mercado de baixo poder aquisitivo, um país de dimensões continentais e a importância da televisão aberta para a população, o governo precisa considerar o interesse dos espectadores, aos quais interessa a maior oferta de programas, a um custo menor. E precisa evitar soluções até plenamente justificáveis tecnicamente, mas que podem ser desastrosas do ponto de vista econômico ou social.’


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