Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

ELEIÇÕES 2006
Clóvis Rossi

O pântano vai à TV

“Posso estar enganado, porque, primeiro, memória é sempre traiçoeira e, segundo, não há um metro confiável para fazer comparações em tais casos.

Feita essa fundamental ressalva, ouso dizer que jamais houve, na história da República, uma chuva de acusações e adjetivações tão contundentes contra um governante ainda no exercício de suas funções como aconteceu anteontem durante o debate promovido pela Globo. Aliás, o estúdio em que foi realizado o debate é também aquele em que é gravado o programa ‘Zorra Total’.

Foi mais ou menos isso o que aconteceu: uma zorra total em cima de Lula, o ausente.

Não faltou menção a um único dos incontáveis escândalos do lulo-petismo, assim como não faltou a caracterização de ‘organização criminosa’ ao mesmo grupo, lançada pela senadora Heloísa Helena. Na verdade, a expressão é originalmente do procurador-geral da República, nomeado por Lula.

Claro que o lulo-petismo poderá dizer que se trata de conspiração da mídia, das elites, de golpismo, de reação da ‘direita’. Mas tal reação não teria parentesco nem remoto com a realidade, como costuma ocorrer, aliás, com o lulo-petismo.

A mídia não participou do debate, salvo para convidar os debatedores, Lula incluído. Heloísa Helena e Cristovam Buarque são, ambos, originários do PT, do qual saíram faz apenas três anos.

Só um delirante colocaria ambos no campo da ‘direita’. Aliás, não faz muito, quem colocou Lula na direita foi o banqueiro Olavo Setúbal ao dizer que tanto o presidente como seu principal adversário, Geraldo Alckmin, são ‘conservadores’.

A propósito, Alckmin foi o menos agressivo dos debatedores.

O último ato do processo eleitoral acabou servindo, acima de tudo, para confirmar que o governo Lula criou um pântano político talvez inédito.”



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Fotos do dinheiro do dossiê acirram reta final da eleição

“O vazamento de um CD com fotografias do dinheiro apreendido pela PF com petistas -R$ 1,7 milhão no total, que deveria servir para pagar um dossiê contra tucanos- acirrou os ânimos da disputa presidencial na antevéspera do primeiro turno. O PT tentou impedir na Justiça Eleitoral a divulgação das imagens. Foi derrotado no TSE. O ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) disse haver uma articulação entre tucanos e membros da Polícia Federal na divulgação das imagens para impedir a vitória de Lula no primeiro turno. O coordenador da campanha de Alckmin, senador Sérgio Guerra, procurou desqualificar o ministro: ‘Ele quis confundir o eleitor na véspera da eleição’.

As imagens foram distribuídas a jornalistas por uma autoridade da PF que preferiu não se identificar. No mesmo momento, Hamilton Lacerda, ex-assessor de Aloizio Mercadante, prestava depoimento na sede da PF em São Paulo. Ele negou ter sido o encarregado de levar o dinheiro aos petistas no hotel. Freud Godoy, ex-assessor especial de Lula, também foi ouvido ontem na PF. Negou envolvimento no caso. Em campanha ontem em Minas Gerais, Alckmin cobrou explicações sobre a origem do dinheiro, o que até agora a PF não revelou. A corporação diz desconhecer de onde partiu o valor e abriu sindicância interna para apurar o vazamento das fotos. Lula preferiu não comentar.”



Lilian Christofoletti

Imagens foram passadas em sigilo à imprensa

“As fotos do dinheiro apreendido no dia 15 -e que seria usado por membros das campanhas do PT ao governo paulista e à Presidência para pagar um dossiê contra candidatos do PSDB- foram distribuídas ontem a pelo menos sete jornalistas nas proximidades da sede da Polícia Federal de São Paulo.

Às 10h30, enquanto o CD com as imagens era repassado em sigilo por uma autoridade ligada ao caso e que pediu para não ser identificada, Hamilton Lacerda, ex-coordenador da campanha de Aloizio Mercadante (PT) para o governo paulista, prestava depoimento no prédio da PF.

Lacerda foi apontado na investigação como o homem que levou a mala com R$ 1,7 milhão para o ex-policial Gedimar Passos e para o petista Valdebran Padilha, no último dia 15. Os dois foram presos no hotel Ibis Congonhas com o dinheiro.

O CD com 23 fotos coloridas foi repassado ao mesmo tempo para a reportagem da Folha e para outros jornalistas.

A cúpula da Polícia Federal se recusava a exibir as fotos sob o argumento de que a sua divulgação poderia interferir na disputa eleitoral, prejudicando as candidaturas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Mercadante. Gedimar, que já trabalhou na segurança de Lula, afirmou que estava a serviço de Freud Godoy, ex-assessor especial da Presidência, que também depôs ontem à tarde e negou envolvimento no caso.

O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que disputa a presidência, acusou o governo federal de usar a PF para tentar abafar uma investigação contra o partido do presidente Lula.

Fotos

Ontem, depois que as fotos já estavam na internet, a Polícia Federal confirmou que elas fazem parte do inquérito que investiga a origem do dinheiro.

O CD traz as imagens dos dólares e dos reais apreendidos pela polícia com os petistas.

Oito fotos são do R$ 1,16 milhão em cédulas novas e usadas, que vão de R$ 10 a R$ 100, separadas em pilhas. Cada monte foi envolvido em uma cinta com o logotipo da Caixa Econômica Federal.

O dinheiro foi empilhado sobre uma mesa metálica de escritório. Ao fundo, há divisórias beges, comuns nas salas da PF, e computadores.

Duas outras fotografias são de um documento da empresa de segurança e transporte Protege, que registra a transferência dos valores. O papel da empresa traz a data de anteontem.

Dez fotos são dos dólares apreendidos (US$ 248,8 mil), alguns com carimbo de doleiros. A PF informou que cinco casas de câmbio estão sendo investigadas. Em outras duas fotos, há um envelope grande com o timbre do Banco Central, onde os valores estão armazenados. Segundo a Folha apurou, as imagens divulgadas ontem, no entanto, não foram as primeiras feitas pela polícia.

No último dia 15, quando o ex-policial e o petista foram presos no hotel Ibis pelo delegado Edmilson Pereira Bruno, as cédulas foram esparramadas sobre uma cama e um agente da Polícia Federal fez as primeiras fotografias digitais.

O material foi enviado ao diretor-executivo da PF paulista, Severino Alexandre, que à época estava como superintendente em exercício da instituição.

O delegado Bruno disse ontem em coletiva à imprensa que o CD com as fotos havia sido furtado de sua sala na PF -e que ele estava sendo injustamente acusado de ter repassado o material a jornalistas.

Origem

A PF ainda não identificou a origem do dinheiro. A instituição diz que os dólares têm uma possibilidade maior de serem identificados, mas nem mesmo isso é garantido.

Delegados dizem que, no Brasil, o Banco Central não exige dos bancos e das financeiras o controle da movimentação de dinheiro com base na numeração das cédulas.

Hamilton Lacerda afirmou ontem em seu depoimento para a PF que, apesar das imagens gravadas pelo circuito interno do Ibis, não foi ele quem deixou no hotel a mala de dinheiro.

O R$ 1,7 milhão seria usado para comprar um dossiê de autoria de Luiz Antonio Vedoin, apontado como o chefe da máfia dos sanguessugas. Esse dossiê seria um conjunto de denúncias contra diversos partidos, inclusive contra o PT.”



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PT tenta barrar fotos do R$ 1,7 mi na mídia

“O PT tentou ontem, sem sucesso, impedir que as fotos dos dólares e reais apreendidos supostamente para comprar um dossiê com denúncias contra o candidato tucano ao governo paulista, José Serra, fossem divulgadas pela imprensa.

Uma ação protocolada no Tribunal Superior Eleitoral, assinada pelo presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini -ele próprio envolvido no escândalo-, acabou rejeitada pelo ministro José Delgado no início da noite.

Mas duas outras ações da coligação de Aloizio Mercadante ao governo, impetradas no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo, ainda continuavam pendentes.

Além disso, a coligação A Força do Povo (PT-PC do B e PRB), de Lula, pretende protocolar hoje no TSE um pedido de impugnação do tucano Geraldo Alckmin, alegando que a oposição estaria usando o episódio do dossiê para prejudicar a candidatura de Lula à reeleição. Até ontem à noite, o texto ainda não estava pronto.

O argumento do PT para proibir a divulgação das imagens é que se trata de um segredo de justiça. ‘É uma violação do segredo de justiça e, portanto, um ato ilegal’, disse Marco Aurélio Garcia, coordenador da campanha de Lula.

Segundo ele, o partido tem informações ‘não confirmadas’ de que o ‘vazamento ilegal’ se deu mediante pagamento. A hipótese será investigada dentro do governo.

Garcia comparou o caso à situação vivida pelo partido em 1989, durante o seqüestro do empresário Abílio Diniz. ‘Não vamos permitir que se repita a situação vivida no episódio Abílio Diniz, quando tentaram identificar os seqüestradores com o PT e com a candidatura do Lula’, disse.

O coordenador, que acompanhou a campanha de Lula ontem à tarde na fábrica da Ford em São Bernardo (SP), chamou de ‘armação’ o vazamento das imagens para a imprensa.”



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PF abre inquérito para apurar como fotos vazaram

“O superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Geraldo Araújo, anunciou ontem à noite que a PF abriu inquérito e procedimento disciplinar interno para apurar o vazamento das fotografias do R$ 1,7 milhão apreendido no dia 15 em hotel de SP, que seria usado na compra de dossiê contra tucanos.

Araújo reconheceu que o vazamento não prejudica o inquérito original aberto em Cuiabá (MT) para investigar a compra do dossiê e a origem do dinheiro. ‘Não atrapalha em nada a investigação. A foto não tem valor jurídico, tem valor político. E tudo o que a PF não quer é imiscuir-se no processo eleitoral. Tem que ser isenta, é polícia de Estado, não de governo, e isso contrariou a filosofia da própria PF’, disse Araújo.

Indagado sobre a divulgação de fotos de outras apreensões, Araújo citou a campanha presidencial de 2002, quando a revelação de fotos de dinheiro apreendido na empresa Lunus teria afetado a candidatura de Roseana Sarney (PFL-MA). ‘É o que procuramos preservar, que a PF não se envolvesse em disputa eleitoral’, disse o superintendente. Segundo Araújo, a investigação incluirá tomar depoimentos de cinco peritos criminais e do delegado Edmilson Pereira Bruno, que fizeram perícia no dinheiro.

Bruno, 43, disse ontem que as fotos ‘sumiram’ de sua sala, no sétimo andar da superintendência paulistana. Segundo o delegado, pessoas não identificadas passaram a acusá-lo por telefone de vazamento. ‘Isso não é fato e a PF vai apurar. Estão prejudicando um profissional que tem dez anos de PF. Estou com a minha consciência tranqüila’, defendeu-se.”



Eduardo Scolese e Pedro Dias Leite

Ministro de Lula diz que PSDB e PF articularam vazamento das fotos

“Coordenador político do governo, ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) acusou ontem o PSDB de participação no vazamento de fotos feitas pela PF das pilhas de dinheiro apreendidas semanas atrás com petistas que negociavam a compra de um dossiê contra candidatos tucanos.

Em entrevista no Planalto, Tarso comparou a atual divulgação das imagens à apresentação dos seqüestradores do empresário Abílio Diniz, em 1989, com camisetas do PT. À época, Luiz Inácio Lula da Silva disputava a Presidência da República com Fernando Collor.

‘Isso é uma repetição da camiseta no seqüestro do Abílio Diniz. Ou seja, uma tentativa desesperada de criar um fato novo de maneira ilegal, inclusive, porque o processo está em segredo de Justiça. Certamente ocorreu algum tipo de articulação de alguém do PSDB com alguém da Polícia Federal, que violou as normas processuais e fez essa exibição’, afirmou o coordenador político.

Os seqüestradores de Diniz, que tinham ficado com o empresário por seis dias, de 11 a 17 de dezembro, foram presos na véspera da eleição de 1989. Os criminosos estavam com camisetas do PT na imagem que acabou sendo divulgada pela mídia pouco antes da votação.

Para Tarso, a exibição das imagens de dólares e reais (equivalente a R$ 1,7 milhão) é uma tentativa das ‘elites’ de modificar o cenário eleitoral às vésperas do pleito.

‘Isso que acontece de tentar expor esses recursos não só viola o segredo de Justiça como também demonstra que é uma tentativa evidente de eles reproduzirem fatos já tentados em outras eleições. Qual é o fato? A camiseta do PT no seqüestrador do Abílio Diniz. É a mesma tentativa que as elites fazem para tentar virar o jogo na última hora.’

Tarso também comparou a divulgação das fotos ao caso Lunus, quando, em 2002, uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal encontrou R$ 1,34 milhão numa empresa da então pré-candidata a presidente Roseana Sarney (PFL).

A operação na Lunus, com a exibição das fotos do dinheiro, causou o rompimento do PFL com o governo tucano e a desistência da maranhense na disputa pela Presidência.

‘Pode parecer com o caso Lunus. Aliás, é bom lembrar o caso Lunus, onde apareceram aqueles recursos e depois os recursos não só foram devolvidos à candidata como também foi demonstrado que foi um procedimento totalmente ilegal e uma armação com os mesmos personagens.’

Ministro

Por meio de sua assessoria, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, afirmou que em nenhum momento interferiu na decisão da Polícia Federal, subordinada a ele, de divulgar ou não as fotos do dinheiro apreendido em São Paulo.

A assessoria afirmou que quem decide sobre a divulgação é a PF. A única orientação do ministro, por essa versão, é ‘investigar de forma impessoal, sem perseguir e sem proteger’.

Há dez dias, Thomaz Bastos disse que a PF não iria divulgar o dinheiro só para prejudicar candidaturas. ‘É preciso que as pessoas entendam que o Brasil mudou. Hoje não é mais como naquele tempo em que se faziam imagens para jogar na televisão e destruir candidaturas. Não vamos fazer isto’, afirmou.”



Marcelo Coelho

Som e fúria

“POUCAS VEZES o país foi às urnas tão dividido como agora. Pobres e ricos, nordestinos e sulistas, divergem como nunca na suas respectivas preferências partidárias.

Na internet, a violência e a passionalidade das manifestações que circularam nos últimos dias chega a ser assustadora.

Lideranças da oposição se movimentam para impugnar a candidatura Lula, e o tema do ‘impeachment’ percorre o noticiário antes mesmo que o primeiro eleitor tecle o seu primeiro número na urna eletrônica.

Era infantil, para não dizer de má-fé, a tese de uma ‘conspiração das elites’ quando surgiu o escândalo do mensalão. Mas a acusação petista de que há ‘golpismo’ nas atitudes da oposição, se antes parecia inconvincente, tende a ganhar consistência diante da histeria em curso.

O irracionalismo de muitos petistas não é menor. Intelectuais jogam a ética às favas e mostram-se prontos a aceitar qualquer farrapo de argumento que justifique a presença de Jader Barbalho ou Newton Cardoso nos palanques do PT. Se Lula decidir censurar a imprensa, fechar o Congresso, instituir algum modelo político nos moldes de Hugo Chávez, terá esses intelectuais a seu dispor.

Não há dia em que não se critique a imprensa de parcialidade pró-Alckmin. Se dependesse da grande maioria das opiniões petistas, os escândalos do dossiê e do mensalão nunca teriam vindo a público, e o Partido dos Trabalhadores continuaria agora a contar com os inestimáveis serviços de Silvio Pereira, Delúbio Soares e todos aqueles dirigentes que alguém (um oposicionista furioso, por certo) chegou ao cúmulo de classificar como aloprados e imbecis.

O paradoxo, em meio a esse clima de divisão social e violência ideológica, é que os traços de união entre petismo e oposição nunca foram tão nítidos. Já não há diferença ética entre nenhum partido, aspecto que o PT, de resto, é o primeiro a admitir. Na política econômica, o governo Lula garantiu, com grande esforço, a continuidade com o governo anterior: além de banqueiro, Henrique Meirelles era um quadro tucano.

Os principais sucessos de Lula, como o Bolsa-Família, aperfeiçoaram e amplificaram mecanismos antes implantados por Fernando Henrique, sem que seja plausível admitir, qualquer que seja o resultado das urnas, que sua continuidade esteja ameaçada.

Identidades sociais e identificações afetivas, mais do que alternativas concretas de governo, se confrontam nestas eleições. Num cenário em que Serra e Aécio figuram como governadores praticamente eleitos, o número dos interessados num terremoto institucional é menor do que os que estão dispostos à conciliação.

Restam, entretanto, como ameaça a este raciocínio otimista, os fatos: costumam ser imponderáveis, surgem quando menos se espera, e são avessos a qualquer argumento.

MARCELO COELHO é colunista da Folha”



Fábio Zanini, Kennedy Alencar, Talita Figueiredo E Matheus Pichonelli

Lula diz que acertou ao não ir ao debate

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem estar certo de que tomou a decisão correta em faltar ao debate promovido anteontem pela TV Globo. Justificou dizendo que o ‘baixo nível’ dos adversários, que teria ficado comprovado no debate, foi a grande marca dessa campanha eleitoral.

‘Todo o povo assistiu [ao debate] e viu o nível que os meus adversários queriam. Eles deveriam ter aproveitado a oportunidade para falar o que pretendem fazer com o Brasil’, afirmou o presidente Lula, ao chegar para uma visita à fábrica da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo (SP), seu berço político.

Quando um jornalista perguntou qual foi a marca da campanha que se encerra hoje, Lula foi direto: ‘O baixo nível dos adversários’.

Em uma atitude rara, o petista elogiou a imprensa, que freqüentemente é colocada como parte da ‘conspiração das elites’ nos discursos dele. Lula relembrou eleições passadas, dizendo que poderia ter sido eleito se a mídia já adotasse procedimentos atuais.

‘Ninguém pode se queixar nesta campanha da cobertura da imprensa. Se eu tivesse tido metade da imprensa que eu tive agora, já teria ganho em 89, quem sabe em 94. A imprensa se democratizou demais, não importa se a gente gosta ou não gosta da cobertura’, afirmou.

No discurso realizado em seu último comício, porém, o presidente foi irônico ao se referir à imprensa, dizendo que seus profissionais eram ‘companheiros de boa índole’, ‘operários da comunicação’ e que não sabia como agradecer as gentilezas que recebia deles.

Convicção abalada

Apesar do discurso do presidente, a contrariedade da Globo com a ausência de Lula e a divulgação da foto com os reais e dólares apreendidos no caso do dossiê abalaram a convicção da cúpula do governo numa vitória no primeiro turno, segundo a Folha apurou.

Publicamente, será mantido o discurso de que Lula e auxiliares crêem na vitória amanhã.

O candidato do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, chegou a afirmar que, depois do debate, o eleitor ficou convencido de que Lula é o candidato que tem mais condições de governar o país.

Reservadamente, porém, o presidente e os principais ministros mostram preocupação com possíveis efeitos negativos sobre a campanha.

Durante a tarde de ontem, auxiliares do presidente temiam a repercussão que seria dada à foto no ‘Jornal Nacional’, bem como o tom da cobertura do debate de quinta à noite ao qual Lula faltou após alimentar suspense sobre a possibilidade de comparecer.

Lula foi alvo de ataques no debate, que contou com a presença de Geraldo Alckmin (PSDB), Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buar- que (PDT).

Na versão oficial, o petista não assistiu ao debate. No entanto, viu a parte final do encontro quando chegou ao apartamento de São Bernardo.

Ataques

No debate, os candidatos e o mediador William Bonner criticaram a ausência de Lula. Foram mostradas imagens de uma cadeira vazia que tinha um letreiro com seu nome. Os ataques mais duros vieram de Heloísa, como previsto pelos estrategistas. Ela disse que o PT virou uma ‘organização criminosa comandada pelo presidente da República’ e acusou Lula de não ter ‘autoridade moral’ para debater e explicar os escândalos do governo. Daí sua ausência, afirmou.

Alckmin, num tom menos agressivo, disse que o mensalão foi ‘tramado no Planalto por meio da cúpula do PT’ e citou nomes de ex-ministros envolvidos em escândalos. Cristovam que disse que perguntaria ao presidente se ele renunciaria caso aconteçam novos casos de corrupção em seu governo, afirmou que faltar ao debate era uma forma de corrupção.

Na avaliação da cúpula da campanha de Lula, o debate em si teria pouco impacto. Nas palavras de um auxiliar direto, ‘a surpresa negativa da ausência’ teria se diluído ao longo de um programa ‘frio e sem graça’. A preocupação maior era com a repercussão que a Globo, contrariada, daria ao debate.”



Silvio Navarro, José Alberto Bombig e Catia Seabra

Desempenho de tucano no debate da Globo divide aliados

“O desempenho de Geraldo Alckmin (PSDB) no debate da TV Globo dividiu ontem o comando da campanha, entre críticas dos aliados nacionais de que mais uma vez o tucano errou o tom do discurso e deixou de abordar alguns temas espinhosos ao governo Lula, e a defesa dos articuladores locais, sob o argumento de que não tinha como ir mais longe sem a presença do presidente Lula.

Foi unânime, entretanto, a avaliação de tucanos e pefelistas de que a ausência de Lula -anunciada de última hora- foi o fator dominante, e a cena da cadeira vazia ofuscou qualquer discussão possível entre os três candidatos -Alckmin, Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT).

‘O Alckmin poderia até ter faturado mais, o que não ocorreu talvez pelo jeito dele. Mas vi muitos eleitores do interior, à 1h, dizendo que faltou coragem ao Lula, que ele transmitiu sentimento de medo’, afirmou o líder do PFL no Senado, José Agripino (RN).

Para os senadores que integram o comando da campanha, Alckmin demorou para fazer ataques mais duros aos escândalos de corrupção que atingiram o governo Lula. A queixa é que, ao levantar o tom gradativamente, ele deixou escapar o momento de maior audiência do debate, ou seja, o primeiro bloco, que sucedeu a novela.

A fala mais incisiva de Alckmin ocorreu justamente no quinto e último bloco, por volta de 0h30, quando os candidatos têm as chamadas ‘considerações finais’. Na ocasião, o tucano reclamou que ‘falta autoridade moral’ ao presidente e falou do escândalo da compra do dossiê contra tucanos.

Outra crítica dos aliados foi que o tucano deixou de abordar algumas questões programáticas, especialmente política externa e infra-estrutura. O argumento é que, ao falar sobre questões internacionais, abriria brecha para tocar em temas espinhosos ao governo petista, como a polêmica entre a Petrobras e o governo boliviano e as relações com o presidente venezuelano, Hugo Chávez.

‘Ele foi o melhor [candidato], mas faltou Bolívia, teve um momento que dava para falar’, disse Heráclito Fortes (PFL-PI), um dos coordenadores.

Para o coordenador-geral da campanha, Sérgio Guerra (PSDB-PE), além da ausência de Lula, o candidato lucrou com o discurso anti-PT feito por Heloísa Helena (PSOL). A avaliação é que a fala dela agrada a um eleitorado que também não dá ouvidos a Alckmin.

Único perdedor

O núcleo de comunicação da campanha avaliou que o candidato não se saiu mal e que foi acertada a decisão de não mudar completamente as características de Alckmin, lançando-o em um ataque desenfreado a Lula e ao PT.

Para a equipe de comunicação, comanda pelo jornalista Luiz Gonzalez, Alckmin e os demais candidatos que compareceram ao evento já chegaram à emissora na condição de vitoriosos. Por esse mesmo ponto de vista, o único derrotado do debate foi o presidente Lula.

A expectativa dos tucanos é que Lula perca ao menos três pontos só por conta da ausência do debate. Nesse cenário, dizem, o segundo turno viria.”



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Edição de debate pelo ‘JN’ em 1989 causou polêmica

“Em 1989, a edição do último debate do segundo turno exibida pelo ‘Jornal Nacional’ causou polêmica. A emissora foi acusada de favorecer Fernando Collor.

Até o debate, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vinha crescendo nas pesquisas e ameaçava a vitória de Collor.

O ‘JN’ mostrou 3 minutos e 34 segundos de falas de Collor e 2 minutos e 22 segundos de Lula. Em todas suas aparições, Collor atacou Lula ou o PT. Lula não atacou Collor em nenhum dos trechos exibidos pelo jornal.

Além das imagens, o ‘JN’ também usou uma pesquisa do instituto Vox Populi com números muito favoráveis a Collor na avaliação que os eleitores fizeram do debate. Antes, a emissora preferia usar os números do Ibope.

A Globo diz que sua edição transmitiu a realidade do debate. Para Ricardo Kotscho, então assessor de imprensa de Lula, porém, a edição do ‘JN’ transformou uma simples vitória de Collor em um ‘massacre’.

A exibição no ‘JN’ de uma edição mais favorável a Collor do que a veiculada no mesmo dia no ‘Jornal Hoje’, mais neutra, teria contado com o aval de Roberto Marinho, dono das Organizações Globo morto em 2003, ou, dependendo da versão dos jornalistas envolvidos no caso, teria sido fruto de uma ordem dele, contrariado com a edição do ‘Jornal Hoje’.

A edição gerou uma polêmica entre Marinho e o homem-forte da emissora, José Bonifácio de Oliveira, que em 17 de dezembro de 1989, dia do segundo turno, disse à Folha, que a edição ficara ‘mais favorável a Collor’ e que houve ‘erro de avaliação’ do jornalismo da Globo.

‘Boni é o melhor especialista em televisão do Brasil, mas nunca o tive como especialista em questões eleitorais’, rebateu Marinho.”



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TSE anula direito de resposta contra a Folha

“O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) anulou ontem o julgamento em que havia concedido direito de resposta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao PT contra a Folha.

Em decisão unânime, os ministros acolheram recurso da Editora Folha da Manhã S/A, no qual o jornal afirmou que a decisão anterior não foi válida porque o julgamento ocorreu sem o exame da defesa.

Por falha do tribunal, segundo reconheceram os ministros, a defesa, recebida às 18h20 de terça-feira, não foi anexada ao processo, e assim o julgamento ocorreu naquela noite sem que eles levassem em conta os argumentos do jornal.

Lula e o PT argumentam que foram ofendidos pela coluna do jornalista Clóvis Rossi do último dia 22, intitulada ‘Como se faz uma quadrilha’. Eles também pediram direito de resposta contra a Folha em razão da coluna de Rossi do dia 21, ‘Pior que república bananeira’.

Os dois pedidos seriam julgados ontem, mas a decisão de ambos foi adiada para a segunda-feira, porque o relator de um deles, Carlos Alberto Menezes Direito, disse que precisava analisar a defesa da Folha que foi desconsiderada no julgamento de terça-feira.

No processo em relação à coluna do dia 21 já há quatro votos, sendo três contra a concessão do direito de resposta: de Carlos Ayres Britto, do presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, e de José Delgado.

Para eles, não cabe à Justiça Eleitoral decidir se houve ou não ofensa ao candidato petista à reeleição e a seu partido. Eles afirmam que a competência é da Justiça comum, que deve aplicar a Lei de Imprensa.

O voto favorável a Lula foi do relator, Marcelo Ribeiro. Para ele, a coluna de Rossi extrapolou em seu direito de crítica e ofendeu o candidato e o PT.

Novo entendimento

Esse julgamento introduziu uma nova interpretação sobre o papel da Justiça Eleitoral, a partir dos votos dos ministros Ayres Brito e Marco Aurélio.

A decisão de Marco Aurélio, sem julgar o mérito, acompanhou a preliminar defendida pela Folha de que o partido não pode postular o oferecimento de pedido de resposta em nome do candidato. Também nesse caso, o julgamento caberia à Justiça Comum.

Os advogados da Folha sustentaram que a coligação e o PT ‘não têm legitimidade para figurar no pólo ativo da representação pelo susposto delito de injúria’. ‘Ao afirmar que houve injúria ao presidente Lula, seria necessário que o próprio candidato à reeleição figurasse no pólo ativo da presente representação.’

‘Se tivesse o candidato Lula se sentido ofendido pelas expressões ‘lulismo’ ou ‘lulo-petismo’, deveria pessoalmente ter postulado a resposta perante a Justiça Eleitoral.’

A Folha sustentou que a representação do PT é ‘inepta’, pois ‘a precária imputação do crime de injúria atingiria, em tese, a honra subjetiva do presidente Lula, que não é parte’. E sustenta que há uma tentativa de intimidação da imprensa e o uso da Justiça Eleitoral com objetivos de fazer propaganda.

‘Não pode a Justiça Eleitoral se transformar num instrumento de propagação de idéias dos candidatos ou para proselitismo político. Basta ler a resposta que a coligação e o partido querem ver publicada para concluir que não busca se defender da crítica veiculada pelo jornalista, e sim se utilizar do presente instrumento jurídico para fazer propaganda eleitoral’, diz a defesa da Folha.”



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Presidente usa recurso contra a rádio CBN

“O presidente Lula aproveitou ontem a maior parte dos quatro minutos do direito de resposta, concedido pelo TSE, para falar na rádio CBN sobre o programa de segurança pública e fazer propaganda de ações da Polícia Federal em sua gestão. Por 5 votos a 1, o TSE concedeu o direito de Lula responder a declarações de Geraldo Alckmin que, em entrevista à CBN, o comparou a um ‘ladrão de carros’ e se referiu ao PT como ‘sofisticada organização criminosa’.

O pedido foi acolhido parcialmente pelo ministro-relator, Ari Pargendler, que considerou as afirmações ofensivas, mas não concedeu o tempo requisitado (6 minutos e 35 segundos). Na resposta, Lula disse que o TSE entendera que Alckmin fez ‘afirmações caluniosas, ofensivas e sabidamente inverídicas’ e que seu objetivo era ‘restabelecer a verdade’, e ‘não censurar a CBN’.

A resposta é aberta por um locutor: ‘Nunca se combateu tanto a corrupção como agora’. O próprio Lula prossegue: ‘O maior exemplo dessa mudança é a PF. Quando assumi, estava sem motivação para investigar e agir. Hoje, é uma polícia eficiente, com agentes altamente qualificados’. No final, fez uma referência direta ao rival tucano: ‘O sr. Alckmin não pode se antecipar à Justiça para acusar, julgar e condenar. Deveria se preocupar em também apresentar propostas concretas para o país na área de segurança’.”



STATE OF DENIAL
David E. Sanger

Woodward descreve Casa Branca caótica

“DO ‘NEW YORK TIMES’ – Em setembro de 2003, a Casa Branca ignorou um alerta urgente de um de seus principais consultores sobre o Iraque, que advertiu que milhares de soldados norte-americanos adicionais seriam necessários para debelar a insurgência naquele país, de acordo com o novo livro de Bob Woodward, jornalista do ‘Washington Post’ e escritor. O livro descreve uma Casa Branca eivada de cisões quanto à guerra e de problemas de coordenação.

O alerta é descrito em ‘State of Denial’ [estado de negação], que deve sair na segunda-feira pela editora Simon & Schuster.

O livro afirma que os principais assessores do presidente Bush freqüentemente estavam em desacordo e ocasionalmente mal se falavam, mas compartilhavam da tendência a desconsiderar, por excessivamente pessimistas, as avaliações dos comandantes militares e de outras fontes sobre o Iraque.

Em novembro de 2003, por exemplo, Bush teria supostamente dito, sobre a situação no Iraque: ‘Não quero que nenhum membro do gabinete a defina como insurgência. Não creio que tenhamos chegado a esse ponto ainda’.

Rumsfeld protegido

O livro descreve o secretário da Defesa Donald Rumsfeld como não diretamente envolvido nos detalhes da ocupação e reconstrução do Iraque, tarefa que inicialmente deveria ser supervisionada pelo Pentágono, e o retrata como tão hostil a Condoleezza Rice, então assessora de Segurança Nacional, que Bush se viu obrigado a instruir o secretário a atender aos telefonemas dela.

O livro, adquirido por um repórter do ‘New York Times’ a preço de varejo antes de sua data oficial de lançamento, é o terceiro que Woodward escreve para relatar os debates internos da Casa Branca desde os ataques do 11 de Setembro.

Como as obras anteriores de Woodward [que ganhou notoriedade ao revelar, com Carl Bernstein, o esquema de espionagem na sede do Partido Democrata que acabou levando à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974], o novo livro inclui extensas citações textuais de conversas e descreve o que funcionários do governo pensavam, sem identificar as fontes dessas informações.

Robert D. Blackwill, então principal assessor do Conselho de Segurança Nacional para assuntos iraquianos, teria sido o responsável pelo alerta quanto à necessidade de até 40 mil soldados adicionais, em um longo memorando enviado a Rice. Segundo Woodward, a Casa Branca não fez nada em resposta.

O livro descreve a cisão entre Colin Powell, então secretário de Estado de Bush, e Rumsfeld.

Após as eleições de 2004, Powell disse a Andrew Card, chefe da Casa Civil da Casa Branca: ‘Se eu não sair, Don deveria sair’, em referência a Rumsfeld. Card então empreendeu um esforço para derrubar Rumsfeld, no fim de 2005, mas suas atividades foram podadas por Bush, diz o livro.

Os primeiros dois livros de Woodward sobre o governo Bush, ‘Bush at War’ [Bush em guerra] e ‘Plan of Attack’ [plano de ataque], retratam um presidente no controle e uma equipe leal e bem coordenada. ‘State of Denial’ segue uma linha bastante diferente.

Osama escapa

O livro de 537 páginas descreve as tensões entre funcionários de primeiro escalão do governo já desde seus primeiros dias. Woodward escreve que, nas semanas que antecederam o 11 de Setembro, o chefe dos serviços de inteligência, George J. Tenet, acreditava que Rumsfeld estivesse bloqueando os esforços para capturar ou matar Osama bin Laden.

Rumsfeld questionou os sinais eletrônicos de suspeitos de terrorismo que a Agência de Segurança Nacional (NSA) vinha interceptando, e mencionou a possibilidade de que fizessem parte de um grande plano da Al Qaeda para desviar as atenções dos EUA.

Em 10 de julho de 2001, diz o livro, Tenet e J. Cofer Black, o comandante das operações de combate ao terrorismo dos serviços de inteligência, se reuniram com Rice na Casa Branca para expressar a seriedade das informações que a Agência Central de Inteligência (CIA) vinha recolhendo sobre um ataque iminente. Mas os dois saíram da reunião com a sensação de que Rice não havia encarado os avisos seriamente.

O livro descreve um diálogo, no começo de 2003, entre o general Jay Garner, o oficial reformado que Bush apontou como administrador do Iraque no pós-guerra, o presidente e alguns de seus assessores. Depois que Garner concluiu sua apresentação, que incluía planos de usar até 300 mil soldados do antigo Exército iraquiano para ajudar a garantir a segurança no pós-guerra, diz o livro, ninguém fez perguntas. Mas Garner em breve terminou removido do posto, em favor de Bremer, cuja decisão de desmobilizar o Exército iraquiano e remover de seus cargos os membros do Partido Baath terminou sendo algo de pesadas críticas do governo, posteriormente.

Tradução de PAULO MIGLIACCI”



INTERNET
Sérgio Dávila

Internet transfere ‘riqueza’ para as redes

“Há algumas semanas, para comemorar dez anos no ar, a revista eletrônica ‘Slate’ reformulou seu site. Uma das novidades era um mecanismo cada vez mais popular nas publicações on-line: a lista das reportagens mais lidas do dia. Para surpresa da editora Rachel Larimore, o campeão da quarta-feira dia 28 de junho era um artigo intitulado ‘So Tired’ (Tão Cansado), de Paul Boutin.

O fato de um texto do jornalista especializado em novas tecnologias ser o campeão de audiência não a espantava -uma autoridade no assunto, freqüentemente Boutin está na lista dos dez mais de diversos sites. O problema era a data: ‘So Tired’ foi escrito e colocado no ar pela primeira vez em julho de 2004.

Qual o segredo?

O artigo tinha sido ‘postado’ (colocado à disposição) por um leitor saudoso no novíssimo site Digg, com 300 mil usuários registrados e 8,5 milhões de visitantes únicos por mês. O internauta visita o agregador de notícias e submete um texto, não necessariamente inédito nem de autoria própria. A peça recebe uma avaliação dos visitantes. A mais bem-votada vai para o alto de uma lista de notícias na página inicial do Digg.

No final do ano passado, o jornalista aposentado John Seigenthaler resolveu dar uma olhada em seu próprio verbete na enciclopédia virtual aberta Wikipedia. Fundador do Freedom Forum First Amendment Center na Universidade Vanderbilt e ex-editor de opinião do jornal ‘USA Today’, ele estava curioso para saber o que estava escrito sobre ele. No final do texto, encontrou os seguintes parágrafos:

‘John Seigenthaler Sr. foi assistente do Procurador-Geral Robert Kennedy nos anos 60. Por um breve período, foi suspeito de ter participado diretamente dos assassinatos tanto de John quanto de seu irmão, Bobby. Nada foi provado.’ Demorou mais de um mês para que a versão corrigida fosse mantida no ar (não, o jornalista não assassinou JFK ou seu irmão; Seigenthaler ainda não descobriu o autor da piada).

Bem-vindo à Web 2.0. Os dois casos acima, embora extremos, são exemplos da transição pela qual o processo de produção na sociedade contemporânea passa, segundo acadêmicos renomados como Yochai Benkler, da Universidade Yale. De uma sociedade industrial, ou ‘a sociedade do fim do milênio passado’, como disse à Folha Benkler, a uma economia de coletivismo digital.

Nesse admirável mundo novo, que agrega preferências e comportamentos de milhões de pessoas, a mercadoria não é mais material, mas a informação. O lucro vem quase exclusivamente de publicidade e do apoio do Estado e de fundações. Os indivíduos e grupos são mais livres e independentes do tipo de Estado e das corporações hierarquizadas que definiram o período industrial. São recompensados por incentivos não-monetários e atuam de maneira descentralizada.

A ‘Bíblia’ desse novo pensamento é ‘The Wealth of Networks – How Social Production Transforms Markets and Freedom’, ‘A Riqueza das Redes -Como a Produção Social Transforma Mercados e a Liberdade’, livro que o professor de Yale lançou neste ano. O título remete de propósito à ‘Riqueza das Nações’, de Adam Smith (1723-1790), pai da economia moderna e um dos principais teóricos do liberalismo econômico. Nele, Benkler defende que estamos ingressando no sistema de ‘produção compartilhada por uma comunidade’ (‘commons-based peer production’, em inglês).

‘A célebre ‘mão invisível’ assumiu agora a forma de uma nova autonomia, a das forças de oferta e demanda que se contrapõe no universo das redes digitais’, escreve Gilson Schwartz, professor de economia da ECA-USP e diretor da Cidade do Conhecimento (leia texto ao lado). Os melhores exemplos disso são sites como os já citados Digg e Wikipedia, mas também o Slashdot, del.icio.us e o popular YouTube, cujo slogan é ‘seja você mesmo sua própria emissora’.

Neles, teoricamente, qualquer um pode contribuir com o conteúdo, e um sistema de pesos e balanços entre os próprios pares controla a qualidade (Teoricamente, pois empresas têm sido obrigadas a restringir seu acesso total por conta de vandalismo digital.)

É a Web 2.0, termo que, por coincidência, é tema de um texto do próprio Paul Boutin, aquele do artigo de 2004 da ‘Slate’. Um tanto idealista? É o que acha também Jaron Lanier, um dos principais críticos de Benkler. Em artigo publicado no site Edge.org, o teórico de tecnologia da Universidade da Califórnia em Berkeley rebatizou o movimento de ‘maoísmo digital’.

Segundo disse à Folha, Lanier acha que o ato de rejeitar a expressão individual e a criatividade para fazer parte de uma massa sem rosto lembra perigosamente a Revolução Cultural que teve início no governo do líder comunista chinês. Questionado se não era só uma picuinha entre Berkeley (berço da contracultura) e Palo Alto (a sede do Vale do Silício), cidades californianas que são opostos complementares, Lanier riu. ‘Pode ser. Mas que é um pensamento perigoso, isso é.’”



Gilson Schwartz

Redes são substitutas de mão invisível

“‘A Riqueza das Redes’, título do livro de Yochai Benkler, é mais que um jogo de palavras. É uma síntese perfeita da sua proposta econômica, que ainda reverbera a filosofia política liberal consagrada pelo clássico de Adam Smith, ‘A Riqueza das Nações’. Entre o velho mundo das nações e o novo mundo das redes sumiu de vez o Estado.

A célebre ‘mão invisível’ assumiu agora a forma de uma nova autonomia, a das forças de oferta e demanda que se contrapõem no universo das redes digitais. O mercado não desaparece, assume dinâmicas cuja eficiência depende mais da qualidade das redes do que da ação de governos e corporações.

O pensamento de Benkler não é, portanto, um desafio radical à ortodoxia econômica nem serve como ideologia para quem pretenda criticar o chamado ‘neoliberalismo’. Ao contrário, trata-se de um modelo inspirado numa filosofia política ultraliberal, praticamente anarquista.

Os mais ingênuos, no entanto, acreditam que a importância dos softwares ‘não-proprietários’ nessas novas redes digitais é a prova definitiva de que o capitalismo, sob o choque das novas tecnologias, está perdendo o seu elemento essencial, a propriedade privada.

O livro ajuda a dissolver essa ilusão anarquista. Há uma enorme diferença entre ser ‘livre’ (muitos softwares têm seus códigos abertos) e ser gratuito. Benkler discute (e sonha com) a expansão de uma sociedade em que a autonomia dos indivíduos seja levada o mais longe possível, mas sem ameaçar o ‘status quo’ e muito menos abolir a propriedade privada. Ele aposta no aumento da liberdade na medida em que circulam mais informação, conhecimento, tecnologia e cultura.

É uma hipótese bastante razoável e que, a rigor, tem sido o norte da civilização ocidental desde a invenção do tipógrafo, com a expansão vertiginosa das mídias que se seguiu.

Mas não é uma lei nem algo irreversível. A mesma expansão das redes de comunicação e das mídias criou um mundo de enorme concentração econômica nos setores de comunicação e cultura. E nada serviu tanto à opressão e à manipulação como a expansão das redes de comunicação.

As redes digitais, com ou sem software livre, têm provocado mudanças em todas as áreas da vida econômica e social, da empresa multinacional à ONG, passando pela universidade, pelas administrações públicas e até mesmo pelo consumidor, que se defronta com um número crescente de opções em produtos, serviços e tecnologias.

O fenômeno econômico fundamental, subjacente ao fenômeno tecnológico (a espetacular expansão das redes e mesmo do software de código aberto), é a expansão dos serviços e a necessidade de inovação permanente para se manter no mercado.

O código aberto de um software, sem um bom programador, é tão opaco quanto uma caixa preta. Benkler insiste nesse ponto e vê a difusão do modelo de software livre para outras áreas da economia e da sociedade como uma benesse para os prestadores de serviços, ou seja, aqueles que podem nos ensinar a ler e usar as novas mídias com independência e senso crítico.

Professor de economia da ECA-USP, diretor da Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br) e autor de ‘As Profissões do Futuro’ (PubliFolha)”



***

‘Sociedade produzirá indivíduos mais autônomos’

“Não, não é uma sociedade sem chefes. Não, não é comunismo tardio. Não, não é contracultura fora de época. Para explicar o que é seu complicado novo conceito econômico, o professor Yochai Benkler, titular da Faculdade de Direito da Universidade Yale, que já esteve no Brasil algumas vezes para palestras, respondeu às seguintes perguntas da Folha:

FOLHA – Aonde o modo de produção emergente que o sr. descreve em seu livro nos levará? A uma sociedade sem líderes?

YOCHAI BENKLER – Depende do que você quer dizer por ‘uma sociedade sem líderes’. Se for uma sociedade em que ninguém tem de trabalhar para viver e todo o mundo só age por meio de cooperativas voluntárias, a resposta é não. As pessoas continuarão a ter de colocar comida na mesa e a ter um teto para viver. O que podemos desejar é uma sociedade em que trabalho e consumo não estejam regulamentados e controlados tão rigidamente como no período industrial.

Produzir informação, conhecimento e cultura fará de nós ao mesmo tempo indivíduos e grupos mais autônomos, mais livres e independentes do tipo de Estado e de corporações hierarquizadas que definiram aquele período.

FOLHA – Para alguns analistas, essa sociedade lembra os sonhos da contracultura dos anos 60, só que baseados em tecnologia, e não drogas. Concorda?

BENKLER – A contracultura lutou contra as condições tecnológico-econômicas de então. Por isso era um sonho, e por isso tendia a ser baseada nas drogas. O que vemos agora é o inverso. Um choque tecnológico alterou os fundamentos econômicos de produção. As partes que estão agora em conflito e lutando contra as mudanças são os gigantes industriais do final do século 20. O sistema que forma a produção compartilhada é convertido em bens econômicos reais.

FOLHA – Como controlar o fluxo e a qualidade da produção num modelo assim? Estou pensando na Wikipedia. Há muita informação útil ali, mas muitos erros também, que as pessoas aceitam como verdade só porque estão escritos lá.

BENKLER – É uma questão grave e importante, para a qual já começa a surgir solução. Primeiro, a ‘qualidade’ no ambiente de comunicação de massa está longe de ser perfeita, e, quando é muito boa, vem de instituições que não estão totalmente integradas no mercado, como universidades ou editoras sem fins lucrativos.

Segundo, e mais importante, qualidade, credibilidade e relevância são bens de informação. E nós estamos começando a ver novas plataformas técnicas e sociais que permitem que empresas de propriedade compartilhada melhorem sua qualidade com o passar do tempo. Na Wikipedia, isso ocorre pela revisão comum e pela rápida modificação de suas páginas uma vez constatado o erro.

Por fim, leitores e telespectadores aprenderam a ser mais céticos e questionarem mais. As pessoas estão desenvolvendo a prática cultural de pesquisar, mais do que aceitar. É muito parecido com o que os jornalistas e os acadêmicos fazem, ouvir outras fontes em vez de aceitar como verdade o que ouviram de apenas uma.

FOLHA – O que o sr. quer dizer quando se refere em seu livro a ‘incentivos não-monetários’?

BENKLER – Todas as razões que nos levam a agir além de preço. Pense no motivo pelo qual jogamos um jogo: é divertido; as pessoas com quem estamos jogando são nossas amigas; faz com que nos sintamos parte da comunidade. Nós podemos ajudar um projeto de nossa comunidade porque nós achamos que é o certo a fazer.

As pessoas têm razões psicológicas e sociais variadas para agir. Toda vez que você toma café com amigos ou pára para ajudar alguém que está perdido na rua você está agindo por motivações não-monetárias. Se o custo de fazer algo é suficientemente baixo -como é o custo de participar na produção de informações que estão na Internet-, então não é preciso um alto grau de motivação.

E, como a rede conecta tanta gente em tantos lugares e ao mesmo tempo, tudo o que é preciso para que a sociedade de produção compartilhada seja sustentável é que centenas de milhões de pessoas conectadas, que podem dispor de cinco minutos ou duas horas ou uma semana para se dedicar a um projeto, se dediquem a esse projeto, que vai se tornar um conhecimento criado coletivamente.

FOLHA – E como fica a questão da propriedade intelectual?

BENKLER – Os modelos econômicos do final do século 20 se tornaram obcecados pela idéia de que, já que estamos nos mudando para uma sociedade informativa, a ‘nova propriedade’ era a propriedade intelectual e sem ela não haveria modelos econômicos. Pegue os direitos autorais como exemplo. Jornais e revistas não são realmente baseados em direitos autorais. Eles oferecem notícias quentes e de durabilidade limitada em troca de atenção, que é vendida para os anunciantes. Da mesma maneira, a indústria do software. Cerca de dois terços do faturamento vêm de serviços, e não dos programas vendidos.”



TELEVISÃO
Daniel Castro

SBT grava programa de piadas argentinas

“O SBT gravou ontem o piloto de um programa humorístico cujo formato e texto estão sendo adaptados de original argentino. A atração, que se chamará ‘Sem Controle’ e pode estrear já nos próximos dias, será composta de esquetes de humor sobre o cotidiano, com piadas do dia-a-dia de casais e sem nenhum conteúdo político.

O programa é a mais nova encomenda de Silvio Santos, que viu a versão argentina e adorou. O piloto será finalizado neste final de semana e entregue ao dono do SBT na segunda.

O elenco de ‘Sem Controle’ vem quase todo do teatro e conta com três bons comediantes: Angela Dip (da peça ‘O Barril’), Ary França (o Epaminondas da novela ‘Chocolate com Pimenta’) e Eduardo Martini, que também dirige o programa. Esses e mais seis atores alternam personagens, em piadas rápidas e esquetes independentes uma das outras, como em ‘Zorra Total’, da Globo.

As primeiras gravações foram bastante animadoras. Profissionais do SBT que assistiram às encenações dizem que nunca viram humor de tão bom nível produzido na emissora. A produção está sendo tocada pelo núcleo de teledramaturgia.

Já o ‘projeto secreto’ que intrigou funcionários do SBT nesta semana não será um programa de TV, mas sim uma grande ação promocional, que envolve um anunciante. O mistério será revelado à imprensa na próxima terça-feira.

VITÓRIA APERTADA Foi de 31 pontos na Grande SP a audiência consolidada do debate entre presidenciáveis da Globo. O programa foi sintonizado por 51% dos televisores ligados. Ou seja, Geraldo Alckmin, Heloisa Helena e Cristovam Buarque venceram a programação concorrente.

ZERO A ZERO A ausência do presidente-candidato Lula não comprometeu em nada a audiência da Globo. O debate realizado pela emissora ao final da campanha do primeiro turno em 2002 deu os mesmos 31 pontos.

ENTROU AREIA Já o Video Music Brasil, da MTV, registrou só um 1,8 ponto. A audiência é ótima para os padrões da MTV, mas se esperava bem mais _devido ao interesse por Daniella Cicarelli.

TROCA-TROCA Outro ‘acontecimento’ na TV aberta na quinta-feira foi a estréia do ‘reality show’ ‘Troca de Família’, na Record. A audiência, de nove pontos, frustrou setores da emissora. O programa ficou em terceiro no Ibope, atrás da Globo e do SBT.

PACOTE NATALINO A Band negocia com o cantor Fábio Jr. a gravação de um show para exibir como especial de fim de ano.

CORTE À VISTA Nova diretora de conteúdo da Band, Elisabetta Zanatti apresentará em 90 dias um projeto de programação para a rede. Ela assume o cargo na próxima terça com carta branca para mudar. Sua atuação será abrangente. De tudo o que vai ao ar, só não irá interferir no conteúdo do jornalismo.”



Silvana Arantes

Walter Salles ataca a ‘invasão’ da estética da TV

“Diante de uma platéia que se esparramou até pelo chão do Cine Palácio, na quinta à noite, para assistir à sessão competitiva de ‘O Céu de Suely’, de Karim Aïnouz, na seção Première Brasil do Festival do Rio, o cineasta Walter Salles demarcou a importância do filme que estava por vir, em contraste com ‘um momento em que o cinema brasileiro é invadido por uma estética próxima da TV’.

Salles é produtor de ‘O Céu de Suely’, assim como de ‘Madame Satã’ (2002), primeiro longa-metragem de Aïnouz.

‘Este é um filme que acredita no silêncio, que tem a coragem de apostar em novos atores e que mostra que existe talento no cinema brasileiro fora do Rio e de São Paulo. O que Karim faz chama-se cinema e tenho orgulho de estar perto dele’, disse Salles, na abertura.

Aïnouz, aplaudidíssimo quando subiu ao palco para apresentar seu filme, afirmou que ‘O Céu de Suely’ -que acompanha a chegada (de volta) ao sertão de uma jovem nordestina e sua nova partida- ‘é sobre um personagem que tem vontade de decolar’.

Ele dedicou seu longa ‘às pessoas que buscam uma utopia’ e a sessão de anteontem ‘a todas as mulheres do mundo’.

À Folha, Salles apontou o caminho do que havia identificado no palco do Cine Palácio como a invasão da estética televisiva na filmografia nacional:

‘Quando o cinema voltou a existir, depois do desgoverno Collor [1990-1992], havia um desejo de cinema a carnificar os filmes que vieram a existir naquele período’, disse o diretor, cujo segundo longa, ‘Terra Estrangeira’ (1996), aborda o confisco da era Collor de Mello.

‘Naquele período, esse desejo de cinema e a busca pela identidade perdida eram os elos entre esses filmes.’

Para o cineasta, ‘um pouco mais de dez anos depois, o que se vê é a invasão crescente de filmes entendidos como produtos que derivam direta ou indiretamente da TV’.

A Première Brasil segue hoje, com a apresentação de ‘Antonia’, de Tata Amaral, que fez o caminho inverso. O novo longa de Amaral (‘Através da Janela’) deu origem a uma série homônima, que será exibida pela Globo neste ano, antes da estréia do filme nos cinemas.

Para ontem à noite estava prevista a apresentação de ‘Noel – O Poeta da Vila’, de Ricardo van Steen. ‘Proibido Proibir’, de Jorge Durán, encerra na próxima segunda a disputa entre os dez títulos brasileiros inéditos nos cinemas. Os vencedores serão conhecidos no encerramento do festival, no próximo dia 5.

‘O Céu de Suely’ terminou sob aplausos moderados.”



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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