Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

ELEIÇÕES 2006
Clóvis Rossi

A miséria também do debate

‘A ‘experiência’ de Fernando Collor, louvada pelo presidente Lula, parece ter sido importada pela campanha lulo-petista. Lembra-se de 1989, quando Collor fez o terrorismo de dizer que, se Lula ganhasse, a classe média teria que dividir seus apartamentos com os pobres?

Bom, a propaganda que diz que Geraldo Alckmin, se eleito, acabaria com o Bolsa Família tem idêntico DNA. Mesmo que Alckmin quisesse fazê-lo, quisesse aumentar para cem anos a idade mínima de aposentadoria ou outras maldades do gênero, nem ele nem nenhum outro presidente (nem Margaret Thatcher, tida como símbolo-mór do liberalismo) teriam coragem de fazê-lo. Programas que rendem votos jamais são cortados pelos políticos (Thatcher, aliás, até aumentou o ‘sopão para os pobres’).

De todo modo, o terrorismo lulo-petista pôs o Bolsa Família no centro da campanha, o que ajuda a desnudar as misérias da pátria. Vejamos o que é o Bolsa Família pela palavra de frei Betto, lulista convicto, apesar de meio decepcionado, e com toda uma história de luta a favor dos miseráveis: Em entrevista ao jornal italiano ‘Corriere della Sera’, reproduzida dias atrás por Merval Pereira (colunista de ‘O Globo’), frei Betto disse que o Bolsa Família é ‘assistencialismo puro, que não muda a estrutura social e faz recair rapidamente na miséria’.

Só falta agora o lulo-petismo espalhar que Betto quer acabar com o Bolsa Família. Ninguém que não seja um tarado completo quer, porque, na miséria tupiniquim, é vital. Mas os que ainda preservam a capacidade de pensar acima da propaganda reconhecem a sua gritante insuficiência.

Mas o Brasil é tão miserável, especialmente no debate político, que não se avança um milímetro no que é mais importante: como mudar a estrutura social de forma a superar o assistencialismo.’

Marcelo Coelho

Privatista?

‘NÃO DÁ PARA esperar racionalidade e clareza argumentativa num programa eleitoral, mas a propaganda de Lula neste segundo turno pelo menos apresenta, em meio às marchinhas e aos acenos de sempre, alguns números concretos, algumas comparações entre seu governo e o de Fernando Henrique.

É pouco, e vem cercado de lorotas: a mais espantosa é a de que foi Lula quem acabou com a inflação. Acontece que os marqueteiros do PT acabam parecendo luminares de Princeton perto do que diz a propaganda de Alckmin.

É vexaminoso, para quem se apresenta como a opção mais racional e técnica, o vazio de idéias e argumentos do candidato tucano, em sua primeira aparição no horário eleitoral.

Os locutores anunciam, em triunfo, que no debate da Bandeirantes ‘Geraldo apresentou as melhores propostas’. Saúde? Vamos melhorar a saúde do povo.

Emprego? Nosso compromisso será com a geração de empregos. Segurança pública? Seremos firmes nessa questão.

De concreto, apenas a idéia, que não poderia ser mais demagógica, de vender o Aerolula para construir hospitais. Embora Alckmin tenha finalmente partido para o ataque ao desregramento ético do PT, no debate da Bandeirantes, a sensação de fraqueza programática na candidatura tucana acentua-se a cada dia.

Quando os petistas fazem críticas ao governo FHC, Alckmin tem uma resposta pronta: ‘eles estão com os faróis voltados para trás, temos de olhar para a frente, para o futuro’. Não é um argumento válido: nada mais natural do que examinar o que a coalizão PSDB-PFL fez de concreto no passado, para avaliar a consistência de suas promessas atuais.

Nenhum dos candidatos pode, entretanto, questionar a fundo o adversário. Quando diz que o importante é criar empregos, Alckmin provavelmente quer sugerir que o Bolsa Família é uma solução paliativa e insuficiente. Mas não será louco, a essa altura, de criticar o programa.

Quando colam em Alckmin o rótulo de ‘privatista’, operação ideológica que aliás alcança êxito, os petistas evitam o termo que realmente queriam utilizar: ‘neoliberal’. Mas como chamar o adversário de neoliberal quando eles próprios seguem a mais estrita ortodoxia monetária? Como reclamar do seu conservadorismo religioso, se se aliam à Igreja Universal?

O PT também poderia levantar a questão dos direitos humanos. Matanças de bandidos não são exatamente um fenômeno em que o governo Alckmin possa se orgulhar de ter mãos limpas. Só que falar em direitos humanos, hoje, é suicídio eleitoral.

Mais fácil centrar fogo, então, no ‘privatismo’ de Alckmin. Bem, ele só promete privatizar o Aerolula. Fotos da aeronave nababesca circulam na internet. Merecíamos coisa melhor. Só falta ser esse o grande tema das eleições presidenciais.

MARCELO COELHO é colunista da Folha’



DENTRO DA FLORESTA
Sylvia Colombo

De dentro da ‘New Yorker’

‘Quando assumiu o cargo de editor-chefe da ‘New Yorker’, uma das revistas de mais prestígio no mundo, em 1998, David Remnick, 47, já era um jornalista experiente. Tinha trabalhado anos como repórter do ‘Washington Post’ e fora correspondente na então União Soviética durante o seu esfacelamento, no começo dos anos 90. ‘A única coisa que eu não sabia fazer’, conta ele, em tom de piada (sabe-se lá se verdadeira), ‘era editar’.

Foi por isso que o atual sucessor dos lendários Harold Ross e William Shawn nunca abandonou aquilo que sempre gostou de fazer: reportagens.

‘Dentro da Floresta’, reunião de seus melhores textos jornalísticos, sai agora no Brasil, pela coleção ‘Jornalismo Literário’ (Companhia das Letras).

O livro traz 23 artigos de Remnick publicados na ‘New Yorker’ entre 1994 e 2006 -o mais recente narra a eleição palestina, vencida pelo Hamas. Prevalecem os perfis, de gente variada como os escritores Philip Roth e Don DeLillo, políticos, como o premiê inglês Tony Blair e o presidente russo Vladimir Putin, e lutadores de boxe, como Mike Tyson. Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Remnick concedeu à Folha.

FOLHA – Você diz que é o oposto de um especialista. Não ter um tema específico de interesse é essencial para escrever bem?

DAVID REMNICK – Não tenho nada contra especialistas. Acho ótimo que os melhores jornais tenham pessoas que se dedicam inteiramente a determinados assuntos. Mas isso não é para mim. Sou o tipo de pessoa que gosta de ficar pulando de política a Mike Tyson. Se isso é bom ou ruim, não sei dizer.

FOLHA – Por que você escolheu esses perfis para o livro?

REMNICK – Porque foram as melhores coisas que escrevi nos últimos tempos. Deixei de fora vários textos sobre política que são o que chamo de artigos ‘knock, knock’. É o tipo de reportagem na qual você visita um lugar, como Cairo ou Istambul, entrevista um monte daqueles ‘suspeitos de sempre’ e então tenta construir um quadro sobre o que está acontecendo lá. É um tipo de texto que dura, mais ou menos, o tempo em que um peixe fresco agüenta sob o sol do meio-dia.

FOLHA – O que é um bom perfil?

REMNICK – Antes de mais nada, ele não pode ser uma pequena biografia. Não deve ter o compromisso de abarcar tudo, mas tem de ter vida, oferecer um olhar sobre uma pessoa num momento específico do tempo.

FOLHA – Em seus perfis, você prefere descrever os personagens a partir de situações que os cercam e de como interpretam seus ‘papéis’ no cotidiano. Você concorda?

REMNICK – Não acho que um autor de perfis deva ter a intenção de alcançar um conhecimento psicológico de seu assunto. Prefiro acumular detalhes, o que ouço e vejo, e então formar um retrato. Senão, é como escrever com uma tinta invisível.

FOLHA – Como é editar a ‘New Yorker’ num momento tão conflitivo? Você se sente obrigado a trazer temas como o terrorismo e as guerras para as páginas da revista?

REMNICK – Todos nós na Redação temos o dever de refletir o mundo em toda a sua glória ou agonia política. Temo que esses tempos estejam sendo mais pesados quanto a esse segundo item. Por isso temos tantos textos sobre o Oriente Médio, o Sul da Ásia e, como se não bastasse, tudo de terrível que vemos em Washington.

FOLHA – Costuma-se definir o estilo da ‘New Yorker’ como jornalismo literário. Qual é sua opinião?

REMNICK – Sou um repórter e espero ser um bom repórter. ‘Literário’ parece ser menos uma descrição e mais um elogio. Penso que a ficção não deva ter privilégios de nascença. Não diria, por exemplo, que os trabalhos de ficção de George Orwell são melhores que os de não-ficção. ‘Homage to Catalonia’ é melhor do que todos os seus romances. E o livro de memórias de Vladimir Nabokov (‘Speak, Memory’) é tão bom quanto muitos de seus romances (ainda que eu os adore). Duvido que a melhor não-ficção possa atingir os cantos da alma humana tão bem como a ficção o faz. Por outro lado, a melhor não-ficção é verdadeira a seu modo, pois é construída a partir de um mundo concreto, e isso traz qualidades específicas. O que eu não acredito é em tapeação, ou seja, em ficção mascarada de não-ficção.

FOLHA – Se você fosse escolher um tema sobre o Brasil para uma reportagem da ‘New Yorker’, qual seria?

REMNICK – A política brasileira atual está me interessando bastante. Mas admito ter conhecimento limitado sobre o país, além de nunca ter estado aí, e por pura bobeira. Por isso, deixo o assunto para outros.’



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Escritor constrói retratos de artistas mais tocantes do que os de políticos

‘Os perfis reunidos em ‘Dentro da Floresta’ têm em comum o fato de serem fotografias de seus personagens em momentos de transição ou criação, dependendo de suas áreas de atuação. Philip Roth está trabalhando num livro, Blair, no meio de sua campanha pela reeleição em seu terceiro mandato, em 2005, e Al Gore, tentando voltar à política, quatro anos depois de quase virar presidente dos EUA. Vencedor do Prêmio Pullitzer de 1994 por um livro sobre sua experiência soviética (‘Lenin’s Tomb’), Remnick ainda assim não se mostra tão hábil com políticos como é com artistas. O texto sobre Tony Blair reflete uma série de tentativas de fazer com que o premiê tire a máscara que usa publicamente, enquanto o de Philip Roth é único sobre esse autor completamente avesso à mídia. A Remnick, Roth abre sua casa, fala da hostilidade com que foi recebido na comunidade judaica de Nova York e solta coisas sobre sua intimidade que dificilmente seriam ditas a jornalistas de outras publicações, como: ‘Moro sozinho, não há ninguém para cuidar de mim’.

DENTRO DA FLORESTA

Autor: David Remnick

Editora: Companhia das Letras

Tradução: Alvaro Hattnher, Celso Nogueira e Ivo Korytowski

Quanto: R$ 62 (575 págs.)’



TELECOMUNICAÇÕES
Elvira Lobato

Depois de comprar a Vivax, Net declara guerra às teles

‘Um dia depois de anunciar o acordo de compra da Vivax, a Net Serviços -maior empresa de TV por assinatura do país- fez uma declaração de guerra às companhias telefônicas.

‘Finalmente temos alguém de porte para enfrentar as teles’, disse o presidente da Net, Francisco Valim, referindo-se ao poder de fogo que a nova empresa terá para enfrentar as companhias telefônicas na convergência dos serviços de TV por assinatura, telefonia e acesso à internet em banda larga.

A Abrafix (entidade que representa as concessionárias de telefonia fixa) reagiu à compra da Vivax pela Net em tom semelhante. O presidente da associação, José Fernandes Pauletti, disse que, por trás da Net, está a Telmex, maior empresa de telecomunicações da América Latina, e que se trata de uma briga de gigantes. Disse que a Telmex é maior do que a Telefônica e a Telemar.

‘O lobo está em pele de cordeiro’, declarou Pauletti, referindo-se à Telmex, que, no Brasil, controla a Claro e a Embratel, que tem participação expressiva na Net Serviços. Segundo o executivo, a compra da Vivax era ‘um movimento esperado da Telmex’.

Com a aquisição da Vivax, a Net Serviços terá 76% da base de assinantes de TV a cabo no Brasil e 45% do mercado total de televisão por assinatura, o que inclui os assinantes de TV paga com transmissão por satélite, por redes de cabo e por rádio. Os percentuais referem-se ao final do primeiro trimestre de 2006. Com a aquisição da Vivax, a Net se fortalece no Estado de São Paulo.

Aprovação

Segundo Valim, a Anatel e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) já declararam que o controle de mercado em TV paga é medido pela soma dos três serviços e, por isso, a empresa acredita que não terá dificuldade para aprovar a aquisição.

Disse que o mesmo não acontece com as companhias, que dominam 95% do mercado de telefonia fixa local, 90% do mercado de telefonia fixa conjugada com telefonia móvel e igual percentual do mercado de acesso à internet em banda larga. Segundo o executivo, a Vivax e a Net, juntas, têm 14% do mercado de banda larga.

A Net Serviços apresentou os detalhes do acordo de compra da Vivax em teleconferências com analistas financeiros e com a imprensa. A aquisição será efetuada em duas etapas, conforme já havia sido antecipado. Na primeira etapa, a Net comprará a participação da Horizon Telecom International, de 36,6% do capital da Vivax.

Na segunda etapa, se a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) autorizar, a Net comprará as ações que pertencem ao investidor Fernando Norbert, que tem posição majoritária no capital com direito a voto.

Segundo Valim, a primeira etapa independe da segunda. Ou seja, mesmo que a Anatel vete a transferência do controle para a Net, a compra das ações que estão em poder da Horizon será efetuada.

Aumento de capital

Para viabilizar o negócio, a Net fará um aumento de capital. Os acionistas da Vivax receberão ações da Net como pagamento. Ou seja, não haverá pagamento em dinheiro aos acionistas. Cada ação da Vivax corresponderá a 0,5678 ação da Vivax.

A proporção foi estabelecida com base na cotação média das ações das duas empresas nos últimos 30 dias. Enquanto a Anatel não aprovar a transferência do controle, a Vivax manterá administração independente.

Embora a operação não envolva transferência financeira, o negócio foi avaliado em R$ 1,4 bilhão pelos analistas.

Valim disse que a Net ainda não comunicou a operação à Anatel, o que foi confirmado pela agência reguladora. Segundo ele, a empresa tem 15 dias úteis para fazer a comunicação. A Net avalia que não há obstáculo legal para a compra do controle acionário da Vivax.’



TELEVISÃO
Daniel Castro

Governo prepara financiamento para TVs

‘O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) lançará no início de novembro um programa de estímulo à implantação da TV digital no Brasil com financiamento a juros relativamente baixos para redes de TV, fabricantes de televisores e para pesquisa e desenvolvimento.

Segundo Alan Fischler, chefe do departamento de telecomunicação do BNDES, o banco está concluindo um grande estudo sobre a TV digital. O volume de recursos emprestados vai depender da demanda e da capacidade de pagamento, diz o executivo. Estima-se que a TV digital movimentará ao menos R$ 100 bilhões no Brasil nos próximos dez anos.

O banco já traçou cenários nas diferentes áreas da cadeia de produção: avalia, por exemplo, que o investimento das redes de TV será diluído ao longo de quase dez anos, com grande concentração nos dois primeiros _quando instalarão novos transmissores nas grandes cidades e adaptarão estúdios.

Pontos polêmicos, como o financiamento à compra de equipamentos importados, ainda não estão definidos. As redes querem que o BNDES permita o uso de seus recursos para esse fim, afinal não se fabrica equipamentos para alta definição (HDTV) no país.

Fischler acredita que será difícil o BNDES liberar as importações. ‘Vai ter uma linha para apoiar o fabricante a desenvolver HDTV no Brasil’, diz.

LOUCURA NA TV 1 Cenas do capítulo de ‘Páginas da Vida’ de anteontem, em que Carmem (Natália do Valle) seduziu o ex-marido, o alcóolatra Bira (Eduardo Lago), e depois o internou à força numa clínica, com a ajuda de enfermeiros, revoltaram militantes da luta antimanicomial.

LOUCURA NA TV 2 Para Celio Levyman, neurologista do hospital Albert Einstein, as cenas ‘ensinaram’ que qualquer um que tiver dinheiro pode internar um familiar à força, o que é ‘completamente desatualizado e desumano’, inconstitucional e antiético. ‘Foi um desserviço’, protesta.

LOUCURA NA TV 3 Procurado por e-mail, o autor de ‘Páginas da Vida’, Manoel Carlos, não se manifestou até a conclusão desta edição.

SEREIA As negociações entre Record e Daniella Cicarelli, para que a modelo apresente um programa diário de namoros, continuam na semana que vem. As partes já discutiram valores.

INTERNACIONAL Bianca Rinaldi receberá em 18 de novembro o prêmio de melhor atriz estrangeira da Venezuela, concedido pela Fundação Mara de Oro. Ela faz sucesso na América Latina por causa da novela ‘A Escrava Isaura’, da Record.

GASTRONOMIA O canal GNT estréia no início de 2007 mais uma série com o festejado chef inglês Jamie Oliver. ‘Cutting the Apron Strings’ acompanhará estudantes de gastronomia treinados por Oliver em outra série, ‘Jamie’s Kitchen’.’



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Carta Capital

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