Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Folha de S. Paulo

MÍDIA & GOVERNO
Folha de S. Paulo

Sede de votos

‘A PROPAGANDA do governo Lula quer fazer crer que o projeto de transposição do rio São Francisco vai transformar o sertão semi-árido num mar de água doce encanada. Uma população de 12 milhões de pessoas seria beneficiada, ao custo total de R$ 4,5 bilhões. Apesar das dúvidas perenes sobre sua real necessidade, o programa de óbvio apelo eleitoral parece mesmo fadado a sair das pranchetas.

As obras, ao menos, já começaram. Em junho, batalhões do Exército iniciaram escavações preliminares em Cabrobó (PE). Ali será feita a captação de água para os canais de um de seus dois eixos, o Norte, no qual bombas poderosas terão de vencer 180 m de altitude para alcançar as bacias-alvo, como a do Jaguaribe. No Leste, o desafio de engenharia é maior: desnível de 300 m. Serão beneficiados Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. O plano é ter os primeiros canais e açudes em dois anos, a tempo para a eleição de 2010.

Adversários da transposição, diante do fato consumado, recorrem a medidas extremas, como a retomada da greve de fome de dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra (BA). Alegam, com apoio de vários especialistas, que o projeto não equaciona os verdadeiros problemas do rio e da população que dele depende, como a poluição da água. Afirmam, ainda, que ela não chegará às pessoas que mais precisam, mas servirá de modo preferencial aos grandes projetos de irrigação -o agronegócio demonizado por movimentos sociais com apoio da Igreja Católica.

Com efeito, a própria Agência Nacional de Águas (ANA) alertou em seu ´Atlas Nordeste´, um ano atrás, que 41 milhões de nordestinos poderão enfrentar insegurança hídrica se não forem realizadas obras adicionais -ao custo de R$ 3,6 bilhões- para distribuir de fato a água. Parece também exagero a cifra de 12 milhões de beneficiários, em realidade toda a população urbana na área das bacias receptoras.

Mesmo onde já existe infra-estrutura para irrigação no Nordeste, metade do potencial deixa de ser aproveitado por agricultores, por falta de capital e crédito. Por fim, diante do descaso tradicional com saneamento básico, parece pouco provável que se cumpram as promessas de expandir a rede de coleta de esgotos ao longo do Velho Chico.

O governo de Lula (que só se converteu à transposição depois de se tornar presidente e então a incluiu no programa para a reeleição) não conseguiu ainda responder de modo satisfatório a todas essas objeções. Por outro lado, tem sido bem-sucedido na superação das barreiras institucionais que poderiam se contrapor à obra, aprovando no Congresso recursos orçamentários para tocá-la e obtendo do Ibama, em março deste ano, a licença de instalação do empreendimento.

Diante do fato a consumar-se, parece mais pragmático, agora, vigiar de perto a empreitada para que não enseje dois outros resultados deletérios mais que previsíveis no Brasil: o desvio de verbas e o risco usual de que a obra bilionária termine abandonada quando Lula deixar o cargo.’

 

Melchiades Filho

Plano de saúde

‘BRASÍLIA – A imprensa ainda espera o desabafo que reproduza toda a irritação que só os mais próximos testemunharam até aqui. Que virá, cedo ou tarde. Se Lula soltou a língua durante as negociações, por que haveria de controlá-la agora?

Talvez seja precipitado, no entanto, apostar que o presidente fará da derrota da CPMF um campo de batalha e que ele não sossegará até que os algozes do imposto sejam reconhecidos como vilões e o eleitorado sinta saudades do 0,38%. Para jogar uma crise no colo da oposição, o presidente teria, antes, de decretar que existe uma crise.

Para culpar ´demos` e tucanos pelos efeitos danosos da extinção da CPMF, teria, antes, de alertar a platéia para esses efeitos danosos.

Parece um tanto improvável que o Planalto, em busca de um discurso crível, opere para que juros, inflação e risco-país subam, desfalque o Bolsa Família, eleve o Imposto de Renda, feche restaurantes populares, esqueça investimentos na segurança, corte aposentadorias rurais, acabe com internações e tratamentos de doentes crônicos e/ou faça ajuste irracional de despesas.

(Todas essas ´maldades` fizeram parte das chantagens do governo no mês que antecedeu a votação.)

Parece improvável, também, que Lula abrace a agenda negativa. A economia está bombando, com superávits, empregos e PIBão. Por que chamar atenção para a situação de mierda dos hospitais? Para dar o troco em Arthur ´Quem?` Virgílio?

A derrota no Senado foi dura. Desarranjou planos do governo. Mas não terá a repercussão política que se diz por aí. A coalizão anti-Lula ruiu já na votação seguinte (DRU).

Mais provável é que o presidente absorva a seu modo o revés, bote a turma da Fazenda para formatar um projeto decente que encha o caixa da Saúde (e não a farsa contábil enviada de última hora ao Senado) e zele para que (somente) ele seja reconhecido pelas inovações.

Até porque, se virar o ´presidente da saúde´, a oposição se lasca.’

 

Maeli Prado e Karen Camacho

Quem votou contra a CPMF não usa o SUS, afirma Lula

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que o governo não adotará nenhuma medida irresponsável para compensar o fim da CPMF, cuja prorrogação até 2011 foi rejeitada nesta semana pelo Senado. Declarou ainda que a meta fiscal será mantida, assim como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

´Não pensem que, porque os senadores votaram contra a CPMF, vai haver alguma medida, do governo, de irresponsabilidade. Nós vamos manter o superávit primário, nós vamos continuar com a política fiscal séria, nós vamos arrumar um jeito de fazer as coisas acontecerem neste país´, discursou, durante lançamento de novo modelo da Ford na fábrica da montadora em São Bernardo. ´O PAC vai continuar.´

Pacote

O compromisso com a disciplina fiscal já havia sido reforçado anteontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que afirmou que um pacote será anunciado na semana que vem para compensar o fim da contribuição. A CPMF garantiria uma arrecadação de R$ 40 bilhões só em 2008, e para tentar prorrogá-la o governo chegou a prometer o repasse de 100% desses recursos para a saúde até 2011. Hoje, uma parcela de 0,20 da alíquota de 0,38% é destinada ao setor.

Lula afirmou que os parlamentares que votaram contra a manutenção da contribuição pensando em atingi-lo prejudicaram o próximo presidente da República. ´Se alguém votou contra, achando que aquilo poderia prejudicar o presidente, eles poderiam saber duas coisas: primeiro, o presidente não é mais candidato, segundo, eles prejudicaram o próximo presidente da República´, disse.

Contrariando o que havia afirmado Mantega, Lula declarou também que a política industrial será anunciada em breve pelo ministro Miguel Jorge, do Desenvolvimento.

De acordo com o presidente, que foi ovacionado pelos trabalhadores da Ford, presentes ao evento, quem votou contra a prorrogação não usa o SUS (Sistema Único de Saúde).

Saúde

´Alguém vai ter que responder por que a saúde deixou de receber R$ 24 bilhões a mais, ou por que a saúde vai deixar de receber, a partir de 2010, mais R$ 80 bilhões´, discursou Lula, se referindo à emenda 29, que destina recursos para a saúde e que foi aprovada no âmbito das negociações da CPMF.

Lula ainda agradeceu o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), presente ao evento, que, assim como o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), tentou convencer os senadores da oposição a votarem a favor da manutenção da contribuição.

´Companheiro governador do Estado de São Paulo, José Serra´, declarou o presidente no início de seu discurso, ´a quem de público eu quero fazer um agradecimento pelo empenho que teve em tentar convencer os senadores da República de que não era possível tirar R$ 40 bilhões do orçamento de uma hora para outra´.

Também estavam presentes ao lançamento os ministros Nelson Jobim (Defesa), Miguel Jorge (Desenvolvimento) e Luiz Marinho (Previdência), além do presidente da Câmara, o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT).’

 

TV BRASIL
Elvira Lobato

TV pública terá corregedoria para punir desvios da diretoria

‘Após ser eleito ontem presidente do conselho curador da TV pública, Luiz Gonzaga Belluzzo disse que será criada uma corregedoria para apurar e punir eventuais desvios de conduta da diretoria.

Segundo o economista, a corregedoria vai examinar casos concretos, a partir de queixas e denúncias que chegarem ao conhecimento do conselho. ´Será mais do que uma ouvidoria. Vai não só pedir explicações, como sancionar a diretoria´, afirmou.

O código de conduta fará parte do regimento a ser aprovado pelo conselho curador no dia 15 de janeiro. O regimento definirá também os critérios para renovação dos conselheiros. Os atuais foram indicados pela Presidência da República.

Belluzzo disse que o fato de ter sido indicado por Lula não torna o conselho submisso ao presidente. ´Se ele [Lula] meter o bedelho na televisão, vou discutir a questão no conselho. Ele não vai fazer isso. Sabe com quem está lidando´, declarou.

O conselho curador fez sua primeira reunião e elegeu Belluzzo por unanimidade de votos. Além dos 15 representantes da sociedade civil, estiveram presentes os ministros Fernando Haddad (Educação) e Franklin Martins (Comunicação Social), e a presidente da TV Brasil, Tereza Cruvinel.

Belluzzo disse que lutará para que a TV Brasil tenha recurso garantido por repasse automático de um percentual da receita do governo, como acontece com as universidades do Estado de São Paulo. Afirmou que o relator da medida provisória , deputado Walter Pinheiro (PT-BA), incluirá no projeto de lei a destinação de percentual do Fistel (fundo das telecomunicações) para a TV Brasil.’

 

MÍDIA & RELIGIÃO
Elvira Lobato

Universal chega aos 30 anos com império empresarial

‘Em 30 anos de existência, completados em julho, a Igreja Universal do Reino de Deus construiu não apenas um império de radiodifusão, mas um conglomerado de empresarial em torno dela. Além das 23 emissoras de TV e 40 de rádio, o levantamento da Folha identificou 19 empresas registradas em nome de 32 membros da igreja, na maioria bispos.

Entre elas, dois jornais diários -´Hoje em Dia´, de Belo Horizonte, e ´Correio do Povo´, de Porto Alegre- , as gráficas Ediminas e Universal, quatro empresas de participações (que são acionistas de outras empresas), uma agência de turismo, uma imobiliária, uma empresa de seguro saúde.

A Iurd tem também sua própria empresa de táxi aéreo, a Alliance Jet, de Sorocaba (SP). Segundo informação da empresa, fatura cerca de R$ 500 mil mensais, tem três aviões, um deles adquirido por US$ 28 milhões, neste ano.

Segundo a Junta Comercial de São Paulo, ela pertence a Adilson Higino da Silva, bispo auxiliar de São Paulo, e à MJC Empreendimentos e Participações, a qual, por sua vez, pertence aos bispos Darlan de Ávila, Marco Antônio Pereira e ao mesmo Adilson.

Modelo acionário

O modelo acionário da Alliance Jet se repete em quase todas as empresas ligadas à Universal. Os jornais diários foram adquiridos na negociação de compra de TVs. O ´Correio do Povo` -segundo jornal em circulação do Rio Grande do Sul, com um média diária de 155 mil exemplares- fez parte do pacote que incluiu a TV Guaíba e duas rádios.

O negócio foi fechado no último carnaval, por cerca de R$ 100 milhões. O jornal foi comprado em nome da TV Record de São Paulo e do Rio.

São acionistas da Ediminas , que edita o jornal mineiro ´Hoje em Dia´, o bispo Marcelo Silva e o ex-deputado federal e ex-bispo Carlos Rodrigues. Segundo a Folha apurou, a editora recebe R$ 0,25 por exemplar para imprimir o jornal semanal da igreja, o ´Folha Universal´, que tem tiragem de 2 milhões de exemplares.

A relação entre a Igreja Universal e as empresas dos bispos é obscura. Muitas delas têm sede em endereços da Iurd. Um exemplo é a Cremo Empreendimentos, que funciona como um braço financeiro da igreja. Ela pertence à Unimetro (outra empresa da Iurd) e ao bispo João Leite. A Cremo é quem financia os bispos na compra de empresas.

Por trás da Unimetro está a Cableinvest, registrada no paraíso fiscal de Jersey, no Canal da Mancha. O elo aparece nos registros da empresa na Junta Comercial de São Paulo. Uma hipótese é que os dízimos dos fieis sejam esquentados em paraísos fiscais.

Troca-troca

Quando um bispo entra em atrito com a igreja, ou se envolve em escândalos -caso de parlamentares-, rapidamente, as ações mudam de mãos.

Foi o que aconteceu com o ex-bispo e ex-deputado federal Wanderval Santos (que pertencia ao PL de São Paulo), denunciado pelo Ministério Público por envolvimento com a máfia das sanguessugas. Depois que o escândalo veio à tona, ele deixou a igreja e vendeu as ações que possuía na Rádio Liberdade (de João Pessoa, Paraíba) e na Rádio Continental (de Florianópolis, Santa Catarina).

Como a maioria dos que perdem o posto, Wanderval não fala sobre o assunto, e protege a imagem da igreja. ´Os homens podem ter seus erros, mas a igreja é santa´, afirmou.

Procurado pela Folha, disse que vendeu as rádios porque ´só dão prejuízo` e por ter se cansado da política, e que sobrevive como vendedor de seguros e de perfumes.

O ex-deputado Carlos Rodrigues deixou de ser acionistas de três TVs -Record do Rio, Itajaí e Xanxerê (SC)- depois que se envolveu no escândalo do mensalão, mas ainda figura como sócio da Ediminas e também de quatro rádios.

Ele tem dado recados de que não pretende abrir mão das rádios. Procurado pela Folha, não quis dar entrevista.’

 

Igreja controla maior parte de TVs do país

‘A Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) é a maior proprietária de concessões de televisão do país. São 23 emissoras de TV, além de 40 emissoras de rádio registradas em nome de um grupo de pastores, escolhidos entre os de maior confiança de Edir Macedo. A igreja ainda arrenda 36 rádios, que integram a Rede Aleluia.

Nos últimos cinco anos, as principais emissoras de televisão da Record passaram de outros bispos para Edir Macedo. Levantamento exclusivo feito pela Folha em cartórios, juntas comerciais e no cadastro de radiodifusão da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) mostra que ele se tornou dono de 99% das ações da TV Capital, geradora da Rede Record em Brasília; de 50% da TV Sociedade, de Belo Horizonte, de 48% da TV Record do Rio e de 30% da Record de São José do Rio Preto (SP).

O movimento se deu após a regulamentação da emenda constitucional 222, que autorizou a participação de pessoas jurídicas como acionistas de rádio e televisão. Antes, só pessoas físicas – brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos- podiam ter empresas de radiodifusão.

Até a mudança constitucional, Macedo e a mulher, Ester Bezerra, eram proprietários, oficialmente, apenas de duas emissoras de televisão -a Rádio e Televisão Record S.A, que tem a concessão em São Paulo, e a Record de São José do Rio Preto-, além da Rádio Copacabana, no Rio, sua primeira investida na mídia.

A Rádio e Televisão Record S.A (da qual Macedo tem 90% das ações e sua mulher, Ester Bezerra, 10%) ´comprou` as ações de outros bispos.

O movimento reforça as suspeitas de empresários do setor de que Macedo seja o verdadeiro dono de toda a rede Record, o que faria dele um bilionário. O valor atual estimado da Rede Record é de R$ 2 bilhões.

Macedo comprou a Record de Silvio Santos e da família Machado de Carvalho, por US$ 45 milhões, em 1989, o que significa um crescimento patrimonial do grupo de 4.344% desde então.

Bispos

O bispo Marcelo da Silva, presidente da TV Record do Rio, é acionista de sete rádios e de três televisões (TV Record de Bauru, TV Independência Sudoeste, no Paraná e TV Record de Campos, no Norte Fluminense).

Sidnei Marques, de Belo Horizonte, é acionista de seis rádios e das televisões de Belém (TV Marajoara), Brasília e da Rede Mulher. O bispo escolhido por Edir Macedo para sucedê-lo, Romualdo Panceiro, é acionista da Rede Família, da Record News, da Record de Campos (Norte Fluminense) e de uma rádio na Bahia.

O deputado federal e bispo licenciado Antônio Carlos Bulhões (PMDB-SP), é acionista de seis rádios e da Rede Mulher (atual Record News).

A legislação em vigor não permite que igrejas explorem diretamente, o serviço de radiodifusão. A Igreja Católica tem a maioria de suas emissoras (12 TVs e 215 rádios) em nome de fundações.

A Iurd ultrapassou as Organizações Globo em número de concessões próprias de televisão, mas a Record disputa com o SBT o segundo lugar faturamento publicitário.

A família Marinho chegou a ter participação relevante ou controle de 32 emissoras (fora as afiliadas), mas vendeu a maior parte para pagar as dívidas da Globopar, em 2002.

Hoje, a Globo tem cinco concessões de TV (São Paulo, Rio, Recife, Belo Horizonte e Brasília) e filhos e netos de Roberto Marinho têm 10% do capital de 18 afiliadas. Os grupos Bandeirantes e SBT têm 10 concessões de TV, cada um.

Há pelo menos 10 anos, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal investigam a origem dos recursos usados por Macedo na compra da Record. O último inquérito, com este propósito, foi aberto em outubro, pela PF, em São Paulo. Em 2002, Edir Macedo declarou rendimento anual de apenas R$ 8.289,60, segundo cópia de documento na Justiça.

Em entrevista à Folha, em outubro, Macedo disse que a Iurd é apenas cliente da Record, mas esquivou-se de dizer quanto ela repassa à emissora como aluguel de espaço na madrugada, e sobre como ele comprou a Record.

Há uma ação no Tribunal Regional Federal de São Paulo, proposta pelo Ministério Público Federal, que aponta indícios de que o dinheiro da compra das TVs Record de São Paulo, Franca e São José do Rio Preto saiu de doações de fiéis. A anulação das concessões foi negado na primeira instância.

Uma outra ação, proposta pelo ex-deputado Afanázio Jazadji, apura o suposto uso de bispos como ´laranjas` da igreja na compra de emissoras. Ela foi recentemente desmembrada para vários Estados, pelo Supremo Tribunal Federal.

O STF arquivou, em 2006, o inquérito contra o senador Marcelo Crivella e outros membros da igreja que investigou, por sete anos, o ingresso de US$ 18 milhões, via Uruguai, para compra da TV Record do Rio e de rádios. O dinheiro teria sido enviado por duas empresas da Iurd, baseadas em paraísos fiscais.’

 

Plano de Igreja Universal gera disputa judicial com ex-bispos

‘A estratégia da Igreja Universal do Reino de Deus de colocar empresas em nome de religiosos já resultou em duas disputas judiciais com ex-bispos: uma em Santa Catarina e outra no Rio de Janeiro.

O ex-bispo Marcelo Nascente Pires acusa Edir Macedo de fraudar uma procuração para lhe tirar as ações das TVs Itajaí e Xanxerê, ambas de Santa Catarina. As emissoras fazem parte da Rede Record.

O senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) foi condenado pela Justiça do Rio a pagar R$ 1,5 milhão ao ex-bispo Paulo Roberto Gomes da Conceição, referente a ações da TV Cabrália, de Itabuna (BA). Os dois foram sócios na emissora. Ele rompeu com a igreja e cobrou o pagamento das ações. Crivella tem 15 dias, a contar da última quinta, para pagar a dívida.

Pires

O ex-bispo Marcelo Pires também era do grupo de confiança de Edir Macedo. Além das duas emissoras de TV, foi acionista da Colonial Administração de Imóveis (imobiliária), Unimetro Empreendimentos (loteamento e incorporação de imóveis), Fênix Comunicações e Line Records. Ainda é acionista desta última.

Como os demais bispos, Pires comprou as ações financiado por empréstimos da Iurd. No caso dele, o financiamento foi pela Cremo Empreendimentos, de São Paulo, também registrada em nome de bispos. De um lado, ele devia à igreja, e do outro, assinou procurações, com datas em branco, autorizando a venda das empresas -uma delas era para Macedo.

Na estratégia da Iurd, segundo ex-acionistas, quando as empresas passam de um bispo para outro, a venda é feita pelo valor da dívida, e o comprador herda o empréstimo. Ao romper com a igreja, o acerto entre a Iurd e Pires ruiu.

A Cremo Empreendimentos entrou com ação contra ele na Justiça de São Paulo, em outubro de 2001, cobrando o pagamento dos empréstimos que ele assinara. O valor cobrado é de R$ 1,7 milhão.

O ex-bispo, por seu turno, alegou que a procuração que havia dado a Macedo, em setembro de 1996, teria sido fraudada, porque dava poderes para vender uma empresa, e foram vendidas três: as duas TVs e a Rede Fênix de Comunicação.

Ato falho

Um ato falho dos advogados revelou que a Iurd está por trás da Cremo. Em fevereiro deste ano, a advogada Tatiana Tiburcio, da igreja, anexou um documento ao processo judicial, em São Paulo, onde a autora é a Iurd e não a Cremo.

Em janeiro de 2002, as cotas da TV Itajaí foram transferidas para o bispo Honorilton Gonçalves, vice-presidente da TV Record. O processo da TV Xanxerê se arrastou até novembro de 2002, quando as ações foram também transferidas a Gonçalves, por R$ 91 mil.

Pouco antes de a venda ter sido registrada na Junta Comercial, Pires ofereceu as ações da TV Xanxerê à penhora para pagamento da dívida cobrada pela Cremo. A Junta Comercial de Santa Catarina, em junho deste ano, suspendeu a transferência das ações, até que haja uma decisão final da Justiça sobre o caso. Até lá, o ex-bispo volta a ser sócio da emissora.’

 

Livro sobre bispo avalia Rede Record em US$ 2 bilhões

‘Valor é mencionado na biografia autorizada de Edir Macedo; igreja não quis dar informação sobre vínculo com emissoras

No livro ´O Bispo – A História Revelada de Edir Macedo` -biografia autorizada do fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, recentemente publicada pela editora Larousse- a Rede Record é avaliada em US$ 2 bilhões.

A igreja não quis dar declaração ou informação sobre seu vínculo com as emissoras de TV da Rede Record, as emissoras de rádio e as empresas registradas em nome de bispos ou outros membros da instituição.

A Folha encaminhou dois e-mails com detalhes sobre o conteúdo da reportagem, além de pedidos de entrevista feitos por telefone. A resposta, via assessoria de imprensa, foi de que não se manifestaria sobre nenhum dos temas abordados.

No livro biográfico de Macedo, escrito pelo diretor de jornalismo da Rede Record, Douglas Tavolaro, e por Christina Lemos, repórter especial do Jornal da Record, ele é indagado sobre quantos bens possui em seu nome, e responde:

´Sou proprietário da Record e da Rádio Copacabana, do Rio de Janeiro. Além disso, tomei empréstimo bancário há pouco tempo para a compra de um apartamento nos Estados Unidos, e pretendo saldá-lo com os direitos autorais das vendas de meus 34 livros. Mas o empréstimo é para pagar em 30 anos.´

Ao se declarar proprietário da Record, deixa implícito que é o dono de todas as emissoras da rede, ao passo que, oficialmente, muitas estão em nome de outros membros da igreja. Afirmou ainda que nunca recebeu dividendos da Record, e que todo o lucro é reinvestido no crescimento da rede.

No livro, ele responde à acusação de que a Universal injeta dinheiro na emissora. Diz que a igreja é só cliente da Record, e aluga espaços na programação. ´A igreja paga pelo aluguel da madrugada, horário, aliás, que a Globo e o SBT não querem alugar (…) A Record está crescendo com as próprias pernas.´

Riquezas

À pergunta sobre se está rico, não mensurou seu patrimônio em cifras. ´Rico? Muito. Talvez seja o homem mais rico do mundo. Sou milionário. Tenho uma família maravilhosa. Faço o que gosto, falo de Jesus. Tenho liberdade. Não vivo à base de tranqüilizantes. Sou uma pessoa livre. Quer riquezas maiores do que essas?´

Indagado sobre o que é feito com o dinheiro que entra na igreja, respondeu que é usado para pagamento das despesas com manutenção dos templos, programação de rádio e televisão feita por pastores, folha de pagamento de funcionários, aluguéis, ajuda de custo dos pastores, construção de igrejas e ´mais um batalhão de compromissos´.

A publicação comenta também os inquéritos e processos contra Edir Macedo. Desde 1990, foram 21 processos e inquéritos criminais, de curandeirismo a sonegação de impostos. Do total, segundo os autores do livro, cinco prescrevem e 15 foram arquivados por falta de provas.’

 

DESCONFIANÇA
Ruy Castro

Gatos que brilham

‘RIO DE JANEIRO – Segundo o noticiário, cientistas sul-coreanos clonaram gatos que sintetizam uma proteína fluorescente e brilham no escuro. Para os ditos cientistas, isso ajudará no tratamento de doenças que os gatos têm em comum com os humanos. A ser verdade, será mais um benefício que o homem, sem merecer, ficará devendo aos gatos.

Resta ver se é verdade. Em 2006, circulou na internet a informação de que uma turma do Massachussetts Institute of Technology, nos EUA, estava produzindo bonsai de gato. Como? Criando filhotes em potes de maionese para controlar seu crescimento. A simples idéia era indigna, absurda e cruel, mas, se vinha do MIT, tinha de ser verdade, não? E havia as fotos para provar. Por sorte, deu-se a grita internacional, e os alunos do MIT admitiram que o bonsai de gato era só um trote de mau gosto.

Agora surgem os gatos fluorescentes, com as indefectíveis fotos. Parecem reais, mas não se pode mais confiar na internet, nem na fotografia. A rigor, já não se pode confiar nem na ciência, capaz de produzir um clone de qualquer ser vivo, indistinto do artigo legítimo.

Talvez se antecipando a isso, meus amigos aqui do Rio, Cida e Bill, ao planejar uma temporada de meses numa aldeia italiana, no ano passado, resolveram levar seu vira-lata Theo. Só não se conformavam com o fato de que, enquanto eles iriam de executiva, o gatinho teria de ser despachado com as malas e viajar 14 horas no bagageiro.

Cida e Bill pensaram melhor. Cida reservou a outra poltrona da executiva para Theo, e Bill, magnânimo, foi se espremer na econômica. A empresa aérea aceitou a troca e Theo comportou-se muito bem. Nem reclamou do cinto. Na verdade, brilhou tanto -sem proteínas fluorescentes- que, durante o vôo, o avião inteiro foi visitá-lo em romaria.’

 

LITERATURA
Sylvia Colombo

Biografia une vida e idéias de Nabuco

‘Aos olhos da posteridade, nunca foi muito fácil entender como é que dentro do liberal abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910) viveu também um ferrenho e fiel monarquista, afeito aos modos aristocráticos e ao estilo da vida na corte.

Excelente orador, Nabuco foi implacável contra os opositores na defesa de seus argumentos, principalmente entre os anos de 1878 a 1888, quando se tornou o principal representante parlamentar da causa da abolição da escravatura.

Depois de proclamada a República, em 1889, deixou o país, só aceitando aproximar-se do governo republicano quase dez anos mais tarde. Mesmo assim, acabou por preferir a distância, tornando-se chefe da delegação brasileira em Londres.

Disposta a entender a complexidade do contexto político e ideológico em que Nabuco e sua geração construíram idéias para um Brasil que atravessava um momento de acelerada transformação, Angela Alonso lança ´Joaquim Nabuco – Os Salões e as Ruas´, que sai dentro da coleção ´Perfis Brasileiros´, da Companhia das Letras. Alonso é professora de sociologia da USP e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Escreveu ´Idéias em Movimento` (Paz e Terra, 2002), em que estudou as correntes de pensamento durante o Império.

De início, a estudiosa propõe a análise da trajetória de Nabuco ´pelo avesso´, descrevendo seus velórios e funeral por meio de três atos. O primeiro, o de sua morte propriamente dita, como embaixador, em Washington, em 1910. Prestaram-lhe homenagem o secretário de Estado dos EUA, juízes da Suprema Corte e senadores.

O segundo ato deu-se nas celebrações de corpo presente na corte do Rio. A elas acorreram colegas de debate parlamentar, intelectuais e a população em geral. O terceiro aconteceu no Recife, onde foi acolhido exclusivamente como herói abolicionista, e seu esquife, carregado por ex-escravos libertos.

Os ´três enterros` forneceram linhas para que Alonso reconstituísse a história e a dinâmica de pensamento de Nabuco ao longo do tempo. Apesar de se tratar de um pensador e político sobre o qual se escreveu muito até hoje -e que possui boa parte de seus escritos publicados nas obras completas (editadas entre 1934 e 1941, pela Companhia Editora Nacional)-, um estudo que associasse biografia à trilha intelectual era difícil de encontrar.

Alonso optou por utilizar mais de 700 cartas inéditas, que estão à disposição para pesquisas na Fundação Joaquim Nabuco, no Recife. ´Trabalhar com correspondência traz uma vantagem que não existe nos diários. Nela podemos ouvir duas vozes, a dele e a de seus interlocutores´, disse à Folha. A pesquisadora concluiu que a rede de conexões de Nabuco era muito maior do que se pensava, e que ele dialogava com várias tendências ideológicas.

´De um modo geral, as ciências sociais tendem a privilegiar o Nabuco pensador, centrando atenção em seus ensaios. A forma limitadora do tipo de biografia que fiz agora ajudou a resumir didaticamente a parte teórica e dar atenção ao perfil pessoal de Nabuco.`

Bandeira

Um dos aspectos mais interessantes tem a ver com a ´desromantização` do modo como o personagem agarrou-se à idéia abolicionista. Político jovem e ainda sem muita voz no Parlamento, Nabuco especializou-se em obstruir as discussões da oposição. A chamada ´questão servil´, eufemismo para designar o problema da escravidão, já estava na pauta. Seu próprio pai, o respeitado senador Nabuco de Araújo, já a considerava como possibilidade concreta num futuro próximo.

Porém, até então ninguém a havia tomado como bandeira de modo impetuoso e enfático.

Nabuco o fez e, aos poucos, apaixonou-se pela idéia de ser a ´encarnação de uma causa´.

´É possível dizer que foi uma ação oportunista no sentido que o oportunismo tinha na época. Havia então duas possibilidades, duas agendas. O abolicionismo e a República. Aos poucos, elas viraram causas gêmeas. Mas apoiar a República era um passo largo demais para Nabuco, devido à sua formação e à sua família, sempre próxima ao Império. Já a abolição cabia mais a seu perfil político.`

Alonso ressalta que a idéia abolicionista, para Nabuco, não surgiu como um sopro, mas foi, sim, uma continuação daquilo que seu próprio pai iniciara.

Foi durante a realização de sua dissertação de doutorado que Alonso decidiu desenvolver esse enfoque. Na tese, a pesquisadora concluiu que a chamada ´geração de 1870´, a que Nabuco pertencia, era essencialmente reformista.

´A princípio, não formaram um grupo comum, e sim pequenos círculos sem expressão política. O que os unia era a marginalidade nas discussões´, diz.

Os bloqueios impostos a eles pelo sistema acabaram por fazer com que formassem uma classe letrada sem espaço para expressar-se. ´Isso acabou virando uma panela de pressão, que bebeu em fontes políticas do exterior e atrelou-se a uma agenda que vinha sendo postergada havia décadas´, afirma.

Em 1870, defende ela, não havia mais como adiar decisões quanto à escravidão e às perspectivas para depois do fim da monarquia. Eram o assunto latente do momento. ´Se Nabuco tivesse nascido uma geração antes, poderia ter sido um político mais acomodado dentro do sistema do Império. O fato de ter chegado à maioridade política num momento de aceleração histórica como aquele fez com que assumisse o perfil que hoje conhecemos.`

Alonso define Nabuco como moderado, de uma espécie de centro-esquerda e respeitador da propriedade. Conservador para os de visão mais progressista. Na avaliação da autora, Nabuco fazia parte de um contexto em que a opção pelas reformas predominava sobre a idéia de uma revolução. ´Até os mais radicais pensavam assim. E isso era coerente com o modo como nossa política era feita desde sempre.`

JOAQUIM NABUCO

Autor: Angela Alonso

Lançamento: Companhia das Letras

Quanto: R$ 39,90 (354 págs.)’

 

Coração partido marcou a vida do abolicionista

‘Joaquim Nabuco carregou ao longo da vida a frustração por um caso de amor fracassado.

A moça com quem mais se sentiu envolvido jamais casou-se com ele. Conheceu Eufrásia Teixeira Leite durante uma viagem à Europa. Ela era uma mulher fora dos padrões de seu tempo. Órfã de pai e mãe, de família rica, passou a gerir as próprias finanças e foi morar, independente, em Paris.

Apaixonaram-se e mantiveram breves momentos de idílio, mas, no geral, ambos evitaram dar um passo à frente, pois tinham situações financeira e social muito diferentes. Apesar de ser um aristocrata, Nabuco pertencia a uma família que não era endinheirada, tampouco provinha das linhagens mais nobres do Império.

´Era um amor que dificilmente vingaria. Se fosse um encontro típico do romantismo, essas diferenças seriam o motor para que lutassem para ficar juntos. Mas não era o caso, e as questões concretas definiram seu fracasso. Por mais moderno que Nabuco fosse, era difícil aceitar a superioridade financeira da amada. Algo que é um problema até hoje´, diz Alonso.

Em seu livro, a pesquisadora lista pelo menos quatro engates e quatro rompimentos do casal entre 1872 e 1887.

Depois de tantas frustrações, finalmente, Nabuco optou por casar-se com uma outra mulher, 16 anos mais nova que ele, Evelina Torres Soares Ribeiro, com quem teve cinco filhos.

Já Eufrásia seguiu com sua vida livre, mundana e milionária. Optou por não se casar e morreu só.’

 

Manuel da Costa Pinto

Elogio do pessimismo

‘POUCO A pouco, os leitores brasileiros estão descobrindo Alfonso Berardinelli, um dos nomes mais importantes da crítica literária italiana. Recentemente, Fábio de Souza Andrade analisou aqui o livro ´Da Poesia à Prosa` (Cosac Naify). Também neste espaço, o colunista que vos fala havia resenhado ´La Forma del Saggio` (´A Forma do Ensaio´, ainda sem tradução), prêmio Viareggio de 2002.

Agora surge ´Não Incentivem o Romance e Outros Ensaios´, inaugurando a coleção Estudos Italianos. Lidos em conjunto, os três livros se complementam numa profissão de fé na qual ensaio se apresenta como sucedâneo do romance na tarefa de lançar um olhar perturbador sobre a realidade.

Se os textos incluídos em ´Da Poesia à Prosa` descrevem como a lírica moderna degenerou em jargão do hermetismo, ´Não Incentivem…` mostra que o romance deixou de convocar a ´energia interpretativa` dos leitores. A conclusão é que, dentre os gêneros literários, cabe ao ensaio resgatar o espírito de insubordinação diante dos apaziguamentos do mercado e do senso comum.

O livro começa com uma trilogia de conferências apresentadas na Universidade Autônoma do México, com panoramas da poesia, da narrativa e do ensaio na Itália após 1945.

São textos por si só fundamentais para o estudioso das letras italianas, mas a repartição tem sentido preciso: a escrita ensaística ganha peso igual ao da lírica e da prosa, sugerindo que a reportagem autobiográfica ´Cristo Parou em Eboli´, de Carlo Levi, é uma ´prosa de arte` equiparável à ficção de Gadda e Calvino, ou que os fragmentos de Umberto Saba rivalizam com sua obra poética.

´Não Incentivem o Romance` traz estudos sobre clássicos do romance europeu, de Stendhal a Kafka, e discute as personagens problemáticas da narrativa do século 20. Muito mais problemático, porém, é o diagnóstico do gênero romanesco contido em ´O Best-Seller Pós-Moderno: de ´O Gattopardo` a Stephen King´.

Trata-se de uma análise cáustica da recepção de autores como Lampedusa, Kerouac e García Márquez, que Berardinelli credita à ânsia do público por enredos mitologizantes, congelados no tempo inerte da aristocracia, da purificação destrutiva ou do universo fantástico.

Seu alvo maior, todavia, é o Umberto Eco de ´O Nome da Rosa´, artefato para o ´neoburguês, competente, escolarizado, intoxicado de teorização e desejoso de promoção cultural (…) que não quer, decerto, emocionar-se nem lamentar os males do mundo, como aquele dos romances do século 19, mas prefere sentir-se deliciosamente distante, irônico, sofisticado e sarcástico´.

Contra esses leitores -e esses romancistas-, Berardinelli propõe um pessimismo crítico que, após a morte da proclamada ´morte do romance´, não incentive o romance como refúgio da história.

NÃO INCENTIVEM O ROMANCE E OUTROS ENSAIOS

Autor: Alfonso Berardinelli

Organização: Lucia Wataghin

Editora: Humanitas/Nova Alexandria

Quanto: R$ 32 (208 págs.)

Avaliação: ótimo’

 

Marcos Strecker

Crítico vê plágio de versão de Quintana

‘Quando participou da mítica sala de tradutores da editora Globo de Porto Alegre nos anos 50, Mario Quintana não imaginou que seu trabalho daria tantos frutos. Além das traduções ´oficiais´, há pelo menos uma versão de sua autoria que foi adulterada e está sendo comercializada por uma grande editora, sem citar a fonte. É do poeta a tradução assinada por Roberto Domênico Proença dos ´Contos` de Voltaire, publicada pela Nova Cultural em 2003.

A apropriação do trabalho de Quintana foi constatada pelo crítico e colunista da Folha Manuel da Costa Pinto, que coordenou em 2005 a reedição revisada e atualizada de ´Contos e Novelas` para a editora Globo (que adquiriu o acervo e os direitos da antiga Globo de Porto Alegre nos anos 80). Para o crítico, ´o tradutor apenas introduziu algumas modificações na tradução de Quintana, criando diferenças cosméticas. A estrutura das frases é sempre igual, com a alteração esporádica de alguns substantivos, pronomes e conectivos´.

Além da ´maquiagem´, dois pontos reafirmam a suspeita de plágio, segundo o crítico. Primeiro, alguns erros cometidos por Quintana e reproduzidos na tradução atribuída a Proença. E, mais grave, o fato de que houve pelo menos um pequeno trecho omitido (por erro de Quintana ou de diagramação), uma supressão que foi constatada e corrigida na reedição de 2005, mas que foi reproduzida na edição da Nova Cultural.

A edição da Nova Cultural é inspirada em uma edição publicada em 1983 pela Abril Cultural, com a tradução corretamente atribuída a Mario Quintana. ´A tradução de Quintana continha erros que acabaram migrando da edição da Globo para a edição da Abril (que a republicou sob licença), mas que não poderiam ter aparecido na edição da Nova Cultural se esta fosse de fato uma nova tradução´, diz o crítico.

A sobrinha do poeta, Elena Quintana, que responde pelos direitos da obra intelectual do tio, está indignada com a história. Ela diz que Quintana ´nunca magoou emocionalmente ou materialmente` ninguém. ´Meu tio dizia que só se rouba dos mais ricos. Esse senhor [que assinou a tradução] deve ser uma pessoa muito pobre´, ironizou.

A Folha tentou obter os contatos da pessoa que assina como tradutor, mas até o fechamento desta edição a Nova Cultural não havia fornecido nenhum dado a seu respeito. O coordenador editorial da ed. Globo, Joaci Furtado, afirma não ter negociado nenhuma reedição com a Nova Cultural. A advogada especializada em direito autoral Maria Luiza de Freitas Valle Egea diz que a reprodução de erros de tradução é justamente uma das principais formas utilizadas por peritos para caracterizar plágio.

Há outros casos envolvendo a Nova Cultural. Um exame da tradução de ´Madame Bovary´, clássico de Flaubert que teria sido vertido por Enrico Corvisieri para a casa, é na verdade uma tradução de Araújo Nabuco publicada pela Abril Cultural em 1979. A versão de Nabuco é conhecida de uma especialista na obra de Flaubert consultada pela Folha, a tradutora Fúlvia M. S. Moretto, que desconhece o trabalho de Corvisieri. E a editora gaúcha L&PM republicou a tradução atribuída a Enrico Corvisieri. Segundo Ivan Pinheiro Machado, editor da L&PM, sua editora apenas fez uma permuta de títulos com a Nova Cultural. O contrato que permitiria as impressões é de 2003, expira em janeiro e ´não será renovado´.

O poeta e tradutor Ivo Barroso já havia apontado em artigo na revista ´Agulha´, outro caso da mesma Nova Cultural. A tradução de ´Cyrano de Bergerac´, de 2003, de Fábio M. Alberti, é na verdade uma cópia da tradução de Carlos Porto Carreiro publicada pela antiga editora Pongetti, em 1966.

Outro lado

Procurada pela Folha, a editora Nova Cultural disse que ´determinou ao seu departamento de auditoria que fossem adotadas urgentes providências para criteriosa apuração dos fatos´. Segundo a editora, ´o resultado dessa apuração permitirá que quaisquer equívicos eventualmente cometidos possam ser imediatamente reparados perante quem de direito´. A Nova Cultural confirma o caso de ´Cyrano de Bergerac´, mas diz que ´alertada de tal equívoco, procedeu no mesmo ano [2003] a uma nova edição da obra, com a menção correta do tradutor´.

A editora Abril afirmou, através de sua assessoria, que os direitos relativos aos antigos clássicos da Abril Cultural foram transferidos em 1982 e hoje pertencem ao grupo CLC, que controla a Nova Cultural.’

 

M. Claret plagiou textos

‘Em 4 de novembro, a Folha divulgou dois casos de plágio envolvendo a Martin Claret. Especializada em livros de bolso, a editora publicou traduções plagiadas de ´Os Irmãos Karamazov` e ´A República´. A primeira, assinada por Alexandre Boris Popov, é cópia de uma antiga versão da editora Vecchi. A tradução de ´A República´, assinada por Pietro Nassetti, é, na verdade, uma versão de Maria Helena da Rocha Pereira. A editora Objetiva está adquirindo o controle da Martin Claret.’

 

Eduardo Simões

Autor alemão brinca de realismo mágico

‘Desde 1986, quando Patrick Süskind lançou o best-seller ´O Perfume´, a Alemanha não sabia o que era um fenômeno literário de venda e crítica, da própria lavra, dentro e fora de suas fronteiras. O jejum foi quebrado por Daniel Kehlmann, 32, e seu quinto romance, ´A Medida do Mundo´, já lançado no Brasil. Só naquele país o livro vendeu mais de 1 milhão de exemplares; em seguida os direitos de tradução foram comercializados em cerca de 40 países, e Hollywood já planeja a adaptação para o cinema.

O sucesso de Kehlmann chegou a servir de pretexto para a imprensa internacional anunciar, no lançamento, em 2005, ´o retorno da leveza e do humor à literatura alemã` (´The Guardian´). Seu livro cai como uma luva na categoria do ´novo romance alemão: menos pesado, mais exportável` (´New York Times´).

Kehlmann concorda com tudo. Queria revelar as facetas cômicas que havia descoberto em dois luminares das ciências e do classicismo alemão: o naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859) e o matemático Carl Friedrich Gauss (1777-1855). Eles tiveram apenas um encontro, em 1828, em Berlim, quando Gauss, um gênio recluso, hospedou-se na casa de Humboldt, um gênio aventureiro, para um congresso. A realidade, em princípio, pára aí. E entra a imaginação de Kehlmann. ´O livro trata de duas formas de liberdade: a do pensamento versus a do movimento. Acho que é, no fim das contas, a questão filosófica mais importante que se coloca entre estes dois cientistas distintos.` Leia a seguir trechos da entrevista à Folha.

FOLHA – O jornal britânico ´The Guardian` disse que ´A Medida do Mundo` era o tipo de livro que Gabriel García Márquez teria escrito se tivesse nascido na Alemanha. Você fez realismo mágico alemão?

DANIEL KEHLMANN – Eu não o imito simplesmente, e sim o utilizo como técnica, sempre que Humboldt, de sua perspectiva de cientista, ignora tudo que é enigmático e fantástico. Ele é um mestre nessa ignorância, e a partir daí eu desenvolvo vários pontos do livro. Como, por exemplo, o monstro marinho que ele vê na viagem para a América. Ou o surgimento de sua mãe, já morta, numa caverna. Ou ainda o Ovni que ele avista às margens do rio Orinoco. Mas ele se recusa a acreditar nisso tudo, quer ter um mundo organizado de forma racional e científica. A fascinante técnica do realismo mágico, de descrição do sobrenatural, como se fosse algo normal e rotineiro, me possibilitou a caracterização psicológica do personagem dentro do romance.

FOLHA – Boa parte das piadas do livro se referem à maneira de ser dos alemães. Pode-se rir delas também no Brasil?

KEHLMANN – Eu espero. Só posso falar da reação de outros leitores, que funcionou em vários países, como a França, Itália, Suécia, Dinamarca etc. Parece que interessa ao leitor de forma universal. Existem piadas ou passagens engraçadas na história que um ´insider´, alguém que conhece a cultura alemã entende melhor, e alguém de fora não entende tão bem. Mas o inverso também ocorre. Em passagens em que Gauss, ou especialmente Humboldt, se comportam tipicamente como alemães, os não-alemães entendem melhor, segundo a minha experiência. De qualquer forma não me interessaria escrever um tipo de livro que somente alemães entendessem.

Pelo contrário. Eu sou um escritor muito influenciado pela literatura sul-americana. E isso se percebe no livro, que eu tenho a esperança de que a história seja compreendida em diferentes círculos culturais, especialmente para leitores na América do Sul. O romance é um confronto de duas culturas.

FOLHA – Você tem 32 anos e, em princípio, diferentemente de escritores de sua geração, não fez nenhum livro autobiográfico. A que atribui a diferença?

KEHLMANN – Seria muito entediante. O que me fascina na escrita é esse aspecto de que é possível viver mais vidas do que normalmente se pode. É o que o escritor Max Frisch compara a roupas, histórias que se pode experimentar. Eu simplesmente gosto de inventar. Duplicar ou copiar minha própria vida seria monótono. Naturalmente o escritor tem de estar presente no livro, mas na forma das coisas que lhe interessam e ocupam seu imaginário. Elas encontram um caminho no texto, mas através de uma espécie de transformação, da metamorfose. Quando alguém somente escreve sua autobiografia, chega a um ponto em que não pode continuar. Ao passo que se se ficcionaliza, inventa, a matéria-prima permanece infinita.

FOLHA – Já saberia explicar o fenômeno de seu livro?

KEHLMANN – Honestamente, não. O fenômeno tomou proporções, o livro vendeu tanto, não somente na Alemanha, eu fui o último a contar com isso. Para mim era um tema especial, que interessaria a poucas pessoas. Todas as explicações que me deram não me convencem. Eu realmente gostaria de saber o que um bom sociólogo acha disso. Pessoalmente tento lidar como se tivesse ganhado na loto: primeiro fiquei chocado, depois feliz, não me fiz muitas perguntas, mas ao mesmo tempo tenho um pouco de medo de que tudo não tenha passado de um engano.

A MEDIDA DO MUNDO

Autor: Daniel Kehlmann

Tradução: Sonali Bertuol

Editora: Companhia das Letras

Quanto: R$ 45 (272 págs.)’

 

Noemi Jaffe

Biografia desvenda a prosa rente à vida de Rubem Braga

‘´A coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol.` Também não vale um tuim criado no dedo; uma mulher bonita; um coração de mãe; um punhado de carambolas; uma noite de luar ou uma caçada de paca.

Vários filósofos já sabiam disso e procuraram, de todos os jeitos, que sua filosofia abarcasse a verdade insofismável das coisas. A verdade das ´Boas Coisas da Vida´, nome de um dos livros de Rubem Braga, de quem está sendo lançada uma biografia, escrita por Marco Antonio de Carvalho.

Rubem sabia traduzir um punhado de carambolas de maneira exatamente paralela ao sabor das carambolas; como se não houvesse diferença entre comê-las ou lê-las. E tudo isso, como não poderia deixar de ser, sempre de forma despretensiosa. Para ele, o Brasil não é o país do samba e do futebol. É o país do fim de tarde, da contemplação de um cajueiro, de uma tristeza indefinida, morna e às vezes um pouco alegre, porque, como ele diz no livro: ´O Brasil mesmo não existe´.

O país da vida besta, mas que não tem nada melhor… A não ser uma mulher bonita que, para o cronista, está acima de todas as religiões (´Deus fracassou mi-se-ra-vel-men-te!´), das políticas e de qualquer moral.

´Uma mulher bonita e ruim é melhor do que uma mulher feia e boa.` E esta biografia consegue dar conta de desvendar de que maneira Rubem conseguia escrever tão rente à vida.

Facetas

O livro registra o quase-comunista, o grande inimigo de Vargas e de Alceu Amoroso Lima, o amigo de Drummond, Bandeira, Vinicius, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Clarice Lispector e muitos outros, o amante real de Tônia Carrero e platônico de Danusa Leão, o correspondente da Segunda Guerra, o jardineiro de uma cobertura em pleno Rio de Janeiro, o generoso tímido que acolheu Graciliano Ramos recém-saído da prisão.

E, apesar de ser ´o pior conversador do mundo´, criador de frases como ´Devo confessar preliminarmente que, entre um conde e um passarinho, prefiro um passarinho` ou ´Pai Nosso que estais no céu, ficai aí mesmo` e, dirigindo-se a Vargas: ´Desejo-lhe um câncer no cu, para tirar o gosto de sentar no poder´.

Braga, tão firme durante toda sua vida, sem nunca fazer concessões políticas ou pessoais (era o rabugento mais querido das Redações de jornal), desencantou-se de quase tudo no final. Passou a concordar com Stanislaw Ponte Preta, que dizia que ´o capitalismo é a exploração do homem pelo homem.

O comunismo é exatamente o contrário´. E, como o Cândido de Voltaire, foi cuidar de seu jardim, só concedendo, de vez em quando, a observação de alguns joelhos de belas mulheres.

Rubem criou uma nova linguagem jornalística e mostrou que a fugacidade da crônica é justamente sua maior virtude.

Segundo Ivan Lessa, ´não se escreve mais como o Rubem. A língua foi pras picas com ele. A sensibilidade também. Acho que nessa ordem´. A tarefa agora é nossa. E não é tarefa fácil.

RUBEM BRAGA – UM CIGANO FAZENDEIRO DO AR

Autor: Marco Antonio de Carvalho

Editora: Globo

Quanto: R$ 44 (592 págs.)

Avaliação: ótimo’

 

Adriano Schwartz

Norman Mailer deixa ficção constrangedora sobre a vida de Hitler

‘´O Castelo na Floresta´, o último romance da carreira de Norman Mailer (1923-2007), é ruim de tantos jeitos diferentes e em tantas dimensões que fica até difícil escolher um deles para comentar.

O livro consegue o feito de competir em igualdade de condições com ´O Evangelho Segundo o Filho` (ed. Best-Seller), seu antecessor, publicado pelo norte-americano dez anos atrás.

Do ponto de vista literário, o mais importante de todos, essa biografia fictícia de Adolf Hitler em seus primeiros anos e seus antepassados acumula momentos de absoluto constrangimento, das descrições de cenas de sexo toscas a um narrador-demônio infantilizado que mereceria, de fato, nunca ter deixado as chamas do mundo subterrâneo… Isso para não falar da completa falta de ritmo da narrativa, esticada em mais de 400 páginas.

Mailer afirmou em uma entrevista que foi um dos poucos a compreender o genocida. Cada um tem direito de acreditar no que quiser, mas as explicações histórico-psicanalítico-demonológicas apresentadas no livro (incesto dos pais, ausência de um testículo, influência diabólica) são tão pueris que terminam por banalizar algo não facilmente banalizável.

Holocausto

Não sei se concordo com uma longa lista de estudiosos do Holocausto que julgam que os acontecimentos ligados à Segunda Guerra Mundial não deveriam ser estetizados, porque terminam fatalmente tornando aceitável, normal, um evento no limite irrepresentável, cuja compreensão adequada só poderia acontecer por quem esteve lá (e quase todos que lá estiveram morreram; os sobreviventes dizem, por outro lado, que nada do que possam testemunhar chegará perto da realidade). Mas é problemático não concordar que um livro como este fortalece muito a hipótese.

De qualquer modo, se a intenção é provocar debate (e mesmo polêmica), fica aqui a sugestão de uma obra que, se traduzida, faria isso de um jeito muito mais refinado e complexo, a novela ´The Portage to San Cristóbal of A.H.` (O transporte para San Cristóbal de A.H.), de George Steiner.

Ao contar como Hitler é encontrado vivo em 1977 e ao dar a ele voz, o escritor e crítico literário cria uma história -e um inferno- bem mais sombrio.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

O CASTELO NA FLORESTA

Autor: Norman Mailer

Tradução: Pedro Maia Soares

Editora: Companhia das Letras

Quanto: R$ 55 (430 págs.)

Avaliação: péssimo’

 

Escritor preparava continuação

‘Autor de mais de 30 livros, Norman Mailer não parou de trabalhar até pouco antes de morrer, em 10 de novembro -preparava uma continuação para ´O Castelo na Floresta´. Expoente do novo jornalismo, premiado duas vezes com o Pulitzer, tem entre suas principais obras ‘Os Nus e os Mortos` (1948), ´Os Exércitos da Noite` (1968), ´A Luta` (1975) e ´A Canção do Carrasco` (1979).’

 

ARQUITETURA
Mario Gioia

Niemeyer chega aos 100 hoje e ganha mostras

‘Oscar Niemeyer hoje chega ao seu centenário. O ´ano Niemeyer` teve alguns desdobramentos recentes, que incluíram uma homenagem da França. Na última quarta, ele recebeu a medalha Comendador da Legião de Honra, mais importante homenagem do governo francês.

Em uma cerimônia íntima, no prédio art-déco onde fica o escritório e o apartamento do arquiteto, em Copacabana, a condecoração feita pelo embaixador da França no Brasil, Antoine Pouillieute, emocionou a mulher de Niemeyer, Vera Lúcia Cabreira, que chorou.

Na França, Niemeyer assinou alguns de seus projetos mais inspirados, como as sedes do Partido Comunista Francês (1965) e do jornal ´L´Humanité` (1987), em Paris, além do Centro Cultural de Le Havre (1972).

A Embaixada da Rússia no Brasil previa para ontem outra grande homenagem ao arquiteto, a entrega do Colar da Amizade dos Povos.

As condecorações não são os únicos tributos pagos ao centenário arquiteto. Os públicos paulista e carioca podem atestar sua rica e numerosa produção em quatro exposições.

A mostra que é encerrada no prazo mais curto é a que está instalada em sala especial na 7ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. O mais interessante ali são os painéis que revelam o processo de criação do conjunto do parque Ibirapuera, que incluem um projeto de monumento na entrada, não-executado.

Também é explicada a defesa do arquiteto em retirar parte da marquise do parque, para que sua entrada ganhe unidade -entre a Oca e o auditório, seria construída uma praça.

A exposição fica até amanhã no Pavilhão da Bienal (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/3259-6866 e 0/xx/11/5576-7645; das 10h às 22h; R$ 12).’

 

Homenagem de artistas

‘O Memorial da América Latina, também projeto de Niemeyer em São Paulo, datado de 1987, apresenta na galeria Marta Traba (onde antes era previsto um restaurante) a exposição ´Oscar Niemeyer 100 Anos -Um Olhar sobre o Artista´.

A mostra exibe trabalhos de artistas como Alex Cerveny, Maria Bonomi e Paulo Climachauska, entre outros.

O Memorial fica na av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, tel. 0/xx/11/3823-4600; de ter. a dom., das 9h às 18h; entrada franca).

No MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo), é aberta hoje, às 11h, a exposição ´Coleção Niemeyer´, com 47 desenhos originais do arquiteto que pertencem ao acervo da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo). A curadoria é de Rodrigo Queiroz.

O MAC-USP fica na r. da Reitoria, 160, na Cidade Universitária; de ter. a sex., das 10h às 18h, sáb. e dom. das 10h às 16 h; tel. 0/xx/11/3091.3039; a entrada é franca.

Em Niterói, o prédio do Museu de Arte Contemporânea tem em cartaz a mostra ´Oscar Niemeyer – Arquiteto, Brasileiro, Cidadão´, que passou por Belo Horizonte e por São Paulo.

A exposição, com curadoria de Marcus Lontra, apresenta um resumo das principais fases da obra do arquiteto, com painéis, croquis, maquetes e desenhos. São apresentados novos projetos, como o Centro Administrativo do governo de Minas Gerais e um museu em Nova Iguaçu, no Rio.

O MAC-Niterói fica no Mirante da Boa Viagem, s/nº; tel. 0/xx/21/2620-2400; de ter. a sex., das 10h às 18h, sáb. e dom., das 10h às 18h45; R$ 4.’

 

Cuba inaugura escultura anti-EUA do arquiteto

‘Niemeyer, um comunista histórico, também ganhou uma homenagem em Cuba, cujo regime socialista liderado por Fidel Castro sempre foi elogiado pelo arquiteto.

A escultura desenhada pelo carioca fica na UCI (Universidade das Ciências de Informática), nos arredores de Havana, e será inaugurada hoje. Tem cerca de oito metros de altura e exibe um cidadão empunhando a bandeira cubana em combate com uma figura monstruosa (que simboliza os EUA).

Além da escultura, Niemeyer projetou uma praça e um auditório similar ao do parque Ibirapuera -o teatro abre-se para uma área descoberta.

Outro projeto internacional que tem estimulado o arquiteto é o museu e centro cultural da Fundação Príncipe das Astúrias, em Avilés, na Espanha. ´[O museu] Me interessa muito, bonito, fica em uma grande praça´, disse ele à Folha, no mês passado. Ele também projetou recentemente um museu-escola para Santiago.’

 

INTERNET
Eduardo Simões

TV Cronópios inova com programa de artes na rede

‘A TV Cronópios, abrigada desde abril no portal www.cronopios.com.br, é um dos pioneiros no Brasil na transmissão pela internet de programas sobre o universo das artes, em especial a literatura. Seu carro-chefe, o programa Bitniks, está na terceira edição e traz uma entrevista com o cineasta Sylvio Back, diretor de ´Lost Zweig´, sobre o escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942). A atração já falou com os escritores João Silvério Trevisan e Marcelino Freire, e anuncia entrevistas com Claudio Willer, Marcelo Mirisola e Glauco Mattoso, que irão ao ar até março de 2008.

O Bitniks -o nome é uma brincadeira com ´bit´, a unidade de informação digital, e os ´beatniks´, como eram conhecidos escritores americanos ligados à contracultura como William Burroughs e Jack Kerouac- é gravado com participação de público, na livraria Fnac da avenida Paulista. A rede é co-produtora do programa, oferecendo o espaço e equipamentos de áudio e iluminação, além de passagens e hospedagem para convidados que não moram em São Paulo.

A TV Cronópios foi criada pelo ex-publicitário José Waldery Mangieri Pires, o Pipol. Segundo ele, o número de acessos diários chega a mil.

´A receptividade tem sido muito boa. O segredo é a simplicidade mesmo, as gravações são bem informais. Eu gosto de dizer que o estilo dos vídeos que estou produzindo é uma mistura de Dogma 95 com ´A Bruxa de Blair´, diz Pipol, cuja equipe tem ainda Egle Müller Spinelli, Edson Cruz, Carolina Mendonça e Thiago Augusto.

Cada Bitnik tem trilha sonora própria, com músicas cedidas por banda ou músico convidado. O programa com Back é feito ao som da banda Ludov. A próxima temporada começa em abril e Pipol pretende, ano que vem, cobrir eventos como a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip.

´Estamos pensando em formatar essas coberturas como mini-especiais, mais ou menos como fazemos com o nosso programa Bitniks. Outra idéia é viajar pelo Brasil e registrar entrevistas com escritores e artistas locais´, afirma Pipol.’

 

TELEVISÃO
Cristina Fibe

´Jackass feminino` chega ao Brasil

‘O que se pode esperar de um programa conhecido como um ´Jackass` feminino? O reality show pastelão em que alguns jovens estúpidos fazem coisas estúpidas, que foi produzido pela MTV e teve sucesso entre o público adolescente, ganhou neste ano, nos EUA, uma versão feita por mulheres. Intitulada ´Rad Girls` (´rad´, no caso, pode vir da abreviação de ´radicais` ou da gíria ´maravilhosas´), a série, cuja estréia o Multishow anuncia para hoje, às 23h45 -sem dar detalhes à imprensa nem tampouco enviar uma cópia, como é praxe do canal-, já tem diversos episódios espalhados pela internet, em sites como o YouTube e o FuseTV (fuse.tv/radgirls).

Entre o que se vê, sob o slogan ´ser má nunca foi tão bonito´, baixarias como as garotas sendo erguidas por um guindaste com cordas presas à calcinha e fazendo barulhos desagradáveis em um elevador para constranger os passageiros.

Há ainda coisas mais ´leves´, como uma competição em que a perdedora deve beber molhos fortes e que, é claro, acaba em cenas nojentas no banheiro.

Como é de se esperar, as três garotas -Ramona Cash, Munchie e Darling Clementine-, durante os episódios (que têm edição bem parecida com a de ´Jackass´), não perdem a chance de atrair espectadores com shorts curtos e muita maquiagem.

RAD GIRLS

Quando: estréia hoje, às 23h45

Onde: Multishow’

 

CULTURA
Antonio Cícero

Os limites da diversidade cultural

‘A DECLARAÇÃO Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO define a cultura como ´o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de conviver, os sistemas de valores, as tradições e as crenças´.

Quanto a artes e letras, é claro que tudo o que a humanidade já fez constitui um patrimônio a ser preservado e disponibilizado à fruição da presente e das futuras gerações.

Quanto a modos de vida, maneiras de conviver, sistemas de valores, crenças e tradições, porém, a situação é outra. Alguns são admiráveis e devem ser preservados; outros são abomináveis -etnocêntricos, racistas, sexistas, intolerantes- e devem ser combatidos.

Apropriadamente, o artigo 4 da Declaração Universal sobre Diversidade Cultural, intitulado ´Os Direitos Humanos, Garantias da Diversidade Cultural` afirma, com razão, que ´a defesa da diversidade cultural […] implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a minorias e os dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance´.

Infelizmente, porém, desde antropólogos até obscurantistas religiosos têm, em nossos dias, invocado a ideologia do relativismo cultural para justificar todo tipo de violação dos direitos humanos. Segundo eles, tais direitos pertencem à cultura ocidental, onde surgiram, de modo que tentar exportá-los para culturas que não os reconhecem violaria o direito destas à diversidade.

Assim, foi com base no relativismo cultural que neste ano, na Alemanha, uma juíza -citando o Alcorão, que reserva ao homem a prerrogativa de castigar a esposa em certos casos- recusou-se a conceder o direito à antecipação do divórcio a uma mulher que era regularmente surrada pelo marido muçulmano. Ou seja, em nome do direito à diversidade cultural, desrespeitaram-se os direitos humanos dessa mulher.

Ora, os direitos humanos não são um produto da cultura ocidental. Na Europa, o reconhecimento deles foi uma vitória da razão -que só o mais tacanho etnocentrista classificaria de ´ocidental´- exatamente sobre as tradições culturais bárbaras do Ocidente medieval.

De todo modo, a menos que seja tomada como uma aplicação particular dos direitos humanos, a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural não pode ser levada a sério. Por quê? Porque cada unidade cultural ampla contém ou é capaz de conter minorias, isto é, unidades culturais menores. A proteção da diversidade cultural falhará, a menos que proteja também o direito à diversidade de cada uma dessas unidades menores.

Pois bem, a menor unidade concebível é o indivíduo. Por exemplo, um único judeu -ou ateu, ou budista- que viva entre evangélicos constitui uma unidade cultural minoritária. Embora, portanto, a declaração em questão tenha em vista proteger a diversidade cultural de unidades culturais maiores do que a de um indivíduo, essa proteção será em última análise deficiente, a menos que se estenda ao indivíduo; e este é o sujeito dos direitos humanos. Portanto, para ser consistente, o direito à diversidade cultural tem que ser pensado como um direito humano: o direito de cada indivíduo humano à diversidade.

Esse direito me traz de volta à definição de cultura da UNESCO. Eu disse que tudo o que já se fez em matéria de artes e letras constitui um patrimônio a ser preservado e disponibilizado à apreciação da presente e das futuras gerações. No entanto, é preciso não esquecer que tudo o que já se fez, conquanto importante, é apenas um conjunto de possibilidades que se realizaram. Há, porém, infinitas outras possibilidades a se realizarem, algumas das quais só se manifestam historicamente, a partir do desenvolvimento tecnológico. O direito à diversidade cultural tem que ser, portanto, o direito à experimentação e ousadia em arte, filosofia, ciência, tecnologia etc.

E aqui penso que é preciso ir além e afirmar que o direito à diversidade cultural, estendido até o indivíduo e tendo como fundamento último e intransponível os direitos humanos, deve garantir a liberdade de experimentação também no que diz respeito a novos -para usar as palavras da mesma definição- modos de vida, maneiras de conviver, sistemas de valores e maneiras de lidar com a tradição e as crenças.’

 

EXPOSIÇÃO
Folha de S. Paulo

Família proíbe mostra de Cartola

‘Uma exposição feita por 32 artistas para celebrar o centenário de Cartola foi cancelada por determinação judicial, antes de sua abertura, prevista para a última quarta, no Rio. O curador, Jorge de Salles, pôs um pedido de desculpas na porta da galeria, onde ficou para dar explicações a quem chegasse.

A proibição partiu de Nilcemar Nogueira, neta de dona Zica, mulher de Cartola. Segundo ela, a família e o Centro Cultural Cartola não foram informados da exposição. ´Achei um desrespeito´, afirmou ela.

O curador disse ter informado o centro. Segundo Salles, houve uma ´consulta` sobre pagamento de direitos de imagem. ´Isso se chama extorsão.´’

 

FOTOGRAFIA
Bruna Bittencourt

Projeto fotografa SP na madrugada

‘Eles costumavam se reunir depois do trabalho em um bar na esquina da rua Lorena com a da Consolação. Uma noite, sem saber para onde seguir dali e com suas câmeras nas mãos, decidiram fotografar a avenida Paulista. E assim começaram os ´rolês´.

Quatro anos depois daquela primeira sessão de fotos, o grupo de amigos-fotógrafos, auto-intitulado de Rolê, já promoveu quase 40 ´sessões` de São Paulo e seus personagens na madrugada, das formas do prédio da Bienal ao Sambódromo em pleno Carnaval, passando pelos muros grafitados da Mooca.

As sessões continuam a partir de um bar no fim da noite, na região que o grupo irá fotografar. A madrugada é o horário em que todos conseguem se desvencilhar do trabalho e quando a cidade permite outro tipo de registro. ´Os lugares lotados estão vazios. O silêncio é interessante, a cidade começa a se revelar´, diz Paulo Batalha, um dos fotógrafos do grupo, que conta só com uma mulher.

Dos 14 integrantes, 11 são fotógrafos em tempo integral. Batalha é redator publicitário. Além dele, há um roteirista de TV e um videomaker, que registra as reuniões. O equipamento é variado: desde máquinas digitais às analógicas ou de grande porte. As saídas costumam acontecer uma vez por mês, sem a obrigatoriedade da presença de todos. Para Batalha, o melhor do projeto é a experiência em grupo.

´Alguns de nós se concentram na arquitetura da cidade, outros preferem fotografar as pessoas´, conta João Sal, colaborador da Folha. ´São poucas as imagens que se repetem. É comum durante a noite não ver nenhum outro fotógrafo por perto´, diz.

Neste ano, o Rolê participou de seis exposições, do Centro Cultural da Juventude da Vila Nova Cachoeirinha à galeria Plastik (loja de ´toy art` que fica nos Jardins).

Um dos primeiros (e poucos) lugares fechados que o grupo registrou foi prédio da Bienal, que conseguiram fotografar, devidamente autorizados, de madrugada e vazio.

Das incursões, Ronaldo Franco, outro membro do grupo, destaca o que fizeram pela Vila Nova Cachoeirinha, quando encontraram um parque de diversão depois de deixarem uma área da região, na qual foram guiados por um morador.

Batalha se surpreendeu com as ruelas do largo 13 de Maio formadas pelas barracas de vendedores ambulantes, que dormem dentro delas, fechadas, na madrugada.

Os ´rolês` acabam por oferecer um novo ângulo sobre a cidade. ´A obra na Água Espraiadas [o complexo viário Real Parque] era uma parte nova da cidade para a gente. Atravessar a Marginal, pular o guardrail são coisas que a gente nunca faria sem o Rolê´, diz Ronaldo.’

 

Site reúne fotos do coletivo

‘Boa parte dos ´rolês` (25 deles) pode ser vista no www.role.art.br.

Outras 14 séries de fotos devem ser publicados no site em breve, assim como os vídeos dos passeios, registrados por um videomaker.

A edição das imagens é independente: cada fotógrafo escolhe quais de suas fotos irá publicar depois de cada registro.

Mirante da Lapa, praças de São Paulo e CEAGESP são algumas das séries.’

 

CINEMA
Folha de S. Paulo

Fundo destina R$ 38 milhões ao cinema

‘O governo anunciou anteontem que vai destinar R$ 37.963.007 em fomento para o cinema no país, com o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). A Agência Nacional do Cinema (Ancine) é o órgão responsável pela administração dos fundos.

A proposta do governo é criar novos tipos de investimento para o setor, priorizando não apenas a produção cinematográfica.

O dinheiro poderá ser empregado na produção de programas de televisão, na construção de salas de cinema, no lançamento e distribuição de filmes, além de outros projetos de infra-estrutura.

De acordo com a proposta, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, deverá indicar os membros de um comitê gestor para escolher os programas favorecidos pelo fundo.

Segundo o governo, os recursos virão de contribuições já recolhidas, sem a criação de novas taxas.’

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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