Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

VIOLÊNCIA EM DEBATE
Olgária Matos


Antinomias do Brasil


‘O que Renato Janine disse é que o perdão só pode ser concedido pela vítima. Por isso, o crime permanece, no âmbito moral, irreparável


EM RECENTE entrevista, o governador do Rio de Janeiro afirmou que a violência no Brasil é inteiramente contornável, pois nosso ‘processo civilizatório’ é ‘irreversível’. Para fundamentar seu ponto de vista -diariamente desmentido-, se voltou para o ‘desenvolvimento econômico’ anunciado. É em um quadro em que o econômico justifica a violência, o ‘social’ a explica e o bovarismo vê civilização onde não há projeto civilizatório que deveria ser entendido o artigo do professor Renato Janine Ribeiro (Mais!, 18/2). Ninguém defende pena de morte e tortura. Fazê-lo seria gravíssimo.


Mas também preocupante seria se, ante a procissão de horrores em que vive o país, um indivíduo respondesse a eles com neutralidade e impessoalidade. Adorno anotou em ‘A Educação após Auschwitz’ que um dos traços da sociedade totalitária é a perda da capacidade de identificação com a dor do outro, o desaparecimento da compaixão -tristeza mimética que faz de quem sofre outro nós-mesmos.


Um crime cruel é, em si, irreversível, não tem perdão. Pois, assim como o perdão só pode ser pedido por quem cometeu um crime ou uma ofensa, o ato de perdoar só pode ser concedido diretamente pela vítima. O que Renato Janine escreveu é que, justamente por não haver procuração dada por quem foi silenciado, cada um de nós não tem o direito de perdoar e, por isso, o crime permanece, no âmbito moral, irreparável. No artigo, ele não perdoa. Não tendo sido a vítima imediata dessa violência, perdoar, para ele, seria imoral.


Apesar de concebida em âmbito religioso por Jesus Cristo, a faculdade de perdoar foi enunciada em um sentido secular: ‘Deus perdoa nossas dívidas assim como nós perdoamos nossos devedores’. A Igreja Católica, ao defender, com razão e humanidade, a dignidade de toda pessoa, põe em ação as palavras de Cristo: ‘Perdoai, Senhor, eles não sabem o que fazem’. Restaria saber até que ponto os assassinos de hoje são inocentes. E quem o arbitra é o Estado. Quanto a isso, surpreendem as declarações oficiais. Na segunda-feira, o presidente da República disse que qualquer um poderia ser levado a cometer um crime como o que atingiu a criança no Rio de Janeiro.


A psicanalista professora titular do Instituto de Psicologia da USP Maria Inês Assumpção Fernandes observou a estranheza dessa afirmação. A impossibilidade de discernir quem é a vítima e quem é o agressor, diz ela, ocorre em situações de terror, seja o promovido pelo Estado, seja o vivido pela sociedade. O artigo em questão nos leva a perguntar se não são as atitudes dos poderes públicos que trazem de volta a lei do sangue.


Entenderam mal o pensamento de Renato Janine tanto os que o elogiaram, pretendendo que o professor defende o direito de matar do Estado, quanto os que o atacaram pela mesma razão. Não é porque o capitalismo contemporâneo é pulsional e infantilizante, porque produz uma educação e uma cultura para a qual a atividade do pensamento é próxima a zero que o Estado teria direito ao assassinato frio -que é a pena de morte-, e o criminoso, à indulgência da lei.


O que o ensaio de Renato Janine dá a pensar é, entre outras coisas, se, ao dar-se preferência ao aspecto educativo da lei, suprimindo, na prática, seu caráter punitivo, e se, na comedida e prudente atitude dos representantes da lei e instituições humanitárias, não se expressa a idéia de que as condições materiais de existência explicam o crime e as condições sociais e penitenciárias o justificam.


Pois é tão infamante jovens e adultos serem trucidados em favelas e queimados em pneus quanto o é qualquer ser humano sê-lo em ônibus ou nas ruas da cidade, independentemente de sua extração social. Trauma após trauma, pode-se opinar o que se quiser sobre delinqüentes e seus crimes, só não há como dizer que se trata de ‘crime famélico’. Esses jovens estão cheios de mensagens, e uma delas é a de não quererem só comida. Assim como é falta de pudor a mídia brasileira freqüentemente operar com presunção de culpa, também deveria ser rechaçada indulgência com criminosos. Afinal, é só no Brasil que delinqüentes são tratados não por seus nomes próprios, mas por diminutivos e com linguagem afetiva. É cedo que se adquire consciência do que é assassinar, do que é permitido e do que é interdito, sem o que uma sociedade não é uma sociedade.


OLGÁRIA CHAIN FÉRES MATOS é professora titular do Departamento de Filosofia da USP.


Leia artigo de Renato Janine Ribeiro no Mais! de 18/2 www.folha.com.br/070544′


 


Elio Gaspari


O professor acha que pena de morte é pouco


‘Renato Janine quer prisões ‘sofridas’. Por enquanto, esse nicho do mercado está com as gangues de presídios


NUM ARTIGO RECENTE, tratando do assassinato do menino João Hélio, o doutor Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética da USP, escreveu o seguinte:


‘Se não defendo a pena de morte contra os assassinos, é apenas porque acho que é pouco. (…) Todo o discurso que conheço, e que em larga medida sustento, sobre o Estado não dever se igualar ao criminoso, não dever matar pessoas, não dever impor sentenças cruéis nem tortura -tudo isso entra em xeque, para mim, diante do dado bruto que é o assassinato impiedoso. Torço para que, na cadeia, os assassinos recebam sua paga; torço para que a recebam de modo demorado e sofrido.’


Janine é diretor de avaliação da Capes, entidade encarregada de julgar a qualidade acadêmica das universidades brasileiras.


O professor não defende a pena de morte, mas entende sua lógica. No ano passado, uma pesquisa do Datafolha mostrou que 51% dos brasileiros desejam uma lei que permita a execução de bandidos. A Corte Suprema dos Estados Unidos restabeleceu-a em 1976. Admitindo-se que essa penalidade existisse no Brasil e fosse administrada de acordo com os critérios da Justiça americana, é possível que só o motorista do carro que arrastou João Hélio arriscaria perder a vida. O bandido de 16 anos, por menor, estaria expressamente a salvo da pena capital. Toda vez que se organiza uma mesa-redonda para discutir o sistema penal brasileiro sem a presença de um defensor da pena de morte exerce-se um piedoso patrulhamento que mutila o debate e mascara as execuções feitas por policiais e milicianos.


A ética de Janine é assustadora quando ele diz que no caso dos quatro bandidos a pena de morte ‘é pouco’, pois torce para que os bandidos paguem, na cadeia, ‘de modo demorado e sofrido’.


Falta definir ‘sofrido’, mas não falta conhecer como se sofre nas cadeias brasileiras, comandadas por quadrilhas de bandidos. Cada pessoa disposta a desejar que um delinqüente seja submetido aos sofrimentos estipulados pela ‘Lei da Massa’, ou ‘do Cão’ pode escolher uma pena cumulativa, com base na vida real. A escolha é livre.


‘E eles batiam no senhor? (…) E esculacharam? Estupraram o senhor?’ ‘Fizeram tudo. Me esculacharam, tiraram minha roupa todinha. Fizeram besteira comigo. (…) Tem um mês que estão me esculachando, e tudo.’ (Diálogo extraído do trabalho ‘Oficina do Diabo’, do sociólogo Edmundo Campos Coelho.)


Admita-se que o estupro sistemático de presos faça parte do mundo das penitenciárias. Há também a chantagem contra irmãs, mulheres e mães que vão visitar os cárceres. Em alguns casos, cobra-se dinheiro ou serviços para a quadrilha. Em outros, sexo.


Preso sem dinheiro é obrigado a trabalhar para os outros e a assumir a responsabilidade por crimes alheios. Vira ‘robô’. Em alguns casos, mata por encomenda. Há casos de ‘robôs’ com mais de dez homicídios dentro da prisão.


Nas penitenciárias controladas pelos comandos, vigoram os códigos das quadrilhas, movidos a dinheiro. Mesmo que os assassinos de João Hélio fossem retalhados vivos, a torcida haveria de se decepcionar. Qualquer que fosse a paga demorada e sofrida, ela nada teria a ver com a indignação dos homens de bem. Seria apenas um gesto destinado a intimidar bandidos que tumultuam os negócios das quadrilhas e do tráfico. Seria uma iniciativa destinada a fortalecer a bandidagem, enfraquecendo a lei.


Janine colocou ‘em xeque’ a idéia de que o Estado não deve torturar o criminoso, mas não propôs a entrega de bandidos à Lei do Cão. Fica uma dificuldade: só ela inclui a tortura na sua lista de penas. Pelo Código Penal, tortura é crime inafiançável.


Nosso Guia acha que os defensores da redução da maioridade penal acabarão perseguindo fetos. Blablablá. O inferno não está nos outros, mas no seu governo, no qual um hierarca do ministério da Educação acha que a ‘pena de morte é pouco’.


Serviço: O artigo de Janine está nos seguintes sítios: Na Folha (para assinantes), no caderno Mais! do dia 18. No Humanitas Unisinos, uma busca em ‘Janine’ traz o artigo, com data do dia 19.’


 


Andrea Lombardi


A razão distorcida


‘Sou estrangeiro. Há 25 anos resolvi morar no Brasil, por achar que aqui o convívio era decididamente mais tolerante, menos carrancudo e mais leve do que na velha Europa. Confesso que, nesse meio tempo, nunca tinha lido um acúmulo de idéias tão corriqueiras, brutais e potencialmente perigosas como as contidas no artigo do Renato Janine Ribeiro (Mais! de 18/2), com outros textos, escritos para debater o ínico e monstruoso crime, que levou a vida do menino João, no Rio. Confesso que estava esperando uma reação irracional, daquele Brasil profundo e recalcado: uma defesa de medidas extremas. Confesso que imaginava (há um certo tempo) que alguém viria a ocupar o lugar de uma extrema direita, que no Brasil nunca teve a coagem de se apresentar de forma explícita, legítimos continuadores de uma tradição que havia antes do golpe de 64. Fiquei surpreso e, sinceramente indignado, pois o texto do Ribeiro nas entrelinhas pode levar à incitação ao crime (‘Quando penso que desses infanticidas, os próprios colegas da prisão se livrarão, confesso sentir um consolo’).


Sou professor numa universidade pública (fui e sou ainda colega de Ribeiro). Mas, se ser intelectual resultar em algo parecido ao que alega em seu texto, vou preferir abdicar de minha profissão. Pois o papel do intelectual, em minha opinião, é apontar para um caminho na literatura e na leitura, que é o contrário ao corriqueiro e ao banal. Existe uma ética na leitura, que defendo, pela qual os leitores (sejam docentes, recém-alfabetizados ou alunos, sejam amadores ou apaixonados) devem exercer sua responsabilidade sempre e novamente, tentando decifrar no texto o que está escrito e o que está nas entrelinhas, o que é evidente e o que é recôndito, o que é banal e o que é novo e criativo e o que, a partir do texto, em nova leitura se possa dizer. O leitor deve ser sempre como um regente de uma partitura: criativo e atento, apaixonado e cuidadoso. A sensibilidade e a razão (distorcidas no artigo em questão) devem estar a serviço de uma leitura nova e original, que defenda e abra sempre mais novos espaços de liberdade (alguns o chamaram de livre-arbítrio, e essa definição parece ter vingado, pelo menos na letra). Considero-me um simples leitor, e a leitura que Ribeiro fez do episódio resulta numa acúmulo de banalidades e patentes inverdades, desmontando a aura de intelectual que reivindica, fornecendo suas munições a um movimento realmente reacionário, de justiceiros, de cegos vingadores (o que vai pensar dessas idéias um aluno de um curso de ética?).


Aponto três aspectos, dos tantos problemáticos, do texto. 1. No texto há um apelo a Deus, blasfemo para um crente, paradoxal e oportunista para um intelectual iluminista. 2. Reitera-se uma posição brutal e perigosa, que parte da defesa da pena de morte, para conclamar a fatos e iniciativas mais graves: ‘Se não defendo a pena de morte é apenas por que acho que é pouco’. ‘(Eles) deveriam ter uma morte hedionda.’ ‘Torço para que, na cadeia, os assassinos recebam sua paga.’ 3. Entre as inverdades brilha: ‘Não vejo diferença entre eles e os nazistas’. Os nazistas optavam pelo mal, como esses assassinos. ‘Sei que os pobres são honestos, mais até que os ricos’. ‘O que vivemos não é diferente do nazismo’.


Revisão das idéias


Eu, como muitos, respeitava e gostava de Ribeiro. Respeito também que possa ter revisto suas próprias idéias, mas julgo prudente lembrar que um obscuro jornalista socialista na Itália resolveu inventar a mais modernas das ditaduras reacionárias. E que havia um banal pintor de paisagens, na Áustria, que se tornou o realizador de uma imensa arquitetura da destruição. Respondo aqui à última das afirmações do texto, por sentir-me diretamente atingido, pois sou de origem judaica e acredito ser o dever de todos esclarecer as condições em que o nazismo e o fascismo nasceram e proliferaram. Uma dessas condições foi a queima dos livros, real e metafórica, o apelo a reações irracionais contra a tradição humanista e erudita da Alemanha e da Europa.


O nazismo foi uma ditadura (não uma iniciativa de um homem do mal), que cristalizou de forma monstruosa os sentimentos de medo contra o desemprego, contra a criatividade artísticas desenfreiada das vanguardas e de medo contra o apelo à oralidade e à liberdade do leitor, numa nova versão do antisemitismo. A violência crônica e brutal contra o pobre menino é provavelmente expressão de uma doença crônica, que convive com essa nossa sociedade contemporânea, em suas entrelinhas ou em suas entranhas. É pensando na patologia desses casos que devem ser tratados que se justifica uma reação da sociedade, utilizando-se de instrumentos específicos e o bom senso, como o psicanalista Renato Mezan, sensatamente sugere, em seu artigo publicado na mesma edição do Mais!. Pois essa nossa sociedade proclama a felicidade e vive a neurose, almeja a paz dos sentidos e não consegue vencer o medo, a angústia e o pânico. Mas os cidadãos comuns trancados e queimados pelo tráfico no Rio no final de 2006, o índio queimado há alguns anos em Brasília e os linchamentos são um triste primado do Brasil e expressão de intolerância profunda.


São índices de uma violência que sempre existiu (leia-se ‘Totem e Tabu’ [de Freud] ou qualquer estatística sobre estupros e violência doméstica para ter uma confirmação). Não há solução ‘final’ para o problema da violência (nem para qualquer outro problema, mesmo social). Lutar para diminuir a idade penal e defender a instituição da pena de morte mostram unicamente a dependência do mais corriqueiro e brutal senso comum, o contrário do bom senso. Essa sociedade esconde a doença com toda a gama de antidepressivos liderados pelo Prozac e seus derivados. As palavras de Ribeiro soam como o equivalente ao Viagra, feito para mostrar mais roxo do que é realmente e revelam que a idade e a preparação intelectual não necessariamente trazem sabedoria. Não me sinto mais tão estrangeiro, não tenho certeza de que quero ser considerado um intelectual ou um professor, mas sinto-me tão humanista e ligado à ética quanto quando cheguei. Escolhi o Brasil, há quase um quarto de século, por ser mais tolerante, mais aberto do que a velha Itália. Hoje quero defender essa escolha. Penso que contra a violência, contra a pena de morte, contra a corrupção que autoriza descrença, desengajamento, hipocrisia e cinismo, é necessário retomar uma atitude inconformada.


Ou melhor: rebelde. Fazendo, talvez, como fizeram, há alguns anos, os ambientalistas no Rio, que com um gesto simpático, abraçaram a Lagoa de Freitas. Declarando talvez como há 50 anos o fazia veementemente o fundador do situacionismo -Guy Debord- ou [o cineasta] Pasolini, seu inconformismo com a sociedade do bem-estar e da apatia. Protestando como em 1968, com milhões de jovens no mundo inteiro, para chegar a gritar hoje (talvez?): ‘O bom senso ao poder’ que ecoa o ‘poder da imaginação’ de então. Qualquer coisa, menos a indiferença pós-moderna, como escreveu um autêntico intelectual carioca.


ANDREA LOMBARDI é professor de língua e literatura italianas na Universidade Federal do RJ e membro da pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.’


 


MÍDIA & POLÍTICA
Ranier Bragon e Letícia Sander


Verbas compram reportagens em imprensa regional


‘Do total da ‘verba indenizatória’ que a Câmara destinou aos deputados em janeiro, 15% se referem ao ressarcimento de supostos gastos com a chamada ‘divulgação do mandato parlamentar’. A Folha constatou que o dinheiro público é usado, entre outras coisas, para fins eleitorais e para a compra de reportagens benéficas aos deputados em órgãos de imprensa regionais.


O caso mais evidente é o do líder da bancada do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), que afirmou, em um primeiro momento, manter um contrato com o jornal que controla, a ‘Tribuna do Norte’.


O diário publicaria notícias sobre as atividades do deputado em Brasília e, em troca, receberia como remuneração a verba do deputado destinada à ‘divulgação do mandato’.


‘Tem contrato, tem recibo, tudo direitinho do jornal, tem recibo guardado, tudo direitinho’,afirmou o deputado, em um primeiro contato.


Depois, ele retificou: ‘Não é um contrato formal. Eu pago e eles dão recibo.’


O peemedebista afirma que as ‘reportagens’ são produzidas quase sempre por meio de entrevistas que ele concede ao seu assessor de imprensa.


Entre as ‘reportagens’ destacadas pelo deputado está a sua eleição para a liderança do PMDB, uma entrevista sobre o apoio do PMDB a Luiz Inácio Lula da Silva e a descrição da sessão para a eleição do novo presidente da Câmara, presidida por ele em 1º de fevereiro.


‘Quando fui presidir a eleição da Câmara, publicamos uma página inteira, uma foto nossa, tenho dez mandatos. Tô no décimo mandato, aí fizemos uma página no jornal muito bonita’, disse. Alves presidiu a sessão por ser o deputado com o maior número de mandatos.


Em janeiro, ele foi reembolsado pela Câmara em R$ 10,5 mil por gastos a título de ‘divulgação do mandato’. Ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) o líder do PMDB declarou um patrimônio de R$ 1 milhão, que inclui ações em rádio e TV.


Exemplo semelhante a Folha encontrou no gabinete do deputado Osvaldo Reis (PMDB-TO). Dois de seus assessores afirmaram, em conversa informal, que parte da ‘verba indenizatória’ é usada para pagar ‘notas’ nos meios de comunicação de Tocantins e do sul do Maranhão, área de atuação política do deputado.


De acordo com eles, se não houver pagamento, não sai nenhuma notícia sobre o deputado na imprensa local.


Uma vez remunerados, as rádios e jornais, ainda segundo os assessores, reproduziriam na íntegra as informações prestadas pelo gabinete do deputado.


O argumento foi usado para justificar a impressão de 20 mil exemplares de um tablóide, ao custo de R$ 13 mil, para distribuição aos eleitores de Osvaldo Reis. O jornal, de oito páginas, se resume à transcrição de dois discursos do deputado no plenário da Câmara, à relação de seus projetos apresentados, à listagem das emendas que ele apresentou ao Orçamento da União e à sua biografia.


O uso político da verba também fica explicitado no caso do deputado João Caldas (PR-AL).


Acusado de envolvimento na máfia dos sanguessugas, ele não se reelegeu.


No último mês de mandato, admitiu ter gasto os R$ 15 mil da verba indenizatória para fazer uma ‘prestação de contas’ de seu período na Câmara. Disse ter mandado cartas para que as pessoas não se esquecessem dele. ‘Político tem que interagir com a sociedade’, defendeu.


Não reeleito, o ex-deputado Babá (PSOL-PA, que se candidatou pelo RJ) também gastou 100% da verba indenizatória a que tinha direito em janeiro, dos quais R$ 10,6 mil para ‘divulgação da atividade parlamentar’.


Ele disse ter gasto o valor com a publicação de um livreto reunindo algumas de suas idéias e bandeiras, entre elas a defesa do não-pagamento da dívida externa.


‘Foi distribuído gratuitamente’, explicou, acrescentando que sempre fez parte de sua atuação política a publicação de boletins do gênero.’


 


RUY CASTRO NA FSP
Luiz Fernando Vianna


Ruy Castro estréia como colunista da Folha amanhã


‘Ruy Castro é um carioca que nasceu em Caratinga (MG). Como outros mineiros, gaúchos, franceses ou cipriotas, adotou o Rio como casa e causa. Para ele, o que diferencia a cidade de qualquer outra do Brasil é não ser ‘um amontoado de gente de todos os lugares’.


‘Aqui, as pessoas se misturam e se tornam cariocas. Elas adquirem uma visão que é a soma de todas as partes’, afirma.


É essa visão, fortalecida por um dos textos mais saborosos do país, que Castro mostrará a partir de amanhã na página A2 da Folha, na coluna ‘Rio’. Ele escreverá às segundas e quartas-feiras e aos sábados, revezando-se com Carlos Heitor Cony (terças, quintas e domingos) e Nelson Motta (sextas).


Nos dois primeiros artigos, homenageará Otto Lara Resende, que ocupou o mesmo espaço em 1991 e 1992, e Cony.


‘É um rito de passagem necessário. Otto mudou a cara da coluna. Com o peso da marca Otto Lara Resende, ele podia fazer coisas mais pessoais, até confessionais. E Cony manteve a linha, alternando textos evocativos, líricos, com análise da situação política, mas nunca do ponto de vista do comentarista político profissional’, diz Castro, que pretende seguir o tom.


Ele estréia no dia em que completa 59 anos, e bem perto de completar 40 anos de imprensa -foi em março de 1967 que ingressou no extinto ‘Correio da Manhã’. Trabalhou em ‘O Pasquim’, ‘Manchete’, ‘Jornal do Brasil’, ‘O Globo’ e ‘O Estado de S. Paulo’, entre outras publicações.


É sua terceira passagem pela Folha. Como repórter ou colaborador, escreveu no jornal de 1983 a 87 e de 1993 a 96.


Risco e prazer


Mesmo quando morava em São Paulo, contribuía com personagens, temas e climas cariocas. Na coluna, é provável que também forneça defesas do Rio contra a imagem da cidade como um parque temático da violência. ‘O carioca sempre viveu no limite entre o risco e o prazer, entre a dança e a morte, e fazendo de tudo isso um carnaval no fogo, descalço em brasas’, diz ele.


‘Carnaval no Fogo’ (2003) é um de seus 11 livros de não-ficção, quase todos best-sellers, quase todos editados pela Companhia das Letras. Exemplos: ‘Estrela Solitária’, sobre Garrincha, vendeu 78 mil exemplares até hoje; ‘O Anjo Pornográfico’, sobre Nelson Rodrigues, 72 mil; e ‘Chega de Saudade’, sobre a bossa nova, 62 mil. Mas isto só no Brasil, já que há edições em outros países. A biografia de Carmen Miranda (2005), por exemplo, começou agora em Portugal sua carreira internacional.


Em junho sai mais um título: ‘Tempestade de Ritmos – Jazz e Música Popular no Século 20’, coletânea de artigos publicados na imprensa.


Embora já tenha escrito três livros sobre a bossa nova, Castro não é daqueles que idealizam os ‘anos dourados’, o final da década de 1950. Na verdade, seu bordão atual é ‘nos anos dourados não tinha isso, não’. Refere-se, por exemplo, ao número maior de ofertas culturais e à revitalização da Lapa.


Infância no Rio


Com tias no Rio, Castro passou boa parte da infância na cidade, mais especificamente na Lapa e no Flamengo (zona sul).


Na juventude, enquanto estudava ciências sociais na UFRJ e começava no jornalismo, morou no lendário Solar da Fossa, abrigo de Caetano Veloso, Paulinho da Viola e outros -e onde hoje fica o shopping Rio Sul, em Botafogo. Nessa época, conheceu os melhores boêmios e artistas da cidade.


A paixão pela cidade explica os cerca de 3.500 livros sobre o Rio que tem numa só estante. É a sua ‘guanabarina’, diz, adaptando o termo ‘brasiliana’ dado às coleções sobre o país.’




TELEVISÃO
Daniel Castro


Helena deve ficar com Clara em ‘Páginas’


‘Autor de ‘Páginas da Vida’, que acaba nesta sexta, Manoel Carlos decidiu manter suspense sobre quem ficará com os gêmeos Clara (Joana Mocarzel) e Francisco (Gabriel Kaufmann).


A Justiça dará a guarda de Francisco a seu pai, Léo (Thiago Rodrigues). Mas nos bastidores da novela aposta-se em uma reviravolta: nas derradeiras cenas, o menino deve optar pelo avô, Alex (Marcos Caruso).


Os textos já enviados por Manoel Carlos à produção indicam que a disputa judicial pela guarda de Clara terá outro desfecho: Helena ganhará de Léo. No tribunal, todos os argumentos de Léo e sua amada, Olívia (Ana Paula Arósio), serão desmontados pela advogada de Helena, Tereza (Renata Sorrah).


Olívia acusará Helena de ‘deslize moral’, de ter ajudado a avó (Marta/Lília Cabral) a encobrir uma grande mentira.


Tereza responderá dizendo que o processo de adoção de Clara foi legal e que ninguém sabia quem era o pai dela. Uma vez que Clara foi rejeitada pela avó e o pai abandonara a mãe, a adoção se tornara ‘indiscutível’, defenderá Tereza.


Para a atriz Regina Duarte, não faz sentido Clara ficar com Léo. ‘Acho que a Helena tem que ficar com a Clarinha de qualquer maneira. Ela se preocupa, educa, ama, cerca a filha de todos os cuidados. Mais do que conviver com pessoas do mesmo sangue, acho que a qualidade da educação de quem adota é que importa’, afirma.


FÓRMULA FEMININA 1 A Globo vai dar um toque feminino às suas transmissões de Fórmula 1. Numa decisão inédita, escalou a repórter Mariana Becker (que eventualmente apresenta o bloco esportivo do ‘Bom Dia Brasil’) para cobrir algumas corridas de 2007.


FÓRMULA FEMININA 2Será, por enquanto, apenas um teste. Mariana dividirá a reportagem dos GPs com o jornalista Carlos Gil. E Pedro Bassan, repórter de F1 nos últimos anos e agora correspondente na China, cobrirá os três primeiros GPs. Só depois ele passará o posto para Gil e Mariana.


OLHO NO OLHOO ator Felipe Folgosi (ex-Globo e SBT) foi contratado pela Record. Fará ‘Caminhos do Coração’, de Tiago Santiago, substituta de ‘Vidas Opostas’.


EFEITO NATURALA Globo promete uma abertura sem efeitos especiais para ‘Paraíso Tropical’, que substitui ‘Páginas da Vida’ no dia 5. A vinheta terá imagens aéreas de Copacabana, onde a trama será ambientada. O vôo, de helicóptero, começa em um trecho de mata atlântica próximo do bairro. O telespectador terá a sensação de que está vendo uma ilha tropical, que de repente vira cidade.


MPB TOTALA música de abertura de ‘Paraíso Tropical’ será ‘Sábado em Copacabana’, na voz de Maria Bethânia. E estarão na trilha Simone, Danilo e Nana Caymmi, Ana Carolina, Marina, Elis Regina, Martinália, Nando Reis, Bebel Gilberto e Cazuza, Chico Buarque e Erasmo Carlos, Caetano Veloso, Gal Costa e Milton Nascimento.’


Bia Abramo


Abusada, Monique Evans salva Rede TV!


‘E VIVA a falta de senso de noção de Monique Evans! Carnaval sem suas apalpadelas por cima de sutiãs de biquíni e por baixo de saiotes diminutos de travestis, transgêneros, transexuais e outras modalidades sexuais que pululam na entrada do Baile Gay (antigo Gala Gay) não é Carnaval.


Foi, digamos, o que se salvou da tentativa capenga da Rede TV! de fazer uma ‘grande’ cobertura a partir dos bastidores. Saiu o anárquico pessoal do ‘Pânico na TV!’, entrou um verniz de profissionalismo e a ajuda de colaboradores ‘insiders’ (como a drag queen Léo Áquila), mas não adiantou muito.


O grande trunfo da emissora, a sempre interessante entrada do baile do Scala na terça-feira de Carnaval, transformou-se numa mixórdia de entrevistas repetidas (às vezes, mais de uma vez), falta de timing e farpas trocadas no ar pelas duas estrelas da cobertura, Evans e Áquila.


Monique é das antigas -abusada, détraquée, indisciplinada- e trata seus entrevistados com intimidade e irreverência no limite do invasivo. Léo é politicamente correta e obediente, embora tenha uma certa verve para conduzir entrevistas com seus pares. Um absurdo casal formado por um mexicano de mentira e uma peituda ainda mais falsa, mais um repórter, uhn, normal também estavam no jogo e disputavam mais ou menos os mesmos personagens.


No estúdio, Nelson Rubens ‘ancorava’ a mixórdia e chamava o queridinho da emissora, Ronaldo Ésper, para comentar, por assim dizer, as fantasias. Basicamente, era muita gente para um assunto que é sempre o mesmo -é verdadeiro ou falso? O que se revela e o que se esconde? Onde começa e onde acaba?


E, justamente por isso, Monique, debochada, mas, por alguma razão, extremamente empática com seus entrevistados, é quem toca, literalmente, melhor no tema.


Uma (última) palavra sobre ‘Páginas da Vida’: às vésperas do final, uma eficiente assessoria de imprensa informa que: a) um novo personagem infantil entra na novela; b) um outro personagem morre num ataque a um ônibus, ‘inspirado’ por episódios semelhantes ocorridos recentemente no Rio; c) a novela foi o programa mais visto em fevereiro.


Duas conclusões emergem desse conjunto de fatos: que a narrativa da novela, por si só, mostrou-se incapaz de criar expectativa (do tipo quem vai ficar com quem, quem matou quem, qual é a punição para o mau etc.) e que, apesar desse afrouxamento geral de qualidade, a novelona das oito que passa às nove é bom negócio para os anunciantes.


Sinal de que a Globo não vai mexer na fórmula tão cedo.’


Cássio Starling Carlos


Série engrena ao assumir modelo de HQ


‘A estréia de ‘Heroes’ nos EUA foi cercada de ‘hype’ midiático, com o óbvio objetivo de provocar um culto como o de ‘Lost’. Cada um usa as armas que tem, mas o episódio-piloto de ‘Heroes’ não chega a entusiasmar. A armadura encontrada por seus criadores é demasiado rígida para apresentar e suprir com coerência o grande número de personagens e situações do primeiro episódio. Falta um elemento catalisador intenso como o acidente aéreo de ‘Lost’.


Só a partir do segundo episódio as histórias paralelas ganham fôlego, sobretudo quando a série recorre ao sempre eficaz ‘cliffhanger’ (gancho), deixando o espectador em suspenso ao final, e assume a influência das HQs no divertido personagem Hiro. A fórmula é uma mistura de ‘24 Horas’ (no ritmo e na sucessão de viradas dramáticas) e ‘X-Men’ (cada protagonista descobre aos poucos os seus poderes e começa a enfrentar os inimigos).


Enquanto os sobreviventes de ‘Lost’ se envolvem em mistérios cada vez mais incríveis, conduzindo a série para o atual beco sem saída da terceira temporada, os super-humanos de ‘Heroes’ já começam a se confrontar com perigos mais reais e imediatos, desde uma catástrofe nuclear até um prosaico casamento em crise.


Transferir os confrontos de um espaço além da imaginação ao mundo em que vivemos talvez seja o verdadeiro superpoder de ‘Heroes’ no combate pela audiência. Mas terão seus personagens força para sobreviver aos muitos superburacos do roteiro? Isso só o controle remoto dirá.


HEROES, Quando: sexta, dia 2, às 21h, Onde: Universal Channel’


 


VIOLÊNCIA EM DEBATE
Olgária Matos


Antinomias do Brasil


‘O que Renato Janine disse é que o perdão só pode ser concedido pela vítima. Por isso, o crime permanece, no âmbito moral, irreparável


EM RECENTE entrevista, o governador do Rio de Janeiro afirmou que a violência no Brasil é inteiramente contornável, pois nosso ‘processo civilizatório’ é ‘irreversível’. Para fundamentar seu ponto de vista -diariamente desmentido-, se voltou para o ‘desenvolvimento econômico’ anunciado. É em um quadro em que o econômico justifica a violência, o ‘social’ a explica e o bovarismo vê civilização onde não há projeto civilizatório que deveria ser entendido o artigo do professor Renato Janine Ribeiro (Mais!, 18/2). Ninguém defende pena de morte e tortura. Fazê-lo seria gravíssimo.


Mas também preocupante seria se, ante a procissão de horrores em que vive o país, um indivíduo respondesse a eles com neutralidade e impessoalidade. Adorno anotou em ‘A Educação após Auschwitz’ que um dos traços da sociedade totalitária é a perda da capacidade de identificação com a dor do outro, o desaparecimento da compaixão -tristeza mimética que faz de quem sofre outro nós-mesmos.


Um crime cruel é, em si, irreversível, não tem perdão. Pois, assim como o perdão só pode ser pedido por quem cometeu um crime ou uma ofensa, o ato de perdoar só pode ser concedido diretamente pela vítima. O que Renato Janine escreveu é que, justamente por não haver procuração dada por quem foi silenciado, cada um de nós não tem o direito de perdoar e, por isso, o crime permanece, no âmbito moral, irreparável. No artigo, ele não perdoa. Não tendo sido a vítima imediata dessa violência, perdoar, para ele, seria imoral.


Apesar de concebida em âmbito religioso por Jesus Cristo, a faculdade de perdoar foi enunciada em um sentido secular: ‘Deus perdoa nossas dívidas assim como nós perdoamos nossos devedores’. A Igreja Católica, ao defender, com razão e humanidade, a dignidade de toda pessoa, põe em ação as palavras de Cristo: ‘Perdoai, Senhor, eles não sabem o que fazem’. Restaria saber até que ponto os assassinos de hoje são inocentes. E quem o arbitra é o Estado. Quanto a isso, surpreendem as declarações oficiais. Na segunda-feira, o presidente da República disse que qualquer um poderia ser levado a cometer um crime como o que atingiu a criança no Rio de Janeiro.


A psicanalista professora titular do Instituto de Psicologia da USP Maria Inês Assumpção Fernandes observou a estranheza dessa afirmação. A impossibilidade de discernir quem é a vítima e quem é o agressor, diz ela, ocorre em situações de terror, seja o promovido pelo Estado, seja o vivido pela sociedade. O artigo em questão nos leva a perguntar se não são as atitudes dos poderes públicos que trazem de volta a lei do sangue.


Entenderam mal o pensamento de Renato Janine tanto os que o elogiaram, pretendendo que o professor defende o direito de matar do Estado, quanto os que o atacaram pela mesma razão. Não é porque o capitalismo contemporâneo é pulsional e infantilizante, porque produz uma educação e uma cultura para a qual a atividade do pensamento é próxima a zero que o Estado teria direito ao assassinato frio -que é a pena de morte-, e o criminoso, à indulgência da lei.


O que o ensaio de Renato Janine dá a pensar é, entre outras coisas, se, ao dar-se preferência ao aspecto educativo da lei, suprimindo, na prática, seu caráter punitivo, e se, na comedida e prudente atitude dos representantes da lei e instituições humanitárias, não se expressa a idéia de que as condições materiais de existência explicam o crime e as condições sociais e penitenciárias o justificam.


Pois é tão infamante jovens e adultos serem trucidados em favelas e queimados em pneus quanto o é qualquer ser humano sê-lo em ônibus ou nas ruas da cidade, independentemente de sua extração social. Trauma após trauma, pode-se opinar o que se quiser sobre delinqüentes e seus crimes, só não há como dizer que se trata de ‘crime famélico’. Esses jovens estão cheios de mensagens, e uma delas é a de não quererem só comida. Assim como é falta de pudor a mídia brasileira freqüentemente operar com presunção de culpa, também deveria ser rechaçada indulgência com criminosos. Afinal, é só no Brasil que delinqüentes são tratados não por seus nomes próprios, mas por diminutivos e com linguagem afetiva. É cedo que se adquire consciência do que é assassinar, do que é permitido e do que é interdito, sem o que uma sociedade não é uma sociedade.


OLGÁRIA CHAIN FÉRES MATOS é professora titular do Departamento de Filosofia da USP.


Leia artigo de Renato Janine Ribeiro no Mais! de 18/2 www.folha.com.br/070544′


Elio Gaspari


O professor acha que pena de morte é pouco


‘Renato Janine quer prisões ‘sofridas’. Por enquanto, esse nicho do mercado está com as gangues de presídios


NUM ARTIGO RECENTE, tratando do assassinato do menino João Hélio, o doutor Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética da USP, escreveu o seguinte:


‘Se não defendo a pena de morte contra os assassinos, é apenas porque acho que é pouco. (…) Todo o discurso que conheço, e que em larga medida sustento, sobre o Estado não dever se igualar ao criminoso, não dever matar pessoas, não dever impor sentenças cruéis nem tortura -tudo isso entra em xeque, para mim, diante do dado bruto que é o assassinato impiedoso. Torço para que, na cadeia, os assassinos recebam sua paga; torço para que a recebam de modo demorado e sofrido.’


Janine é diretor de avaliação da Capes, entidade encarregada de julgar a qualidade acadêmica das universidades brasileiras.


O professor não defende a pena de morte, mas entende sua lógica. No ano passado, uma pesquisa do Datafolha mostrou que 51% dos brasileiros desejam uma lei que permita a execução de bandidos. A Corte Suprema dos Estados Unidos restabeleceu-a em 1976. Admitindo-se que essa penalidade existisse no Brasil e fosse administrada de acordo com os critérios da Justiça americana, é possível que só o motorista do carro que arrastou João Hélio arriscaria perder a vida. O bandido de 16 anos, por menor, estaria expressamente a salvo da pena capital. Toda vez que se organiza uma mesa-redonda para discutir o sistema penal brasileiro sem a presença de um defensor da pena de morte exerce-se um piedoso patrulhamento que mutila o debate e mascara as execuções feitas por policiais e milicianos.


A ética de Janine é assustadora quando ele diz que no caso dos quatro bandidos a pena de morte ‘é pouco’, pois torce para que os bandidos paguem, na cadeia, ‘de modo demorado e sofrido’.


Falta definir ‘sofrido’, mas não falta conhecer como se sofre nas cadeias brasileiras, comandadas por quadrilhas de bandidos. Cada pessoa disposta a desejar que um delinqüente seja submetido aos sofrimentos estipulados pela ‘Lei da Massa’, ou ‘do Cão’ pode escolher uma pena cumulativa, com base na vida real. A escolha é livre.


‘E eles batiam no senhor? (…) E esculacharam? Estupraram o senhor?’ ‘Fizeram tudo. Me esculacharam, tiraram minha roupa todinha. Fizeram besteira comigo. (…) Tem um mês que estão me esculachando, e tudo.’ (Diálogo extraído do trabalho ‘Oficina do Diabo’, do sociólogo Edmundo Campos Coelho.)


Admita-se que o estupro sistemático de presos faça parte do mundo das penitenciárias. Há também a chantagem contra irmãs, mulheres e mães que vão visitar os cárceres. Em alguns casos, cobra-se dinheiro ou serviços para a quadrilha. Em outros, sexo.


Preso sem dinheiro é obrigado a trabalhar para os outros e a assumir a responsabilidade por crimes alheios. Vira ‘robô’. Em alguns casos, mata por encomenda. Há casos de ‘robôs’ com mais de dez homicídios dentro da prisão.


Nas penitenciárias controladas pelos comandos, vigoram os códigos das quadrilhas, movidos a dinheiro. Mesmo que os assassinos de João Hélio fossem retalhados vivos, a torcida haveria de se decepcionar. Qualquer que fosse a paga demorada e sofrida, ela nada teria a ver com a indignação dos homens de bem. Seria apenas um gesto destinado a intimidar bandidos que tumultuam os negócios das quadrilhas e do tráfico. Seria uma iniciativa destinada a fortalecer a bandidagem, enfraquecendo a lei.


Janine colocou ‘em xeque’ a idéia de que o Estado não deve torturar o criminoso, mas não propôs a entrega de bandidos à Lei do Cão. Fica uma dificuldade: só ela inclui a tortura na sua lista de penas. Pelo Código Penal, tortura é crime inafiançável.


Nosso Guia acha que os defensores da redução da maioridade penal acabarão perseguindo fetos. Blablablá. O inferno não está nos outros, mas no seu governo, no qual um hierarca do ministério da Educação acha que a ‘pena de morte é pouco’.


Serviço: O artigo de Janine está nos seguintes sítios: Na Folha (para assinantes), no caderno Mais! do dia 18. No Humanitas Unisinos, uma busca em ‘Janine’ traz o artigo, com data do dia 19.’


Andrea Lombardi


A razão distorcida


‘Sou estrangeiro. Há 25 anos resolvi morar no Brasil, por achar que aqui o convívio era decididamente mais tolerante, menos carrancudo e mais leve do que na velha Europa. Confesso que, nesse meio tempo, nunca tinha lido um acúmulo de idéias tão corriqueiras, brutais e potencialmente perigosas como as contidas no artigo do Renato Janine Ribeiro (Mais! de 18/2), com outros textos, escritos para debater o ínico e monstruoso crime, que levou a vida do menino João, no Rio. Confesso que estava esperando uma reação irracional, daquele Brasil profundo e recalcado: uma defesa de medidas extremas. Confesso que imaginava (há um certo tempo) que alguém viria a ocupar o lugar de uma extrema direita, que no Brasil nunca teve a coagem de se apresentar de forma explícita, legítimos continuadores de uma tradição que havia antes do golpe de 64. Fiquei surpreso e, sinceramente indignado, pois o texto do Ribeiro nas entrelinhas pode levar à incitação ao crime (‘Quando penso que desses infanticidas, os próprios colegas da prisão se livrarão, confesso sentir um consolo’).


Sou professor numa universidade pública (fui e sou ainda colega de Ribeiro). Mas, se ser intelectual resultar em algo parecido ao que alega em seu texto, vou preferir abdicar de minha profissão. Pois o papel do intelectual, em minha opinião, é apontar para um caminho na literatura e na leitura, que é o contrário ao corriqueiro e ao banal. Existe uma ética na leitura, que defendo, pela qual os leitores (sejam docentes, recém-alfabetizados ou alunos, sejam amadores ou apaixonados) devem exercer sua responsabilidade sempre e novamente, tentando decifrar no texto o que está escrito e o que está nas entrelinhas, o que é evidente e o que é recôndito, o que é banal e o que é novo e criativo e o que, a partir do texto, em nova leitura se possa dizer. O leitor deve ser sempre como um regente de uma partitura: criativo e atento, apaixonado e cuidadoso. A sensibilidade e a razão (distorcidas no artigo em questão) devem estar a serviço de uma leitura nova e original, que defenda e abra sempre mais novos espaços de liberdade (alguns o chamaram de livre-arbítrio, e essa definição parece ter vingado, pelo menos na letra). Considero-me um simples leitor, e a leitura que Ribeiro fez do episódio resulta numa acúmulo de banalidades e patentes inverdades, desmontando a aura de intelectual que reivindica, fornecendo suas munições a um movimento realmente reacionário, de justiceiros, de cegos vingadores (o que vai pensar dessas idéias um aluno de um curso de ética?).


Aponto três aspectos, dos tantos problemáticos, do texto. 1. No texto há um apelo a Deus, blasfemo para um crente, paradoxal e oportunista para um intelectual iluminista. 2. Reitera-se uma posição brutal e perigosa, que parte da defesa da pena de morte, para conclamar a fatos e iniciativas mais graves: ‘Se não defendo a pena de morte é apenas por que acho que é pouco’. ‘(Eles) deveriam ter uma morte hedionda.’ ‘Torço para que, na cadeia, os assassinos recebam sua paga.’ 3. Entre as inverdades brilha: ‘Não vejo diferença entre eles e os nazistas’. Os nazistas optavam pelo mal, como esses assassinos. ‘Sei que os pobres são honestos, mais até que os ricos’. ‘O que vivemos não é diferente do nazismo’.


Revisão das idéias


Eu, como muitos, respeitava e gostava de Ribeiro. Respeito também que possa ter revisto suas próprias idéias, mas julgo prudente lembrar que um obscuro jornalista socialista na Itália resolveu inventar a mais modernas das ditaduras reacionárias. E que havia um banal pintor de paisagens, na Áustria, que se tornou o realizador de uma imensa arquitetura da destruição. Respondo aqui à última das afirmações do texto, por sentir-me diretamente atingido, pois sou de origem judaica e acredito ser o dever de todos esclarecer as condições em que o nazismo e o fascismo nasceram e proliferaram. Uma dessas condições foi a queima dos livros, real e metafórica, o apelo a reações irracionais contra a tradição humanista e erudita da Alemanha e da Europa.


O nazismo foi uma ditadura (não uma iniciativa de um homem do mal), que cristalizou de forma monstruosa os sentimentos de medo contra o desemprego, contra a criatividade artísticas desenfreiada das vanguardas e de medo contra o apelo à oralidade e à liberdade do leitor, numa nova versão do antisemitismo. A violência crônica e brutal contra o pobre menino é provavelmente expressão de uma doença crônica, que convive com essa nossa sociedade contemporânea, em suas entrelinhas ou em suas entranhas. É pensando na patologia desses casos que devem ser tratados que se justifica uma reação da sociedade, utilizando-se de instrumentos específicos e o bom senso, como o psicanalista Renato Mezan, sensatamente sugere, em seu artigo publicado na mesma edição do Mais!. Pois essa nossa sociedade proclama a felicidade e vive a neurose, almeja a paz dos sentidos e não consegue vencer o medo, a angústia e o pânico. Mas os cidadãos comuns trancados e queimados pelo tráfico no Rio no final de 2006, o índio queimado há alguns anos em Brasília e os linchamentos são um triste primado do Brasil e expressão de intolerância profunda.


São índices de uma violência que sempre existiu (leia-se ‘Totem e Tabu’ [de Freud] ou qualquer estatística sobre estupros e violência doméstica para ter uma confirmação). Não há solução ‘final’ para o problema da violência (nem para qualquer outro problema, mesmo social). Lutar para diminuir a idade penal e defender a instituição da pena de morte mostram unicamente a dependência do mais corriqueiro e brutal senso comum, o contrário do bom senso. Essa sociedade esconde a doença com toda a gama de antidepressivos liderados pelo Prozac e seus derivados. As palavras de Ribeiro soam como o equivalente ao Viagra, feito para mostrar mais roxo do que é realmente e revelam que a idade e a preparação intelectual não necessariamente trazem sabedoria. Não me sinto mais tão estrangeiro, não tenho certeza de que quero ser considerado um intelectual ou um professor, mas sinto-me tão humanista e ligado à ética quanto quando cheguei. Escolhi o Brasil, há quase um quarto de século, por ser mais tolerante, mais aberto do que a velha Itália. Hoje quero defender essa escolha. Penso que contra a violência, contra a pena de morte, contra a corrupção que autoriza descrença, desengajamento, hipocrisia e cinismo, é necessário retomar uma atitude inconformada.


Ou melhor: rebelde. Fazendo, talvez, como fizeram, há alguns anos, os ambientalistas no Rio, que com um gesto simpático, abraçaram a Lagoa de Freitas. Declarando talvez como há 50 anos o fazia veementemente o fundador do situacionismo -Guy Debord- ou [o cineasta] Pasolini, seu inconformismo com a sociedade do bem-estar e da apatia. Protestando como em 1968, com milhões de jovens no mundo inteiro, para chegar a gritar hoje (talvez?): ‘O bom senso ao poder’ que ecoa o ‘poder da imaginação’ de então. Qualquer coisa, menos a indiferença pós-moderna, como escreveu um autêntico intelectual carioca.


ANDREA LOMBARDI é professor de língua e literatura italianas na Universidade Federal do RJ e membro da pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.’


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O Estado de S. Paulo – 1


O Estado de S. Paulo – 2


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