Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Folha de S. Paulo

CINEMA
Silvana Arantes

´Tropa de Elite´ supera favoritos e vence em Berlim

‘O longa brasileiro `Tropa de Elite´, de José Padilha, venceu ontem o 58º Festival de Berlim, recebendo o Urso de Ouro como o melhor filme da competição, que contou com 21 títulos. Mal recebido pela crítica, `Tropa´ superou os favoritos `Sangue Negro´ (que concorre a oito Oscars) e `Happy-Go-Lucky´.

Ao anunciar o prêmio, o presidente do júri, o cineasta grego radicado na França Constantin Costa-Gavras (´Z´), afirmou que o longa brasileiro teve `completa aceitação´ dos jurados, `que discutiram cada filme e cada detalhe dos filmes´.

Ao subir ao palco, Padilha cumprimentou um por um os seis jurados e, com o Urso de Ouro nas mãos, aproximou-se do microfone e disse: `Muito obrigado! Thank you! Danke! [obrigado em alemão]. Em todas as línguas, é muito difícil explicar o que estou sentindo agora. Costa-Gavras é uma espécie de herói para todos os cineastas latino-americanos´.

Crítica

A recepção da crítica internacional a `Tropa de Elite´ em Berlim havia sido enfaticamente desfavorável. Publicações como a revista norte-americana `Variety´ e o diário francês `Le Monde´ entenderam o filme, cujo protagonista é um capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) da PM do Rio de Janeiro, como uma apologia da tortura.

A sessão para a imprensa de `Tropa de Elite´ no festival, que ocorreu no último dia 10, foi caótica, devido ao sumiço da cópia com legendas em inglês.

A versão exibida aos repórteres e críticos tinha legendas em alemão, e os jornalistas que não dominavam nem esse idioma nem o português tiveram de usar fones de ouvido com tradução simultânea.

Ainda em seu agradecimento, Padilha citou o ator Wagner Moura, que veio a Berlim para a estréia do filme no festival, mas ontem não estava na premiação, porque já havia voltado ao Brasil; a atriz Maria Ribeiro, que permaneceu em Berlim e o ouvia na platéia; o fotógrafo Lula Carvalho, os produtores e patrocinadores do filme.

Sócio de Padilha e produtor do filme, Marcos Prado também agradeceu o prêmio, dizendo que Padilha fez `o melhor filme do mundo sobre a corrupção da polícia´.

Prado citou o sucesso que `Tropa de Elite´ obteve no Brasil -foi o líder de bilheteria nacional de 2007, com 2,4 milhões de espectadores- e disse que o filme representa `uma realidade para os brasileiros´.

O Festival de Berlim premiou como melhor diretor o norte-americano Paul Thomas Anderson, por `Sangue Negro´, que recebeu ainda um prêmio pela trilha sonora, de Jonny Greenwood.

O Prêmio Especial do Júri foi para o documentário `Standard Operating Procedure´ (operação padrão), de Errol Morris, sobre os abusos aos direitos humanos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque; o melhor ator foi o iraniano Reza Najie, por `Avaze Gonjeshk-ha´ (o canto dos pardais); a melhor atriz, a britânica Sally Hawkins (´Happy-Go-Lucky´); o melhor roteiro foi para o chinês Wang Xiaoshuai, por `Zuo You´ (acreditamos no amor), que ele também dirige.

O mexicano Fernando Eimbcke recebeu o prêmio Alfred Bauer, para produções que inovam a linguagem cinematográfica, por seu `Lake Tahoe´.

Esta foi a segunda vez que um filme brasileiro recebeu o Urso de Ouro. O primeiro longa a conseguir esse prêmio foi `Central do Brasil´, de Walter Salles, em 1998.’

***

Filme foi mal compreendido pela crítica, diz Padilha

‘O diretor José Padilha afirmou que o Urso de Ouro que `Tropa de Elite´ ganhou ontem `é uma vitória da força e da luta que é fazer um filme no Brasil e de um certo estilo de filmar´.

´Tropa de Elite´ é o primeiro longa de ficção de Padilha, multipremiado com o documentário `Ônibus 174´.

Padilha comentou a recepção crítica negativa do filme (acusado de fazer apologia da tortura) afirmando que muitos não o compreenderam, embora não seja difícil entender o longa.

´Não acho que o filme seja hermético e difícil de entender. O que acontece é que tentamos fazer um filme que olhasse para um problema social sem partir de idéias marxistas e sem partir de idéias neoliberais. Usamos outra maneira de pensar, baseada na teoria dos jogos, para montar esse roteiro. Perguntamos quais são as regras do jogo da vida desse personagem [o capitão Nascimento]´.

Corrupção

O cineasta citou `Ônibus 174´, como um filme `que mostra como garotos de rua no Brasil são levados à violência´ e `Tropa de Elite´ como `um filme que mostra como o Estado transforma pessoas que entram para a polícia em seres humanos corruptos ou violentos´.

Depois de contar o episódio do roubo de uma versão preliminar do filme que se tornou sucesso no mercado pirata antes da estréia nos cinemas brasileiros, citando a estimativa de que 11 milhões de pessoas o tenham visto, Padilha disse:

´Acho que a maioria dos brasileiros entende esse filme. A população brasileira gostou e ele agora ganhou um prêmio de um júri presidido pelo [cineasta grego Constantin] Costa -Gavras. Eu não poderia estar mais feliz´. Costa-Gavras é considerado no universo do cinema como um mestre no gênero do thriller político.

Questionado se havia ficado decepcionado com o fato de `Tropa de Elite´ não ter sido escolhido pelo Brasil para representá-lo na corrida ao Oscar 2008 de melhor filme estrangeiro, o diretor disse que não e elogiou `O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias´, de Cao Hamburger, que o Brasil tentou sem sucesso emplacar no Oscar. `É um grande filme´.

Quando a pergunta foi se, junto com `Cidade de Deus´, de Fernando Meirelles, `Tropa de Elite´ inaugurava a escola de cinema-de-favela, Padilha respondeu: `Não se inaugura uma escola de cinema com esses dois filmes. Seria muito pretensioso da minha parte dizer que esse filme cria uma escola. Quero aproveitar para dizer que o Brasil não faz só filmes sobre favela.´ E citou como exemplo `Mutum´, de Sandra Kogut, que foi apresentado na mostra GenerationK deste Festival de Berlim e recebeu menção especial do júri. `Há uma grande produção de filmes no Brasil que não lidam com violência urbana´.’

Jorge Coli

O deserto sem nome

‘O título em português evoca os velhos e magníficos bangue-bangues: `Onde os Fracos Não Têm Vez´. Em inglês, é mais misterioso e mais poético, inspirado por um verso escrito por Yeats [1865-1939]: `No Country for Old Men´ [Não É Lugar para Velhos, em `Velejando para Bizâncio´]. Trama clássica: alguém acha uma valise com milhões de dólares e passa a ser perseguido por bandidos. Parecida com `Um Plano Simples´, de Sam Raimi (1998).

Nos dois casos, a ação carreia angústias que se situam muito além das peripécias. No filme de Raimi, o mal era imanente ao próprio dinheiro. O dos irmãos Coen traz outra coisa. Com eles, o tesouro é apenas um meio para demonstrar a perda de qualquer sentido. Tudo é circunstância, tudo é acaso. Javier Bardem, no papel do matador psicopata Anton Chigurh, é um demônio paradoxal: persegue seu objetivo com obsessão, demonstrando, ao mesmo tempo, o absurdo que consiste em existir. Como a morte é imprevisível, o assassinato se revela apenas como o instrumento próprio à ferocidade do acaso.

Numa aposta sobre a vida, a decisão arbitrária da moeda, cara ou coroa, encontra sua necessidade metafísica. O thriller da perseguição mútua, tensa, rigorosa, transcorre em paralelo e prepara para um grande duelo. Mas os irmãos Coen traem expectativas e convenções. No epílogo, o velho policial constata que viveu muito, mas nunca descobriu sinais, humanos ou divinos, capazes de revelar direções ou significados.

Paisagens

Em `Onde os Fracos Não Têm Vez´, à banalidade dos motéis, trailers, lanchonetes, se associa a grandeza árida, pedregosa, do deserto. O rosto de Tommy Lee Jones marcado, enrugado, irregular, também é seco e enigmático: uma idade além do tempo.’

Caryn James

Guerras inspiram indicados ao Oscar de documentário

‘DO `NEW YORK TIMES´ – Não muito tempo atrás, a categoria de documentários era uma das mais sonolentas do Oscar -cuja cerimônia acontece no próximo dia 24. Mas esse padrão mudou quando Michael Moore venceu com `Tiros em Columbine´ (2002).

Os cinco indicados deste ano são trabalhos politizados, e quatro deles tratam de guerras.

Estimulados pelos conflitos mundiais e por tecnologias que permitem que documentaristas produzam longas em prazo de meses, e não anos, esses filmes têm mensagens urgentes a transmitir. Os argumentos aguçados que eles apresentam suscitam uma pergunta: será que esses filmes conseguirão exercer impacto político real?

Todos tentam, de diferentes maneiras. `Taxi to the Dark Side´ (táxi para o lado escuro), de Alex Gibney, sobre os abusos dos EUA contra os prisioneiros da guerra ao terrorismo, é eloqüente. `Sicko – $O$ Saúde´, de Moore, é muito engraçado em sua demolição do sistema norte-americano de saúde. E até mesmo os filmes menos artísticos apresentam os rostos e vozes de quem testemunhou alguns dos mais angustiantes conflitos atuais.

No comovente `War/Dance´ (guerra/dança), de Sean Fine e Andrea Nix Fine, esses rostos e vozes são de crianças de Uganda que se inscrevem em um concurso de música, ainda que suas vidas tenham sido destroçadas por décadas de guerra civil. `No End in Sight´ (nenhum fim à vista), de Charles Ferguson, usa depoimentos de antigos membros do governo Bush para apresentar seus argumentos contra os estágios iniciais da operação militar norte-americana no Iraque, que o filme define como catastroficamente mal dirigida. Até mesmo o simples `Operation Homecoming´ (operação volta para casa), de Richard Robbins, tem momentos esclarecedores, ao apresentar textos escritos por soldados americanos que serviram no Iraque e no Afeganistão.

´Eu não imagino que [o vice-presidente] Dick Cheney vá assistir ao filme e exclamar: `Meu Deus, estávamos errados!´, diz Gibney. `Penso nesses filmes como `agents provocateurs´, que levam as pessoas a refletir sobre seus temas´.

´Taxi to the Dark Side´ atrai o espectador à sua narrativa, sobre um taxista que foi detido na prisão de Bagram, no Afeganistão, por suspeita de terrorismo, espancado por seus captores norte-americanos mesmo depois que estes descobriram indícios de sua inocência, e que terminou morrendo lá.

´No End in Sight´, que oferece uma lista impressionante de depoimentos de antigos funcionários do governo (entre os quais o chefe de gabinete do então secretário de Estado Colin Powell) é um trabalho jornalístico revelador e recebeu fortes elogios da crítica. O filme teve faturamento respeitável, US$ 1,4 milhão nos EUA.

O maior impacto de um documentário talvez não surja do número de pessoas que leva aos cinemas, mas da atenção que desperta na mídia. Jamais saberemos até que ponto a lista de indicados reflete simplesmente os caprichos dos comitês formados pelos membros da Academia, responsáveis por selecionar os filmes que concorrerão ao prêmio.

Já que o objetivo desses filmes é participar do diálogo político, obter uma indicação ao Oscar lhes oferece um forte empurrão para que gerem a bola de neve de atenção da mídia que talvez represente o maior sinal do sucesso de um documentário.

Tradução de PAULO MIGLIACCI’

Marco Aurélio Canônico

Coleção de curtas da Pixar mostra evolução da empresa

‘Há duas maneiras de contar como um quinteto de nerds criou uma das mais inovadoras e poderosas empresas de animação do mundo, a Pixar, e ambas estão contidas no novo DVD que coleta os curtas da empresa.

´Pixar Short Films Collection´ compila 13 animações de curta-metragem produzidas pela empresa entre 1984 (quando sequer existia formalmente, sendo parte da Lucasfilm, de George Lucas) e 2006, quando já era sinônimo de animação criada em computador. Assistindo aos filmes, acompanha-se a evolução da empresa paralelamente à evolução da tecnologia da computação.

A outra maneira de acompanhar a história -esta, mais teórica- é pelo breve, mas informativo documentário que está nos extras do DVD, onde o quinteto que fez a base da Pixar (John Lasseter, Eben Ostby, Ed Catmull, Alvy Ray Smith e William Reeves) é entrevistado.

Ambiente inóspito

As primeiras animações de computador eram meros exercícios dos criadores de software -na feliz comparação de John Lasseter, era como ir a um museu em que os quadros foram pintados por fabricantes de pincéis e tinta.

Foi justamente a entrada de Lasseter, animador profissional, que deu rumo ao grupo de computação da Lucasfilm.

Em 1984, ele faria o curta `The Adventures of André & Wally B.´, de visual ainda primário -a computação gráfica nessa época era não apenas cara, mas lenta e limitada. Com a venda dessa parte da empresa de George Lucas a Steve Jobs, então recém-saído da Apple, em 1986, a Pixar ganhou seu nome, mas as animações continuaram sendo sua função secundária -seu negócio era vender computadores. Só que, como o documentário narra, o setor de animação `correspondia a 1% das despesas da empresa e a 99% de sua visibilidade´.

Seguindo o mote `a arte desafia a tecnologia, a tecnologia inspira a arte´, o grupo continuaria a puxar os limites da animação, até emplacar um contrato com a Disney para seu primeiro longa, `Toy Story´ (1995). O resto é história.

PIXAR SHORT FILMS COLLECTION

Distribuidora: Disney

Quanto: R$ 30, em média

Avaliação: bom’

CARTÕES CORPORATIVOS
Folha de S. Paulo

Rumos da CPI

‘REZA A SABEDORIA política que sempre se sabe como uma CPI começa, mas não como irá terminar. Parte da frase poderia ser corrigida no caso da CPI dos cartões corporativos. Nem mesmo o seu início se presta a uma apreensão fácil e imediata.

Tem havido tantos vaivéns no processo de sua instalação, tantos acordos e desacordos a cada atitude do governo e da oposição nos últimos dias, que a falta de clareza desde já parece tolher os trâmites e os objetivos do inquérito anunciado.

Discutiu-se, ao longo da semana, se haveria uma ou duas CPIs; a solução de uma CPI mista, com participantes da Câmara e do Senado, parecia ter sido aceita por todos na quinta-feira. Não mais, um dia depois: contesta-se a hegemonia do governo nos cargos-chave da comissão.

No cerne das negociações, outro problema espinhoso: seriam também investigadas as despesas do governo Fernando Henrique Cardoso? Ou só as do governo Luiz Inácio Lula da Silva?

Há quem se mostre ainda mais ambicioso, querendo saber `se o Poder Judiciário tem cartão ou não, assim como as estatais´. É o que declarou o antigo líder do PT na Câmara, deputado Luiz Sérgio, indicado para ocupar a relatoria da CPI. Se conta, com isso, dispersar o foco das apurações, dificilmente haverá de malograr nesse intento: a irregularidade nas contas públicas é ampla, geral e irrestrita no país.

Gregos e troianos se preparam, naturalmente, para a troca de escândalos, e é provável que munição não falte a nenhum dos lados. Do equilíbrio das irregularidades cometidas talvez resulte o esvaziamento da comissão. Diversas outras CPIs tiveram, como se sabe, o mesmo fim.

Que isso não aconteça. Se faltam meios para realizar a varredura completa dos desmandos realizados com os cartões corporativos e, em especial, com as chamadas `contas B´, ainda menos transparentes, há condições de elucidar casos relevantes e exemplares.

Em Alagoas, dirigentes do PT sacaram mais de R$ 700 mil com cartões corporativos. Um deles, candidato às eleições de 2006, sacou 41% de todas as despesas três semanas antes do pleito.

Só esse escândalo -cujo valor pode ser calculado em cerca de 90 mil cafés-da-manhã com tapioca- é suficiente para impor à CPI dos cartões, que se inicia nebulosa, ameaçada por blindagens mútuas e acordos de gabinete, o rumo de que necessita.

Além das apurações -e das punições que lhe cumpre sugerir à Justiça-, a CPI poderá representar um grande avanço se contribuir para a delimitação precisa dos gastos permitidos com cartão e para o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle hoje à disposição da sociedade.

A transparência nessa questão, de que se gaba o governo Lula, está longe de ser completa: nem sequer se discrimina, pela internet, o objeto de cada compra realizada. Seriam necessários muitos meses e anos, talvez, para esclarecer toda a extensa e multifacetada festa dos gastos corporativos; que a CPI, ao menos, crie condições para encerrá-la de vez.’

Ferreira Gullar

O dono do dinheiro

‘O CASO dos cartões corporativos -o novo escândalo que envolve o governo de Lula já comentado e analisado por toda a imprensa- me faz lembrar a frase de um espertalhão que a polícia gravara. Reivindicando, para si, uma parte maior dos recursos públicos que estava roubando, argumentou: `Esse dinheiro não tem dono´.

Tal argumento, embora falso, contém certa dose de verdade, se não em seu conteúdo essencial, mas no entendimento implícito de como é visto o bem público por boa parte dos que lidam com ele: não é teu, não é meu, é nosso.

É óbvio que o dinheiro é do povo. Mas quem é o povo? Aquela gente nordestina, magricela, tostada de sol, que mal sabe falar? Os funcionários dos supermercados, os feirantes, os choferes de caminhão que cruzam o país, tontos de sono e que nem jornais lêem? Perguntem a eles quantos ministérios tem o governo atual e para que serve a secretária especial de Promoção da Igualdade Racial e a resposta será um sorriso encabulado de quem não entende a pergunta nem nunca ouviu falar de tais coisas. Se são eles os donos de bilhões e bilhões de reais que o governo recolhe com os impostos, não deve nos causar surpresa a citada frase daquele espertalhão.

Os cartões corporativos foram criados com o propósito de melhor viabilizar pequenas despesas e facilitar o controle desses gastos. Nada contra. O problema, como sempre, está no uso que os detentores desses cartões -sejam simples funcionários ou ministros- fazem deles. E isso depende da opinião que se tenha sobre o mencionado ponto: essa grana tem dono ou não? A resposta a tal pergunta será uma ou outra, conforme o grau de consciência que os detentores dos cartões tenham da coisa pública. E esse grau de consciência, no Brasil, não parece muito alto nem muito comum, do contrário não nos depararíamos com os abusos que os jornais noticiaram.

Cartão de crédito, como se sabe, é um troço diabólico, porque faz o cara pensar que pode gastar à vontade, sem limites; isso quando o cartão é dele, o que significa que, amanhã ou depois, terá que pagar a conta. Imagine agora se lhe põem nas mãos um cartão que lhe permite gastar dinheiro que não é seu e, aliás, não tem dono? É tentação demais, mesmo para um ministro ou um secretário especial da Pesca!

Veja como é difícil resistir à tentação: esse secretário da Pesca, estando em Ribeirão Preto, entrou na choperia Pingüim e bebeu R$ 70 de chopes; depois, no Carnaval de 2007, veio para o Rio, hospedou-se no hotel Glória e, entre hospedagem, bebidas e churrascos, gastou quase R$ 800, mas alega que estava a trabalho; cara dedicado, esse, trabalhando duro em pleno Carnaval carioca! Já o ministro dos Esportes, entre Rio e São Paulo, gastou só em comida R$ 1.500, mas tais despesas não se comparam com as da ex-ministra da Igualdade Racial: R$ 171.500 com táxis, sendo que, desse montante, R$ 122 mil foram pagos a uma só locadora de automóveis. É a farra do boi, para me valer da expressão usada pelo presidente Lula em outra ocasião; sobre a farra de agora, nenhuma palavra, mas a ministra Matilde, ele demitiu, coerente com sua tática de evitar contaminações.

O caso, porém, mais representativo dessa relação obscena com o dinheiro público é o da reitoria da Universidade de Brasília, que usou recursos da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), no total de R$ 470 mil (preço de um bom apartamento de três quartos em Copacabana) para equipar o apartamento funcional em que reside o reitor. Conforme dados oficiais, a Finatec comprou, em fevereiro de 2007, um saca-rolhas por R$ 859 (preço de uma máquina de lavar), um abridor de latas por R$ 199, um liquidificador por R$ 499, além de 108 taças de vinho e copos no valor de R$ 4.140. Acrescentem-se três lixeiras, pelo valor de total de R$ 2.783, e ainda um fogão que custou R$ 7.100, quando, em qualquer loja, um fogão de seis bocas custa R$ 1.400. Quantas bocas terá, então, esse fogão do apartamento do reitor?

A propósito desses gastos, um funcionário da reitoria da UnB alegou que a compra de tais utensílios corresponde à importância do cargo de reitor. É o mesmo raciocínio que leva à construção de verdadeiros palácios para abrigar órgãos públicos e a reservar, para um ministro, um gabinete de 46 m2. É o Brasil da ostentação e da insensibilidade, que nada tem a ver com o Brasil de verdade, dos hospitais que não funcionam, das estradas esburacadas, das escolas sem professores e das penitenciárias superlotadas. O Brasil real, onde vive o povo, o dono do dinheiro.’

NOS JORNAIS
Carlos Heitor Cony

A Corte e a província

‘RIO DE JANEIRO – Nunca dei bola para a minha auto-estima. Bem verdade que, quando furo um pneu na estrada, aprecio que os outros estimem o meu auto e me ajudem. Fora disso, auto-estima é papo de analista. Daí que não chego a me sentir insultado quando, a cada manhã, passo os olhos pelos jornais.

Dois temas ocupam e preocupam a mídia em geral: uma eleição presidencial na Corte e mais um escândalo na província. Deixamos de ser colônia em 1822, mas guardamos o ranço provinciano de cultivarmos com entusiasmo as nossas mazelas e deslumbrarmos com babosa admiração os fastos e os faustos da Corte. No tempo em que Paris era o centro do mundo, um diretor de jornal dizia que uma briga entre dois mendigos debaixo de uma das pontes sobre o Sena era mais importante do que a Guerra de Canudos e o surto da febre amarela no Rio, então capital de uma província federal.

Aqui, um deputado comprou tapioca com o cartão corporativo, que será pago com o tributo que o governo arranca de todas as províncias. Na Corte, um candidato presidencial compra rosquinha com o próprio dinheiro. A foto de fato tão transcendental, de gesto tão formidável, circula em todos os jornais e em todas as tevês, um exemplo que não é imitado nas províncias, embora admirado pelos formadores locais de opinião, que se extasiam diante dos bons costumes da nova `caput mundi´.

Um súdito do Império Romano, vindo do oriente mais remoto, chegou a Roma no início do século 1º, extasiou-se diante dos mármores da Cidade Eterna e, visitando as termas, ficou perplexo ao saber que os romanos tomavam banhos diários e demorados. Voltando para a sua província, tentou fazer uma termas onde todos pudessem se banhar. Foi decapitado, sob acusação de imoralidade.’

MACHADO DE ASSIS
Marco Maciel

Cem anos sem Machado

‘´EU GOSTO de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto. […]

A vantagem dos míopes é enxergar onde as grandes vistas não pegam.´ O excerto é de autoria de Machado de Assis, em crônica intitulada `A Semana´, publicada na `Gazeta de Notícias´ do Rio de Janeiro, logo no início da primeira década de 1900.

Faço tais considerações para registrar que este ano, marcado por tantas efemérides, assinala o centenário de falecimento de Joaquim Maria Machado de Assis, o mais citado escritor brasileiro, sobretudo por suas admiráveis incursões nos diferentes gêneros literários -romance, poesia, prosa, conto, crítica literária e de teatro, jornalismo e crônica, esta somente mais versada por autores pátrios a partir do século 20.

No jornalismo, entendido por Alceu Amoroso Lima também como gênero literário, Machado escreveu com igual talento, como se afere de centenas de artigos e crônicas publicados desde 1870 até sua morte.

Por entender não poder passar o evento sem homenagear a expressão maior da literatura brasileira, apresentei projeto aprovado nas duas Casas do Congresso e transformado na lei nº 11.522, de 18 de setembro passado pelo Poder Executivo, instituindo 2008 o Ano Nacional Machado de Assis. Ao mesmo tempo, devo mencionar que a Academia Brasileira de Letras, por iniciativa do então presidente Marcos Vilaça, criou comissão com o objetivo de elaborar programação de eventos em memória da estuante personalidade da cultura pátria. Essa comissão é constituída dos acadêmicos Eduardo Portella, Sergio Paulo Rouanet, Alberto da Costa e Silva, Alfredo Bosi e Antonio Carlos Secchin.

O acadêmico Marcos Vilaça, nos dois períodos em que dirigiu a ABL, realizou fecunda e inovadora gestão.

O atual presidente, o escritor e jornalista Cícero Sandroni, dá continuidade ao trabalho desenvolvido por seu antecessor, inclusive na seqüência das atividades previstas para o Ano Nacional de Machado de Assis.

Conquanto nunca haja exercido atividade política, embora fosse funcionário público, Machado de Assis sempre demonstrou interesse pelos problemas nacionais, analisando-os lucidamente, por vezes de forma irônica ou humorada e, às vezes, pessimista, usando `a pena da galhofa e a tinta da melancolia´, porém sem jamais migrar para o território do insulto ou da agressão.

Prova do seu interesse pelo Brasil e suas instituições está revelada nas análises contidas na crônica `O Velho Senado´, do período imperial, constituído, como se sabe, de senadores vitalícios. Dos senadores, diz Machado, hoje tão longínquos no tempo, guarda o país seu contributo, de forma proba e arguta, para a consolidação da independência, pois vivíamos ainda convulsões regionais e desafios externos, como a Guerra do Paraguai, para exemplificar, e a busca de um adequado travejamento de construção do Estado brasileiro.

Observa Machado na referida obra: `É preciso não esquecer que não poucos eram contemporâneos da Maioridade, alguns da Regência, do Primeiro Reinado e da Constituinte […] Um pouco homens, um pouco instituição´. Isto é, pessoas cujo desempenho transcendia a própria Casa e que se converteram em verdadeiras instituições. `O público assistia, admirado e silencioso. […] Nenhum tumulto nas sessões. A atenção era grande e constante.´ É o que anota o bruxo de Cosme Velho, como era chamado, em alusão ao bairro em que viveu no Rio, cidade da qual nunca se afastou.

Outro denso contributo que Machado realizou no dodecaédrico campo da política, compreendida como ciência e arte do bem comum, foi por meio do ensaio `Instinto da Nacionalidade´, escrito nos idos de 1873. Cético quanto a tantas coisas, não o é, contudo, em relação ao Brasil. Nele vê a consciência nacional brotar, lenta embora, mas emergindo do sentimento da alma brasileira, da literatura às outras artes e à vida do Brasil em geral, que ainda não tinha cem anos de vida independente.

Ensinam os filólogos que a palavra texto, de raiz latina, vem de tecer.

Aliás, a tessitura da obra machadiana é mais uma grande demonstração de sua enorme riqueza estilística, incomum talvez no século em que viveu e que muito contribuiu para projetar a nação no exterior.

Machado de Assis, que freqüentou com igual engenho e arte todos os campos da literatura, contribuiu igualmente para suscitar novos talentos na área da cultura e desenvolver o gosto de gerações de brasileiros pela leitura e assim formar uma consciência crítica com relação aos problemas do país e do mundo. Isso nos conduz a repetir com Nélida Piñon: `Se Machado existiu, o Brasil é possível´.

MARCO MACIEL , 67, é senador pelo DEM-PE e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi vice-presidente da República de 1995 a 2002.’

TELEVISÃO
Daniel Castro

Novela da mulher de Silvio Santos terá `crítica política´

‘´A Revelação´, novela que a socialite Íris Abravanel escreve para o SBT, será um dramalhão com todos os clichês. Mas promete, em sua sinopse (obtida pela Folha), apresentar `componentes da crítica política´, usando `a linguagem da sátira como recurso de denúncia´.

A história criada pela mulher de Silvio Santos será ambientada na `bucólica´ Tirânia. `Na verdade, Tirânia funciona como um microcosmo de qualquer país latino-americano, com seus contrastes e paradoxos, servindo como caixa de ressonância de mazelas tão comuns em todo o continente e estabelecendo uma ponte entre a ficção e a realidade dos nossos dias´, define a sinopse.

A novela começa a ser gravada no próximo final de semana em Portugal. Estréia em maio. Os protagonistas serão Sérgio Abreu e Tainá Müller.

Na história, Lucas (Abreu) e Victória (Tainá) se apaixonam em Lisboa. Ele volta ao Brasil sem saber que ela está grávida. Em Tirânia, recebe fotos forjadas que mostram a amada com outro. Ele passa a desprezá-la e se casa com a filha do prefeito.

A novela terá ainda um misterioso personagem, o Oculto, manipulador dos demais -a `revelação´ de sua identidade e objetivos, no final, justificam o título. Tirânia ainda esconde um `tesouro´, que atrai um traficante internacional, e sofre com `a explosão do consumo de drogas´ na periferia, onde mulheres como Íris Abravanel farão `ação social´.

FUTURO INCERTO

É delicada a situação do `Fantasia´. O programa do SBT tem perdido no Ibope para o evangélico `Fala que Eu Te Escuto´ (Record). Estima-se em poucas semanas seu tempo de `vida´.

ZERO HORA

O `imortal´ Jack Bauer já não é mais o mesmo. Exibido atualmente pela Globo, o seriado estrelado por Kiefer Sutherland perdeu um terço de sua audiência em apenas dois anos. Em 2006, `24 Horas´ teve 12 pontos no Ibope. No ano passado, se manteve em 11,5. Neste ano, está com apenas oito pontos.

ELA É ELE

Uma das estréias de amanhã na Globo, a minissérie `Queridos Amigos´ terá um travesti. Cíntia (na foto, cantando `Ne Me Quittes Pas´) marcará a estréia na TV do mineiro Odilon Esteves, 29. Na história, Cíntia será usado por Benny (Guilherme Weber), um gay tão cáustico que chega a agredir até com uma observação básica sobre alguém (e que prefere garotos), para chocar o protagonista Léo (Dan Stulbach). Antes de dar vida a Cíntia, Esteves teve aulas de canto e etiqueta, para se comportar com feminilidade, evitando a caricatura.

O NÚMERO DA IVETE

Ex-bancário e triatleta amador, Guilherme Arruda (foto), 31, há um ano apresenta o `Band Esporte Clube´, na Band. Mas só virou celebridade mesmo no último Carnaval, quando foi `beijado´, em cima de um trio elétrico, em Salvador, por Ivete Sangalo. `No primeiro dia de Carnaval, a Ivete falou pra mim: `Eu vou em você. Você é o meu número´, lembra. Na terça-feira, ela foi. Guilherme jura que não rolou beijo de verdade: `Ela colocou a mão na frente´.

Frase

O assédio aumentou muito [depois do `beijo´ de Ivete Sangalo]. Deu uma exposição enorme. Onde a Ivete toca vira notícia´

GUILHERME ARRUDA

apresentador

BRASÍLIA AMARELA

No ar no final de março, o primeiro `Por Toda a Minha Vida´ (Globo) de 2008 retratará a curta e intensa trajetória da banda Mamonas Assassinas, cujos integrantes morreram em um acidente aéreo em 1996. Para interpretar os músicos, o diretor José Luiz Villamarim selecionou atores desconhecidos de diferentes regiões do país, priorizando a semelhança física. Já a atriz Fernanda Freitas, conhecida como a `sósia´ de Déborah Secco, viverá a modelo Valéria Zoppelo, a outrora famosa `viúva do vocalista Dinho´.

Pergunta indiscreta

FOLHA – Você não leva sustos quando se vê em `Caminhos do Coração´ (Record)?

PRETA GIL (a assustada Helga) – Lógico que levo. Sou supercrítica com meu trabalho, levo sustos quando ouço meus discos. Até hoje não consigo assistir à novela com gente do meu lado. Na novela não tem como não ficar over. Minha personagem já foi assombrada por lobisomem e vampiro. Você se desespera.’

Laura Mattos e Cristina Fibe

Brasil se abre a programas argentinos

‘Ligue no SBT de segunda a sábado, às 20h15. Se não houver nenhuma daquelas mudanças repentinas de Silvio Santos, estará no ar a novela `Lalola´, sobre o mulherengo Lalo, transformado por bruxaria em Lola para pagar todos os seus pecados com a mulherada.

Mais do que uma trama engraçadinha, `Lalola´ -que na estréia dobrou a audiência do SBT- é um exemplo da expansão internacional da TV argentina. Mesmo as redes brasileiras, que não são das que mais importam programação, estão se abrindo aos hermanos.

Além de `Lalola´, que entrou no ar em janeiro, a TV brasileira deverá ter em breve mais dois programas da Argentina em horário nobre. O primeiro a estrear será a versão nacional do `Caiga Quien Caiga´ (´CQC´). Comprado pela Band e rebatizado de `Custe o que Custar´, tem a estréia prevista para março. É apresentado por um trio de jornalistas (os brasileiros devem ser escolhidos nesta semana), que trata notícias de política, esportes e celebridades com humor irônico.

No ar há 11 anos na Argentina, ganhou versões na Itália, Espanha, França, Chile e Israel. A Band comprou também a minissérie `Hermanos y Detectives´, policial com ares de Agatha Christie protagonizado por Rodrigo de la Serna (intérprete do amigo de Che Guevara no filme `Diários de Motocicleta´). Vai exibir o original dublado, em data a ser definida.

A versão brasileira da norte-americana `Desperate Housewives´, exibida em 2007 pela Rede TV!, é também um exemplo do crescimento da indústria audiovisual argentina. A série, com Lucélia Santos e Sônia Braga, foi filmada em Buenos Aires, que, com mão-de-obra boa e barata, tornou-se um oásis da produção internacional.

Boom da crise

Diante de um mercado publicitário reduzido, especialmente com a crise financeira que assolou o país no início desta década, as produtoras de TV argentina, para sobreviver, passaram a focar a exportação.

É grande o número de títulos oferecidos a TVs da América Latina, Europa e o mercado hispânico dos EUA. A variedade é conseqüência da principal diferença entre a TV argentina e a brasileira. Lá, a produção deixou de ser monopólio das redes, como no Brasil, e passou para produtoras independentes. `A terceirização não foi imposta por nenhuma lei, foi uma necessidade de mercado. Era preciso buscar qualidade e diminuir os riscos´, conta Horácio Ferrari, diretor-executivo da Câmara Argentina de Produtoras Independentes de Televisão, que reúne as 22 principais fornecedoras de conteúdo para as redes de TV do país.

No Brasil, apesar de haver mais de mil produtoras independentes, as redes não se abrem. Por isso, a ABPI-TV, que representa o setor, defende uma lei que as obrigue a exibir produção independente.

Nesse caso, a Argentina está mesmo um passo à frente do Brasil. De cinco anos para cá, segundo Ferrari, além da produção de programas, as produtoras passaram a investir na criação de formatos para exportação. Isso quer dizer que, em vez de vender um programa argentino pronto, é oferecida a idéia e, normalmente, uma parceria para a produção local, como será o caso do `CQC´.

´Isso tem a ver com a universalização dos temas. Os argentinos hoje vendem formatos de novelas que podem ser produzidas em qualquer país, independentemente das diferenças culturais. É diferente da TV inglesa, que tem bons formatos, mas com um tom mais local, difíceis de exportar´, avalia Elisabetta Zenatti, diretora de programação da Band, que co-produziu `Floribella´, versão da novela argentina `Floricienta´.

Celina Amadeo, CEO da Dori Media Central Studios, produtora de `Lalola´, acha que a vantagem da produção argentina é ser menos regionalista do que a brasileira. Para ela, são produzidas aqui histórias que respondem a um molde local e que, `culturalmente, tomam como protagonista o seu próprio universo´. `Na novela brasileira, o local tem muita importância.´

Já `Lalola´, de acordo com Amadeo, foi pensada para o mercado internacional, com linguagem mais universal. `A história é a protagonista, e não o local.´ Daí a estética mais próxima dos seriados americanos do que das telenovelas latinas.

Alvo

O Brasil, conhecido internacionalmente pela exportação de novelas da Globo, sempre foi um mercado almejado pelas produtoras argentinas. `A TV brasileira era uma aspiração para nós, assim como a mexicana. São mercados com produção local forte, difíceis de penetrar´, afirma Ricardo Kon, diretor de desenvolvimento e gestão da Cuatro Cabezas, produtora do `Caiga Quien Caiga´.

´O `CQC´ é só o primeiro passo. Nosso objetivo é vender mais para o Brasil´, planeja.

Para Celina Amadeo, o mercado brasileiro `é o mais interessante da América do Sul´ e `Lalola´ é um bom projeto para iniciar relação duradoura´.’

Adriana Küchler

Dois produtores medem forças na TV argentina

‘O poder na TV argentina é disputado não entre dois canais, mas entre dois grandes produtores. Mario Pergolini, o criador de `Caiga Quien Caiga´ (ou ce-cu-ce, como é chamado por aqui), é o campeão de crítica. Seu humorístico (que já foi transmitido por três canais diferentes) é popular até entre os membros do governo. A presidente Cristina Kirchner e seu marido, Néstor, o ex-presidente, famosos pela aversão a jornalistas, aparecem com prazer no programa e, pelo menos ali, não se importam em ser motivo de chacota na TV.

O rival de Pergolini é Marcelo Tinelli, que, com sua grife `por un sueño´ (´Bailando por un Sueño´, `Patinando por un Sueño´, na linha da `Dança dos Famosos´ do Faustão), foi o grande campeão de audiência em 2007.

Correndo por fora, `Lalola´ ganhou no fim de 2007 os troféus de melhor ficção, roteiro, atriz, ator e revelação feminina, na categoria comédia, em premiação do jornal `Clarín´.’

Sylvia Colombo

Criador do irreverente `Página 12´ funda novo jornal diário

‘Para Jorge Lanata, 47, um dos mais importantes jornalistas veteranos da Argentina, a televisão de seu país vive hoje `a mesma pobreza criativa geral que afeta o jornalismo´.

Fundador do irreverente e provocador `Página 12´ -lançado em 1987 e dirigido por ele até 1994-, Lanata considera que, desde a crise de 2001, `a agenda das televisões refugiou-se no noticiário policial e nos programas de ficção´, disse à Folha, por e-mail.

Isso porque as denúncias políticas e o jornalismo investigativo teriam se tornado cada vez mais raros. `O governo Kirchner cooptou os meios de comunicação, multiplicando a publicidade oficial e gerando um ambiente de autocensura.´

Lanata não vê no badalado `Caiga Quien Caiga´ um programa jornalístico, e sim cômico. `Uma pergunta insólita em uma entrevista feita no susto não significa jornalismo. Além disso, o `Caiga´ é um dos poucos programas com os quais o ex-presidente Kirchner falava. Isso porque sabia que não significava nenhum risco. São uns meninos engraçados, só isso.´

Novo jornal

Gorducho, histriônico e exibicionista -suspensórios são sua marca registrada-, Lanata lança no dia 2 de março um novo diário: `Crítica de la Argentina´ (www.criticadigital.com) sai com uma tiragem inicial de 60 mil exemplares.

No ambiente midiático, há certa inquietação. Haveria público para um novo jornal diário na Argentina? Há ainda os que questionam de onde estaria vindo o dinheiro para esse tão ambicioso novo projeto.

Lanata diz que reeditar o `Página 12´ dos velhos tempos hoje seria impossível. `Fundei-o quando tinha 26 anos. Achava que era adulto, e isso me permitiu chutar as portas em vez de bater e pedir para entrar. Hoje, sinto mais pressão. Todos exigem que eu volte a `renovar o jornalismo´, como se alguma vez eu me houvesse proposto a isso. Essas coisas acontecem, não se propõem´, afirmou.

O `Página 12´ caracterizava-se pelo projeto gráfico ousado, uso de grandes fotos, títulos sensacionalistas -assemelhados ao tom da chamada `imprensa marrom´-, o bom humor e a crítica ao governo.

´Mostramos que a variedade na forma de se mostrar uma notícia é infinita e não altera o seu conteúdo. Na época, podíamos comunicar a queda de um ministro só com uma fotomontagem, por exemplo.´

Lanata dirigiu o `Página 12´ por quase oito anos, até que este foi vendido ao concorrente `Clarín´. O jornal deixou de ser combativo politicamente e entrou em decadência.

Depois dessa experiência, Lanata teve programas televisivos, lançou um documentário sobre dívida e corrupção (´Deuda´) e o best-seller `Argentinos´, em dois volumes.

No ano passado, voltou aos holofotes quando, em sua coluna no semanário `Perfil´, revelou o que ficou conhecido como `banheirogate´ -a história da mala com US$ 60 mil em espécie escondidos no banheiro da ministra da Economia, Felisa Miceli. O escândalo causou a demissão da ministra, mas não teve impacto na corrida eleitoral que levaria Cristina Kirchner ao cargo do marido.

´A denúncia teve importância na opinião pública, mas não na população em geral. Comprovou-se que a situação econômica segue sendo o único elemento que os argentinos valorizam hoje na hora de votar.´’

Bia Abramo

Os novos bezerros de três cabeças

‘O SUJEITO tem 40 anos e só come pizza e batatas fritas industrializadas. Em vez de seguir em frente com sua esquisitice ou de procurar um profissional de saúde, o sujeito vai lá e procura um programa de televisão.

A família não aguenta a cachorra que late o tempo todo, estraçalha a correspondência antes que chegue a uma mão humana, dorme na cama do casal e acorda mais vezes à noite do que um bebê com cólicas. Livraram-se da cachorra, chamaram a carrocinha? Não, apelaram para um programa de TV.

O cara dá para o seu cachorro todas as guloseimas que ele consome; ao final de um certo tempo, homem e cachorro estão inapelavelmente gordos. De novo, a solução é a mesma: vamos para a frente das câmeras, participar de um reality show cujo objetivo é emagrecer ao mesmo tempo homem e cão.

Há gosto para tudo neste mundo, inclusive para se exibir no mais alto grau da sua miséria pessoal, e a televisão está aí para isso mesmo. Todos os casos acima são de programas do GNT -´Viciados em Comer Mal´, `Ou Eu ou o Cachorro´ e `Meu Cão É Tão Gordo Quanto Eu´.

É uma fórmula matadora -combina o reality show com a exposição de aberrações. Só que, ao contrário dos bezerros de três cabeças dos circos, esse novo mundo grotesco tem laços de semelhança poderosos com a chamada normalidade.

A indulgência consigo mesmo, com cães, com crianças; a dificuldade à beira da incapacidade de adotar disciplinas de interdição e contenção diante do consumo, das paixões e da demanda desorganizada de um outro, por exemplo, são traços da cultura contemporânea. Assim, ao mesmo tempo em que os espectadores podem se distanciar quando esses traços se tornam sulcos, podem simpatizar com aqueles comportamentos, uma vez que já estiveram, muitas vezes, quase lá.

Esses reality shows `terapêuticos´, ou seja, aos quais as pessoas acorrem em busca de uma espécie de cura, estão se transformando num tipo à parte de espetáculo.

Incluam-se aí coisas do tipo `Super Nanny´, `Inspetores do Sexo´, `Você É o que Você Come´, e tem-se todo um universo de programas baseado no trinômio bizarro/tortura terapêutica/ redenção diante das câmeras.

Mais do que o exibicionismo, elemento número um de qualquer reality, nessa modalidade o que parece mover essa gente a procurar a TV -e não o médico, o padre, as drogas ou a aceitação zen-, face a sua esquisitice fora de controle, é a possibilidade de passar por uma espécie de calvário feito de vergonha e culpa, mas com final `normal´ -e, portanto, feliz.’

Laura Mattos

Rede Globo estréia minissérie e novela das sete amanhã

‘Uma turma que deve ter mais o que dizer do que a formada pelos confinados do `Big Brother´ é o centro da minissérie `Queridos Amigos´, de Maria Adelaide Amaral (´A Muralha´, `JK´), que entra no ar amanhã, na Globo, após o reality show.

Com 25 capítulos, a obra é uma adaptação do livro `Aos Meus Amigos´, no qual a autora fala de intelectuais de esquerda que fazem parte de seu círculo de amizades e que teve como ponto de partida o suicídio do jornalista Décio Bar, colega de profissão e amigo de Amaral.

Na versão televisiva, ele será Leo (Dan Stulbach), que já trabalhou com literatura, cinema e publicidade. Não irá se matar, mas descobrirá que está doente e tem pouco tempo de vida. Em vez de buscar um diagnóstico preciso e procurar tratamento, ele decide reunir novamente os amigos, que formavam praticamente uma família nos anos 70, quando todos pareciam ter os mesmos ideais e sonhavam com o fim da ditadura militar.

´Queridos Amigos´ se passa em 20 dias de novembro de 1989. Além da campanha Collor x Lula, rememora outros acontecimentos históricos, como a queda do Muro de Berlim.

Além de Stulbach, fazem parte da `família´, entre outros, Débora Bloch, Guilherme Weber, Denise Fraga, Matheus Nachtergaele, Drica Moraes, Bruno Garcia e Tarcísio Filho.

Beleza Pura

Também amanhã a Globo coloca no ar sua nova novela das sete, `Beleza Pura´. É a primeira que Andréa Maltarolli, uma das criadoras de `Malhação´, assina como titular. A autora terá a supervisão de Silvio de Abreu (´Torre de Babel´, `Belíssima´), que tem atuado como `caça-talento´ de novelistas.

Na trama, Edson Celulari será Guilherme Medeiros, engenheiro badalado que desenvolve um projeto de um helicóptero. Norma Gusmão (Carolina Ferraz), colega de Guilherme, apaixonada e desprezada por ele, decide sabotá-lo. Com isso, o helicóptero cai, matando todos os tripulantes e a carreira do engenheiro. Pobre e desacreditado, ele vai atrás das famílias das vítimas e conhece Joana (Regiane Alves), a mocinha da novela.’

MÍDIA & COMIDA
Pedro Dias Leite

Na roça com Jamie

‘Jamie Oliver detesta os programas de TV com chefs de 50 anos e seus potinhos com tudo já cortado. Jamie Oliver não tem o menor interesse na `alta culinária´, com seus pratos sofisticadíssimos. Jamie Oliver odeia que digam a ele o que fazer. O jovem chef britânico, aos 32 anos, gosta mesmo é do caos.

Passam das 15h de uma sexta com clima de primavera (sol e 12º C) em Essex, vilarejo calmo a uma hora de Londres, quando Jamie senta para a entrevista com a Folha, no sítio que comprou há alguns anos e que foi palco de seu mais recente programa, `Em Casa com Jamie´.

No enorme galpão envidraçado, de um lado há uma pequena cozinha, com fogão, panelas, pia; e queijos, temperos, verduras. Do outro, uma bateria num canto, um sofá no outro. Na estante, dezenas de livros de culinária, alguns muito antigos, outros do próprio Jamie, um do superchef norte-americano Mario Batali.

´Quando você vê alguns programas de culinária, tudo já está cortadinho em pequenos potes, reparou? Pote disso, pote daquilo. Mas, quando chega em casa e decide fazer o jantar, está tudo na geladeira! Você cria o maldito caos para cozinhar. Não dá para acreditar em alguns programas, tudo em ótimos potinhos, e vai, esvazia esse, esvazia aquele. Ah, isso é cozinhar? Não, não é´, argumenta, apaixonadamente, enquanto move os braços, ajeita-se no sofá e faz uma série de sons com a boca, para deixar clara a imagem dos potinhos sendo esvaziados. Evitou, no entanto, citar os programas nos quais não se pode `acreditar´.

A divergência de Jamie com os outros chefs vai além dos potinhos. Ele não gosta da culinária sofisticada, com pratos milimetricamente arranjados e ingredientes irreconhecíveis.

´Ah, não, nunca cozinho isso. É como você gostar de rave e alguém pedir para você gostar de jazz; gostar de Audi e pedirem para usar Volvo; ter cabelo comprido e pedirem para usar curto´, reage. `Gosto de cozinhar boa comida caseira. Sei fazer essas frescuras francesas, mas [mais gestos] acho tão destrutivo, não significa nada. Não me faz sorrir. Faz tocar demais a maldita comida, e não gosto disso. Minha filosofia, na medida do possível, é tocar a comida que estou fazendo o mínimo possível e tirar o menos possível de suas características.´

A culinária, argumenta Jamie, é o oposto. Sua filosofia é usar ingredientes bons e frescos e `mandar ver´. `Minha regra é manter as coisas simples. Quando estou fazendo boa comida, nunca é comida de chef. É só cozinhar comida caseira. Gosto de azeite de oliva em vez de manteiga, ervas, vegetais, massa, temperos.´

´Maldito hippie´

´O importante é: divirta-se e seja corajoso. Você não acreditaria como algumas pessoas viram covardes na cozinha. Você vê uns caras enormes que ficam medrosos. Tem de ir e fazer, mandar ver. Quer dizer que não vai errar? É claro que vai. Mas, se não fizer com um mínimo de convicção, vai fazer ainda mais erros´, afirma.

A sua horta, a alguns passos do galpão, é um exemplo vivo do modo Jamie Oliver de fazer as coisas. Dela saíram os ingredientes e a inspiração para seu atual programa e seu livro de receitas, que será lançado no Brasil no próximo semestre.

´As pessoas pensam que você tem de ter certa idade para cultivar vegetais, ou parecer um maldito hippie para cuidar de uma horta. Não mesmo! É simplesmente colocar umas coisas no chão, um pouco de luz, de água e, na maioria das vezes, vai crescer algo. Pode não ser bonito nem ordenado, ficar meio bagunçado, mas, do que sai, você consegue seu jantar.´

O chef está no meio da explicação quando uma mulher com um desses aparelhos de fazer chapinha se aproxima e começa a arrepiar ainda mais seus cabelos loiros já estrategicamente levantados para o alto. `Desculpe, ela está tentando me deixar lindo´, explica-se ele. Na verdade, já é a preparação para uma filmagem que será feita em uma hora, para um vídeo para seus funcionários.

Mas, então, é natural a dúvida: é tudo mesmo espontâneo ou não passa de marketing?

´É real. Eu nunca ensaio, nunca mesmo!´, diz Jamie, para logo engatar em mais uma história, a de como aprendeu a ensinar. Aos oito anos, começou a cozinhar no pub dos pais, perto de onde comprou o sítio. Aos 11, já usava uma faca de chef e dava ordem em gente com o dobro de sua idade e seu tamanho: `Então tive que, rapidamente, desenvolver um jeito de falar com as pessoas e ensinar para, basicamente, não chutarem a minha cabeça´.

Mais uma pausa -outro funcionário, que veio trazer um chá. `Meu Deus, o que esse cara pôs aqui?´, diz Oliver, sorrindo para o assessor que trouxe seu chá com leite. `Está uma porcaria. Pode falar, você cuspiu [na verdade, uma palavra pior, impublicável] na minha bebida, não é?´, reafirma, de bom humor, e toma mais um gole.’

***

´Disseram que vou querer morar na Bahia´

‘´E aí, cara, me conte do Brasil. Ano que vem vou lá, com certeza!´, começa Jamie Oliver. `Dizem que a Bahia é muito bonita. Só ouvi coisas boas, disseram que eu vou querer morar lá. É violento, é barra pesada?´, pergunta, empolgado.

´O fato é que já trabalhei com muitos brasileiros e nunca encontrei um que fosse babaca, são sempre muito, muito boa gente. Muitos brasileiros vêm, trabalham duro, guardam um dinheiro e voltam e abrem seus restaurantes´, conta Jamie, logo depois de discorrer sobre as qualidades dos brasileiros como animadores de festas.

O chef quer passar alguns meses descansando, viajar pelo mundo, mas, por enquanto, seus projetos são só trabalho.

Por trás do jeito descontraído, da cara de moleque, dos palavrões constantes, Jamie comanda uma empresa com 180 funcionários, tem um restaurante em Londres (o Fifteen, com fila de espera de meses) em que treina jovens de comunidades pobres, faz os programas de televisão e ainda vai lançar uma cadeia de restaurantes no interior do Reino Unido, a Italiano do Jamie. `É para ser rápido, com boa relação custo-benefício´, diz.

Além disso, sabe muito bem do poder que a TV lhe trouxe. Famoso desde que estreou no `The Naked Chef´, há dez anos, Oliver estourou mesmo quando conduziu uma campanha para melhorar a qualidade da comida nas escolas britânicas, em 2005. `Trabalhei com o governo por três anos, pedindo mais dinheiro para melhorar a comida das escolas e era sempre não, não, não. Três dias depois que o programa foi ao ar, surgiram 288 milhões de libras [R$ 1,1 bilhão] de onde?´.

Jamie tem sua própria receita para manter os pés no chão. `De segunda a sexta, é trabalho. Fim de semana é aqui, com a família. Não temos ninguém para cozinhar nem para cuidar das crianças [duas filhas, de 5 e 4 anos], somos só nós.´

E, no final, jura que o sucesso não mudou sua vida. `Para falar a verdade, é esquisito pra cacete. Não foi culpa minha!´ (PDL)’

Janaina Fidalgo

´Sou pago para ter uma vida boa´, diz Anthony Bourdain

‘Ele é pago `para ter uma vida boa´ e diz se sentir `culpado e envergonhado´ por correr o mundo viajando e se hospedando de graça, enquanto seus velhos camaradas suam a camisa, de pé, o dia todo na cozinha.

Ouvir algo assim de alguém que trabalhou quase 30 anos como cozinheiro pode soar pura demagogia; não, porém, se a declaração vier de Anthony Bourdain, 51, o chef que ganhou fama, dinheiro e reconhecimento, não tanto pelo exercício de sua profissão, mas revelando (e descrevendo saborosamente) os meandros nada abonáveis das cozinhas profissionais.

Autor do best-seller `Cozinha Confidencial´, Bourdain lança agora no Brasil `Maus Bocados´, no qual compila, principalmente, artigos publicados em jornais e revistas. Lançado pela Companhia das Letras, chega às livrarias no dia 26 (R$ 49; 360 págs.).

Em entrevista à Folha, ele credita seu sucesso como escritor ao fato de nunca ter tido `absolutamente nenhuma expectativa´. `Nunca penso no que as pessoas vão gostar ou no que esperam. Apenas conto a história da melhor maneira que eu posso´, diz.

Curioso contumaz

Se, por um lado, ele tem uma vida capaz de despertar inveja até no mais virtuoso dos homens -afinal recebe um salário polpudo para viajar ao redor do mundo atrás de comidas e boas histórias-, por outro tem de abdicar de uma convivência mais próxima da família. Fica fora de casa de duas a três semanas por mês para gravar o programa `Sem Reservas´, exibido no Discovery Travel & Living. `É muito tempo. Sou pai agora, está ficando difícil.´

Viajar ainda é uma bênção ou já virou condenação? `Com certeza é uma bênção, eu tenho o melhor emprego do mundo. Sou incrivelmente sortudo. Não tem nenhuma parte ruim. Porém, sinto falta da minha mulher e da minha filha. E, ocasionalmente, experimento comida ruim, mas disso não reclamo´, diz. `Por 28 anos, trabalhei de pé numa cozinha; então, para mim, isto, sim, parece trabalho. Qualquer coisa que eu fizer agora, vai parecer que estou ganhando dinheiro fácil.´

Viciado em conhecer, o que imprime um ritmo ainda mais frenético à sua vida, Bourdain diz que ninguém pode dizer já ter visto o suficiente. `Sou sempre curioso, nunca paro e relaxo. Quanto mais viajo, menos sei. Você percebe quão grande é o mundo e quanto mais tem para aprender. Mesmo se eu tivesse dez vidas, ainda assim não seria suficiente.´

O chef-escritor titubeia quando o assunto é o quanto de sua narrativa é real e o quanto é ficcional: `Não tenho idéia, escrevo da maneira como eu vejo. Gosto de hipérboles e recorro a elas, porque quero que o leitor sinta do jeito que eu senti´.

´Magoei Jamie´

Por trás da pose de sarcástico, também há espaço para mudar de idéia e voltar atrás em comentários nem sempre elogiosos, como os que já fez sobre Jamie Oliver. Em um dos capítulos de `Maus Bocados´, publicado nos EUA há quase dois anos, ele chama o apresentador britânico de petulante.

Na entrevista, relativiza: `Ele é um fã, gosta dos meus livros e ficou realmente chateado com o que eu disse. Honestamente, eu me sinto mal por isso, porque eu costumava odiar `The Naked Chef´, mas, dos programas que vi recentemente, gostei. Está fazendo algumas coisas boas. Tenho um pouco de remorso por ter tirado sarro do Jamie. Aparentemente, magoei os sentimentos dele e me sinto mal por isso´.’

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Chef critica aventureiros da televisão

‘Em `Maus Bocados´, Bourdain fala em vários momentos sobre o `boom´ dos chefs celebridades (embora também seja um deles) e de cozinheiros atraentes, `com madeixas juvenis e adoráveis´ que são puxados para um estúdio de TV e que, apesar de montarem um restaurante em `torno de sua cara estúpida e bem conhecida´, não podem ser considerados chefs.

Mas eles não têm a função de aproximar o público não-iniciado? `Se você está na TV ensinando pessoas comuns a preparar comidas que podem ser feitas em casa, eu admiro. O que me irrita em muitos programas é que há gente cozinhando pratos que são uma merda. Deveriam dar bons exemplos, mas são preguiçosos.´’

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