Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Folha de S. Paulo

VENEZUELA
Fabiano Maisonnave

Um ano depois, crise da RCTV se perpetua em ecos políticos

‘Hugo Chávez perdeu sua primeira eleição em nove anos. A RCTV desapareceu de boa parte do país e continua com equipamentos sob custódia militar. Sua substituta, a estatal Tves, não é vista por quase ninguém. E os líderes estudantis que puxaram os protestos pela licença da TV opositora deixaram as ruas para arriscar vôos mais altos. Um ano depois, a decisão de pôr fim às transmissões de um dos canais mais populares da Venezuela continua ecoando na dinâmica política do país.

‘É como um casamento de nove anos em que a mulher confiava plenamente no marido e descobre um ‘affair’. Ela perdoa o marido, mas não assina mais cheque em branco. Isso é uma mudança substancial na conexão de Chávez com a massa’, diz Luis Vicente León, diretor do instituto de pesquisa Datanálisis, sobre a primeira vez em que o presidente tomou uma decisão sem ter o respaldo da maioria da opinião pública.

Chávez anunciou que não renovaria a concessão da RCTV em dezembro de 2006, semanas depois de ter sido facilmente reeleito com 63% dos votos. No cálculo do governo, era a hora de retaliar a emissora oposicionista que havia participado ativamente no golpe de Estado de abril de 2002.

O governo começou a perceber que a decisão não era fácil à medida que o fim das transmissões se aproximava. Mas os protestos só explodiram depois de 27 de maio, quando o canal 2 deixou de ser da RCTV para abrigar a emissora estatal Tves.

Nas duas semanas seguintes, universitários saíram às ruas em Caracas e em diversas partes do país. Muitas vezes, houve enfrentamentos com a polícia chavista, com saldo de um morto e dezenas de feridos e presos.

Meses depois, mais organizados, os mesmos estudantes voltaram a protestar e enfrentar a polícia, desta vez contra a reforma constitucional proposta por Chávez, que introduziria a reeleição indefinida e acumularia ainda mais poderes com o Executivo. O projeto foi rejeitado em referendo por margem de 1,4 ponto percentual.

As marchas e a superexposição transformaram imediatamente as lideranças estudantis em novos ícones da oposição venezuelana, principalmente Stálin González e Yon Goicoechea, que agora tentam os primeiros passos na política.

O mais ambicioso é González. Aos 27 anos, está em plena campanha eleitoral como pré-candidato do UNT (Um Novo Tempo, centro) à Prefeitura de Libertador, principal município dos seis que formam Caracas e sede do governo.

Pesquisas do Datanálisis, no entanto, mostram que a população tem uma boa imagem dos estudantes, mas não vê González e outros líderes como alternativas imediatas em cargos de governador ou prefeito.

Já Goicoechea, 23, que quer se candidatar ao Congresso no ano que vem, recebeu neste mês US$ 500 mil pelo Prêmio Milton Friedman, concedido a cada dois anos pelo americano Cato Institute. Ao receber o prêmio, acusou Chávez de ‘totalitário’, ‘messiânico’ e ‘ditador’, disse que ‘a prosperidade pode chegar à Venezuela, como já chegou aos EUA’ e prometeu usar o dinheiro para criar um centro de formação de líderes.

O prêmio de um dos institutos mais conservadores dos EUA atraiu uma saraivada de críticas do chavismo contra Goicoecha. Na TV estatal VTV, o popular apresentador Mario Silva o apelidou de ‘Yon Medio Millón’ e o acusou de lavar dinheiro para financiar um golpe.

Esvaziada

Atualmente só via cabo, a RCTV sofreu um duro impacto econômico. O faturamento caiu a um terço da época de sinal aberto, provocando a demissão de 1.200 funcionários dos cerca de 3.000 que a emissora tinha um ano atrás, segundo dados da empresa Além disso, até hoje não houve indenização pelos equipamentos arrestados para a Tves, a emissora estatal criada para substituir o canal oposicionista.

‘São 52 torres, com antenas e transmissores, avaliadas em cerca de US$ 300 milhões. Dois dias antes do fechamento, essas instalações foram tomadas militarmente. Nosso pessoal foi desalojado. Um ano depois, os nossos funcionários não puderam se aproximar nem para buscar sua escova de dentes ou a foto da esposa’, diz o vice-presidente de Informação da RCTV, Eduardo Sapene.

Na TV a cabo, a RCTV continua popular: segundo o instituto de pesquisa AGB, é a segunda emissora mais vista (10,3%). Mas sua imagem só chega a cerca de 30% dos lares -antes, a cobertura era quase nacional.

Já a Tves não está nem sequer entre as 20 mais assistidas. O fiasco foi admitido publicamente pelo próprio Chávez: ‘Quase ninguém a vê’, disse em dezembro, quando anunciou uma revisão da política de comunicação do governo.’

 

ACORDO ORTOGRÁFICO
Folha de S. Paulo – Editorial

Reforma ortográfica

‘A EVIDÊNCIA maior de que o acordo ortográfico da língua portuguesa carece de prioridade está nos 18 anos decorridos entre a sua assinatura e a aprovação pelo país de origem do idioma, Portugal. Com a ratificação pelo Parlamento luso, cai a última grande barreira para sua adoção. A nova ortografia torna-se assim uma realidade, por menos que agrade.

Há, com efeito, várias razões para crítica. A maior parte das modificações parece cosmética, para não dizer ociosa. Que importância pode ter omitir ou não a consoante muda em ‘óptimo’, como se usa em Portugal, ou sacar o acento agudo de ‘idéia’, empregado no Brasil? A ausência de padronização em documentos oficiais e livros decerto não impede sua compreensão.

Diante da pequenez da mudança e de sua irrelevância, é descomunal a energia a despender na assimilação das novas regras pela população dos quatro países -Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e, agora, Portugal- da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que já adotaram o acordo de modo oficial; faltam ainda Angola, Timor Leste, Guiné-Bissau e Moçambique.

Isso sem contar, por certo, a necessidade de refazer matrizes de inúmeros dicionários e livros didáticos. Ou mesmo de inutilizar os já impressos, dependendo do prazo fixado para vigência da nova ortografia. Portugal estipulou prazo de seis anos para tanto, e poderia ter ido além.

No Brasil, a implantação definitiva ainda depende de decreto presidencial, mas o Ministério da Educação já determinou que em 2010 estejam adaptadas todas as obras incluídas nos programas de aquisição de livros didáticos. Um esforço gigantesco.

Mesmo não sendo boa idéia, a nova ortografia está aí. Ótimo seria se o governo brasileiro seguisse o de Portugal, abandonando a pressa injustificável.

 

EDUCAÇÃO
Antônio Ermírio de Moraes

Lamentável!

NA ÚLTIMA semana, a imprensa noticiou com grande destaque a má qualidade do ensino público em São Paulo. Isso atinge metade das escolas do ensino fundamental e 60% das escolas do ensino médio. Neste nível, o quadro é escandaloso. Em uma escala que varia de 0 a 10, o índice de qualidade do ensino médio é de apenas 1,41. Uma calamidade.

Várias causas foram apontadas, tais como: 1) a falta de professores de matemática, física, química, história e geografia; 2) a ausência de interesses dos adolescentes pelos conteúdos ensinados; 3) a má gestão e o pouco envolvimento dos professores e dos diretores com a escola; 4) a precariedade das condições nas quais os professores são obrigados a trabalhar.

Não desprezo nenhum desses fatores, pois, afinal, são resultado de uma pesquisa séria. Mas, pelo que ouço das pessoas e pelo que leio nas páginas policiais, acredito que a deterioração do respeito humano que reina nas escolas públicas brasileiras seja uma das mais importantes causas.

A realidade no ensino médio é dramática. Os professores foram encurralados pelos adolescentes. Muitos têm medo de entrar na sala de aula por terem sofrido impropérios verbais e até agressões físicas.

Na maioria das escolas, os alunos se organizam em bandos para ofender funcionários, professores e diretores e também para depredar as instalações. São jovens que revelam um sentimento de ódio e que praticam essas agressões como parte de uma pseudocidadania que, na verdade, é característica das leis da selva, e não das regras da democracia.

Num ambiente como esse, só resta o faz-de-conta de um que ensina e de outro que apreende. É claro que há exceções. Ainda contamos com uma parcela de funcionários, professores e diretores abnegados, corajosos e dedicados, e que trabalham como heróis dentro de uma situação que piora a cada dia.

As causas apontadas pela pesquisa são contornáveis por meio de ações combinadas de formação e de incentivo aos professores e gestores. Mas a recuperação do respeito humano é um desafio monumental, pois reflete as mazelas da nossa sociedade e os maus exemplos que os adultos protagonizam na vida real e na ficção das novelas.

Apesar do enorme desafio, não podemos esmorecer. Para chegar a uma boa educação, teremos de resgatar o respeito e criar um ambiente saudável para o ensino e o aprendizado. Para tanto, faz-se urgente uma grande campanha de recuperação dos valores. Ela terá de ser contínua e envolver toda a sociedade. antonio.ermirio antonioermirio.com.br’

 

AL GORE
Beppe Severgnini

‘A era das palavras pode ser só um parênteses’

‘Ele ganhou peso, mas ainda é o bom e velho Al Gore. Esse sessentão sereno sobreviveu à maior decepção profissional que um homem pode sofrer. Sob as dúvidas que cercaram a votação na Flórida, em 2000, foi obrigado a entregar a chave da Casa Branca a George W. Bush, após virtualmente conquistar a Presidência dos EUA.

Gore abre a porta da suíte no Brown’s, hotel de Londres freqüentado por americanos influentes. Cabelo grisalho, olhos estreitos, terno escuro, gravata azul. Pasta sobre a cadeira, laptop na mesa. O ex-vice-presidente prepara um café para seu convidado e sorri com polidez.

O Prêmio Nobel da Paz de 2007 hoje é um guru ambientalista, documentarista (‘Uma Verdade Inconveniente’) e profeta secular. No fim dos anos 70, quando era um jovem congressista do Tennessee, ele popularizou o termo ‘superinfovia’, prevendo as aplicações civis da internet, até então uma rede de supercomputadores militares. Como candidato à Vice-Presidência na chapa de Bill Clinton, na campanha de 1992, ele proclamava que era na web que o futuro dos EUA seria traçado. Ele estava certo.

Por isso, agora que Gore lançou a Current TV, vale ouvir o que ele tem a dizer. O conceito é simples: descarregar conteúdos novos, originais e bem feitos da web, selecioná-los, organizá-los e levá-los à TV.

PERGUNTA – O sr. falou da ‘democratização da mídia’. É algo além de um avanço interessante?

AL GORE – O vídeo, sob a forma da televisão, é de longe a mídia mais poderosa de nossa cultura, e a internet é a mídia mais acessível. Quando ambos se juntam, coloca-se mais poder nas mãos de cidadãos que têm acesso à criação e distribuição de TV via internet. Acho que isso tem um potencial enorme.

PERGUNTA – Quando o sr. começou a falar da superinfovia, era jovem. O sr. tem certeza de que vai testemunhar a próxima grande novidade?

GORE – Você tem razão quando diz que, nesta revolução acelerada da mídia, os jovens freqüentemente estão na vanguarda, de forma que eu jamais posso esperar estar. Tenho três netos, e eles usam o console de videogames Wii. São hiperversados nas novas tecnologias.

PERGUNTA – O sr. já tentou usar um Wii? Eu não consigo.

GORE – Eu também não. Mas acho que as interações dessas grandes forças -o vídeo e a internet- em nossa sociedade são visíveis, não importa qual seja nossa idade. E, se você tem experiência em trabalhar com elas, às vezes [mais] idade pode ser uma vantagem, por proporcionar perspectiva. Essa relação entre TV e democracia é algo sobre o qual venho refletindo desde que era estudante em Harvard. Se fosse uma idéia que me tivesse vindo recentemente, aos 60 anos, já poderia ser visto com desconfiança.

PERGUNTA – Alguns dizem que a televisão está perdendo importância.

GORE – Em duas gerações nós, nos EUA, passamos de zero tempo assistindo TV para uma média 4,5 horas por dia. Que outra atividade ocupa tantas horas por dia, exceto dormir?

PERGUNTA – O que o sr. não gosta na televisão?

GORE – Ela é feita sobretudo por um grupinho pequeno de pessoas. Ela não tem, hoje, o efeito democratizador que exerceu a revolução da imprensa. É por isso que acredito na Current TV. Ela permite às pessoas se comunicarem pelo meio mais poderoso, por meio de uma rede que é a mais aberta. Acho que ela poderá infundir vida nova ao processo democrático. Uma parte grande demais da televisão americana é movida pelo mínimo denominador comum: comandar uma audiência de massa, sem prestar atenção suficiente à natureza e à qualidade dos programas.

PERGUNTA – O sr. disse que as emissoras de TV têm uma obsessão mórbida por um popstar que dirige seu veículo embriagado e freqüenta clubes da moda, num momento em que a questão em pauta é a das mudanças climáticas e que populações inteiras ainda estão sendo torturadas. Mas não é fato que o público quer saber tudo sobre os popstars bêbados e pouco sobre a tortura?

GORE – Não há dúvida de que há na cultura ocidental uma obsessão por notícias sobre celebridades. Um exemplos grotesco disso nos EUA foi a cobertura da autópsia de Anna Nicole Smith [ex-coelhinha da Playboy, em 2007]. Acho que é um sistema que se auto-alimenta. O ingrediente que está fazendo falta é abrir as portas e janelas. Deixar que entrem indivíduos e criem algo mais interessante.

PERGUNTA – O que a Current TV vai exibir?

GORE – Não sei. Vai vir deles.

PERGUNTA – O sr. volta à política?

GORE – Provavelmente não. Não excluí essa possibilidade por inteiro, mas não a prevejo.

PERGUNTA – O sr. acha que essa incerteza prolongada em torno de Hillary Clinton e Barack Obama pode prejudicar os democratas [na eleição presidencial] em novembro?

GORE – É possível que sim. Não sei. Mas tendemos a subestimar a capacidade do Partido Democrata de curar as divisões abertas durante as primárias.

PERGUNTA – Qual vem sendo seu espírito ao acompanha a disputa?

GORE – Sinto-me como um alcoólatra em recuperação que mergulhou numa bebedeira e se vê cercado de garrafas vazias.

PERGUNTA – Falemos da Olimpíada. Como convencer os chineses a não desperdiçarem a chance de se tornarem um país mais aberto?

GORE – O dalai-lama é a favor de Pequim sediar os Jogos. Eu também. Quem se sente ultrajado pelas injustiças no Tibete deve prestar atenção ao que diz o dalai-lama. Mas também é bom que quem discorda da política chinesa se faça ouvir.

PERGUNTA – O sr. irá a Pequim?

GORE – Não planejava ir. Não tenho um papel a exercer ali. Mas não estou cancelando minha viagem a título de protesto, eu não pretendia ir de qualquer maneira. Mas acho que é um grande erro a China fazer o que está fazendo no Tibete.

PERGUNTA – Recentemente o sr. disse que 75% dos americanos crêem que Saddam Hussein estivesse por trás do 11 de Setembro e que isso justificaria invadir o Iraque.

GORE – As mudanças na ecologia da informação são responsáveis por isso. De onde vem a informação? Como ela é processada? Como é distribuída? Quem participa desse processo? Até que ponto o processo é aberto? Quando a tipografia foi introduzida, ela lançou uma revolução no acesso à informação, até então controlado pelas elites. Com a transmissão de rádio e TV, isso ainda não aconteceu. Nos EUA, 80% dos gastos das campanhas são com anúncios de 30 segundos. Será que isso é coincidência? Um ex-premiê esteve numa reunião com Vladimir Putin. Ele me contou que ouviu o seguinte: ‘Quem se importa com o que sai nos jornais? É a televisão que importa.’ Acontece que a sede de poder cresce e que hoje o Kremlin controla também jornais, enquanto a TV não passa de hagiografia de Putin.

PERGUNTA – E a moral é?

GORE – As imagens atraem o cérebro humano desde que nossa espécie surgiu. É possível que algum dia a era das palavras seja vista como um parênteses. Se a TV estivesse ligada agora, enquanto conversamos, mesmo com o som desligado, nós nos distrairíamos com as imagens. Uma parte grande de nosso cérebro nos diz: ‘Isso pode ser uma onça!’. Apesar de não existirem onças no hotel.

BEPPE SEVERGNINI é colunista do jornal italiano ‘Corriere della Sera’ e autor de vários livros; esta entrevista foi distribuída pelo ‘New York Times’

Tradução de CLARA ALLAIN’

 

REINO UNIDO
Pedro Dias Leite

Mulher de Blair ataca sucessor Brown em livro de memórias

‘Memórias de todos os cantos voltaram nas últimas semanas para atormentar o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, no momento mais frágil de seu curto e cada vez mais ameaçado governo à frente do Reino Unido.

Em pouco mais de uma semana, três relatos pessoais de gente influente no Partido Trabalhista vieram à tona -e o que têm em comum é a crítica escancarada, pessoal ou profissional, a Brown, que ainda convalesce de uma surra nas eleições locais britânicas. Sob sua liderança, os trabalhistas tiveram o pior resultado em 40 anos e perderam a jóia da coroa, a Prefeitura de Londres, para os conservadores.

O livro de memórias que causou mais estrago foi o de Cherie Blair, mulher do ex-primeiro-ministro Tony Blair (1997-2007), antecessor de Brown, que o ataca por todos os lados.

No lado político, Cherie diz que Blair só não deixou o governo antes porque temia que Brown, então ministro da Economia, não levasse adiante reformas que ele considerava fundamentais para o país. E acusou o atual premiê de ‘balançar as chaves sobre a cabeça’ de Blair, num sinal de que era hora de o primeiro ministro sair do número 10 de Downing Street e abrir lugar para ele.

Blair e Brown tiveram uma relação conturbada mas de mútua dependência desde início dos anos 90. Os dois disputavam o poder dentro do Partido Trabalhista, mas ao mesmo tempo foram fundamentais para o sucesso um do outro.

As acusações vêm num momento especialmente ruim para Brown. Num sinal do profundo racha dentro do partido, alguns membros já defendem que Brown não seja o candidato trabalhista nas próximas eleições gerais, que têm de ocorrer até junho de 2010.

Mas o pior dos relatos de Cherie ficou para o lado pessoal, com descrições pormenorizadas de fazer corarem até os editores dos sensacionalistas tablóides britânicos.

Entre outras acusações, a mulher de Blair insinua que foi Brown quem vazou para a imprensa que ela estava grávida do terceiro filho, um segredo muito bem guardado do casal.

Cherie -que conta até que esse terceiro filho foi concebido num palácio real porque ela ficou com vergonha de levar anticoncepcionais, já que serviçais reais desfazem até a nécessaire dos convidados- se surpreendeu porque sempre se esforçou por manter a privacidade durante os anos no poder.

O que explica a mudança radical, dizem os críticos, são interesses financeiros: ela teria recebido 1 milhão de libras (R$ 3,3 milhões) pelas memórias. A publicação foi antecipada e o livro, previsto só para o final do ano, foi divulgado em partes nos jornais ‘The Times’ e ‘The Sun’. A obra, ‘Speaking For Myself’, chegou às prateleiras há dez dias (e pode ser encomendada pela internet).

As memórias de Cherie se somam a dois outros relatos recentes, de John Prescott, ex-vice-primeiro-ministro por dez anos, e de Lord Levy, antigo confidente de Blair.

Prescott acusou Brown de ser instável e de muitas vezes ‘explodir como um vulcão’, o que causaria dificuldades com sua equipe. Ele chegou a aconselhar Blair a demitir Brown.

Já Levy disse que nem mesmo Blair confia numa vitória eleitoral de Brown contra o líder dos conservadores, David Cameron. Blair negou.

Um porta-voz do atual primeiro-ministro disse ter ficado ‘chocado’ com as recentes revelações e contestou todos os relatos. Em entrevista coletiva, Brown afirmou: ‘Eu gostei de trabalhar com Tony Blair e com sua mulher, e não tenho nada a não ser elogios pelo que os dois fizeram por esse país’.’

 

CINEMA & TEATRO
Daniel Bergamasco

Hits de Hollywood reduzem risco de peça na Broadway

‘Os espetáculos da Broadway bateram no ano passado o seu recorde de faturamento, US$ 938 milhões, apesar do estouro da crise imobiliária e da greve de funcionários que tirou da indústria uma de suas semanas mais rentáveis, a do Dia de Ação de Graças.

Grande parte dos shows que ancoraram esse sucesso tem em seu DNA histórias testadas antes no cinema, como ‘O Rei Leão’, ‘A Pequena Sereia’, ‘Spamalot’ (baseada em ‘Monty Python em Busca do Cálice Sagrado’), ‘Xanadu’ e ‘Cry Baby’, em uma tendência oposta à tradição, em que os hits da Broadway ganham versão em Hollywood, como ocorreu com ‘A Noviça Rebelde’, ‘My Fair Lady’ e ‘Chicago’.

Em breve, ‘Shrek’, ‘Homem-Aranha’, ‘O Diabo Veste Prada’ e outros sucessos estrearão como musicais. Para Kristin Caskey, ‘na casa dos 30 anos’, principal executiva da Fox Theatricals, produtora de musicais de sucesso como ‘Legalmente Loira’ (também clonado de Hollywood, e não do livro que inspirou o filme), a tática é necessária para diminuir os riscos diante da competição de entretenimento mais barato e até gratuito, como a internet.

Além disso, o dólar desvalorizado atrai turistas estrangeiros que, segundo ela, costumam se informar mais superficialmente sobre as peças em cartaz e optam pelo que lhes parece mais familiar. A seguir, trechos da entrevista com Caskey.

FOLHA – Mesmo com greve e desaquecimento do consumo nos EUA, a Broadway bateu o recorde de receita em 2007. O que deu tão certo?

KRISTIN CASKEY – Tivemos um recorde no Natal que tem a ver com o fato de que fomos muito comunicativos sobre as peças desde o minuto em que a greve acabou. A greve foi difícil, tirou -nos a semana do feriado do Dia de Ação de Graças, que costuma ser muito, muito importante para a nossa indústria. O fato de o inverno não ter sido tão rigoroso também ajudou.

FOLHA – ‘Legalmente Loira’ é exemplo da inversão do ciclo de inspiração da Broadway. Antes as peças, em geral, inspiravam Hollywood, e agora elas se inspiram em Hollywood. O que aconteceu?

CASKEY – Todos os produtores adoram lançar textos originais. Hoje é mais difícil isso ocorrer. Grande parte das peças se baseia em livros, e os livros que têm algo que possa ser transformado em longa ou peça são rapidamente licenciados para filmes. Hollywood tem significativamente mais dinheiro que a Broadway pode pagar. Então, quando temos acesso a esses projetos, isso acontece depois de os estúdios de cinema já terem começado a adaptá-los.

FOLHA – Mas há tantos livros no mundo…

CASKEY – Sim, há muitos livros que não foram licenciados. O que acontece é que colocamos tanto dinheiro em um musical e trabalhamos com uma possibilidade pequena de que aquilo não seja bem-sucedido. Se você tem uma marca reconhecida, será muito mais fácil conseguir aquele ‘momentum’.

FOLHA – As marcas conhecidas afastam o risco?

CASKEY – Ainda há uma quantidade de risco envolvido, mas você tem muito mais acesso entre o público. ‘Legalmente Loira’ é um filme muito bem aceito, as pessoas conhecem a marca, conhecem a história. Se elas gostaram do filme, provavelmente vão querer comprar esse ingresso. Se você parte de uma idéia original ou de um livro pouco conhecido, precisará de muito mais trabalho para atrair público, especialmente se está competindo com peças baseadas em grandes marcas.

FOLHA – Mas sempre houve disputa entre produtores. O que mudou?

CASKEY – Não existia tanta competição pelos olhos das pessoas, com televisão, videogames, filmes na internet. E você está pedindo que as pessoas paguem de US$ 85 a US$ 220 por um ingresso. Fizemos uma reunião de espectadores para avaliar ‘Legalmente Loira’ e eles disseram que, se conhecem algo da história, se têm alguma relação com o produto, ficarão mais inclinados a comprar o ingresso do que se escolherem às cegas. Eles não se arriscam, o ingresso é caro. Com turistas internacionais, especialmente. Fazer uma peça ser reconhecida por si mesma também é uma alegria, claro, mas é um grande desafio, é difícil. É uma tendência que veio para ficar.

FOLHA – Há críticas sobre a criatividade, mas, como negócio, o modelo está funcionando…

CASKEY – Nós, os produtores de teatro, tivemos uma convenção recentemente em que falamos sobre como a Broadway está ativa hoje em dia e como tantos shows estão tendo uma presença internacional enorme. E, para cada teatro que está agendado, há três ou quatro shows esperando para serem exibidos. Sentimos que a Broadway está em um período muito saudável. O que amo a respeito é que estamos buscando maneiras de a Broadway ser uma idéia global.

FOLHA – Como isso é possível?

CASKEY – Há franquias de shows como ‘Mamma Mia’, que começou em Londres e veio para a Broadway, que são um sucesso pelo país e que agora estão tendo montagens internacionais. A peça está sendo montada no Japão, na Austrália e na Alemanha, e as produções têm uma conexão com a Broadway. E assim tornamos global o entretenimento ao vivo, para as pessoas verem a mesma peça, ao mesmo tempo, em várias partes do mundo.

FOLHA – Há crise de criatividade na Broadway? É certamente muito mais difícil construir uma peça a partir de um livro do que de um produto audiovisual estabelecido…

CASKEY – Ainda assim há muito trabalho de adaptação. Nenhuma das músicas vem do filme; então o tom musical sempre tem de ser criado, é um trabalho significativo. Você tem de descobrir como cada personagem vai soar no palco, o que manter do filme, o que criar. É muito trabalho, mesmo partindo de um conceito que já existe.

FOLHA – Qual filme nunca poderia ser transformado em peça?

CASKEY – Humm… Não sei. Provavelmente filmes que vêm de um gênero de ação mais pesado, como ‘Matrix’. Seria muito difícil criar todo aquele ambiente. Mas nunca diga nunca. Uma das coisas extraordinárias é quando shows que você nunca poderia esperar que dessem certo funcionam. Comentávamos outro dia sobre ‘Xanadu’, de como o sucesso da peça superou as expectativas, de como conseguiram transformar um dos piores filmes de todos os tempos em um musical viável.

FOLHA – Como uma empresa que depende de idéias lida com o assédio de novos criadores?

CASKEY – Há milhares de idéias chegando. Nós procuramos projetos que sejam comerciais, que tenham uma longa vida e pelos quais nos apaixonamos. Há festivais em que se apresentam 50 projetos em um dia. Tenho grande respeito por alguém que cria, mas há tanta gente, é difícil selecionar.

FOLHA – A senhora é assediada diretamente por atores e criadores?

CASKEY – Houve um cavalheiro uma vez que queria muito ser escalado para uma peça e escreveu uma carta à mão para todos os produtores da Broadway dizendo o que fez no passado e que queria ser visto. Não sei o que aconteceu com ele. Quem escolhe atores é o diretor de ‘casting’, que contratamos para isso. Diretores de ‘casting’ fazem testes, há espaço para gente nova se apresentar. Então não é que só entra quem já está na Broadway, mas há um caminho a seguir, não adianta nos contatar diretamente.

FOLHA – Quando uma produtora lança um musical, ela já planeja quanto vai durar, aproximadamente, a temporada da peça?

CASKEY – Nós sempre queremos que nosso show dure para seeeeempre. Mas também sabemos que não é possível saber. Depende de muitos detalhes, como prêmios que a peça recebe, e o que determina a longevidade do show é se o público está contando aos amigos que gostou. Tem também muito a ver com a demografia do show. Há alguns shows que são fantásticos, mas falam para uma porção específica do público, que se esgota.

Os que duram muitos anos em cartaz trazem gente de Nova York, de Ohio, do Brasil, falam para a família, falam para todo o mundo. Qualquer musical que fica em cartaz por três anos e meio pode ser considerado um grande sucesso. E aí você tem as anomalias que chamamos de megahits, que são os shows que viajarão pelo tempo, o que é muito raro acontecer.’

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Programa Silvio Santos volta com pegadinha e aviãozinho

‘Clássico da TV dos anos 70 e 80, símbolo do tédio e da breguice nacional cantados pelos Titãs, o ‘Programa Silvio Santos’ volta ao ar em junho. Ocupará três horas da programação dominical vespertina do SBT.

Como nos velhos tempos, o programa terá pegadinhas e a célebre frase ‘Quem quer dinheiro?’, dita pelo apresentador, enquanto dispara ao auditório aviõeszinhos feitos de notas de R$ 50 e R$ 100.

‘A gente está retornando com um pouco de tudo o que já teve no programa, com uma roupagem nova’, anuncia o diretor-geral Roberto Manzoni, o Magrão, que iniciou a carreira na década de 70 dirigindo o ‘Domingo no Parque’, uma das atrações históricas do ‘PSS’.

A Folha teve acesso com exclusividade ao conteúdo do programa. Eis alguns quadros:

‘Câmera Escondida’: as velhas pegadinhas voltam reformuladas. Só vão ao ar aquelas cujas vítimas autorizam.

‘Gincana do Parque Aquático’: o SBT está reeditando provas que fizeram sucesso nas ‘Olimpíadas do Faustão’, como a do rolo (o competidor tem que andar sobre rolos).

‘Sucessos de Ontem e de Hoje’: artistas consagrados cantam seus primeiros sucessos e os atuais. Zezé Di Camargo e Luciano já gravaram.

‘Jogo dos Casais’: casais famosos e anônimos respondem a perguntas sobre os parceiros.

‘Game entre Pais e Filhos’: pais respondem a perguntas de conhecimentos gerais e específicas sobre seus filhos.

‘Quem Quer Dinheiro?’: ator vai aumentando oferta em dinheiro até transeunte aceitar desafio proposto.

SELEÇÃO 1

O diretor da Globo Jayme Monjardim está fazendo testes com atores desconhecidos para compor o elenco de ‘Maysa’, minissérie que contará a história de sua mãe, a cantora Maysa, no ar em 2009. A idéia é mostrar caras novas, mas não necessariamente inexperientes.

SELECÃO 2

Segundo Manoel Carlos, que escreve os três últimos dos nove capítulos da produção, haverá apenas 11 personagens fixos. A maioria é de pessoas da família Matarazzo, como o próprio Jayme, além do produtor e compositor Ronaldo Bôscoli.

Pergunta indiscreta

FOLHA – Você fala sério quando diz que será a maior comunicadora do país? O que quer dizer quando afirma que tem algo que 99% dos apresentadores não tem? Esse ‘algo’ é de ouro? MARIA CÂNDIDA (apresentadora) – Eu não disse isso. Disse, sim, que estou trabalhando muito, sonho e pretendo ser a maior comunicadora do país. Venho com base sólida jornalística e isso agrega à carreira. A grande maioria das apresentadoras, hoje na TV, vem do meio artístico.

MANU POR MANU

A baiana (quase sem sotaque) Emanuelle Araújo, 31, ainda vai dar muito o que falar. A atriz e cantora terá seu primeiro trabalho de destaque na TV. Dará vida à garota de programa Manu em ‘A Favorita’ (Globo). ‘Por acaso, meu apelido também é Manu. Agora tem a Manu da realidade e a da ficção’, brinca. ‘A Manu [da ficção] é ambiciosa, hedonista, quer se dar bem. Mas é bem resolvida, não tem o menor grilo com a profissão’, conta. Já a Manu da realidade é atriz desde os 10 anos e vocalista da banda de MPB pop Moinho, projeto que compartilha com a percurssionista Lanlan (ex-Cássia Eller). Nove anos atrás, Manu substituiu Ivete Sangalo na Banda Eva.

MÃE DE MUTANTE

A ex-’Chiquititas’ Flávia Monteiro virou mãe de mutantes. É assim que ela vai aparecer em ‘Os Mutantes’, a continuação de ‘Caminhos do Coração’. Vivi (foto), sua personagem, é misteriosa, elegante e problemática -ela se deprime facilmente. É a mãe de Ângela (Julia Maggessi), a menina com asas, Clara (Shaila Arceni), menina que tem poder de curar, e Eugênio (Pedro Malta), o menino gênio. Ela abandonou as crianças e reaparece agora reivindicando a guarda delas, o que irá perturbar o pai, o insosso Guiga (Eduardo Lago).’

 

 

Bia Abramo

Dramaturgia estaciona, marketing avança

‘AGUINALDO SILVA vem dizendo e repetindo, para quem quiser ouvir, que ‘Duas Caras’ é uma novela não-convencional, que ‘atropela com extremo vigor todos os padrões estabelecidos para o gênero […].

Wolf Maya me diz todos os dias que, depois de ‘Duas Caras’, a telenovela nunca mais será a mesma’ (bloglog.globo.com/aguinaldosilva; texto publicado em 28 de abril de 2008). Ele tem razão, mas não quanto à teledramaturgia.

Nesse terreno, tudo o que o autor aponta como ‘inovador’ já foi explorado por outros autores, inclusive por ele mesmo. A grande inovação do gênero se deu lá pelos anos 70, quando as tintas de um certo realismo nacionalista se misturaram ao melodrama.

Foi no entorno da novela que Aguinaldo Silva criou um fato novo, uma espécie de novela da novela por meio das intervenções no seu blog. Não chega a constituir novidade que autores e emissoras usem um certo jornalismo de TV para promover programas que não vão bem, antecipar finais, criar expectativa sobre o desenrolar da trama. Mas desta vez, o próprio escritor assumiu essa tarefa.

Assim, a repercussão da novela, além de ser medida, pôde ser manipulada mais diretamente e com mais agilidade e eficiência do que seria pelos meios tradicionais. Os leitores-comentadores do blog serviram de espelho e termômetro para o autor, que soube aproveitar muito bem aquilo que mediu.

Jornalista que foi, Aguinaldo Silva tem faro para a notícia. Soube provocar e/ou aproveitar cada oportunidade de chamar a atenção para si mesmo e para a novela, além de defender-se das opiniões desfavoráveis à sua trama e espalhar as que são favoráveis.

Além disso, essa estratégia de comunicação contribuiu para que ‘Duas Caras’ fosse uma novela politizada como há tempos não se via. Claramente identificado com um certo pensamento antiesquerda, Aguinaldo Silva usou tanto personagens e diálogos como o blog para veicular suas críticas difusas e acerbas. Surfou na polarização política, que tem na blogosfera uma de suas mais eloqüentes vitrines, e arrebanhou não apenas fãs da novela, mas seguidores de seu ideário. Não faz mal que esse ideário fosse confuso; era enfático, que é o que basta para que seguidores e detratores apareçam de todos os pontos da internet.

O vigor empregado por Aguinaldo Silva no marketing de ‘Duas Caras’, embora traga a marca inequívoca do cabotinismo, provou-se mesmo muito eficiente. De fato, depois disso, a telenovela não será mais a mesma.’

 

Folha de S. Paulo

Fox exibe 19ª temporada dos ‘Simpsons’

‘Com participação de Lionel Richie, ‘Os Simpsons’ tem sua 19ª temporada exibida a partir das 20h30 de hoje, na Fox. O canal pago estréia ainda outras três séries de animação.

Emblemático em sua caracterização da sociedade norte-americana e funcionando como parâmetro até para William Bonner, ‘Os Simpsons’ tem neste primeiro episódio, além de Lionel Richie, ‘participação’ do comediante e ator norte-americano Stephen Colbert (do programa de TV ‘The Colbert Report’).

‘Os Simpsons’ estrearam na TV norte-americana em dezembro de 1989 (no Brasil, passou a ser exibido em 1991). Desde então, o seriado criou e recriou piadas em torno da tosquice de Homer, da esperteza de seu filho Bart… Para alguns, já envelheceu faz tempo; para muitos, os roteiristas da série ainda conseguem arrancar ironias finas e sacadas criativas.

No primeiro episódio, o sr. Burns quase se afoga num chafariz, mas é salvo por Homer. Em retribuição, ele leva Homer para uma viagem a Chicago, a bordo de seu jato particular.

Embasbacado com o jatinho, Homer decide nunca mais viajar em vôos comerciais. Assim, decide procurar emprego em que consiga viajar em jatinhos. Para isso, contrata um assessor, Colby Kraus -interpretado por Colbert.

O episódio foi visto por mais de 9 milhões de espectadores nos Estados Unidos.

Na 19ª temporada, que já foi exibida nos EUA, ‘Os Simpsons’ continuam a fazer caracterizações de personalidades conhecidas -Placido Domingo, Matt Dillon, Julia Louis-Dreyfus, Alan Moore, Jack Black, Jon Stewart, Dan Rather, Topher Grace, Matt Damon, Glenn Close e Amy Winehouse, entre outros, passearão por Springfield.

Modelo

Os ‘Simpsons’ serviram de modelo para a maioria das séries em animação que vieram a seguir na TV, como as três que a Fox exibe neste domingo.

Às 21h, o canal coloca no ar o primeiro episódio de ‘Uma Família da Pesada’, em que uma família e seu cachorro falante destilam referências num ritmo acelerado, com um humor cáustico e, para muitos, ‘norte-americano demais’.

Em seguida, às 21h30, é a vez da nova temporada de ‘American Dad’, criação de Seth MacFarlane -o mesmo de ‘Uma Família da Pesada’.

‘American Dad’ gira em torno de Stan Smith, um agente da CIA paranóico, e de sua família -além de um alienígena que vive com eles.

Por fim, às 22h, o canal exibe ‘O Rei do Pedaço’, em seu 11º ano. A atração foi criada por Mike Judge (de ‘Beavis & Butthead’) e por Greg Daniels (roteirista dos ‘Simpsons’) em 1997. O seriado é outro que faz uma sátira ao ‘American way of life’, voltando o foco para uma família chefiada por um pai conservador.’

 

Cristina Fibe

Programa exibe vida e morte no mar

‘Considerado o ‘mais real’ dos reality shows, ‘Pesca Mortal’ não retrata a caça a um animal perigoso -o ‘mortal’ do título refere-se aos perigos do mar do Alasca, que coloca em risco os pescadores durante a perseguição a caranguejos.

A pesca acontece há décadas, mas foi há quatro anos que o Discovery Channel teve a idéia de acompanhar os cerca de 30 dias por ano que os homens passam no mar.

O canal convenceu os protagonistas -que dizem ser contra o ‘exagerado’ título- a deixarem ‘um registro do trabalho para os netos’, alistaram seus câmeras mais experientes em situações extremas (são dois por barco) e, desde 2005, já lançaram quatro temporadas em que mostram a rotina de até seis barcos em alto-mar.

Isso inclui momentos entediantes, mas também resgates arriscados, helicópteros da guarda costeira e até mortes -no primeiro ano, as câmeras registraram naufrágio de um barco (não-participante do ‘Pesca Mortal’) do qual apenas um pescador escapou.

Na temporada atual, que estréia na terça, às 21h, a maior atração será Phil Harris, 51. O capitão do Cornelia Marie acabou adoecendo e quase morreu durante a viagem. Sem parar de fumar, ele conta que o canal ficou 24 horas ao seu lado mesmo quando foi internado. Foram os perigos que conquistaram a audiência nos EUA, onde ‘Pesca Mortal’ já foi indicada a sete Emmys (em 2006 e 2007, inclusive ao de melhor série de não-ficção).

Não é difícil imaginar que o programa mexeu a vida dos participantes. Além de serem celebridades, os capitães lidam com ciúmes da própria equipe e dos mandantes dos cerca de 75 barcos que também pescam caranguejos, mas que ficaram de fora da ‘seleção’.

Os personagens admitem gostar da fama, mas dizem que as jóias, os carros esportivos vermelhos, tudo já estava lá, mesmo quando viviam só da pesca, pois ela pode render cerca de US$ 75 mil em um mês.

‘Alguns têm atitude de ‘rock star’, afirma Keith Colburn, capitão do Wizard. ‘Tem gente que pensa: ‘Legal, vou estar na TV’. Mas eu acho que a equipe tem sorte de estar no nosso barco’, diz Sig Hansen, do Northwestern, a jornalistas de Europa, Ásia e América Latina em visita a seu barco.

Hansen diz que o assédio constante o incomoda, mas que não se ‘pode comprar esse tipo de propaganda. Há frutos do mar por todo lado!’.

Hoje acostumados com a presença dos cameramen, que chegam a trabalhar 40 horas seguidas, os pescadores já se metem a dirigi-los. ‘Somos competitivos. Quero que minha equipe ganhe mais espaço na TV. Se vejo uma grande tomada, aviso’, diz Colburn. Mas eles juram que o Discovery não se intromete na pesca em benefício do programa. ‘Sou pescador! Eles não podem me forçar a fazer nada!’

PESCA MORTAL – 4ª TEMP.

Quando: estréia nesta terça, às 21h

Onde: no Discovery Channel

A jornalista CRISTINA FIBE viajou a convite do Discovery Channel’

 

Lucas Neves

‘Tirei o folhetim de camisa-de-força’

‘Não teve jeito: apesar de seus personagens ímpares (galã negro favelado, herói ‘torto’ -Marconi Ferraço- e protagonista cheio de nuances, ‘sem nada de melodramático’, como observa o doutor em teledramaturgia Mauro Alencar), ‘Duas Caras’ chega ao fim no próximo sábado com histórias de bastidores mais quentes do que a trama propriamente dita.

Troca de farpas com a imprensa via blog e afastamento temporário do comando da novela, além de um enredo sobre filha bastarda semelhante ao do seriado ‘Brothers and Sisters’, colocaram o autor Aguinaldo Silva na ribalta por boa parte dos oito meses em que o programa ficou no ar.

Apesar disso, em entrevista por e-mail à Folha, ele avalia que ‘Duas Caras’ foi sua melhor novela, tirando ‘o folhetim de uma camisa-de-força’. Também reclama do que vê como preconceito da mídia em relação à TV (‘não existem críticos’) e afirma que a decisão de mostrar ou não o tal ‘beijo gay’ entre Bernardinho (Thiago Mendonça) e Carlão (Gui Palhares) é da Globo.

FOLHA – Que balanço você faz de ‘Duas Caras’? O que funcionou e o que gostaria de ter feito diferente?

AGUINALDO SILVA – Um balanço altamente positivo. Durante os oito meses em que esteve no ar, ‘Duas Caras’ foi o programa de maior audiência da televisão brasileira. Eu faria tudo de novo e com o mesmo prazer que senti agora. Não faria nada diferente nessa que, para mim, foi a minha melhor novela.

FOLHA – Quem você apontaria como a revelação da novela?

SILVA – Não é que eles sejam estreantes; são atores já conhecidos. Mas eu apontaria o trio Marjorie Estiano-Dalton Vigh-Alinne Moraes como revelação. Pois ‘Duas Caras’ teve o privilégio de mostrar o quanto esses três atores amadureceram e se tornaram grandes. Não posso deixar de citar dois menos experientes: Thiago Martins e Juliana Alves. Ela calou de uma vez por todas o preconceito (meu, inclusive) em relação às pessoas que saíram do ‘BBB’.

FOLHA – No início deste ano, você afirmou, em seu blog: ‘Em ‘Duas Caras’, em vez de ibope, o que eu queria era dar a minha contribuição para a renovação do gênero’. Deu?

SILVA – Eu tenho a veleidade de achar que, com ‘Duas Caras’, tirei o folhetim de uma camisa-de-força, feita à base de regras pré-estabelecidas, que vinha sufocando o produto e tornando-o cada vez menos interessante. ‘Duas Caras’ não foi um folhetim, e sim uma crônica escrita no calor da hora. Ela chutou o pau da barraca das convenções e, por isso, causou certo estranhamento no começo. Mas, da metade para o fim, como esperava, os telespectadores embarcaram na proposta.

FOLHA – Em novembro do ano passado, ao tirar férias da novela, você disse que talvez assim escapasse ‘do assassinato cultural do qual estava prestes a ser vítima’. Os homicidas são os críticos? Se não, o que seria esse assassinato? Por que, afinal, decidiu tirar férias?

SILVA – Primeiro: não existem críticos de televisão. Embora o veículo tenha uma importância transcendental na vida brasileira, é considerado ‘pequeno’ demais pela mídia para merecer algum tipo de crítica. Para compensar isso, como precisa falar de um assunto que é sempre tão importante na vida das pessoas, a mídia prefere seguir pelo caminho mais fácil do disse-me-disse, do boato, do comentário maldoso e da fofoca. Quando eu falo em ‘assassinato cultural’, é isso: a norma segundo a qual é preciso desmerecer o trabalho dos profissionais de televisão a qualquer preço, nem que seja à custa de uma invasão descarada da vida pessoal deles. Decidi tirar férias porque sabia que isso causaria um trauma quase impossível de superar no andamento da novela, e assim dei o meu recado: ‘Não me encham o saco!’.

FOLHA – O uso de seu blog para replicar comentários de jornalistas e divulgar detalhes sobre capítulos futuros, somado à polêmica em torno de seu afastamento temporário da novela, fez de você o protagonista da novela? Ela foi mais interessante na internet do que na televisão?

SILVA – A novela na internet foi alimentada o tempo todo pelo grande interesse em torno da novela na TV. Da mesma forma, o noticiário sobre ‘Duas Caras’ foi alimentado por esse interesse. O que eu fiz no blog é novo e deveria ser saudado como tal. Mas não: por toda a parte, houve choro e ranger de dentes. O fato de ser o autor o primeiro a dar as novidades sobre sua novela deixou muita gente em polvorosa. Fui acusado de ‘querer aparecer mais do que a novela’, mas isso não é verdade.

FOLHA – Você disse que escreveria a cena; para a direção da TV Globo, ela não deverá ser gravada. Afinal, haverá um ‘beijo gay’ no fim de ‘Duas Caras’?

SILVA – Não compete a mim responder a essa pergunta, e sim à TV Globo. A cena foi escrita. E eu a cerquei de cuidados para que viesse a ser realizada. Não é um beijo sensual: os dois se beijam, atendendo aos pedidos dos convidados, no final da cerimônia em que assinam em cartório um contrato de união civil. O beijo é aplaudido pelos presentes, a maioria dos personagens da novela. Eu escrevi a cena porque me senti na obrigação de escrevê-la. Mas atenção: o autor não é o dono da novela; o dono da novela é quem a produz -a TV Globo. E se alguma coisa deve ir ao ar ou não, é só ela quem decide, sem que isso venha a me provocar qualquer trauma.

FOLHA – Pretende escrever outras novelas ou gostaria de se dedicar a projetos de duração menor, como minisséries e seriados?

SILVA – Eu adoro escrever novelas. E dessa vez, com toda essa brigalhada em torno de ‘Duas Caras’, me diverti mais do que nunca. Cada ‘chulapada’ que dei em alguém no blog ou em entrevistas foi justa e me deixou feliz da vida. Por causa disso, nunca fui tão feliz em toda a minha vida. Portanto, respondendo à pergunta: sim, vou escrever outras novelas. E faço desde já uma promessa: nelas, pretendo ser mais ‘nojento’ e mais ‘arrogante’ ainda.’

 

SEXO, CIDADE E CINEMA
Cristina Fibe

Qu4teto fantástico

‘‘Homem de Ferro’? ‘Indiana Jones’? ‘Batman’? ‘O Incrível Hulk’? Coisa de homem. Neste ano, nenhuma aposta de sucesso de Hollywood gerou tanta expectativa nas mulheres (e nos gays, diga-se) quanto o filme que dá seqüência à série ‘Sex and the City’, uma das mais bem-feitas e de maior sucesso na história da TV norte-americana.

A reunião de Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda, que tinham se separado em 2004 após seis anos juntas, chega às telas de cinema nos EUA, na próxima sexta; por aqui, no dia 6 de junho. Isso depois de enfrentar uma rotina de filmagem difícil: as externas eram sempre cercadas por numerosa platéia, em Nova York, o que chamou a atenção para o longa meses antes do lançamento.

Cada figurino registrado pelos paparazzi, cada cena captada pelos fãs ia prontamente parar nos inúmeros blogs e sites dedicados ao evento, alimentando as especulações sobre o que aconteceria às amigas em ‘Sex and the City – O Filme’.

Carrie se casa com Big? Charlotte, infértil no fim da última temporada, engravida? As amigas voltam a ser solteiras?

A Folha viu o filme e, sem estragar o desfecho, pode antecipar: de volta a NY depois de ser resgatada por Big (Chris Noth) da malsucedida mudança para Paris, a protagonista, Carrie (Sarah Jessica Parker), segue apaixonada, mas a intenção não é mostrar felicidade ‘para sempre’.

Mergulhada no relacionamento estável, com direito a proposta de casamento (que os fãs ainda não sabem se acontece, apesar do vestido Vivianne Westwood com que aparece em cenas jogadas na internet), ela continua insegura, aos 41, e os dramas começam a se insinuar logo que decide abandonar seu velho apartamento para morar com Big -o ex, aliás, agora tem nome, John.

De resto, a escritora continua trabalhando pouco e gastando muito, terreno fértil para o merchandising.

Miranda (Cynthia Nixon), a mãe trabalhadora, está no Brooklyn, vivendo com marido, filho e sogra, não muito feliz com a falta de glamour que a ronda. O roteiro dedica à personagem a segunda maior porção de drama.

Já Charlotte (Kristin Davis), casada e mãe adotiva de uma menina chinesa, está lá para apoiar as amigas e evitar que a filha escute as ‘barbaridades’ que continuam a falar à mesa.

Samantha (Kim Cattrall), célebre pela atividade sexual constante, está curada do câncer de mama e se muda para Hollywood, onde cuida da carreira do namorado ator.

Cattrall, aliás, é apontada como o motivo da demora para fazer o longa. O projeto se arrasta desde 2004 muito por conta da sua insatisfação com a proposta financeira inicial.

Sem diferenças marcantes em relação à série, o filme é um longo episódio, que mantém os elementos familiares aos fãs, como a narração em off de Carrie. O diretor e roteirista, Michael Patrick King, foi produtor executivo e um dos diretores da série. No longa, ele deixa no ar uma possível seqüência.

‘Não existe nenhum plano de fazer outro filme, mas existe o sonho. Não gostaria de deixar para sempre de viver essa personagem’, diz Sarah Jessica Parker em entrevista à repórter Teté Ribeiro nesta edição. Os produtores, no entanto, ainda não confirmam se haverá continuação.’

 

Teté Ribeiro

‘Eu faria isso pelo resto da minha vida’

‘Assim que ela chega à suíte do hotel Ritz Carlton, em Nova York, com um vestido bege sob um blazer cinza e um sapato altíssimo de uma cor entre o bege e o cinza, é impossível não se espantar com o tanto que Sarah Jessica Parker é pequena. Baixinha, magrinha, miúda. Ela diz que sofre para manter o peso e que tem de ficar atenta para não emagrecer demais.

Tem o cabelo lindo, comprido, brilhante, e olhos azuis-turquesa. E tem tanto carisma que, ao fim da entrevista, a repórter mal se lembra da mão enrugada que entrega os 43 anos que ela tem -e que não faz questão nenhuma de esconder. Veja, a seguir, trechos da conversa de Sarah com a Folha.

FOLHA – Desde o fim da série, você virou empresária, seu filho cresceu, você passou de uma mulher de 30 e poucos anos para uma de 40 e poucos. Foi difícil voltar a viver a Carrie?

SARAH – Meu marido e eu conversamos muito sobre isso. Tanto ele como eu já saímos de uma peça na Broadway e voltamos. No começo, parece que você nunca vai conseguir lembrar as falas, mas, aos poucos, tudo volta. Com o perdão do clichê, é como andar de bicicleta, você usa a memória muscular, algo que não parece estar disponível, mas que está quando você volta a praticar. Fizemos esses papéis por muito tempo.

Não houve nenhum ensaio para o filme, só teve uma leitura de texto, porque não tínhamos tempo. No começo, eu tinha náuseas, achava que estava fazendo tudo errado. Aos poucos, fui relaxando e deixando a Carrie voltar por conta própria.

FOLHA – Você estava feliz com o fim de Carrie na série?

SARAH – Achei maravilhoso. Aliás, toda a última temporada foi emocionante, a gente sabia que estava caminhando para a conclusão, e cada episódio era ao mesmo tempo um a mais e um a menos, a gente ria e chorava, foi uma montanha russa emocional. Não troco aquela experiência por nada. Se um dia eu disser que cansei da Carrie ou de ‘Sex and the City’, pode saber que estou mentindo. Eu faria isso pelo resto da vida.

FOLHA – A série teve poucos personagens negros, mas, no filme, Jennifer Hudson participa como sua assistente. Foi uma opção por causa das críticas que a série recebia por isso?

SARAH – Mais ou menos. Durante a série a gente prestava atenção a essas críticas, mas o [diretor] Michael Patrick King dizia que não adiantava tentar consertar uma situação forçando a barra. Era preciso um personagem que tivesse a ver com aquele universo. Ao fazer o filme, ele escreveu a personagem e disse que queria a Jennifer Hudson. Falei: ‘Entre na fila’.

Porque todos querem a Jennifer Hudson. Mas ela aceitou fazer um teste e foi uma surpresa para todos. Ela é linda, o que não dá para ver bem no filme ‘Dreamgirls’, porque ela faz a não-linda da banda. E queria o papel, então deu tudo certo.

FOLHA – Já tem gente especulando que o filme terá uma continuação. O quanto há de verdade nisso?

SARAH JESSICA PARKER – Não existe nenhum plano de fazer outro filme, mas existe o sonho. Não gostaria de deixar para sempre de viver essa personagem nem de deixar para sempre de trabalhar com essas pessoas. Se o público gostar desse filme, se o Michael Patrick tiver uma idéia tão boa quanto essa para um novo roteiro, tenho certeza de que ninguém vai dizer ‘não’. É raro um ator ter um trabalho tão prazeroso e relevante quanto ‘Sex and the City’. Mas, se tiver que acabar agora, terá sido uma trajetória maravilhosa.

FOLHA – O seriado é muito mais popular hoje do que no começo [os episódios foram vendidos a vários canais do mundo, que os reprisam]. Acredita que o filme sai na hora certa por causa disso?

SARAH – É assustador que a série tenha mais público agora. Antes, o público era muito selecionado, a gente falava quase de igual para igual. Agora, a série é vista por adolescentes, meninas que me reconhecem na rua e pedem autógrafo. Fico feliz e constrangida. Não fizemos uma série para adolescentes, há situações lá que acho que não são próprias para ninguém com menos de 30 anos, mas o público de hoje em dia tem 16, 18, 20 anos. Sou muito mais reconhecida hoje em dia do que quando gravava o seriado. Só agora entendi a dimensão de ser uma atriz famosa por uma série de TV. É ótimo. Não reclamo do sucesso, mas fico ressabiada.

FOLHA – Por que você acha que os gays gostam tanto da série?

SARAH – Não sei explicar racionalmente. Meus amigos gays adoram a série, quase tanto quanto minhas amigas, que se viam naquelas mulheres até mais do que eu. Acho que a mistura do diálogo muito franco e bem-humorado, somado à busca de um amor verdadeiro, com ótimo sexo e roupas incríveis, tem a ver com o estilo de vida dos gays. E a relação de uma mulher com seus amigos gays é tão profunda quanto a amizade com outras mulheres. Às vezes até mais, já que quase nunca entre uma mulher e um gay há a competição por outro homem. A maioria dos meus amigos é gay. Eles têm o dom de fazer uma mulher se sentir uma dama nos piores momentos.

FOLHA – Qual é a maior diferença entre você e a Carrie?

SARAH – Há milhões de diferenças, fizemos escolhas quase opostas na vida e temos histórias diferentes. Venho de uma família enorme, trabalhei desde criança, tenho um filho, sou casada há 16 anos. Antes disso tive só um relacionamento sério, por sete anos [com o ator Robert Downey Jr.]. Mas há semelhanças também, e a mais óbvia delas é a paixão por Nova York. A maior lição de Carrie para mim foi como ser uma amiga melhor. Adoro o tipo de amiga que ela é, gostaria de ser mais como ela nisso. Não sei como essas mulheres encontram tanto tempo para dedicarem às amigas. Acho invejável.

FOLHA – Você reconheceu em Carrie uma grande personagem assim que leu o roteiro do piloto da série?

SARAH – É engraçado e meio constrangedor ver aquele piloto. Mas aquela última cena, dela e do Mr. Big no carro, quando os dois têm uma longa conversa sobre o amor, me fez querer saber mais a respeito daquelas pessoas. Aquele final era tão rico, tão cheio de potencial, era irresistível. Mesmo assim, tive que ser convencida a aceitar o papel. Estava morrendo de medo de fazer uma série na TV.

FOLHA – O que deu tanto medo?

SARAH – Eu achava minha carreira maravilhosa antes da série [risos]. Fazia mais teatro, mas conseguia papéis em um filme ou outro, ganhava um dinheiro decente, o que poderia ser melhor? Tinha tempo de ver os amigos, jantava fora quase todas as noites… Era outro estilo de vida, mas eu adorava.’

 

ELOGIO
Elio Gaspari

Boa notícia

‘O retorno do economista Gustavo Franco ao jornalismo promete boas brigas. Mal ele estreou na Folha com um artigo condenando a criação do fundo soberano, seu colega Paulo Nogueira Batista, que escreve no mesmo jornal, chamou-o de ‘Napoleão de hospício’ que ‘escapou do asilo’. Franco e Nogueira Batista pensam de maneiras quase opostas, mas têm duas virtudes. Em primeiro lugar, estão dispostos a morrer pelas idéias que defendem, mesmo sabendo que não falta gente disposta a esganá-los. Além disso, sabem escrever.’

 

NEPOTISMO
Elio Gaspari

Anti-Dawwin

‘Durante os anos 70 o jornalista Hélio Costa, atual ministro das Comunicações, foi um jornalista bem sucedido e bem remunerado. Correspondente da TV Globo em Nova York, foi uma das estrelas do jornalismo do ‘Fantástico’ e soube cuidar do dinheiro que ganhou com sua atividade profissional. Quando se vê que seu filho, Eugenio Alexandre Costa, mordia R$ 2.650 mensais da bolsa da Viúva na qualidade de funcionário-fantasma do Senado, percebe-se que há um furo na teoria de Darwin. Assim como houve macacos que viraram homens, haverá homens que virarão macacos.’

 

CINEMA
Silvana Arantes

Curta brasileiro leva troféu em Cannes

‘O curta brasileiro ‘Muro’, de Bruno Bezerra, ganhou o troféu Regard Neuf (novo olhar) da Quinzena dos Realizadores, do 61º Festival de Cannes.

Também foram anunciados os vencedores da mostra ‘Um Certo Olhar’. O longa brasileiro ‘A Festa da Menina Morta’, de Matheus Nachtergaele, saiu sem prêmios. O ganhador foi ‘Tulpan’ (Sergey Dvortsevoy, Cazaquistão).

Já o júri da crítica preferiu o australiano ‘Hunger’ (fome), do inglês Steve McQueen. Entre os concorrentes à Palma de Ouro, a crítica escolheu o húngaro ‘Delta’, de Kornél Mundruczó. O júri ecumênico premiou ‘Adoration’ (adoração), do canadense Atom Egoyan.’

 

LUTO
Folha de S. Paulo

Escritor e terapeuta Roberto Freire morre aos 81 anos

‘O escritor e terapeuta Roberto Freire, criador da somaterapia, baseada nas teorias psicanalíticas do austríaco Wilhelm Reich (1897-1957), morreu na noite de sexta-feira, aos 81 anos, em São Paulo. A notícia foi divulgada ontem.

Em respeito a um pedido deixado em carta por Freire, não houve cerimônia fúnebre, e seu corpo foi cremado ontem, no cemitério de Vila Alpina. A família não divulgou a causa da morte. Freire deixa três filhos: Pedro, Paulo e Roberto.

Trajetória

Roberto Freire nasceu em 1927, em São Paulo. Formado em medicina com especialização em psiquiatria, teve também uma presença marcante na vida intelectual e cultural brasileira, atuando como escritor, dramaturgo, cineasta, roteirista de TV e jornalista.

Além dos livros ligados à sua ‘filosofia do tesão’ e à Soma, como ‘Sem Tesão Não Há Solução’ e ‘Ame e Dê Vexame’, Freire alcançou grande sucesso com o seu primeiro romance, o best-seller ‘Cléo e Daniel’ (1966), adaptado por ele mesmo para o cinema em 1970, com Myriam Muniz, John Herbert e Sônia Braga no elenco. Parte de sua bibliografia foi relançada pela editora Francis.

Na TV, Freire escreveu para o programa ‘TV Mulher’, para o seriado ‘Obrigado Doutor’ e ainda os primeiros capítulos da novela ‘O Amor É Nosso’, de 1981, todos na Rede Globo.

Como jornalista, escreveu para as revistas ‘Realidade’ e ‘Caros Amigos’, entre outras. No teatro, Freire lecionou na EAD (Escola de Arte Dramática) a convite de Alfredo Mesquita e dirigiu espaços como o Teatro Brasileiro de Comédia e o Tuca, vindo a conviver com Sábato Magaldi, Flávio Rangel, Plínio Marcos, Flávio Império, entre outros.

Em 2003, aos 77 anos, Freire lançou sua autobiografia ‘Eu É um Outro’ (Maianga, R$ 39, 448 págs.). Na época, em entrevista à Folha, ele falou sobre o amor: ‘Do amor pode-se fazer uma necropsia, nunca uma biópsia. Se eu examiná-lo, paro de amar. O amor não é para ser entendido, mas sentido, experimentado’. E da velhice: ‘Sempre fui um cara muito ativo, muito criativo, viajante, movido pela paixão. Agora, na velhice, as doenças me imobilizam. Hoje (…) sou impotente para escrever, que é o que mais gosto de fazer’.’

 

FOTOGRAFIA
Maria Andrea Muncini

O iluminado

‘Vittorio Storaro é certamente um dos melhores diretores de fotografia em atividade. Prova disso são os filmes rodados com grandes cineastas europeus e americanos mas também, o que é algo raro, suas teorias sobre a luz e a poética a ela relacionada. Desse ponto de vista ele é um autêntico discípulo do pintor Caravaggio (1571-1610), tema de produção homônima para a TV da qual participou no ano passado.

Mas há outra coisa que o distingue de seus melhores colegas: ele não quer ser chamado de ‘diretor de fotografia’.

Assim, qualquer um que o entreviste ficará desconcertado por essa objeção que, embora aparentemente bizarra, adquire uma lógica própria assim que Storaro, com muita paciência, expõe os seus motivos ao interlocutor intimidado.

A surpresa de quem o escuta, a meio caminho entre a perplexidade e a curiosidade, é imediatamente satisfeita e ampliada quando Storaro conclui dizendo que gostaria de ser definido como ‘cinematógrafo’, por analogia a ‘fotógrafo’: enquanto este escreve com a luz (segundo a etimologia grega do termo), mas com imagens fixas, ele escreve com a luz, mas com imagens em movimento (como se deduz do grego ‘kinésis’, que forma a primeira parte da palavra cinematógrafo).

A insistência no uso desse termo tem mais uma explicação. Quando se roda um filme, diz Storaro, há apenas um diretor no set, que é o cineasta, e não pode haver outro.

Storaro é um conversador muito cordial, que deixa qualquer interlocutor à vontade, mesmo quando se fala de conceitos sobre a luz, de sua importância, do envolvimento total no plano expressivo e criativo, do processo lento e profundamente sentido que leva à reflexão, a ver dentro de si com um olho novo e consciente.

Sua evolução pessoal, que Storaro narra com lucidez crítica e envolvimento apaixonado, enreda totalmente seu ouvinte (e também, é claro, o leitor dos seus livros, como a série ‘Scrivere con la Luce’, Escrever com a Luz).

Romano, 67 anos, filho de um projecionista da Lux Film, entusiasta precoce da fotografia, já aos 18 anos Storaro era um dos melhores alunos do Centro Experimental de Cinematografia de Roma.

Pouco depois, em 1961, estava atrás das câmeras como cinegrafista de ‘Pugni, Pupe e Marinai’ (Socos, Gatas e Marujos), de Daniele D’Anza. Em seguida, foi assistente de ‘Antes da Revolução’ (1964), de Bertolucci, e diretor de fotografia do filme ‘Giovinezza, Giovinezza’ (Juventude, Juventude, 1969), de Franco Rossi.

Daquele momento em diante, tornou-se cada vez mais reconhecido, e a fama do seu talento cruzou o Atlântico, quando passou a trabalhar para diretores como Francis Ford Coppola e Warren Beatty, Michael Apted e Richard Donner.

Obviamente continua trabalhando com italianos e europeus, tanto que assina quase todos os filmes de Bertolucci e do espanhol Carlos Saura, com um currículo que já ultrapassa 40 filmes.

FOLHA – De que modo o sr. buscou recuperar a pintura de Caravaggio com os meios do cinema?

VITTORIO STORARO – O cinema como arte complexa traz em si a arte da pintura, e não há dúvida de que somos o resultado de todos os artistas, de todas as emoções, todas as ideações e criatividade que nos precederam no campo das artes figurativas. Também não há dúvida de que Caravaggio é um dos principais protagonistas da relação entre luz e sombra nas artes figurativas. A princípio me baseei nisso para restituir visualmente sua vida, sua atividade sacra, analisando a relação figurativa que esse artista estabelece com a luz.

No início de sua atividade, a luz é muito difusa, nórdica (ele nasceu em Caravaggio, um povoado na Província de Bergamo). Depois, pouco a pouco, a paisagem se anula, o fundo se torna escuro e dali extrai as personagens colhidas pela luz.

Chega assim à ‘Vocação de São Matheus’, que constitui um momento revolucionário da arte pictórica, uma relação extraordinária entre luz e sombra, com aquele raio de sol que atravessa toda a cena e a divide em duas entidades.

Foi esse traço revolucionário que tentei colocar no centro da história, uma vida passada entre luz e sombra, duas partes que se unem num conjunto harmônico e ao mesmo tempo conflituoso.

FOLHA – O sr. já pintou?

STORARO – Não. Não só não sei pintar mas nem sequer desenhar. Por isso tento me expressar pela fotografia.

FOLHA – Corrija-me se eu estiver errada: até hoje o sr. já participou de cerca de 40 filmes. A pergunta é: por que decidiu trabalhar numa minissérie de TV?

VITTORIO STORARO – Na realidade, ‘Caravaggio’ não é uma minissérie de TV, mas um filme para a televisão, um projeto realizado em dois episódios de cem minutos cada um. Mas o primeiro filme para a TV de que participei foi ‘A Estratégia da Aranha’, de Bertolucci.

Em ‘Caravaggio’, o que mais pesou foi a história, a reconstrução de época, mesmo buscando a maior proximidade possível com o homem Caravaggio, com sua vida, seu sofrimento, com o fato de ter sido considerado um ‘pintor maldito’, a dor da criança que perde o pai aos seis anos e, aos 18, a mãe, o trauma do menino provavelmente violentado aos 12 anos pelo primeiro professor…

Traumas e feridas que carregou pela vida inteira, conflitos internos que seguramente influíram em sua pintura, toda feita de luz, que se pode entender como consciência, e de obscuridade, que se pode entender como inconsciente.

Estou convencido de que, em Caravaggio, a sombra é mais importante do que a luz, luz que ele faz emergir da sombra, da escuridão.

Quando, seis ou sete anos atrás, a produtora Ida Di Benedetto me propôs o projeto do ‘Caravaggio’, comecei a estudar as cenas e os copiões à medida que eles evoluíam e se modificavam com o tempo e percebi que aquela história me pertencia bastante, quase demasiadamente, tanto que eu a aceitaria qualquer que fosse o formato: um desenho, um grafite na parede de uma caverna, uma história em quadrinhos, um filme ou um episódio televisivo, enfim, qualquer coisa.

Lembro que, durante meu curso de fotografia, um professor nos disse: ‘Como é impossível saber tudo de tudo, lembrem-se de que a coisa mais importante é saber onde buscar as coisas que precisamos conhecer. Haverá um momento em que vocês se interessarão por algum tema: então escavem nele o melhor que puderem’.

Mas logo entendi que a melhor escola para mim era justamente meu trabalho, ou seja, uma série de oportunidades que me permitiam aprofundar, cada uma, um tema a ser pesquisado, indagado, estudado.

Por exemplo, em ‘O Conformista’, de Bertolucci, eu teria pela frente a Itália dos anos 1930, a figura de Alberto Moravia, a arquitetura racionalista, a pintura de Giorgio de Chirico.

Ou, para citar outro exemplo, também de Bertolucci, ‘O Último Imperador’, que me levou a estudar a cultura chinesa. Ou, então, a cultura árabe, em ‘O Céu Que Nos Protege’, ou a russa, em ‘Pedro, o Grande’.

FOLHA – Quais são as diferenças (se é que existem) entre trabalhar para o cinema e para a TV?

STORARO – Do meu ponto de vista não vejo diferenças, pois em ambos os casos se trata de imagens em movimento. A distinção entre ‘para a tela grande’ e ‘para a telinha’ me parece cada vez mais carente de sentido, já que as telas têm encolhido nos multiplex, enquanto as telas de TV e os videoprojetores aumentam de tamanho.

É por isso que tenho em mente um projeto de unificação dos formatos de cinema e TV, que chamo de Univisium (que em latim significa justamente ‘visão única’).

Por exemplo, tomemos ‘O Último Imperador’, de Bertolucci, filmado em cinemascope, um formato com predomínio da dimensão horizontal, muito apreciado pelos espectadores das salas cinematográficas por seu poder de envolvimento.

Na TV esse tipo de formato, para se adaptar aos padrões televisivos, passa por cortes que incidem em seus extremos, direito e esquerdo, cortes que evidentemente alteram os enquadramentos do filme, às vezes ocultando parte dos atores. Para contornar esse grave e irritante inconveniente, pensei num formato que esteja em equilíbrio entre o do cinema e o da TV, constituído substancialmente por dois quadrados, ou seja, com a largura duas vezes maior que a altura, mais ou menos como a pintura ‘A Última Ceia’, de Leonardo da Vinci. Usei esse formato, por exemplo, para Carlos Saura em ‘Tango’ e em ‘Goya’, e também em ‘Mirka’, de Rachid Benhadj. Atualmente, sempre com o formato Univisium, estou filmando ‘Eu, Don Giovanni’, mais uma vez para Saura.

FOLHA – Luca Ronconi, com quem o sr. trabalhou em ‘Orlando Furioso’, é um diretor de teatro. Existe uma relação diferente da iluminação para o teatro e para o set de filmagem?

STORARO – Minha experiência com o teatro chamou minha atenção para o fato de que a iluminação não era fruto de uma pesquisa específica, que corria o risco freqüente de perturbar o sentido das cenas, da recitação dos atores e, no caso da ópera lírica, dos cantores. O que me interessava era intervir criativamente na iluminação aos olhos dos espectadores. Assim, minha expressão não sofria nenhuma alteração técnica, mas agia diretamente, apenas com a iluminação. Mas, após essa experiência, também compreendi que a minha expressão se completava justamente com o uso de todas as tecnologias que pertencem à palavra ‘cinematografia’. É por isso que me considero um ‘cinematógrafo’, que é, como sugere a etimologia da palavra, alguém que ‘escreve com a luz’ no cinema, ou seja, em movimento, com um tempo e um ritmo, a fim de contar uma história.

FOLHA – E quanto à ópera? STORARO – Já havia tido experiências com a música lírica quando trabalhei para Bernardo Bertolucci, que em seus filmes quase sempre insere referências musicais extraídas de óperas líricas, o que é típico de um bom emiliano nascido em Parma, onde há essa espécie de templo da música lírica que é o teatro Regio. Na ópera, os ritmos distintos, sejam de Verdi, Puccini ou de outro compositor, me levam a criar iluminações diversas, que dependem da história, mas também da estrutura musical que a sustenta, além dos movimentos ligados ao desenvolvimento cênico, igualmente funcionais para os ritmos da narrativa e da música.

FOLHA – Podendo escolher entre tomadas internas e externas, quais preferiria?

STORARO – Mais que escolher entre internas e externas, a grande diferença talvez esteja entre o espaço fechado do estúdio e os lugares reais. Explico. O lugar onde estamos conversando é um interior, mas está articulado ao exterior, já que ao redor há uma relação interno/externo (janelas, portas, entradas e saídas), tudo de algum modo ligado à luz solar que cresce e decresce. Nossa intervenção consiste em acrescentar, difundir ou tentar limitar a grande energia visível da luz solar, que muda segundo as estações, as horas do dia e até a angulação -isto é, o ponto de vista com o sol à frente ou atrás.

Essa variabilidade pode ser compatível ou não com nossas escolhas prévias, em razão da cena que vamos filmar. No segundo caso, precisamos contornar as condições adversas, tentando modificá-las de algum modo com os meios técnicos de que dispomos. Ao contrário, quando estamos em um interno/interno, como em um estúdio cinematográfico, ficamos completamente livres e podemos recriar aquele tipo específico de visão, mesmo que se trate da reconstituição de um espaço externo. Um exemplo: para a última cena de ‘Eu, Don Giovanni’, foi reconstituída uma praça com um canal veneziano mediante um sistema especial já experimentado em ‘Duna’ [série de TV] e utilizado também no ‘Goya’ de Saura: a cenografia não é construída em três dimensões, mas em duas, ou seja, é feita apenas de imagens fotográficas elaboradas no computador (proporções, cores etc.), impressas em folhas de plástico colocadas em estruturas específicas e iluminadas de tal modo que o espaço parece tridimensional, mesmo não sendo nada mais que folhas de plástico com imagens impressas.

Em seguida, com a iluminação, é possível mudar a visão de acordo com as várias necessidades. Tudo isso com uma enorme economia de custos.

FOLHA – Mas não é melhor trabalhar em locações reais?

STORARO – As reconstituições são habituais, sempre foram feitas e sempre se farão, mas, quando se pode, é sempre melhor estar o mais perto possível dos lugares reais, por uma questão de cultura.

Quando rodamos ‘Pedro, o Grande’, estávamos num pequeno vilarejo a três horas de Moscou, com uma temperatura de -20C. Uma coisa é ver a respiração dos atores se condensando enquanto falam, outra é filmar em um estúdio aquecido. Reconstruímos certos interiores de Moscou (e o modelo estava bem próximo de nós), já que não era possível levar uma trupe cinematográfica para dentro do Kremlin.

No entanto o cenógrafo era russo, falava-se russo, circulavam revistas e livros russos, ou seja, a cultura russa estava ao redor e dentro de nós. O mesmo aconteceu nos filmes ambientados na China (‘O Último Imperador’), na Arábia Saudita (‘O Céu Que Nos Protege’) ou no Butão (‘O Pequeno Buda’).

FOLHA – O sr. poderia falar sobre os problemas discutidos em ‘Escrever com a Luz’?

STORARO – Trata-se da obra que resume as fases fundamentais da minha pesquisa. Como não concluí estudos específicos, senti a necessidade de preencher minhas lacunas, sobretudo no campo da história da arte e dos problemas da arte, trabalhando como autodidata. Daí as leituras, audições de música, leitura de poesia, filmes e história do cinema, arquitetura etc. Tomava notas, tentava instruir-me também em filosofia, comecei a freqüentar mais os museus e as galerias e tudo isso me ajudou a compreender melhor não só o significado das coisas, mas também o porquê da emoção que a luz me suscitava e, de maneira diversa, a sombra; as várias vibrações na presença de várias cores… Tudo isso eu aproveitei à medida que avançava em meu trabalho e depois incluí em minhas observações, redigidas quando filmávamos ‘Pedro, o Grande’ na Rússia, recuperando inclusive reflexões de quando rodei filmes mais antigos, como ‘O Conformista’ ou ‘O Último Tango em Paris’.

E, como sou um escritor de imagens, me dei conta de que deveria inserir imagens naqueles textos sobre a luz, de modo que se pudesse entender melhor meu pensamento. Então organizei o material escrito incorporando muitas fotografias e referências a textos filosóficos, a começar por Platão e indo até os ensaios mais específicos de Eisenstein, enriquecendo-os com observações minhas.

No final dos anos 70, após ter filmado ‘Apocalypse Now’, de Coppola, parei para refletir sobre meu trabalho, todo ele centrado nos valores da luz, e então descobri a cor e passei a estudá-la, escrevendo e me respaldando em muitas outras obras. Trabalhando com Bernardo Bertolucci e mais tarde com Coppola (‘Tucker – Um Homem e Seu Sonho’), pude utilizar com maior conhecimento de causa a simbologia e a fisiologia da cor. Continuei minha pesquisa sobre o equilíbrio dos elementos, como nos filmes de Beatty (‘Reds’, ‘Dick Tracy’, ‘Politicamente Incorreto’), buscando expressar emoções e caracterizar as personagens numa espécie de vocabulário visual. Concluído ‘O Último Imperador’, senti a necessidade de refletir mais um pouco e retomei meus estudos, partindo do conceito de equilíbrio dos filósofos gregos, que Aristóteles e Tales viam como o conjunto harmônico dos elementos da vida. Fiz um trabalho de investigação sobre o equilíbrio entre elementos opostos, como homem e mulher, consciente e inconsciente, sobre as cores vermelha, verde e azul, sobre a luz e a sombra.

Um terceiro percurso leva diretamente ao ‘Pequeno Buda’, com as considerações sobre todos os estilos aplicados às imagens dos filmes que fiz -imagens que pus ao lado do texto. Desse material surgiu a idéia de montar uma mostra fotográfica com as fotos mais significativas do meu trabalho no cinema.

Assim nasceu a exposição itinerante ‘Escrever com a Luz -Duplas Impressões entre Fotografia e Cinema’, que, depois de percorrer algumas cidades italianas, irá para a Suíça, a Grécia e a Espanha. Espero levá-la também ao Brasil.

FOLHA – A luz pode transformar um estado de espírito? Qual é a cor que lhe propicia uma maior harmonia com a vida?

STORARO – Antes de tudo penso que a luz, sendo uma energia cuja parte visível é captada pelo órgão da visão, chega até nós ainda que não a busquemos.

Somos como placas sensíveis, e, segundo o tipo de luz que recebemos, altera-se nosso metabolismo, nossa pressão sangüínea, nossa emoção.

Fazendo um paralelo entre vida e luz, digamos que a vida é feita de muitos momentos, de muitas e variadas emoções, várias etapas. Se quisesse representar a vida com a luz, poderia usar a luz branca. Mas, se quisesse representar um momento particular da vida, poderia usar, para o nascimento, a cor vermelha, que é a primeira cor do espectro cromático; a infância poderia ter uma cor laranja, a segunda cor do espectro, remetendo ao calor familiar, aos abraços maternos; o amarelo é a consciência, representa bem os nossos 12 anos, os anos da puberdade, da percepção de nossa sexualidade; o verde é indicado para os nossos 20 anos, os anos do conhecimento, do aprendizado por meio dos estudos.

Para a maturidade, dos 30 aos 50, há o azul, quando se desenvolvem nossas potencialidades, a agudeza do espírito e da inteligência e, se quisermos, o sentido da liberdade. Quanto mais usamos a inteligência, mais estamos livres para fazer o que queremos. O índigo pode representar bem a vida entre os 50 e os 70 anos, pelo menos para mim. É o período da classe dirigente, do poder.

Tenho 67 anos e aos poucos estou me deslocando para a última cor, que é o violeta, a cor da última etapa de nossa vida terrena, o momento em que transferimos nossos conhecimentos para os outros…

FOLHA – Quais são as diferenças entre as tomadas em preto-e-branco de muitos anos atrás e as tomadas de hoje, com película em cores?

STORARO – Em minha opinião, seria preciso começar do preto, que é um pouco o início de tudo, uma espécie de matéria bruta, como uma mãe que contém em si todas as coisas, todas as energias, todas as cores e emoções. Leonardo [da Vinci] dizia que as cores são simplesmente os filhos da sombra e da luz, do preto e do branco.

Se houvesse uma escada, o preto seria o primeiro degrau, e em seguida viriam todas as cores, como escreveu Isaac Newton, que ainda dizia que o preto representa a matéria, o passado, enquanto as cores representam o presente.

FOLHA – Gostaria de filmar a biografia de algum outro pintor, antigo ou moderno?

STORARO – Entre os muitos pintores, sou atraído particularmente pela vida e a obra de Paul Gauguin [1848-1903], um artista que estabelece uma forte relação com a natureza, que foi viver no Taiti, nos distantes mares do Sul, que foge de Paris, centro do impressionismo, para se confrontar com a vida e a natureza daquele que é considerado o ‘último paraíso’. De certo modo, sua pintura une dois mundos distantes, duas culturas diferentes. Um pouco o que aconteceu comigo quando fiz ‘Apocalypse Now’, que tratava justamente de duas culturas distintas e distantes, duas civilizações: a ocidental dos EUA e a oriental do Vietnã. Talvez, sim, gostasse de poder fazer uma obra que redescobrisse a natureza com os olhos cheios das tantas imagens que atravessaram minha vida, das artes egípcias às assírio-babilônicas, greco-romanas, renascentistas, até chegar aos nossos dias. É uma viagem que eu gostaria de fazer.

FOLHA – Como se articula sua relação com o diretor no set? Os cineastas têm idéias precisas sobre o papel da fotografia, põem o problema em discussão ou acatam as propostas dos responsáveis pela fotografia?

STORARO – Às vezes me pedem um parecer, perguntam se estou de acordo ou se acho melhor rodar mais uma vez. Em geral é o diretor quem toma a última decisão. Mas às vezes surgem ocasiões específicas. Por exemplo, com certos atores (foi o caso de Marlon Brando no ‘Último Tango em Paris’ e em ‘Apocalypse Now’, ou de Elisabeth Taylor em ‘Identikit’, de Giuseppe Griffi). Nesses casos, pedi que fizéssemos as cenas pelo menos duas vezes, para ter certa segurança técnica, digamos assim, e dispor de um duplo negativo, aliás muito útil, já que mesmo em fase de tratamento as películas em cores estão sujeitas a possíveis rasgos e arranhões.

FOLHA – Os efeitos especiais, e mais particularmente as tomadas em digital, lhe apresentam problemas específicos? A manipulação que essa técnica permite também interessa ao seu trabalho? O que pensa sobre isso?

STORARO – Junto com o diretor Giuliano Montaldo, fui o primeiro na Itália a usar aquilo que então se denominava ‘alta definição’ e que, por ser analógica, ainda não levava o nome digital. Mas o digital será a tecnologia avançada que substituirá o analógico das películas. Mas hoje ainda não atingimos níveis decisivos, já que as diferenças entre os dois procedimentos não são muito expressivas -aliás, hoje as películas analógicas ainda são melhores. O sistema digital dá a possibilidade de manipular a imagem mais facilmente, com uma extensão da fantasia. Como se não bastasse, permite a checagem imediata do que foi filmado, sem precisar esperar os processos de revelação e reprodução do laboratório -ainda que, repito, as películas analógicas produzam um resultado final melhor e apresentem mais durabilidade. Quanto aos efeitos especiais, eles sempre foram usados no cinema, desde os tempos de Georges Méliès [1861-1938], mas com as possibilidades daquela época. Hoje, com as tecnologias digitais, os efeitos foram ampliados e aperfeiçoados, conferindo uma maior riqueza à expressão.

FOLHA – A que obra se sente mais ligado?

STORARO – Uma escolha desse tipo seria realmente dramática, porque é como um livro ou uma sinfonia: não se pode extrair uma página ou uma nota, porque sem o resto não se teria mais o livro ou a sinfonia. De qualquer modo, citando sem uma ordem específica, poderia indicar ‘Juventude, Juventude’, que é meu primeiro filme, e depois passar para ‘O Conformista’ e ‘Apocalypse Now’, que são os filmes com os quais comecei a desenvolver minha reflexão sobre a luz, enquanto ‘La Luna’, ‘O Fundo do Coração’ e ‘O Último Imperador’ são os três filmes fundamentais para minhas idéias sobre a cor. Quanto à relação entre os elementos, citaria ‘O Pequeno Buda’ e a série sobre a Roma antiga de Luigi Buzzoni, ‘Roma – Imago Urbis’. Para a última fase de minha vida artística, mencionaria ‘Tango’, ‘Goya’ e ‘Eu, Don Giovanni’, o mais recente projeto que estou fazendo com Carlos Saura.

FOLHA – Mas o filme de Saura ainda está em preparação?

STORARO – Sim, ainda estamos filmando. Completamos a primeira parte, sobre a história de Lorenzo da Ponte, o libretista do ‘Don Giovanni’ de Mozart, e sua vida em Veneza. Em junho iremos rodar a segunda parte do filme, sobre sua temporada em Viena, onde ele encontrará Mozart e ambos vão compor o ‘Don Giovanni’. É um projeto que me apaixona muito.

Tradução de Maurício Santana Dias.’

 

 

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