Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Folha de S. Paulo

MÍDIA & POLÍTICA
Ranier Bragon

TV impulsiona, mas não garante vitória

‘Os candidatos à Prefeitura de São Paulo que tiveram o maior tempo de televisão e rádio nas últimas cinco eleições, entre 1988 e 2004, sempre subiram nas pesquisas na reta final das eleições, mas isso não foi garantia de vitória.

Apenas em 1996, com Celso Pitta (PPB), e em 2004, com José Serra (PSDB), o ‘campeão’ de rádio e TV acabou sendo eleito. Nas outras três disputas, ou ele ficou em terceiro (1988 e 1992) ou ficou em quarto (2000).

Na eleição deste ano, o horário eleitoral gratuito para os candidatos a prefeito começa na quarta-feira e é a grande esperança de Gilberto Kassab (DEM), que por enquanto está estacionado na terceira posição, com 11% das intenções de voto, segundo a última pesquisa Datafolha (23 e 24 de julho), e 8%, segundo o Ibope.

O prefeito terá o maior tempo de TV e rádio da disputa (39% da fatia destinada aos quatro principais candidatos). Em seguida, vem a ex-prefeita Marta Suplicy (30% do tempo de TV), do PT, que lidera as pesquisas, com 36% das intenções de voto (41% pelo Ibope).

Geraldo Alckmin (PSDB), segundo no Datafolha e no Ibope (32% e 26%, respectivamente), é o terceiro no ranking do tempo de TV, com 20% do total. Paulo Maluf (PP) -empatado com Kassab nas pesquisas- é o quarto no tempo de TV (11%).

Para alterar a atual polarização entre Marta e Alckmin, Kassab terá que tentar repetir os fenômenos observados nas eleições de Luiz Erundina (na época, no PT), em 1988, ou de Pitta, em 1996.

Na eleição da primeira mulher para a Prefeitura de São Paulo, a então petista Luiza Erundina arrancou dos 10% de intenção de voto que registrava cerca de um mês antes das eleições para chegar ao dia da votação com 25%. Abertas as urnas, registrou 36,8% dos votos válidos, superando o até então favorito, Paulo Maluf (PPB), por mais de seis pontos percentuais. Erundina tinha apenas o quarto maior tempo de TV.

No caso de Pitta, sua ascensão foi a mais acentuada entre todos os candidatos nas cinco últimas eleições. Escolhido pelo então prefeito, Paulo Maluf, como o nome para sucedê-lo, e detendo o maior tempo de TV e rádio, Pitta subiu 23 pontos percentuais nos últimos três meses de campanha.

‘Embora importante em qualquer campanha, não é o fundamental ter o maior tempo na TV. É preciso avaliar o conteúdo dos programas, estratégia do marketing político e os outros eventos de campanha realizados pelos vitoriosos. Outra variável é o porte do partido político e sua importância na disputa local, além de variáveis relacionadas ao perfil do candidato’, analisa a cientista política Maria do Socorro Braga, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

O professor Carlos Ranulfo Melo, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), acrescenta: ‘Eu diria que o tempo de TV é importante, mas não decisivo. É verdade, como vocês destacam, que os detentores de mais tempo sempre subiram na pesquisa, mas só em duas venceram’. Ele destaca também o fato de que ‘tempo de TV, definitivamente, não é bom para Maluf’.

Hoje com 8% das intenções de voto e a maior rejeição (56%), Maluf sempre caiu nas pesquisas, na reta final, nas quatro eleições para prefeito que disputou -mesmo na que ganhou, em 1992. Ele nunca teve o maior tempo de TV. Sua maior queda se deu na eleição de 2004, quando saiu de 24% das intenções de voto para 10% na última pesquisa.’

 

Claudio Dantas Sequeira

‘Apagão eleitoral’ na TV vai atingir 45% dos paulistas

‘Cerca de 45% da população do Estado de São Paulo não terá como ver seus candidatos na TV. São mais de 13 milhões de habitantes que vivem em cidades com emissoras sem programação própria, segundo levantamento da Folha com base em dados do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e da AESP (Associação das Emissoras de Rádio e Televisão do Estado).

Esses locais vivem uma espécie de ‘apagão eleitoral’. Além da dificuldade de conhecer as propostas de seus candidatos, os eleitores acabam assistindo na TV aos programas de candidatos da capital ou de grandes cidades próximas. São Paulo tem ao todo 29,1 milhões de eleitores aptos para votar.

Do total, só 7,8 milhões de eleitores fora da capital poderão ver seus candidatos na TV. Das 645 cidades paulistas, apenas 46 delas, ou 7,1%, possuem emissoras geradoras. As demais têm apenas repetidoras de sinal. Nessas cidades, cabe ao órgão regional do partido solicitar ao cartório eleitoral que reserve horário para a propaganda daqueles municípios.

Segundo o TRE-SP, este ano só quatro municípios solicitaram espaço para seus candidatos: o PT, em Itapeva; o PSOL, em São José do Rio Pardo; o PTN e o PC do B, em Mauá, além do DEM e do PMDB em Guarulhos. Nenhum dos pedidos foi deferido até o momento.

‘Houve pedidos para reserva de 10% do tempo na transmissão, como prevê o artigo 29 da lei 22.718, para os municípios sem emissoras. Os pedidos foram indeferidos por problemas na formulação’, informou a assessoria do TRE-SP.

Em todos os casos, os partidos que pediram o espaço para divulgar suas campanhas pertencem à oposição. Em Guarulhos, o juiz eleitoral Rodrigo Colombini propôs um entendimento entre todos os partidos e as emissoras, mas não obteve sucesso. A maioria alegou falta de dinheiro e pouco tempo para elaborar os programas.

O cientista político David Fleischer, da UnB, pondera sobre como a ausência dos candidatos na TV pode ajudar prefeitos e vereadores que buscam a reeleição. ‘Acho que pesa na hora da decisão do eleitor, mas não muito pois as pesquisas mostram que a audiência da propaganda eleitoral gratuita é baixíssima’, afirma.

Fleicher diz que em cidade onde não tem TV, os políticos usam outros instrumentos, como casas eleitorais, carros de som e panfletagem, às vezes pequenos comícios.

Carlos Ranulfo, cientista político da UFMG, diz que em grande parte dos municípios médios e pequenos a tendência histórica é de eleições sem TV. ‘Então o impacto que a propaganda na TV têm nas eleições acaba sendo menor’, diz.’

 

GRAMPOS & VAZAMENTOS
Alan Gripp

PF tem maleta que faz escuta sem passar por operadoras

‘A Polícia Federal incorporou a seu aparato tecnológico maletas com equipamentos capazes de realizar interceptações de telefones celulares sem recorrer às operadoras e, por isso, em tese, sem a necessidade de autorizações judiciais. Para isso, obteve o aval da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que analisou modelos importados que podem custar até US$ 500 mil.

O equipamento, usado por unidades de elite dos EUA e da Europa, pode varrer as comunicações mantidas por meio de uma determinada ERB (Estação Rádio Base) -antena instalada pelas operadoras-, interceptar um sinal telefônico específico no ar e o decodificar.

A segurança do Supremo Tribunal Federal considera o uso da maleta de interceptação uma das hipóteses para a ‘provável escuta’ detectada mês passado na sala do assessor-chefe do presidente do STF, Gilmar Mendes. Não há provas.

Procurada pela Folha, a PF não respondeu a nenhuma questão sobre as maletas. A Anatel disse que analisou o equipamento a pedido do Ministério da Justiça para ser usado só como bloqueador de celular em presídios, com autorização judicial. As maletas têm capacidade para bloquear e interceptar e decodificar sinais.

O uso foi confirmado pelo delegado Emmanuel Balduíno, diretor de Inteligência da PF, em depoimento à CPI dos Grampos em março. Segundo ele, o equipamento é ‘para emprego tático’, não para o dia-a-dia de investigações.

Ao dar um exemplo, respondeu: ‘Se investigo um dono de operadora de telefonia, não posso pedir interceptação telefônica ao funcionário dele’. Ele não citou nomes, mas, para integrantes da CPI, era referência a Daniel Dantas, ex-controlador da Brasil Telecom, preso na Operação Satiagraha.

Balduíno afirmou que as maletas também podem auxiliar investigações de uso ilegal de equipamentos similares, adquiridos clandestinamente, e em casos de seqüestro, na localização de vítimas e suspeitos através dos sinais emitidos por seus aparelhos celulares.

O delegado disse que o equipamento é ‘auditável’ e que o uso é controlado pela Justiça e pelo Ministério Público. Mas, questionado pelo presidente da CPI, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), se, em tese, poderia ser mal utilizado, ‘sem os devidos controles’, respondeu: ‘Isso’.

A Folha localizou representantes de duas empresas que vendem as maletas no Brasil, que, temendo problemas para o seu negócio, só aceitaram falar sem serem identificados. Ambos disseram vender o equipamento apenas para governos -por lei, só a Polícia Federal e as polícias civis dos estados podem usar a tecnologia.

Segundo os representantes, não há fabricação de maletas no Brasil. Em geral, os componentes são produzidos em vários países e a maleta, montada e comercializada em Israel. O importador e o exportador precisam de licenças especiais.

O alto do custo do equipamento é atribuído por eles, em parte, à dificuldade de interceptar e, principalmente, decodificar sinais. Para os representantes, as operadoras investiram muito na segurança das comunicações, menos pela preocupação com a privacidade e mais por outros fatores, como clonagem de linhas.

Segundo eles, não é possível precisar o alcance das interceptações, mas é limitado. As empresas confirmam a informação do delegado de que o equipamento pode ser auditado. O presidente da CPI disse que a comissão irá pedir informações à PF sobre as maletas. A comissão quer saber quantas foram compradas, quais superintendências possuem o equipamento e se é auditado.’

 

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Poderes mudam rotina para fugir de grampos

‘A paranóia dos grampos transformou a rotina dos três Poderes em Brasília. Varreduras antiescutas, divulgação de técnicas para evitar interceptações e construção de espaços imunes a microfones indesejáveis estão entre as medidas incorporadas ao cotidiano dos órgãos públicos da capital.

A Aeronáutica chegou a elaborar documento com recomendações expressas aos comandantes. A norma, em vigor desde 2005, diz que ‘é difícil calcular quantas organizações militares, indústrias e indivíduos são vítimas de vigilância clandestina’. O comando determina o isolamento acústico de salas, a construção de outras ‘bloqueadas para emissão de radiofreqüência’, inspeções em ‘espaços vazios que existem em paredes e rodapés’, entre outras medidas.

No STF, a descoberta de ‘provável escuta’ na sala do assessor-chefe do presidente Gilmar Mendes mudou a rotina da segurança. São feitas varreduras constantes no gabinete de Mendes e dos outros ministros.

O ministro Marco Aurélio Mello disse ter recebido semana passada denúncia de que um de seus números, do Rio, está grampeado. ‘Lamentável, mas não tenho o que temer’, disse.

Legislativo

No Congresso, a neurose chegou ao ponto de o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, descartar varredura-geral por temer efeito contrário, ou seja, a instalação de escutas ocorrer durante o serviço. ‘Como não temos tempo para acompanhar esse tipo de atividade, precisaríamos ter uma equipe de absoluta confiança para prevenir, não nos grampear’, disse ele. Com a explicação, o deputado Colbert Martins (PMDB-BA), que cobrou a varredura, disse: ‘Estamos mal, então, senhor presidente’. Chinaglia concordou: ‘Parece brincadeira, mas não é’.

A Polícia Legislativa faz varreduras periódicas no gabinete e na residência oficial do presidente. Os demais congressistas precisam fazer o pedido.

Partidos como PMDB e PP mantêm salas para conversas reservadas entre os deputados nas lideranças. Segundo as siglas, as saletas foram construídas para conversas particulares, mas hoje são mais uma arma contra os grampos.

Na liderança do PMDB, a sala tem isolamento acústico, duas cadeiras, ar-condicionado e uma linha telefônica. Não cabem mais do que duas pessoas. ‘É para uma conversa reservada. Jornalistas também usam quando querem uma conversa ‘off the record’ [sem declarações atribuíveis ao interlocutor]’, disse o líder do partido, Henrique Eduardo Alves (RN).

O líder do PP, deputado Mário Negromonte (BA), também herdou uma dessas saletas. Ele disse que pensou em desfazê-las, mas mudou de idéia. ‘A maioria tem problemas com a esposa e a sala é uma espécie de consultório sentimental.’

O líder do PR na Câmara, deputado Luciano Castro (RR), disse que tem evitado ‘ao máximo’ falar ao telefone e que recomendou a interlocutores que não digam frases dúbias. ‘Dia desses um assessor ligou para dizer que a encomenda tinha chegado. Perguntei: ‘Que encomenda? Explica para quem mais estiver ouvindo saber’.’

Presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), disse que reuniu os funcionários de seu gabinete para alertar sobre o risco de grampo: ‘Disse a eles que tenham absoluto cuidado com quem falam.’ (ALAN GRIPP e ANDREZA MATAIS)’

 

INTERNET
Elvira Lobato

Teles ferem regra no preço da banda larga

‘A guerra comercial travada no mercado de banda larga criou uma distorção total nos preços do acesso à internet no Brasil. A Oi/Telemar cobra R$ 68,90 pelo acesso com velocidade de 1 mega (Mbps) no Rio de Janeiro e R$ 149,90 em Niterói, que fica do outro lado da baía de Guanabara.

A Telefônica tem preços diferenciados para os assinantes da capital e do interior. Na capital paulista, o Speedy com 2 mega de velocidade é oferecido na negociação com os clientes a R$ 79,90 por mês. No interior, custa R$ 89,90. Não foi constatada diferença de preços por parte da Brasil Telecom.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) afirmou, por escrito, à Folha, que ‘os preços de acesso devem ser iguais para o mesmo produto oferecido pela prestadora na sua área de autorização’, que, no caso da Telemar, abrange 16 Estados. No caso da Telefônica, a licença para banda larga da antiga Telesp cobre todo o Estado de São Paulo.

A posição da Anatel pode forçar as empresas a mudar sua política comercial. Segundo o órgão regulador, o provedor do serviço de banda larga tem de praticar o mesmo preço em todas as localidades em que atuar. ‘O preço deve ser o mesmo em todos os municípios do Estado’, enfatizou a agência, ao ser indagada sobre a legalidade da prática de preços diferentes em municípios vizinhos.

A disparidade de preços na oferta de banda larga está diretamente associada à competição das teles com a Net, empresa de TV a cabo. Ao se associar ao grupo Telmex (controlador da Embratel e da Claro), a Net passou a oferecer pacotes de telefonia fixa, TV paga, internet e telefonia celular e a ganhar fatia cada vez mais expressiva de mercado. A guerra está quente principalmente no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em São Paulo.

Rio de Janeiro e Niterói estão a 13 km de distância uma da outra, mas o preço de contratação da banda larga de 1 mega da Oi varia 117% entre elas. A diferenciação de preços é ampliada para 329% com a concessão de descontos. No Rio de Janeiro, a Oi está com promoção de mensalidade de R$ 34,90 por cinco meses e um mês de serviço grátis na venda de acesso de 1 mega e de 2 mega. O mesmo fenômeno acontece em relação a Belo Horizonte e Betim -cidade-satélite da capital mineira.

Lá, a diferença entre os preços da Oi para banda larga de 1 mega é de 138,3% entre uma cidade e a outra. Em Belo Horizonte, além de o preço da assinatura ser menor, a Oi também oferece os descontos aplicados na cidade do Rio de Janeiro. Com isso, a diferença entre o preço da capital mineira e Betim salta para 372%. A empresa afirma que é uma reação às ofertas da Net.

Embora não tão grandes, há diferença de preços em outros Estados onde a Oi enfrenta a concorrência de outros provedores de banda larga. Em Recife (PE), Fortaleza (CE) e Salvador (BA), o serviço custa R$ 120,90 por mês. Já em Aracaju (SE), São Luis (MA), João Pessoa (PB), Teresina (PI), Natal (RN) e Maceió (AL), o preço sobe para R$ 169,90 mensais.

Anatel

A Anatel se posicionou sobre a disparidade de preços na banda larga provocada pela reportagem da Folha. Embora as teles sejam concessionárias públicas, a banda larga foi regulamentada como um serviço privado e, em razão disso, as teles alegam que teriam liberdade de preços na venda do serviço.

Não é o que pensa a Anatel. Segundo a agência, apesar de a banda larga ser regulamentada como SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) -serviço privado, ao contrário da telefonia local fixa, que é serviço público-, a Lei Geral de Telecomunicações garante aos usuários dos serviços de telecomunicações o direito de não serem discriminados quanto às condições de acesso e fruição do serviço. O regulamento dos serviços de telecomunicações, prossegue a Anatel, também assegura esse direito.

Segundo a Anatel, as promoções são permitidas desde que feitas de forma não-discriminatória e segundo critérios objetivos e, ainda, que não são permitidos descontos que mascarem o preço real do acesso, como a venda ‘casada’ com a compra de outros produtos.

BrT e Oi

Uma das maiores críticas à proposta de compra da BrT (Brasil Telecom) pela Oi é a de que a nova tele aumentará a concentração no mercado de banda larga.

Segundo dados divulgados pela própria Oi, a nova tele ficaria com 47% do mercado de dados corporativos nas regiões Sul e Centro-Oeste (atual área de concessão da BrT) e com 39% nos Estados de atuação da Oi, porque as participações das duas seriam somadas.

Na consulta pública sobre a mudança do PGO (Plano Geral de Outorgas) -mudança solicitada pelas teles para viabilizar a compra da BrT pela Oi e garantir mais competição-, a Anatel propôs que os serviços de telefonia fixa e de banda larga das teles sejam separados e explorados por empresas independentes com o objetivo de garantir a transparência de custos e impedir o abuso de poder econômico. A medida é criticada pelas teles, principalmente as concessionárias, e defendida por seus concorrentes.’

 

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Teles dizem ter liberdade para competir

‘A Oi/Telemar e a Telefônica reconheceram que cobram preços diferentes de um município para outro na venda da assinatura da banda larga, mas alegaram que têm liberdade de preços pelo fato de o acesso à internet ser regulamentado como serviço privado. ‘Pela Lei Geral das Telecomunicações, o serviço de internet é prestado em regime privado, o que pressupõe total liberdade de preços’, declarou a Telefônica.

Para as duas teles, o conceito de isonomia de tratamento aos usuários estabelecido no regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia (que regula a internet) não significaria obrigação de preço igual para todos os usuários.

Elas têm explicações semelhantes para a disparidade de preços de um mesmo produto: no caso, a oferta da banda larga de 1 mega (Mbps) de velocidade de transmissão. Dizem que a obrigação de preço igual valeria para assinantes de um mesmo prédio e/ou de uma mesma rua, mas poderia haver diferença de preço até mesmo entre bairros numa mesma cidade, dependendo do estágio tecnológico da rede e da concorrência.

Segundo a diretora de marketing da Oi, Flávia Bittencourt, três fatores influenciam os preços na banda larga: concorrência, custo de transmissão e volume de demanda do mercado. Belo Horizonte, segundo a executiva, é cenário de uma intensa competição entre as empresas Oi, Net e GVT. A concorrência começou aguda na disputa pelos clientes corporativos e residenciais de alto poder aquisitivo e já se estendeu às faixas de menor renda. ‘A gente tem variações de preços mesmo. Baixamos no Rio para fazer preço similar ao da Net’, afirmou Bittencourt.

A estrutura de custo da rede, segundo ela, varia de uma localidade para outra. Nas grandes cidades, onde a demanda e a escala são maiores, a Oi investiu em fibras ópticas que propiciam custo de transmissão menor, em razão da escala. Ela nega que a empresa venda o serviço abaixo do custo onde a concorrência é mais acirrada.

Sobre as diferenças entre os preços das capitais e do interior e entre as capitais atendidas pela Oi, ela disse que, quanto mais se avança para o Norte e o Nordeste, maior é o custo de transmissão da internet, porque o link internacional da empresa, que conecta o internauta com os sites estrangeiros, é localizado no Rio. Segundo Bittencourt, para conectar um cliente do Maranhão a um site do exterior, os sinais têm de trafegar pela rede até chegar ao Rio.

A competição foi a razão alegada pela Oi para a redução de preços em Salvador, Recife e Fortaleza. Nessas cidades, a concorrência não é com a Net, mas com redes locais de TV a cabo e provedores de internet.

A Telefônica queixa-se de que enfrenta competição desigual da Net porque ela não tem restrições legais para oferecer TV paga, transmissão de dados e voz pela mesma rede.’

 

Julio Wiziack

Consumidores recorrem a entidade de defesa

‘Assinantes do Speedy da Telefônica reclamam que os preços praticados pela operadora na venda do serviço de acesso à internet rápida não respeita as regras definidas pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que deveriam garantir isonomia de preços entre a capital e o interior, mesmo com promoções.

O assunto já foi parar nos balcões de reclamação da Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor). ‘Recebemos diversos casos de clientes que ligaram para a Telefônica porque perceberam que estavam pagando mais pelo mesmo serviço,’ diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Pro Teste e colunista da Folha.

Klaus Breit, morador em Diadema, é um dos reclamantes. No final de 2007, ele entrou em contato com a Telefônica pedindo desconto na assinatura. Ele pagava R$ 88,70 pelo pacote de 500 Kbps. Conseguiu reduzir seu plano para cerca de R$ 45 e ter a velocidade ampliada para 1 mega, mas apenas por um período de seis meses. Depois disso, descobriu que o preço para essa velocidade é de R$ 69,90. ‘Isso não é justo. Continuo reclamando.’

A Telefônica cobra R$ 69,90, R$ 89,90, R$ 109,90 e R$ 199,90 para os planos de 1, 2, 4 e 8 mega, respectivamente. A Folha pediu que alguns clientes simulassem a compra de um novo plano via ‘Atendimento Online’, disponível pelo site da operadora. Quem estava na capital e na Grande São Paulo conseguiria descontos de até R$ 10 nos preços divulgados ao público se fechasse a compra.

Um dos clientes pediu banda larga na capital. Os preços oferecidos pelos planos de 2 mega e 4 mega caíram para R$ 79,90 e R$ 99,90, respectivamente.

Outro cliente, em São Caetano do Sul, conseguiu as mesmas condições. Mas Willian Salvador, morador de Barretos, que fica a 440 quilômetros da capital, não obteve o desconto de R$ 10. ‘A única vantagem que me deram foram dois meses de acesso grátis’, afirma.

Salvador informa ainda que há meses tenta, sem sucesso, reduzir o preço de seu pacote de 1 mega. ‘Além disso, os planos atuais ofertam velocidade de retorno de 300 Kpbs. Pago mais e só tenho 128 Kbps de retorno.’ A velocidade de retorno é aquela que garante rapidez a um ‘upload’ (processo quando se envia uma foto para sites como o Orkut). Segundo ele, a operadora alega que há limitações técnicas para que o produto seja ofertado no município.

Concorrência

Para Eduardo Tude, diretor do Teleco, consultoria especializada em telecomunicações, as operadoras não podem ofertar os mesmos planos com preços diferentes. ‘Mas nada impede que elas pratiquem descontos’, diz. ‘Isso é concorrência.’

Segundo Tude, as operadoras costumam dar descontos para clientes que consomem mais. Nas grandes cidades, essa prática seria freqüente porque há volume e ganhos de escala. Mas, ainda segundo ele, a entrada da Net com a oferta de acesso à banda larga via cabo acirrou a disputa em São Paulo.

Embora não haja números por cidade, dá para ter uma idéia dessa disputa em nível nacional. A participação de mercado da Net passou de 17,4%, no segundo trimestre de 2007, para 20,1%. Nesse período, a Telefônica caiu de 28,2% para 25,7%. ‘Certamente, a competição entre as duas ajuda a explicar os descontos’, diz Tude.

A assessoria de imprensa da Net informa que pratica os mesmos preços para seus planos. A Telefônica afirma que o preço dos planos é único e que a política de descontos faz parte de seu negócio.’

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

‘Fringe’ estréia até fevereiro; ‘Barrados’ chega em novembro

‘Uma das séries mais esperadas do ano na TV americana, ‘Fringe’, do mesmo criador de ‘Lost’, J.J. Abrams, estréia no Brasil no máximo em fevereiro. Nos EUA, a exibição começa na Fox em 9 de setembro. Os direitos para o Brasil foram comprados pelo Warner Channel.

Visto pela crítica como uma mistura de ‘Arquivo X’ com ‘The Twilight Zone’ (‘Além da Imaginação’), ou uma junção de investigação policial com paranormalidade, ‘Fringe’ teve seu piloto, que custou US$ 10 milhões, ‘vazado’ na internet, o que seria uma estratégia de marketing. Já é possível baixá-lo gratuitamente e assisti-lo com legendas em português.

O piloto começa com uma seqüência de tirar o fôlego, em que todos os passageiros de um avião são contaminados por um vírus que consome os tecidos do corpo em poucos segundos. O avião, por um dispositivo automático, pousa em Boston, onde entram em ação agentes do FBI envolvidos em casos de conspiração e telepatia.

Existe a possibilidade, ainda remota, de ‘Fringe’ entrar no ar no Brasil em novembro, na chamada ‘fall season’ do Warner Channel -por causa dos downloads gratuitos na internet, alguns canais pagos tendem a reduzir a ‘janela’ entre a exibição nos EUA e no Brasil. Por enquanto, o mais provável mesmo é que ‘Fringe’ chegue em janeiro ou fevereiro.

Na ‘fall season’ do Warner já estão confirmadas as estréias de ‘Privileged’, ‘The Mentalist’ e ‘Eleventh Hour’.

Outra série bastante esperada, a nova versão de ‘Barrados no Baile’, ainda inédita nos EUA, acaba de ser comprada pelo Sony. O canal promete estreá-la por aqui em novembro.

AS ONDAS DE CAROLINA

Carolina Dieckmann (foto) vai aparecer assim, com os cabelos ‘maltratados’ pelo sol e pelo mar, em ‘Três Irmãs’, próxima novela das sete da Globo. Na trama, ela será Suzana, uma das três irmãs, surfista e professora de geografia. Para dar à personagem um ar ‘selvagem’ e ao mesmo tempo romântico, os caracterizadores Fernando Torquato e Núbia Maisa mantiveram o tom loiro que a atriz estava usando nos cabelos e escureceram as raízes (aliás, essa é a cor natural de Carolina). Complementaram com ondas, que têm de ser refeitas todos os dias, com um aparelho próprio para isso, durante 40 minutos.

EMBAIXATRIZ DO CINEMA

De férias de ‘Os Mutantes’, Ittala Nandi (foto), está organizando um festival de cinema latino-americano em Curitiba, que acontece em outubro. O festival integra um projeto maior de Ittala, que incluiu um curso superior e um futuro pólo de cinema no Paraná. Em novembro, Ittala volta a gravar a novela da Record, como a vilã Doutora Júlia e de cabelos pretos, não mais loiros. ‘Prefiro assim. Gosto do jeito que Deus me fez.’

CANSEIRA

Sinal do desgaste do ‘Casseta & Planeta’, há 16 anos no ar. Em julho, o humorístico ficou atrás de ‘Toma Lá, Dá Cá’ no ranking dos programas mais vistos por pessoas de 12 a 17 anos. No segmento, os campeões foram os filmes da ‘Tela Quente’.

SONDAGEM

O SBT está entrevistando profissionais de moda, como ‘personal stylists’, para apresentarem a versão nacional de ‘Esquadrão da Moda’. Como já conhecem o reality, os ‘sondados’ têm recebido bem as propostas.

MÁXIMO 1

A Globo negocia com o chef Massimo Ferrari para que ele coordene um restaurante numa nova ala do Projac, no Rio. Ferrari tem feito muito sucesso cozinhando para convidados da cúpula da Globo no novo prédio da rede em São Paulo.

MÁXIMO 2

A idéia de levar Massimo Ferrari para o Projac foi de Roberto Irineu Marinho, um dos donos das Organizações Globo. O problema é que Ferrari ainda hesita em assumir o novo compromisso. Teme se sobrecarregar.

PERGUNTA INDISCRETA

FOLHA – Qual o seu problema com os pobres? Por que você tanto esnoba a cidade de Guarulhos?

EVANDRO SANTO (humorista, o Christian Pior do ‘Pânico na TV’) – Não é problema, é causa própria mesmo. Fui durango a vida inteira. Fiz um trabalho numa agência do Banco do Brasil em Guarulhos em que ficava o dia inteiro chupando pirulito. Pegava ônibus todo dia. Nunca chegava. Aí, peguei o maior bode de Guarulhos.’

 

Bia Abramo

Olimpíada em tempo de espetáculo

‘NA CERIMÔNIA de abertura, a China avisou ao mundo: nós inventamos o papel, a impressão, a pólvora e a bússola; depois, vivemos um século 20 ainda inexprimível, ainda intraduzível. Nós, que desafiamos a força da gravidade com facilidade, uma, duas, quantas vezes forem necessárias, mandando meninas, fadas, atletas e astronautas pelos ares, queremos, agora, que vocês nos levem a sério.

Toda cerimônia de abertura de grandes eventos esportivos é, ao mesmo tempo, cafona e grandiosa, tocante e comum.

Qualquer dos países que sedie a Copa do Mundo, Jogos Panamericanos, Olimpíada aproveita, é claro, a oportunidade para fazer do evento uma vitrine de seus feitos, da beleza e pujança de seu povo, que sirva também de cortina de fumaça de seus mal feitos.

No século 21, qual país seria tolo de desprezar 1 bilhão de espectadores do mundo inteiro? Um bilhão, na verdade, foi a estimativa mais contida; houve quem falasse em mais de dois bilhões, em três e até em quatro bilhões de telespectadores. Mesmo ficando ‘apenas’ no um bilhão, isso corresponde a cerca de 15% da população mundial.

Depois das luzes e cores e acrobacias, vem a competição e, nesta Olimpíada, para o espectador brasileiro, de certa forma, a festa está um pouco sem graça. Talvez iludidos pela performance entusiasmante de vários esportes nos Jogos Panamericanos, ano passado, talvez levados a engano pelo jornalismo ufanista que costuma permear o noticiário esportivo, sobretudo o da TV, queríamos mais dessa Olimpíada.

Os resultados podem ser razoáveis, bons e até ótimos, do ponto de vista do lugar do Brasil no cenário esportivo mundial, mas não são muito bons como espetáculo. E, para boa parte dos telespectadores, aquela que só vê esporte na TV quando há algum grande evento, o que interessa é o espetáculo.

É certo que a participação brasileira rendeu, sim, algumas belas e emocionantes imagens.

A torcida solitária da mãe e da madrinha de Ketleyn Quadros, na final que deu a primeira medalha ao Brasil. Ketleyn, altiva, contida e de olhos secos, para desespero dos jornalistas que esperavam lágrimas. Daiane dos Santos, tanto nos seus saltos velocíssimos, dificílimos e, desta vez, bem mais precisos, como nos bastidores, animando as outras ginastas. A mulheres briguentas e habilidosas do futebol feminino.

É sempre algum espetáculo, claro. Teremos mais alguns momentos até o final. Mas ainda é pouco.’

 

MEMÓRIA / DORIVAL CAYMMI
Folha de S. PauloDorival Caymmi

‘MORREU ONTEM, sábado em Copacabana, às 5h58, um dos mais importantes e singulares artistas brasileiros: Dorival Caymmi. Ele tinha 94 anos e se tratava desde 1999 de um câncer nos rins. Dormia em sua casa, na zona sul do Rio, quando sofreu insuficiência renal e falência múltipla dos órgãos. A família preparou sua canção de partida. Não o internava desde o primeiro semestre de 2007 e, para que ele pudesse morrer docemente, promoveu uma mudança neste ano: de um apartamento sem vista para o mar, também em Copacabana, para um com vista.

Caymmi viveu sete décadas no Rio. Acontece que ele era baiano. Passar os primeiros 24 anos de vida em Salvador foi suficiente para impregnar seus olhos, ouvidos e sentimentos para sempre. Criou sambas de sua terra que deixaram o Brasil -e parte do mundo- com saudade da Bahia do início do século 20.

‘Vatapá’, ‘Preta do Acarajé’, ‘365 Igrejas’ e ‘Você Já Foi à Bahia?’ são alguns desses sambas, mas o que mais fez sucesso foi ‘O que É que a Baiana Tem?’. Caymmi o ensinou a Carmen Miranda em 1939, dando como bônus as dicas sobre trejeitos e balangandãs que consagrariam a cantora em Hollywood.

Ele ainda compôs as mais belas músicas já feitas sobre o mar, criou marcantes sambas-canções como ‘Marina’ e ‘Só Louco’, influenciou a bossa nova e a geração de Chico Buarque e Caetano Veloso, tudo isso com uma voz e um violão impossíveis de serem copiados e sem nenhuma pressa -fez cerca de cem canções.

O corpo de Caymmi começou a ser velado ontem à tarde, na Câmara dos Vereadores do Rio, e será sepultado hoje às 16h no cemitério São João Batista.’

 

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Morte é ‘final de Romeu e Julieta’

‘‘Passo a passo, passando, passo.’ Segundo Danilo Caymmi, essa é uma das frases que o pai escreveu nos últimos anos num caderno. Para o caçula do mestre baiano, ela traduz os momentos finais de Dorival Caymmi, morto ontem. O último ano de vida do compositor foi em casa, opção tomada juntamente com os filhos.

‘O que a gente fez foi dar o melhor conforto para ele, um tratamento leve. Ele morreu serenamente, como todos desejavam’, disse Danilo.

De acordo com Nana Caymmi, o pai estava bem até a última quarta-feira, tendo até cantado com ela. Depois, ‘a vela apagou’, disse a cantora.

Contribuiu decisivamente para a queda o estado crítico da mulher do compositor, nascida Adelaide Tostes, mas conhecida como Stella Maris, nome que adotou nos tempos de cantora de rádio -função que decidiu abandonar ao se casar com Caymmi, em 1940. Aos 86 anos, ela foi internada em 29 de abril, véspera do 94º aniversário do marido, no hospital Pró-Cardíaco, no Rio, e entrou em coma há dez dias.

‘Ficamos tentando que ele levantasse o moral, mas ele entrou num estado de melancolia [nas últimas quinta e sexta-feira] e desistiu de tudo. É o final da história de Romeu e Julieta mesmo’, emocionou-se a cantora, durante o velório, na Câmara dos Vereadores do Rio.

‘Tenho tudo para me lembrar do meu pai, desde a música e a poesia até os grandes conselhos’, acrescentou Nana, elegendo ‘Acalanto’ como a composição preferida do pai. ‘É a canção que ele fez para mim. Não sei nem se eu mereço. Vai ser difícil cantar sem ele.’

Para Danilo, viver tanto custou ao pai ver muitos amigos morrerem, o que o entristecia muito. ‘Tom, Ary Barroso, esses amigos tão queridos, Jorge Amado, Zélia [Gattai], que foi agora… Então, acredito que hoje [ontem], lá em cima, deve estar tendo muito acarajé, muito chope e conhaque’, disse ele, também músico, no velório.

Esperando Dori

O caixão com o corpo de Caymmi deixou o apartamento, em Copacabana, às 15h42, e chegou à Câmara dos Vereadores às 16h20. O velório prosseguiu até as 22h e será reiniciado às 7h de hoje. O enterro acontecerá hoje à tarde, no cemitério São João Batista, em Botafogo (zona sul do Rio). A decisão de não sepultar o corpo ontem foi tomada para que Dori Caymmi, o filho do compositor que mora nos EUA, pudesse chegar de Los Angeles.

Amigos como a cantora Daniela Mercury e o novelista Gilberto Braga foram ao velório ontem. ‘Acho que ele teve uma vida muito plena, e não está morrendo esquecido, está no auge da glória’, afirmou Braga, dizendo ter escolhido ‘Sábado em Copacabana’ para a abertura da novela ‘Paraíso Tropical’ por saber do amor de Caymmi pelo bairro carioca. ‘É o último dos grandes compositores surgidos na década de 30 que está indo. E essa década, para mim, é o apogeu da música popular brasileira’, disse o autor.

Além de Nana, 67, Dori, 64, e Danilo, 60, Dorival Caymmi deixa sete netos e cinco bisnetos. A primeira das netas, Stella Caymmi, 45, tornou-se a biógrafa dele, tendo lançado ‘Dorival Caymmi – O Mar e o Tempo’, em 2001. Em setembro, a autora lançará ‘Caymmi e a Bossa Nova’.

‘Como avô, era uma pessoa serena, simples, amiga, presente, amorosa, otimista. Tinha amor pela vida, pelo país, pela música. Privilegiou a convivência familiar, lidando com a carreira de uma forma muito natural, sem esse aspecto de celebridade’, disse Stella.

‘Como artista, é um dos maiores do Brasil. Apesar de Nelson Rodrigues ter dito que a unanimidade é burra, há exceções, e uma grande é meu avô. Sua obra é pequena, mas lapidada, criteriosa, e se incorporou à vida das pessoas. Integra esse grupo de brasileiros que fizeram a música da qual a gente se orgulha’, completou a neta. Outro neto, Gabriel, lembrou que o acervo pessoal de Caymmi está em digitalização no Instituto Antonio Carlos Jobim.

O prefeito do Rio, Cesar Maia, afirmou que ‘Caymmi era o mais carioca de todos os baianos’ e anunciou que dará o nome do compositor a uma rua do Leblon, na zona sul.’

 

Carlos Rennó

‘Preguiça criadora’ gerou o mais original compositor brasileiro

‘O que chama a atenção na obra de Dorival Caymmi, se comparada a de outros compositores brasileiros, é a sua relativamente pequena produção e o seu grande percentual de ‘standards’, isto é: de canções-modelo. Nesse aspecto, nem nosso maior compositor, Tom Jobim, o superou. À luz da informação estética, seria o mais original, pois o menos redundante. Qualidade muita, quantidade pouca. Foram pouco mais de cem canções em cerca de 60 anos de atividade como compositor. Pudera. Uma (‘João Valentão’) levou nove para ser acabada, outra (‘Saudade da Bahia’) passou 12 na gaveta. Perfeccionista sem obsessão e sem esforço, Caymmi compunha ‘devagarinho’ e ‘aos pedacinhos’, como chegou a dizer. A esse método correspondeu uma atitude de descompromisso com o mercado e comprometimento só com o público. Caymmi raramente compôs por encomenda e sempre cantou menos pelas circunstanciais avaliações comerciais de sua arte do que pela sua disposição. Quis e ganhou o bastante para poder curtir o ‘dolce far niente’ de uma ‘vida de artista’ (ou o ócio do ofício…). Aliás, foi para tirá-lo da vadiagem que seu pai, o funcionário público Durval, neto de italiano, lhe arranjou seu primeiro emprego no jornal ‘O Imparcial’, de Salvador, como auxiliar de escritório, aos 16. Mas a convivência com a música começava já em casa -onde o pai tocava piano, violão e bandolim, e a mãe cantava- e prosseguia na rua, nos festejos do povo baiano. Desse modo, da primeira composição, uma toada sentimental intitulada ‘No Sertão’, de 1930, às primeiras apresentações em rádio, em 1935, foi um passo. O salto ele daria em 1939, já no Rio e com uma coleção de canções sobre a Bahia na bagagem.

Os trejeitos de Carmen

Com a sua ‘O que É que a Baiana Tem?’ na voz de Carmen Miranda, Caymmi entrou em cena para não mais sair. A associação, se foi determinante para a projeção nacional dele, também o foi para a construção da imagem internacional dela -Caymmi lhe ensinou os trejeitos que se tornaram inseparáveis da sua interpretação. Em 40, saía o seu primeiro disco, com ‘O que É que a Baiana Tem?’ e ‘A Preta do Acarajé’, em duo com Carmen. Data do mesmo ano, e com outra cantora, Stella Maris, o início de uma parceria que duraria de fato até que a morte os separasse, e da qual resultaria a outra parte da sua herança musical: os filhos Nana, Dori e Danilo Caymmi. Costuma-se dividir a obra de Caymmi em duas fases/faces principais. Na primeira, tendo como referente uma Bahia pré-industrial e idealizada, sobressaem as canções praieiras -obras-primas como ‘O Mar’ e ‘O Vento’. A segunda, ‘carioca’ e urbana, põe em relevo os sambas-canções em cujas harmonias se viu um prenúncio da bossa nova -jóias tipo ‘Marina’, ‘Só Louco’, ‘Nem Eu’ etc. Há quem acrescente uma terceira, definida pelo predomínio de canções com forte acento afro-religioso. É quando intensifica sua relação com o candomblé, assumindo obrigações sócio-administrativas como Obá de Xangô do terreiro Axé Ôpô Afonjá, em Salvador, em 1969. Ele e seus grandes amigos Jorge Amado e Carybé. Na verdade, todas constituem expressões distintas de uma mesma e sempre presente baianidade. Até a chamada fase carioca. Nesta, os casos -e descasos- amorosos são tratados com uma doçura que quase não se nota num compositor do Rio. Quanto às dissonâncias harmônicas, elas já estavam lá, no violão do período marinho-soteropolitano; à época, diziam que ele tocava errado: ‘Mas eu sempre achei que havia beleza fora do acorde perfeito’.

Um baiano no Rio

Caymmi viveu em Salvador só até os 24 anos, mas, como disse Vinicius de Moraes, ‘é difícil encontrar alguém mais baianamente dengoso que ele’. De fato, o Rio, onde chegou em 1938, foi a sua principal sede. No Rio, Caymmi fez as mais diversas amizades nos meios artístico e jornalístico. Da esquerda à direita; dos padrinhos de casamento Jorge Amado, que o chamava de irmão caçula, e Samuel Wainer, que o chamou para uma coluna sobre rádio no ‘Última Hora’, nos anos 50, a Carlos Lacerda. De Rubem Braga a Carlinhos Guinle, com quem, segundo outro amigo, Fernando Lobo, a parceria funcionava nessa base: Dorival entrava com a música, e Carlinhos, com o uísque…

Seu melhor intérprete

Foi gravado pelos maiores intérpretes da MPB, de Elis Regina e Gal, que lhe dedicou um álbum em 1976; de João Gilberto, que recriou três músicas suas em plena bossa nova, a Gil e Caetano. Nenhuma dessas gravações, contudo, se compara ao próprio Caymmi se interpretando. Ele próprio era convencido disso. Não porque fosse vaidoso -coisa que ele, naturalmente, era. Mas porque tinha plena consciência de si. Sua famosa e, segundo Amado, ‘criadora’ preguiça inspirou a divulgação de histórias folclóricas e a criação de anedotas gozadas. Durante um tempo, se contou muito esta: existiriam três ritmos na Bahia: o devagar, o muito devagar e o Caymmi. Eu mesmo tive uma prova de sua lentidão. Em 1994, eu coordenava a área de música do Museu da Imagem e do Som de SP e quis trazê-lo para um depoimento. Conversávamos muito, toda semana, por telefone, mas na hora de decidir vir, ele sempre dava uma desculpa. Numa dessas, chegou a me propor que eu ligasse para ele num dia para marcarmos então o dia em que eu ligaria de novo para marcarmos enfim o dia em que viria…

CARLOS RENNÓ é letrista, produtor e jornalista’

 

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REPERCUSSÃO

‘LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, presidente da República:

‘Dorival Caymmi é um dos fundadores da música popular brasileira, patriarca de uma linhagem de músicos de talento. Suas canções praieiras e seus sambas-canção são patrimônio da cultura nacional. Brilhou e inovou como compositor, músico e cantor. Sua música é uma completa tradução da Bahia’

GILBERTO GIL, cantor, compositor e ex-ministro da Cultura:

‘Eu tive a benção de crescer ouvindo suas canções como quem bebe a água mais fresca. Neste momento em que ele deixa o mundo, após vida tão longa e tão bela, resta-me a saudade que será sempre o eco de sua voz profunda e a imagem do seu sorriso imenso’

MARIA BETHÂNIA, cantora:

‘É uma perda muito grande para o planeta e especialmente para nós, da Bahia. Mas não podemos ficar só na perda, um ser como ele morre, mas vira encantado de imediato, porque o que ele plantou florescerá. Por sua força, simplicidade e genialidade, foi um luxo podermos viver ao mesmo tempo que ele’

GAL COSTA, cantora:

‘Ele cantou da forma mais íntegra. Falou do povo baiano, da natureza, do mar, da Bahia, com uma verdade e simplicidade incríveis. É um compositor único, que falou do amor de uma maneira muito especial. Tive uma identificação enorme com a obra dele porque desde criança ouvia suas canções’

CHICO BUARQUE, cantor e compositor:

‘Dorival Caymmi era um artista fundamental e um amigo muito querido’

JOÃO BOSCO, cantor e compositor:

‘A obra que ele criou não teve relação com nada que existia na música no Brasil. Seu violão não se contentava apenas em acompanhar a música usando ritmo, procurava ambientar as canções. É uma pessoa muito especial, que a música brasileira vai continuar não só reverenciando, mas usufruindo’

ALDIR BLANC, compositor:

‘Comparo a perda dele a uma catástrofe ecológica. Ficamos sem mar, sem vento, sem rio, sem floresta. Ficamos num deserto’

PAULO JOBIM, músico e organizador do acervo de Caymmi:

‘Era um sábio, uma pessoa incrível, com muita sabedoria de vida. Como compositor, era maravilhoso, estamos digitalizando a obra dele para preservar as músicas espetaculares que ele criou’

SÉRGIO RICARDO, cantor e compositor:

‘Foi meu maior ídolo, o cara que mais me influenciou. Passei a tocar violão por causa do Caymmi. Aquelas canções praieiras me deixavam comovido. [Sua morte] é o que de mais lamentável poderia acontecer na cultura brasileira’

JARDS MACALÉ, cantor e compositor:

‘Caymmi é um dos maiores, se não o maior. Influenciou toda a música brasileira, todos os músicos geniais, como Antonio Carlos Jobim e João Gilberto’

HERMÍNIO BELLO DE CARVALHO, letrista, produziu o disco ‘Setenta Anos – Caymmi’:

‘É um dos pilares de nossa cultura. Adorava Bach, Mozart e Vivaldi. Cultuava a pintura de Cézanne, Giotto, Picasso, Tintoretto, Modigliani. E tinha dois livros essenciais: a Bíblia e ‘Dom Quixote’, de Cervantes’

SÉRGIO CABRAL, pesquisador musical:

‘Além de fazer canções lindas, expressivas, ele foi um dos modernizadores da música brasileira, um precursor da bossa nova. Ele tinha uma música muito dele’’

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O Estado de S. Paulo – 1

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