Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

DIPLOMA
Janio de Freitas

A liberdade das más razões

‘‘LIBERDADE de expressão’ não é uma expressão de liberdade, é uma fórmula cuja utilidade política está em encobrir limitações e condicionantes do direito de expressão. Umas necessárias à sociedade, outras impostas para preservação de domínio.

Magistrados e advogados abusaram do uso da expressão que sabem ser falaciosa, para chegar à extinção, pelo Supremo Tribunal Federal, da exigência de diploma específico para profissionais do jornalismo. A exigência, não nascida dos motivos repetidos no STF, foi um excesso problemático desde sua criação em 1969, mas nem por isso deixou de produzir um efeito muito saudável e nunca citado, no STF ou fora. Em lugar do diploma específico, a obrigatoriedade de algum curso universitário, não importa qual, seguida de um curso intensivo de introdução aos princípios e técnicas do jornalismo, seria a fórmula mais promissora para a melhor qualidade dos meios de comunicação.

É um argumento rústico a afirmação de que diploma obrigatório de jornalismo desrespeita a Constituição, por restringir o direito à liberdade de expressão. É falsa essa ideia de que o jornalismo profissional seja o repositório da liberdade opinativa. São inúmeros os meios de expressão de ideias e opiniões.. E, não menos significativo, a muito poucos, nos milhares de jornalistas, é dada a oportunidade de expressar sua opinião, e a pouquíssimos a liberdade incondicional de escolha e tratamento dos seus temas. (A esta peculiaridade sua, a Folha deve a arrancada de jornal sobrevivente para o grande êxito).

A matéria-prima essencial do jornalismo contemporâneo não é a opinião, é a notícia. Ou seja, a informação apresentada com técnicas jornalísticas e, ainda que a objetividade absoluta seja um problema permanente, sem interferências de expressão conceitual do jornalista. A grande massa da produção dos jornalistas profissionais não se inclui, nem remotamente, no direito à liberdade de expressão. Há desvios, claro, mas a interferência de formas opinativas no noticiário serve, em geral, à opinião e a objetivos (econômicos ou políticos) da empresa. Neste caso há, sim, uma prática à liberdade de expressão, no entanto alheia ao jornalismo, aí reduzido a mera aparência de si mesmo.

Os colaboradores, não profissionais de jornalismo, são os grandes praticantes do direito de liberdade de expressão nos meios de comunicação. E nunca precisaram de diploma de jornalista. A extinção da exigência de diploma em nada altera as possibilidades, as condicionantes e as limitações da liberdade de expressão na produção do jornalismo. Altera o que chamam de mercado de trabalho para os níveis iniciais do profissionalismo. Para os níveis mais altos, há muito tempo as empresas adotaram artifícios para dotar suas redações de diplomados em outras carreiras que não o jornalismo. À parte a questão legal, o resultado é muito bom.

Com o diploma, extinto à maneira de um portão derrubado e dane-se o resto, o STF eliminou sem a menor consideração o efeito moralizante, não só para o jornalismo, trazido sem querer pela exigência de curso. Efeito sempre silenciado. Deu-se que os anos de faculdade e seu custo desestimularam a grande afluência dos que procuravam o jornalismo, não para exercê-lo, mas para obter vantagens financeiras, sociais e muitas outras. Tal prática sobreviveu à exigência do curso, porém não mais como componente, digamos, natural do jornalismo brasileiro. É lógico que as empresas afirmem critérios rigorosos para as futuras admissões, mas sem que isso valha como segurança de passar da intenção à certeza.

O julgamento do recurso antidiploma trouxe uma revelação interessante, no conceito que a maioria do Supremo e os advogados da causa mostraram fazer da ditadura. Segundo disseram, já a partir do relatório de Gilmar Mendes, o decreto-lei com a exigência de diploma era um resquício da ditadura criado, em 69, para afastar das redações os intelectuais e outros opositores do regime. Ah, como eram gentis os militares da ditadura. Repeliram a violência e pensaram em uma forma sutil, e legal a seu modo, de silenciar os adversários nos meios de comunicação, um casuísmo constrangido.

Nem que fosse capaz de tanto, a ditadura precisaria adotá-lo. Sua regra era mais simples: a censura e, se mais conveniente, a prisão.

O julgamento no STF dispensou a desejável associação entre direito à liberdade de expressão e, de outra parte, recusa a argumentos inverazes. A boas razões preferiu a demagogia.’

 

Ana Flor

Decisão deve mudar cursos de jornalismo

‘O fim da obrigatoriedade do diploma de jornalismo, determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), deve aumentar a qualidade dos cursos e trazer mudanças nas grades curriculares ou nas opções de formação oferecidas.

A opinião é de professores e diretores dos principais cursos de jornalismo do país. Para muitos deles, a decisão irá ‘reestruturar a categoria’.

À frente das escolas de jornalismo, especialistas preveem a oferta de mais opções de pós-graduação na área e até a possibilidade de uma volta ao currículo em que os alunos faziam primeiro disciplinas humanísticas e, nos últimos anos da graduação, as disciplinas práticas.

A opção abriria a chance para pessoas com formações em outras áreas cursarem uma habilitação em jornalismo, mais curta que um curso universitário integral. Todas essas possibilidades estão em discussão no Ministério da Educação, onde um grupo vem estudando modificações nos currículos.

Hugo Santos, diretor de Comunicação e Artes da Estácio Ensino Superior, aposta em cursos mais tecnológicos e ampliação das opções de pós-graduação em jornalismo.

O professor José Marques de Melo, que atua na Universidade Metodista de São Paulo, vê nos mestrados profissionalizantes uma tendência, como ocorre nos EUA. Apesar disso, ele defende a boa formação de jornalistas generalistas, para que os jornais atendam a um público cada vez mais amplo.

A valorização da formação universitária específica na área e a procura por vagas oferecidas nos vestibulares não devem sofrer modificações, dizem professores e diretores.

Muitos comparam o futuro de seus cursos ao que já ocorre na publicidade -profissão na qual o diploma não é uma exigência. ‘Os empresários da publicidade procuram estagiários e profissionais com formação na área e a procura pelos cursos é muito alta’, diz Ricardo Schneiders, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

José Luiz Proença, da Escola de Comunicação e Artes da USP, lembra que os cursos de jornalismo são anteriores ao decreto-lei de 1969 -parcialmente derrubado pelo STF. ‘No tempo anterior à obrigatoriedade [do diploma], os cursos já tinham procura’, diz.

Leonel Aguiar, coordenador do curso de jornalismo da PUC-RJ, diz que os cursos ‘com excelência acadêmica’ continuarão sendo procurados pelos que querem se iniciar na profissão.

‘Quem tem talento e quiser ser um bom jornalista vai aproveitar muito se escolher um bom curso’, afirma Carlos Costa, coordenador de Jornalismo da Cásper Líbero.’

 

Gilberto Dimenstein

Jornalista sem diploma não tem futuro

‘PROFESSOR de Harvard, o psicólogo Howard Gardner ganhou notoriedade mundial ao disseminar o conceito de inteligências múltiplas -em poucas palavras, a inteligência se manifesta das mais diferentes formas, inclusive na habilidade como se move o corpo num campo de futebol.

Veja a renda mendal de jogadores que desprezaram a escola como Adriano (R$ 300 mil) ou Ronaldo (R$ 1,1 milhão) -agora, compare com salário de um professor doutor da USP, com dedicação integral (R$ 6,7 mil). Imagine quantos times de professores seriam necessários para ganhar o salário dos dois jogadores.

O psicólogo afirma que uma das habilidades fundamentais no mercado de trabalho é a ‘mente sintetizadora’. Por isso, apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal, na semana passada, de permitir que até um jovem com ensino médio (ou menos) trabalhe numa Redação, o jornalista não terá futuro sem, no mínimo, um diploma. Provavelmente o menos importante desses diplomas seja o de jornalismo.

Mente sintetizadora é a habilidade de extrair o que é essencial do amontoado cada vez maior de informações despejada diariamente pelos mais diferentes meios. Para Gardner, o profissional do futuro deverá ter essa ‘mente’ ou, pelo menos, ser assessorado por alguém que a tenha, do contrário tende a ficar paralisado entre as múltiplas alternativas.

Para nenhuma atividade profissional, o desafio de lidar com o excesso de informação (e, portanto, exercer a capacidade de síntese) é tão pesado como para os jornalistas. Afinal, a imprensa é e será o grande filtro, seja no papel, no rádio, nas telas da televisão ou do computador. O jornal ‘The New York Times’ inventou, no mês passado, um novo cargo: editora de ‘mídia social’. Sua missão: navegar pelo labirinto das redes de internet como Orkut, Facebook, Twitter, além da floresta de blogs, e descobrir informações e tendências. Quem está acompanhando as manifestações do Irã, vê o papel dessas redes diante da proibição de divulgação de notícias.

Não se desenvolve a capacidade de síntese sem um longo treino de associação de dados, ideias e conceitos, o que exige uma vivência de ensino superior, com cargas de leitura e dissertações aprofundadas. Desenvolve-se, aí, a competência para identificar, relacionar e selecionar, a partir de problemas complexos.

Daí que o aluno que passou a vida decorando para fazer provas tem até a chance de entrar numa boa faculdade, mas corre o risco de quebrar a cara no mercado de trabalho.

O fim da obrigatoriedade do diploma responde a essa demanda dos meios de comunicação: a abertura para profissionais ou acadêmicos das mais diversas áreas, especializados em determinados assuntos, capazes de acompanhar melhor a velocidade do conhecimento. É bem diferente de certos tempos em que se aceitavam, sem maiores problemas, repórteres talentosos para descobrir o futuro, mas incapazes de escrever; havia, na Redação, profissionais pagos para escrever a matéria, chamados ‘copidesque’.

O jornalista de qualidade será obrigado a se reciclar permanentemente, mantendo-se ligado a algum nível de vida acadêmica. É apenas consequência óbvia da era da aprendizagem permanente. Ou seja, um diploma é pouco. O presidente do STF, Gilmar Mendes, ao justificar o fim do diploma, comparou o jornalista ao cozinheiro. Também não acredito que um cozinheiro, no futuro, prospere sem diploma de ensino superior.

Ao contrário do que se pensa, o fim do diploma deve ajudar os cursos de jornalismo. Basta ler um texto universitário para ver a inviabilidade da linguagem acadêmica na mídia. Os profissionais que desejarem prosperar numa Redação terão de reciclar sua linguagem e lidar com as técnicas de comunicação; o acadêmico tem a reverência do processo; o comunicador, a do instante.

Minha aposta é que serão criados cursos de curta duração, no estilo sequencial, com foco no mercado de trabalho. Com a decisão do STF, tirando os corporativistas, todos saíram ganhando a começar do leitor. PS – Minha aposta: os cursos de jornalismo mais procurados serão uma versão um pouco mais ampliada dos treinamentos oferecidos atualmente em jornais e algumas revistas. Ou seja, centrados na prática e no contato com jornalistas em atividade. Fora disso, é para quem procura fazer teses de doutorado (o que, diga-se, é importante).

Ou jogar dinheiro fora. É mais uma pancada contra a praga do corporativismo que, na semana passada, levou mais cutucões, entre os quais a divulgação dos salários dos serviços municipais pela Prefeitura de SP e o anúncio da obrigatoriedade de exames para diretores regionais de ensino e de saúde, além dos diretores dos hospitais da rede pública paulista. Vamos, aos poucos, aprendendo a valorizar o mérito para defender a coletividade, especialmente os mais pobres. Para completar, alunos se mobilizaram contra a greve na USP.’

 

PAQUISTÃO
Folha de S. Paulo

Jornalista do ‘Times’ escapa de cativeiro

‘Um repórter do jornal ‘The New York Times’ escapou ontem do cativeiro em que era mantido há sete meses, nas montanhas da fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.

David Rohde foi sequestrado nas cercanias da capital afegã, Cabul, no dia 10 de novembro do ano passado. O jornalista estava no país fazendo pesquisa para um livro.

Além de Rohde, o jornalista afegão Tahir Ludin e o motorista local Asadullah Mangal também haviam sido levados.

Os jornalistas escalaram o muro da fortaleza onde eram mantidos reféns, no Waziristão do Norte, região paquistanesa. Eles encontraram um patrulheiro do Exército do Paquistão que os levou para uma base militar próxima dali. Ontem eles viajaram até a base militar norte-americana de Bagram, no Afeganistão.

Uma porta-voz do Exército dos EUA disse que o país não se envolveu na fuga dos sequestrados.

Rohde faz parte da equipe de repórteres do jornal norte-americano que ganhou o Prêmio Pulitzer, em maio, pela cobertura realizada no Afeganistão e no Paquistão.

Com agências internacionais’

 

PUBLICIDADE
Cristiane Barbieri

Cannes começa com 40% menos inscritos

‘No ano em que os investimentos em publicidade devem cair 12% no mundo, segundo a consultoria PricewaterhouseCoopers, o Festival Internacional de Publicidade de Cannes abre sua 56ª edição bem mais magra, de acordo com todos os indicadores de desempenho.

A crise atingiu em cheio agências e anunciantes, principalmente dos EUA e da Europa, que consideraram não ser de bom tom abusar dos gastos, numa região em que o papaia do café da manhã chega a custar US$ 90 (cerca de R$ 177), como no Eden Roc. Encravado no alto de um rochedo, o hotel fica a dez minutos de barco de Cannes, em Cap d’Antibes, e recebeu encontros entre publicitários e seus clientes, como o almoço oferecido pela FCB, do grupo Publicis, no ano passado.

O maior evento do mundo na área, que movimentou US$ 480 bilhões globalmente no ano passado, começa hoje com queda estimada de 40% no número de participantes. A organização do festival espera cerca de 6.000 inscritos, ante os 10 mil do ano passado. Cada inscrição custa 2.175, ou 999 para quem tem até 30 anos de idade.

Já o número de peças inscritas sofreu redução de 20%, indo de quase 30 mil, em 2008, para 22,6 mil neste ano. As taxas de inscrição dos trabalhos variam de 270 para peças de rádio a 1.150 para a categoria Titanium & Integrated, de mídias integradas. Os valores foram reajustados em 7%, em média, em relação a 2008.

Apesar de o Brasil continuar como o terceiro país em número de inscrições, elas diminuíram 38% em relação a 2008 e ficaram em 1.519 trabalhos apresentados ao júri. O país está atrás de EUA e Alemanha. Com a queda, o investimento das agências brasileiras no festival somou R$ 1,6 milhão, ante R$ 2,3 milhões de 2008.

Além de o número de peças ter diminuído, algumas agências brasileiras cancelaram completamente a ida ao festival. Premiada como agência do ano em Cannes, em 2001, a F/Nazca decidiu não participar de nenhuma competição neste ano cuja inscrição fosse paga.

‘A agência deve muito de sua reputação à visibilidade alcançada através desses concursos’, escreveu em comunicado Fábio Fernandes, presidente da F/Nazca. ‘Nossa decisão reflete apenas o sentimento de que 2009 deverá ser um ano para orientar todos os recursos (…) ao foco dos negócios.’

A Neogama também cancelou sua participação em função da crise e diversas agências grandes inscreveram poucas peças. No entanto, a DM9DDB divide com a Almap o recorde de 155 inscrições, cada. ‘Ajudaria muito se as inscrições fossem mais baratas, mas a tendência é priorizar a ida a festivais relevantes’, diz Sérgio Valente, presidente da DM9DDB.

Além do comedimento no festival, as festas memoráveis que o acompanham minguaram neste ano. A DDB, que há dez anos fazia uma das mais sofisticadas festas num píer da orla de Cannes, com direito a disputa pelos ingressos no eBay, cancelou o evento neste ano por conta da crise. Não foi a única. A Publicis, a Leo Burnett e o grupo editorial Havas também cortaram festas de relacionamento.

‘Além de [ter seminários] voltados ao que os inscritos precisam saber, de um jeito prático, estamos ajudando-os a acharem modos mais baratos de aproveitar Cannes’, disse Terry Savage, presidente do conselho do festival, à Folha.

Segundo Savage, além de descontos em passagens aéreas, o festival organizou meios de hospedagens alternativos e mais em conta. ‘Cannes significa aprender com os líderes e seus pares, e não com refeições e garrafas de vinho caras’, argumenta Savage.’

 

***

Campanha de Obama pode levar prêmio

‘Antes mesmo de Cannes abrir suas portas, a campanha de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos surge como candidata ao prêmio mais disputado do 56º Festival Internacional de Publicidade. A expectativa é que o trabalho vença o Grand Prix da disputa Titanium, que reúne ações muito criativas e inclassificáveis nas categorias clássicas de comunicação.

‘Na era do engajamento do consumidor e de conversa com as marcas (…), a campanha ‘Change’ reúne uma plataforma com marca clara, design fantástico, uso primoroso da mídia social e o apelo da política 2.0’, escreveu em editorial a publicação ‘Adweek’, que pertence à consultoria Nielsen Serviços de Mídia.

Segundo a análise, a campanha de Obama ofereceu ferramentas digitais para que 13 milhões de pessoas se conectassem, criassem eventos e levantassem recursos que acabaram transformando o rumo da campanha presidencial norte-americana.

David Plouffe, gerente da campanha de Obama, estará em Cannes para dar aos publicitários o mapa da mina. Com quedas de dois dígitos nos investimentos em propaganda em revistas, TVs e jornais nos EUA e na Europa neste ano, as discussões falarão sobretudo de como potencializar receitas com novas mídias.

A campanha de Obama já levou prêmios importantes como Clio Awards e The One Show.’

 

APPLE
Folha Online

Steve Jobs fez transplante de fígado, diz jornal

‘O fundador e executivo-chefe da Apple, Steve Jobs, que está em licença médica desde janeiro, submeteu-se a um transplante de fígado, segundo o ‘Wall Street Journal’.

De acordo com a publicação, a cirurgia ocorreu há dois meses. Procurada, uma porta-voz da Apple limitou-se a dizer que Jobs, 54, deve retomar suas atividades no fim do mês, conforme programado.

Em janeiro, o executivo anunciou que sairia de licença até o final de junho, a fim de se recuperar de doença que o tinha feito perder muito peso. Na época, ele disse que seus problemas de saúde tinham origem em um desequilíbrio hormonal. Depois, afirmou que o problema era mais complexo do que havia imaginado.

Em 2004, Jobs descobriu que sofria de tipo raro de câncer no pâncreas. O tumor foi retirado.’

 

15 MINUTOS
Carlos Heitor Cony

A mosca

‘RIO DE JANEIRO – Um pedreiro anônimo teve mais do que os seus 15 minutos de glória. Teve 16. Trabalhando no cemitério junto a uma igreja de São João Del Rei (MG), emocionou a nação e comoveu a cúpula do Estado que lá estava para sepultar Tancredo Neves -ato final de um drama que abalou todo o país. Ficou no ar em rede nacional, via satélite, nem por isso se afobou, cumpriu o ofício como se estivesse sozinho, caprichou com sua pá humilde, dando à cerimônia um momento de reflexão: assim passa a glória do mundo.

Não tenho certeza, mas apareceu no ‘Fantástico’, nos programas do Jô e do Faustão, mereceu charge do Chico, artigo do Elio Gaspari. Tanta e tal façanha foi agora superada em escala mundial por uma mosca que saiu não se sabe de onde, de alguma lixeira de Washington (DC) e, ludibriando o esquema de segurança mais ostensivo da história, penetrou no sagrado espaço oval do salão também oval da Casa Branca, importunando o homem mais poderoso do mundo.

O Houaiss explica (ou complica) o que seja uma mosca: designação comum aos insetos dípteros esquizófonos da subordem dos ciclórrafos que se dividem em caliptrados e acaliptrados. É coisa antiga no universo. Tibério, em Capri, passava o tempo matando moscas para se distrair do tédio de governar o maior império do mundo.

Mais ou menos com o mesmo poder e já com algum tédio, Barack Obama trucidou com certeiro golpe e destra mão um exemplar da espécie, que teve também seu momento de glória. Não precisou usar seu assombroso arsenal militar, seus porta-aviões que sozinhos são capazes de dominar a Terra, suas ogivas nucleares, os serviços do FBI e da CIA.

Com um peteleco e uma expressão de quem é hábil em matar moscas, deu um único golpe e matou a mosca e a questão.’

 

PAINEL DO LEITOR

Sarney

‘‘Por que o senador José Sarney não deve ser julgado como uma pessoa comum? Até onde sei, o fato de ser eleito não transforma ninguém em Deus. Quem quer ter uma biografia limpa não desvia dinheiro público, não faz negociatas e acordos escusos, não pratica o nepotismo, não concede canais de rádio e TV para os membros da família, não enriquece sem ter trabalhado duro nem se torna ‘dono’ de um dos Estados mais pobres do Brasil.

O senador é uma pessoa comum, sim. A diferença é que tem mandato para representar o povo. Povo para o qual ele está se lixando. E, como o povo de verdade não concorda com esses escândalos, o ‘nobre senador’ deve ser julgado e, se for o caso, condenado.

Chega de reverenciar políticos que, em nome da maioria, agem apenas em benefício próprio. Chega de conceder privilégios a quem deveria dar o exemplo.’

HELENA MARIA DE SOUZA (Rio de Janeiro, RJ)

‘Numa edição passada, um leitor repreendeu a Folha por dar espaço às sextas-feiras a José Sarney. Discordo. Briguem com o político no Senado, mas deixem esse maravilhoso escritor de fora.’

KLEBER DE SANTANA SALES (General Salgado, SP)

Senado

‘Tenho 29 anos, curso superior completo e sou bem informado, mas até hoje não sei para que serve o Senado. Imaginemos então o cidadão médio brasileiro, iletrado e desinformado. Ainda assim, somos obrigados a escolher senadores nas eleições. Por que não iniciar uma campanha pelo fechamento do Senado? Parafraseando Barbara Gancia: posso apostar um picolé de limão que ninguém sentiria falta. E convenhamos, não ameaçaria em nada a democracia brasileira.’

RODRIGO ENS (Curitiba, PR)

Diploma ‘Vamos ter um pouco de sensatez. São duas coisas distintas: uma é a não obrigatoriedade de ter diploma para exercer uma profissão, e outra é uma empresa ou o governo exigir que um contratado ou concursado comprove, por meio de títulos, o nível de educação adequado para o que está sendo contratado, como está fazendo o STF. Quanto à lei anterior, que obrigava a ter diploma, nada a ver com ditadura, mas com o corporativismo, e se teve, foi também benéfica, pois obrigou muita gente a estudar.’

PAULO MARCOS G.. LUSTOZA (Rio de Janeiro, RJ)

‘O melhor advogado de que tenho registro da história de São Paulo foi Luiz Gama, que não tinha nenhum curso. Era ex-escravo, autodidata e, com sua ação como rábula, libertou mais de 500 escravos. Então, fica provado que não é necessário o diploma universitário para a prática dessa profissão, que, como outras -no critério de Gilmar Mendes-, se aprende com a prática. E Luiz Gama, ao contrário de gente altamente graduada por aí, libertava pobres. E tinha ética.’

MOUZAR BENEDITO (São Paulo, SP)

Transparência

‘Em atitude inédita e surpreendente, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, está divulgando na internet os gastos públicos. Os paulistanos agora sabem o quanto é gasto com empresas contratadas e com cada servidor público nas áreas de educação, saúde, transporte etc. Finalmente o Brasil saiu do sistema feudal e entrou no sistema republicano, no qual todos os atos dos governantes devem ser tornados púbicos. Parabéns ao prefeito.’

MAURO A. SILVA (São Paulo, SP)

‘Seria interessante que o prefeito Kassab também divulgasse a relação de todas as empresas (terceirizadas, construtoras, consultorias etc.) que prestam ou prestaram serviços ao município, especificando o detalhamento do objeto de cada contrato, os valores contratuais/aditamentos e o que efetivamente está ou foi realizado em benefício da cidade de São Paulo.’

JAIR ROGÉRIO MALAQUIAS DE OLIVEIRA (Campinas, SP)’

 

TELEVISÃO
Danuza Leão

‘Sex and the City’

‘VENDO UMA foto de Caetano outro dia, reparei como o tempo tem sido gentil com nosso ídolo. Cada dia que passa Caetano está mais bonito, gatíssimo, palmas para ele.

Mas nem todos têm essa sorte. Quem acompanhou o seriado ‘Sex and the City’ se apaixonou pelas quatro maluquetes que só pensavam em roupas, sapatos, bolsas e homens, e quem foi a Nova York na época certamente entrou num bar e pediu um Cosmopolitan, ou aquele estranho drinque azul que elas tomavam, se achando a própria Carrie.

Pois não houve, na época, uma excursão pela cidade que levava as tietes aos restaurantes e lojas frequentados pelas quatro? Quando a série acabou, foi uma desolação; o que íamos fazer das nossas noites de terça-feira? Mas a tristeza acabou acabando, foi feito um filme, e a vida continuou. Mas eis que outro dia, buscando um programa para ver na TV, num horário pouco convencional, dei de cara com a reprise de um dos episódios.

Adorei, certa de que iria ter 30 minutos de divertimento seguro, só que não tive. Achei tudo muito fora de moda, mas me liguei no horário e, na semana seguinte, insisti. A mesma impressão, a mesma falta de graça. E cheguei à conclusão: ‘Sex and the City’ envelheceu -e mal. O seriado começou em 1998, nesses últimos dez anos o mundo mudou e vejo cada vez mais, em volta de mim, pessoas pensando e vivendo de forma diferente; consumindo menos, se vestindo de maneira mais simples. O que compram -quando compram- são coisas mais clássicas, mas que vão durar mais, portanto um investimento mais seguro -lembra que estamos em crise?

Sapatos Manolo Blahnik ou Jimmy Choo, salto 12? É claro que existem as que ainda acreditam, mas não se pode dizer que nos dias de hoje isso seja um sonho de consumo. Até é, mas para quem está ligada aos novos tempos, as prioridades são outras, e só não vê quem não quer.

E é por isso que ‘Sex and the City’ perdeu seu ineditismo; aquelas quatro maluquetes que nos pareciam tão divertidas hoje parecem quatro desvairadas; com as cabeças cheias de nada, vestidas como loucas, carregadas de sacolas e pagando 800 dólares por um par de sapatos, isso já era. Apesar de serem aparentemente tão modernas, elas tinham em comum a procura tão antiga -e de maneira muitas vezes promíscua- de um homem que pudessem amar para sempre, nem que fosse só por uns tempos.

Pelas minhas contas, em 94 episódios Carrie deve ter transado com 90 homens diferentes -sempre fumando enlouquecidamente- e Samantha, com uns 150; até ela, que parecia só querer sexo (e quanto mais variado melhor), acabou se acertando e ficando com um homem só.

Será que a maioria das mulheres vai continuar sempre na mesma, querendo desesperadamente um homem, ou um dia vai mudar? Porque o seriado acabou exatamente como os contos de fada de antigamente: cada uma delas encontrou seu príncipe encantado, com a esperança de serem felizes para sempre. Por tudo isso, mais palmas para Caetano, sempre a coisa mais moderna que existe no Brasil.’

 

Audrey Furlaneto

‘A Fazenda’ é ainda mais trash na rede que na TV

‘Há um homem no curral, e ele acaricia uma égua: ‘Fala que tu gostas do meu perfume, e eu, do teu. Beijo na boca? Hum… [encosta a boca na égua e estala os lábios]. Vou pegar um feninho pra ti, um feninho não faz mal a ninguém. Vou agradar minha namorada com feninho…’.

O homem é o ator Theo Becker, e o curral é cenário do reality show rural da Record, ‘A Fazenda’, que confina 14 ‘celebridades’ em Itu, no interior de SP. Seja pelo clima trash, que prevalece em cenas como a do ‘namorado da égua’, seja pelo apelo habitual dos realities, o programa tem seu frisson dividido entre a internet e a TV.

Fez 17 pontos de média de audiência na última quarta em SP (21 no Rio) e chegou a ficar à frente do ‘Fantástico’ por alguns minutos no domingo.

Com 36% do público formado pelas classes A e B -o último ‘Big Brother Brasil’, da Globo, tinha 39% de sua audiência nas mesmas classes sociais-, o programa da Record será esticado em uma semana, até o dia 16 de agosto, e ganhará segunda temporada, sem data prevista.

Na internet, ‘A Fazenda’ tem acontecimentos descritos no Twitter e vídeos disponíveis no portal Terra. Na TV, o programa ganha duas edições diárias, uma ao vivo depois da novela ‘Poder Paralelo’ e outra, mais cedo, por volta de 20h45, com o resumo do dia.

É aí que a televisão perde da internet. O resumo diário de 25 minutos é menos impactante que os vídeos da web, que captam desde as brigas até as bizarras conversas de Theo Becker no curral. A edição, digamos, careta, é decisão do diretor do programa, Rodrigo Carelli, 40.

Para ele, as queixas são ‘um padrão de quem acompanha muito atentamente a internet e o programa editado’.

‘A gente não quer um programa que tenha só coisas picantes e brigas do começo ao fim, por 25 minutos. Tem que ser representativa do dia, ter a mesma quantidade de conflitos, de atividades rurais mesmo, que é um diferencial do programa’, afirma.

Quase famosos

‘A Fazenda’ tem, de fato, suas peculiaridades: os ‘peões’, como são chamados os confinados, devem cumprir tarefas diárias segundo ordens do ‘fazendeiro’ (o líder da semana, na língua do ‘Big Brother Brasil’, da Globo). Devem, então, ordenhar vacas, alimentar os animais da fazenda -uma área de 110 mil m2 ao todo-, levar as ovelhas para o piquete, recolher os ovos das galinhas, escovar os cavalos e cuidar da horta.

Na quarta-feira, decide-se quem ‘Tá na Roça’, ou seja, os três que vão para o ‘paredão’. No domingo, o apresentador Britto Jr. anuncia, ao vivo, o eliminado da semana.

Até agora, saíram a atriz Franciely Freduzeski e a apresentadora Babi Xavier. Há ainda outros 12 confinados na fazenda, entre eles Miro Moreira, Mirella Santos, Jonathan Haagensen, Danielle Souza (a Samambaia), Fabiana Alvarez… Mas cadê as celebridades?

O diretor do programa, que também comandou a ‘Casa dos Artistas’, no SBT, afirma que ‘tem pessoas muito conhecidas ali’ e lista o ator bad-boy Dado Dolabella -o mais ‘célebre’ do reality-, o ex-paquito da Xuxa Theo Becker e Babi Xavier, que já saiu.

Como desconhecidos, cita só dois: Barbara Koboldt (ex-repórter de Otávio Mesquita, que desistiu na primeira semana) e Miro Moreira (modelo). ‘Propositalmente, a gente colocou pessoas que não eram conhecidos por todo mundo. Em duas semanas, o Miro virou uma pessoa muito conhecida’, diz.’

 

Daniel Castro

Novela das sete vai plantar megaedifício no centro de SP

‘A próxima novela das sete da Globo, ‘Bom Dia, Frankenstein’, será ambientada em dois megaedifícios virtualmente implantados no centro velho de São Paulo, na região que vai da rua Boa Vista ao Teatro Municipal. Um desses edifícios terá 200 andares e fará sombra em boa parte da cidade.

Será a estreia como autor-solo de Bosco Brasil, 49, um nome respeitado no teatro paulista. Ele se baseou em um projeto megalomaníaco real.

O protagonista de ‘Bom Dia, Frankenstein’ será um personagem inspirado em João Artacho Jurado (1907-1983), construtor que, apesar de não ser arquiteto, projetou importantes edifícios da cidade, entre eles o Bretagne, em Higienópolis, um dos condomínios pioneiros.

Esse empreiteiro erguerá um primeiro edifício, o Frankenstein do título (ainda provisório), por onde circularão 7.000 pessoas. Passará a novela levantando o segundo prédio, ainda maior e mais moderno.

‘A ideia é brincar com a história da liberdade vigiada, que está na moda. O sistema de segurança, a neurose da segurança, fez a gente viver em presídios. As pessoas vivem isoladas em condomínios, vítimas do perigo’, afirma Bosco Brasil.

O autor conta que sua novela fará comédia com o ‘Big Brother’do livro ‘1984’, de Orson Welles, não com o ‘Big Brother’ hedonista do reality show. ‘Quero tirar humor das pessoas em suas relações com a tecnologia’, diz.

O primeiro edifício será ‘inteligente, mas com moradores burros’. Terá uma central de segurança que controlará tudo, da luz à temperatura interna. A tecnologia do edifício, contudo, ‘será meio brasileira’. ‘As coisas não funcionam direito. Há muita gambiarra’, afirma.

A IRMÃ DE HELENA

Guarde esse nome: Aparecida Petrowky. Aos 27 anos, a atriz é a principal promessa entre os estreantes em ‘Viver a Vida’, próxima novela das oito da Globo. Filha de brasileira com russo, Aparecida será Sandrinha, irmã da protagonista Helena (Taís Araújo). ‘Ela é a ovelha negra da família. As duas são de família de classe média alta, tiveram a mesma educação, mas Helena é uma modelo e Sandrinha começa a novela fugindo da polícia e de traficantes’, conta.

DIDI MOBILIZA

Didi Wagner (foto) ressurgirá na programação do Multishow em 30 de julho. De volta ao Brasil (ela entregou o ‘Lugar Incomum’, feito em Nova York, para Erika Mader), Didi apresentará o ‘Vida do Jovem’. No programa, ela sai em busca de personagens para atuarem como coautores de uma intervenção urbana. Didi contará com a ajuda de um artista convidado para desenvolver performances que pretendem ser criativas e ganhar as ruas de São Paulo. Os jovens coautores terão de usar todos os artifícios para mobilizar o maior número de pessoas.

‘ALINE’ VEM AÍ

Começam nesta semana as gravações de ‘Aline’, novo seriado da Globo, inspirado na tira publicada na Folha por Adão Iturrusgarai. O elenco será o mesmo do piloto exibido no final do ano passado: Maria Flor como Aline e Pedro Neschling e Bernardo Marinho nos papéis de namorados dela. Bianca Comparato, Octávio Muller e Raquel Galvão farão participações. Branco Mello (Titãs) assina a trilha moderninha, com Amy Winehouse em destaque. Serão oito episódios, ainda sem previsão de estreia.

TUDO AO VIVO

A nova versão de ‘No Limite’, que volta à Globo no final de julho, terá eliminações ao vivo e decididas pelo público, em votações por telefone e pela internet, como em ‘BBB’.. A equipe perdedora de prova irá indicar dois membros para o ‘paredão’. Haverá dois programas (e eliminações) por semana, às quintas e domingos. O sistema de votação será colocado em prática já a partir de hoje, no ‘Jogo Duro’: o público decidirá quem levará o dinheiro acumulado pelos participantes nas três primeiras provas.

STRIPTEASE NA RECORD

Colaborador da trilogia ‘Os Mutantes’, Waldir Leite apresentou à Record uma sinopse de novela, ‘Striptease’, que, se aprovada, vai dar o que falar. ‘É uma novela moderna, ambientada na alta sociedade e no mundo das pessoas célebres e famosas. Mistura dondocas, um jogador de futebol que se envolve com um travesti, uma promoter ambiciosa que tem um caso com um padre, um milionário apaixonado, uma rica viúva com um segredo do passado e um estilista de moda que mata seu sócio’, adianta Leite.’

 

Bia Abramo

Novela volta demais no tempo

‘HÁ UMA crença de que voltar às histórias mais simples pode servir de passaporte para o sucesso de uma telenovela.

No fundo, pensa-se que o telespectador gosta mesmo é das intrigas melodramáticas mais básicas, centradas no embate entre o bem e o mal, representado pelo amor de um casal central, intrinsecamente bom, justo e verdadeiro, impedido pelas artimanhas de um vilão astuto e pelas intervenções cruéis do destino.

Talvez seja parcialmente verdade -esse núcleo duro funda, de fato, boa parte da narrativa romântica, que ainda tem vigência contemporânea-, mas o problema é a parte que não é verdade -essa crença reivindica uma ingenuidade francamente em desuso.

Ora e quando se quer, digamos, voltar às origens, não há nome mais emblemático do que o de Janete Clair, a rainha das telenovelas. Só que, pelo jeito, ‘Vende-se um Véu de Noiva’ recua demais na obra de Janete Clair -o texto original era de uma radionovela dos anos 60. Poderia ser até engraçado, caso não fosse levado a sério.

Mas, certamente, a paródia inteligente não está nos planos de Iris Abravanel, como se viu pelos primeiros capítulos da novela. Seu projeto vai, na verdade, na direção oposta: emprestar o prestígio e o nome de Janete Clair para ver se a coisa vai.

Por ora, não vai. Apesar de a tecnologia HD produzir imagens de alta qualidade -há todo um clima solar interessante na novela ajudado pela abundância de cenas externas-, o resto todo prima pelo amadorismo: diálogos, roteiro, atuações, caracterizações.

A trama começa em 1981, mas só sabemos disso porque aparece um letreiro no início, pois os elementos cenográficos remetem a um período bem indefinido, com elemento dos anos 50 e dos 70. Não dá para saber por que se insiste em caracterizações ‘de época’ se não se faz nenhum esforço -ou se faz o errado- para que, de fato, o espectador se sinta para lá transportado.

Felizmente, deve ser de curta duração esse mergulho no passado, pois logo, logo, Eunice, a prima pérfida, vai dar cabo da mocinha e ficar com o mocinho. O diabo é que o bebê que está na barriga da mocinha terá um destino misterioso, coisa que vai movimentar a trama quando ela chegar aos dias de hoje.

Quando fez ‘Pecado Capital’, em 1975, Janete Clair já tinha percebido que, sem algum esforço para representar, de alguma maneira, as complicações contemporâneas, o núcleo melodramático não funciona. Pelo jeito, Iris Abravanel vai teimar em ignorar as lições de quase 35 anos atrás.’

 

Daniel Castro

SBT contrata publicitário Roberto Justus

‘O publicitário Roberto Justus é o mais novo artista do SBT. Ele assinou anteontem, na casa de Silvio Santos, contrato de quatro anos. Justus terá um programa semanal no horário nobre, a estrear no final de agosto ou em setembro.

A contratação de Justus é a primeira resposta do SBT ao assédio da Record sobre Gugu Liberato. Na Record, Justus só teve contratos por obra específica, ou seja, um para cada edição de ‘O Aprendiz’.’

 

WILSON SIMONAL
Mário Magalhães

Simonal 3.540/72

‘Wilson Simonal de Castro, um dos mais talentosos cantores do Brasil em todos os tempos, declarou formalmente em 1971 que era informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), a polícia política do antigo Estado da Guanabara.

Seu depoimento na polícia foi avalizado reiteradamente em processo judicial por seu advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho.

A declaração de Simonal e a confirmação de Evaristo nunca foram divulgadas -conhecem-se apenas as manifestações de proximidade do artista com o Dops, mas em público ele negava ter sido informante.

A Folha teve acesso ao processo 3.540/72, do qual consta o depoimento em que Simonal reconhece seus serviços.

Ele foi processado sob acusação de ser o mentor de uma sessão de tortura -em dependências do Dops- para obter confissão de desfalque de Raphael Viviani, ex-funcionário de sua firma.

Relatório confidencial do Dops, anexado aos autos e ainda hoje inédito, explicitou a ligação -reafirmada por um agente do órgão, Mário Borges, em interrogatório na Justiça.

Testemunha de defesa do artista, o tenente-coronel do Exército Expedito de Souza Pereira descreveu-o como ‘colaborador das Forças Armadas’. Foi Simonal (1938-2000) quem se disse ‘colaborador dos órgãos de informação’, sublinharam Viviani e seu advogado, Jorge Alberto Romeiro Jr.

O Ministério Público, representado pelo atual deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), apontou o intérprete como ‘colaborador das Forças Armadas e informante do Dops’. Sentença proferida pelo juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto concordou.

Acórdão (decisão de corte superior) do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), assinado em 1976 pelos desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, referendou: Simonal era ‘colaborador das autoridades na repressão à subversão’. Foi a palavra final da Justiça.

Todos esses documentos integram o processo 3.540, instaurado em 1972 na 23ª Vara Criminal, concluído em 1976 e em cujas 655 folhas jamais houve divergência: dos amigos mais fiéis ao antagonista mais ressentido, todos estiveram de acordo que Simonal -e ele assentia- era informante do Dops.

Em abril, a Folha pediu ao TJ para ler os papéis. Localizados em junho, eles foram consultados pelo jornal na íntegra. A história que eles descortinam vai na contramão de versões que rejeitam a relação do cantor com o aparato de segurança da ditadura militar (1964-85).

Entrevistas com sobreviventes da época e pesquisa em periódicos jogam luz no episódio.

Em 2000, a Folha publicou reportagem com base na sentença de 11 páginas, encontrada no Arquivo Público do Estado do RJ, que guarda o acervo do Dops.

Contudo, não achou cópia do conjunto do processo nem do informe interno acerca de Simonal, da declaração em que ele se afirmou colaborador ou de lista de eventuais pessoas delatadas por ele.

Desde a década de 1930 havia informantes da polícia política nos meios culturais do Rio. Eles não costumavam ser identificados nominalmente em relatórios, como se constata no Arquivo do RJ.

Tortura

A controvérsia sobre as conexões do cantor ressurgiu com vigor devido ao documentário ‘Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei’, de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.

O filme narra da ascensão ao estrelato à morte no ostracismo, determinada pela imagem de ‘dedo-duro’ -função que no fim da vida Simonal contestava ter desempenhado. Ele se dizia alvo de mentira inventada por inimigos, de racismo e de perseguição da esquerda.

O cantor não foi julgado pela colaboração com a ditadura, mas por ter levado Viviani para a sede do Dops, na rua da Relação, região central do Rio.

Simonal foi ao departamento e emprestou seu carro aos policiais, que buscaram Viviani em casa quase à meia-noite de 24 de agosto de 1971, passaram pelo escritório do artista e terminaram na rua da Relação.

Lá torturaram Viviani com choques elétricos, socos e pontapés até ele assumir por escrito o desvio.

Simonal estava no Dops, para onde ajudou a transportar -desde seu escritório, em Copacabana- o ex-chefe de escritório da Simonal Comunicações Artísticas.

Ele não participou da tortura nem a testemunhou.

Um inquérito foi instaurado na 13ª DP porque a mulher do funcionário registrou o desaparecimento.

Foram condenados o cantor, um policial do Dops, Hugo Corrêa de Mattos, e um colaborador do órgão, Sérgio de Andrada Guedes. Em 1974, por crime de extorsão, a pena de cinco anos e quatro meses de reclusão. Em 1976, depois da desclassificação do crime para constrangimento ilegal, a três meses. Simonal passou nove dias detido. Os três negaram as acusações..

‘Subversivos’

Relatos jornalísticos recentes sustentam que foi o inspetor Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops e notório torturador de presos políticos, a fonte original da classificação de Simonal como informante.

Na 23ª Vara, Borges disse que o cantor ‘era informante do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre atividades de elementos subversivos’.

Não citou a identidade dos ‘elementos’. O interrogatório do policial ocorreu em 16 de novembro de 1972.

Acontece que, 450 dias antes, Simonal já prestara declarações no Dops que foram anexadas ao processo e não chegaram ao noticiário.

Às 15h de 24 de agosto de 1971, perto de nove horas antes da diligência contra Viviani, Simonal afirmou ter ido à rua da Relação ‘visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos… subversivos no meio artístico’. Também não nomeou os ‘movimentos’.

Ou seja, o primeiro a sustentar que Simonal era informante foi ele mesmo, e antes da ação da polícia. Na ocasião, o cantor lembrou que no golpe de Estado de 1964 esteve no Dops ‘oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos’ -outro denunciado por sevícias contra opositores.

Simonal assinalou que se aproximou ainda mais do Dops quando pediu e obteve proteção contra uma ameaça de explosão de bombas em um show.

Em 1971, ele se queixou de um ‘grupo subversivo’ que prometia sequestrá-lo se não ‘arrumasse’ dinheiro.

A voz anônima parecia, ele disse, a de Viviani.

Na 13ª DP, o cantor depôs em 28 de agosto. Apresentou-se como ‘homem de direita’ e relembrou ter dito no Dops (no dia 24) que conhecia, ‘como da área subversiva’, ‘uma irmã do senhor Carlito Maia’ -era a produtora cultural Dulce Maia, ex-presa política e àquela altura exilada.

Esse depoimento vazou à imprensa, mas nele Wilson Simonal calou, nem lhe perguntaram, sobre a atuação como informante.’

 

1971/1976

’24 de agosto de 1971

‘O declarante aqui comparece visto a confiança que deposita nos policiais aqui lotados e visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos… subversivos no meio artístico; que o declarante, quando da revolução de março de 1970, digo 64, aqui esteve oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos; que o declarante de certa feita ou, melhor, quando apresentava o seu show ‘De Cabral a Simonal’ no teatro Toneleiros, foi ameaçado de serem colocadas bombas naquela casa de espetáculos; que o declarante nesta época solicitou a proteção do Dops para sua casa de espetáculo, o que foi feito e nada se registrando de anormal..’

Wilson Simonal de Castro, em depoimento ao Dops

30 de agosto de 1971

‘Como sabe V. Sa., o cantor Wilson Simonal é elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há tanto tempo faltava.’

Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops, para José Pereira de Vasconcellos, chefe do Serviço de Buscas, em informe confidencial

16 de novembro de 1972

‘O primeiro acusado, Wilson Simonal, era informante do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre atividade de elementos subversivos.’

Mário Borges, inspetor do Dops, em interrogatório na 23ª Vara Criminal

29 de julho de 1974

‘Conhece o primeiro acusado [Wilson Simonal] porque após a revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com as Forças Armadas.’

Expedito de Souza Pereira, tenente-coronel do Exército, em interrogatório na 23ª Vara Criminal

14 de outubro de 1974

‘Simonal se diz, com todas as letras neste processo, um colaborador dos órgãos de informação, por se tratar de homem de direita. A sua defesa corroborou isso com cifras definitivas […]. Daquela época [‘Revolução de 1964’] ao fato da denúncia se perfizeram 7 anos e meses de atividade policial auxiliar voluntária de Simonal (que, aqui, num processo comum, deve ficar imune a aplausos ou críticas), por conseguinte. Lapso de tempo esse que, evidentemente, levou o cantor-acusado a ter, pelo menos, grande afinidade com os agentes do Dops, para não falar em proteção.’

Alegações finais do assistente de acusação Raphael Viviani, na 23ª Vara Criminal, assinadas pelo advogado Jorge Alberto Romeiro Jr.

1974

‘Ficou cabalmente esclarecido que o suplicante, na tarde de 23 de agosto, inclusive a conselho de um oficial superior do Exército, compareceu ao Dops, onde prestou formalmente um depoimento em que se queixou de estar sendo vítima de telefonemas ameaçadores, por parte de elementos supostamente subversivos. […] O suplicante, ao dirigir-se ao Dops, por recomendação de um oficial superior do Exército, o fez em decorrência das ameaças aterrorizantes que vinha sofrendo, revestidas de caráter político.’

Alegações finais em favor de Wilson Simonal de Castro, na 23ª Vara Criminal, assinadas pelo advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho

11 de novembro de 1974

‘Que Wilson Simonal de Castro era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops é fato confirmado […]..’

João de Deus Lacerda Menna Barreto, juiz da 23ª Vara Criminal, na sentença do processo 3.540/72

9 de dezembro de 1974

‘O primeiro apelante, Wilson Simonal de Castro, era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops […].’

Antônio Carlos Biscaia, promotor de Justiça, em contra-razões de recurso

3 de junho de 1976

‘Resulta duvidosa, entretanto, a finalidade de diligência, cabendo aqui destacar-lhe dois aspectos. O primeiro, quanto à colocação feita junto ao Dops, noticiando ameaças dirigidas ao cantor Wilson Simonal, pelo fato de ser o mesmo colaborador das autoridades na repressão à subversão, o [que] torna a diligência ordenada regular, como reconheceu a sentença.’

Desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, da 3ª Câmara Criminal, no acórdão da apelação nº 62.372′

 

***

O elo perdido

‘Relatório interno do Departamento de Ordem Política e Social da Guanabara, com carimbo ‘confidencial’, resumiu em 30 de agosto de 1971 a relação com Wilson Simonal:

‘É elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há tanto tempo faltava’.

O signatário foi o chefe da Seção de Buscas Ostensivas, Mário Borges. O destinatário, o chefe do Serviço de Buscas, José Pereira de Vasconcellos.

No mesmo dia, o diretor da Divisão de Operações, Zonildo Castello Branco, endereçou aquele relatório sigiloso ao diretor do departamento, coronel do Exército Gastão Barbosa Fernandez. O coronel encaminhou-o à Justiça, que o anexou ao processo 3.540/72.

Seu conteúdo não foi contestado por ninguém.

Produzido no calor da repercussão em torno da detenção de Raphael Viviani, o documento evoca episódio em que o Dops deu proteção a Simonal por três meses contra supostos ‘subversivos’ que teriam prometido estourar bombas no teatro em que o artista estava em cartaz.

Ele ajuda a entender o grau da intimidade que permitiu, para resolver pendenga privada, surrar um cidadão em prédio público onde funcionários se dedicavam a questões de Estado: combater oposicionistas, em particular os de grupos armados.

Menos de quatro semanas antes da chegada de Viviani, o engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira foi preso e levado para o Dops, onde o torturaram.

Seu martírio prosseguiu na instalação do Exército em que funcionava o DOI (Departamento de Operações de Informações). Raul Amaro saiu de lá para o hospital, onde morreu.

No comando da radiopatrulha que o transportou entre o Dops e o DOI estava Mário Borges, conforme a edição 2009 do ‘Dossiê Ditadura -Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1974-1985)’, organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Borges foi um dos cinco réus no processo decorrente da tortura contra Viviani. Acabou absolvido porque não participou das sevícias e tinha álibi de que estava ausente -em missão contra a ‘subversão’.

Em 1985, o Projeto Brasil: Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo, inventariou a tortura durante a ditadura.. Foram numerosas as denúncias de presos políticos apontando Mário Borges e José Pereira de Vasconcellos como torturadores.

Forças Armadas

O relatório do Dops que descreve a colaboração de Simonal com outros órgãos ganhou mais verossimilhança com o interrogatório do tenente-coronel do Exército Expedito de Souza Pereira, na 23ª Vara Criminal, em 29 de julho de 1974..

Testemunha de defesa do cantor, ele afirmou: ‘Conhece o primeiro acusado [Simonal] porque após a revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com as Forças Armadas’.

Em 1974, o oficial estava lotado na Escola Superior de Guerra. Em 1971, era relações públicas do 1º Exército, comando da Força na Guanabara (que hoje equivale ao município do Rio de Janeiro) e em outros Estados. Pereira disse ter sido procurado por Simonal, que lhe falou sobre ameaças que estaria sofrendo. O militar sugeriu que recorresse ao Dops.

Nos anos 1990, Simonal obteve um atestado da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) assegurando que ele nunca foi seu informante.

A SAE sucedeu o SNI (Serviço Nacional de Informações) da ditadura.

O nome do SNI não aparece, entretanto, no processo 3.540, no qual Simonal é reconhecido como informante do Dops e colaborador do 1º Exército.

Em 1972, o cantor contextualizou em juízo a origem da intimidação: ‘[…] Desde que participou de uma Olimpíada do Exército fazendo um show, e de fazer [sic] um disco da Shell de propaganda do governo, isto é, fazia indiretamente propaganda do governo, passou a receber telefonemas anônimos que lhe faziam [sic] ameaças a si e a sua família’.

‘Comunistas’

Ele repetidamente proclamou a camaradagem com integrantes da polícia política. Em 1971, de acordo com o ‘Correio da Manhã’, mencionou José Pereira de Vasconcellos como ‘meu grande amigo’.

Logo depois do mandado de prisão expedido em 1974, entregou-se ao Dops de São Paulo. ‘O delegado Sérgio Fleury é meu chapinha e tudo vai correr dentro do figurino’, disse, conforme o ‘Última Hora’.

Responsável por dezenas de assassinatos, Fleury foi o mais destacado policial no combate à luta armada durante o governo do general Emilio Garrastazu Médici (1969-74).

Em seus últimos anos, Simonal reclamou do que considerava um viés persecutório do jornalismo contra ele. Mas, em seguida à surra em Raphael Viviani, a versão do artista foi encampada por parcela expressiva da imprensa.

Reportagens céticas em relação aos relatos de Simonal provocaram irritação, sugere nota do colunista Ibrahim Sued na edição de ‘O Globo’ de 4 de setembro de 1971.

A nota: ‘As autoridades militares estão começando a ficar de olho em certa imprensa marrom, principalmente no que se refere aos artistas… Eu estou apenas advertindo. Quem avisa amigo é… O mar não está pra peixe…’.

O semanário ‘O Pasquim’ foi o primeiro que tratou Simonal como ‘dedo-duro’. Com a sentença de 1974, a revista ‘Veja’ publicou que a operação contra Viviani ‘foi facilitada pelo fato de Simonal também ser informante da polícia’.

A fama de delator custou-lhe vaias e xingamentos em shows.

Em agosto de 1982, ainda na ditadura, a Folha circulou com entrevista de Simonal em que ele afirmou:

‘Dizer que eu dedurei os cantores comunistas é meio calhorda. Eles próprios nunca negaram que eram comunistas.. Chico Buarque, Caetano Veloso jamais disseram o inverso. E qualquer criança sabe o que eles são…’

Depois, Simonal disse que suas declarações foram distorcidas. O jornal respondeu que nada havia alterado.’

 

***

Para delegado, ‘ele não era informante’

‘O delegado aposentado Zonildo Castello Branco afirma que Wilson Simonal não era informante do Departamento de Ordem Política e Social, apesar de um relatório interno do Dops sustentar o contrário.

Em 1971, quando o informe foi elaborado no órgão -ao fim seria anexado ao processo 3.540/72-, Castello era o diretor da Divisão de Operações, o número dois da polícia política no Rio.

Foi ele quem encaminhou para o diretor o relatório de autoria do inspetor Mário Borges. ‘Simonal era muito ligado, conhecia o Mário Borges, mas colaborador não era, não.’

O delegado sustenta que enviou o informe ao superior, sem nenhuma restrição às informações, porque esse era o método. ‘Eu apenas submetia o relatório à consideração.’

A Folha localizou no Rio o empresário Sérgio de Andrada Guedes, um dos três condenados no processo. Conversou com ele por telefone, Guedes prometeu ligar, mas não respondeu mais aos recados.

Ele foi um dos dois homens que buscaram Raphael Viviani em casa na noite de 24 de agosto de 1971. No processo, aparece como colaborador do Dops e industrial -hoje sua empresa tem mais de 300 funcionários.

‘Muito pouco sei daquilo. Sei tanto quanto vocês, imprensa’, disse ele, no único contato com o jornal.

A condição de informante ‘parece uma história de cobertura’, diz o ator e cineasta Cláudio Manoel, sobre o depoimento em que o cantor assim se assumiu.

Ele é codiretor do filme que conta a vida de Simonal.

‘Estranho que no próprio dia em que o cara vai ter essa ação ele vai e presta queixa.’ Seria uma forma de justificar a colaboração do Dops em uma iniciativa sem cunho político.

‘Acho impossível provar a condição de informante, sendo ou não.’ Critica: ‘Parece mais relevante é que de uma certa forma a questão de ele ser ou não informante parece decisiva para justificar se merecia ou não ter sofrido o tipo de lepra que sofreu’.

Cláudio identifica crueldade com Simonal: ‘Por que não passa? Digamos que fosse provado que o cara foi um informante da ditadura. Trinta anos depois da Lei da Anistia, o que interessa isso?’.

Na sua opinião, houve contra Viviani ‘uma operação truculenta, estúpida e de vendeta pessoal que descambou para o errado’.

Inocente

Logo que uma enorme leva de marinheiros foi presa pelos golpistas de 1964, dois advogados de 38 anos de idade se desdobraram para, sem cobrar um tostão, dar conta de tantas defesas urgentes: Antonio Evaristo de Moraes Filho e Antônio Augusto Alves de Souza.

Eles ficariam de tal modo marcados que seus detratores pró-regime gracejavam: não eram causídicos de porta de xadrez, mas de porta de fortaleza -instalações militares onde os clientes eram encarcerados.

Ao se ver em apuros, Simonal procurou Evaristo. O motivo era óbvio, diz Alves de Souza: ‘Ele era um advogado excepcional, o melhor da época’.

Durante todo o processo 3.540/72, a dupla representou Simonal. Evaristinho, como chamavam o criminalista, era homem de esquerda. Morreu em 1997. Assinou sozinho os principais documentos da defesa, inclusive os que avalizam o depoimento em que o cantor se reconhece informante.

Seu colega, que ‘não era politizado’, afirma que ambos nunca tiveram dúvidas de que a versão de Simonal no episódio era verdadeira: ele dizia não saber de tortura contra Viviani.

A Justiça não lhe deu razão, mas a defesa obteve vitória relativa ao limitar a três meses a pena final, sem necessidade de cumpri-la na prisão.

‘Se ele fosse realmente culpado, não se sentiria atingido’, diz Alves de Souza. ‘Por isso acredito piamente na inocência. Ele se sentia profundamente infeliz. Em nenhum momento ficou provado nos autos que participou da tortura ou que estava presente, o que evidencia a inocência.’

De fato, nenhum depoimento, nem o de Viviani, sustentou que Simonal torturou ou assistiu às sevícias. Ele foi condenado por ser considerado corresponsável por constrangimento ilegal, mas não agressor.

Para Alves de Souza, Simonal foi vítima de ‘perseguição ideológica’: ‘Da mesma forma que havia a perseguição estatal contra aqueles que tinham a ideologia de esquerda, o pessoal que era perseguido se voltou contra ele’.

A intolerância feriu: ‘Pela mesma maneira que se julgava crime de ideologia, o que é um absurdo, as pessoas que se diziam comunistas queriam acusá-lo por ser um homem que tinha outra ideologia, por ser de direita’.

A inveja teria contribuído: ‘Os invejosos anônimos aproveitaram aquele momento para ajudar a derrubá-lo. Os arrivistas que querem subir à custa do sofrimento alheio’.’

 

***

‘Atrapalhou minha vida, acabou com a dele’, diz vítima

‘Quase quatro décadas depois dos eletrochoques acionados com manivela e do espancamento que ele denunciou ter sofrido e sentença judicial reconheceu, Raphael Viviani, 68, esboça em mão dupla seu balanço sincero da história: ‘Isso aí atrapalhou deveras a minha vida, passei um sufoco muito grande. E ele também acabou com a vida dele’.

‘Ele’ é Wilson Simonal, o ex-patrão cuja firma foi alvo de uma reclamação trabalhista do seu antigo chefe de escritório -e não contador, como até hoje se repete- contratado em outubro de 1970 e demitido em junho seguinte.

Em 24 de agosto de 1971, por volta das 23h50, um agente e um colaborador do Dops apanharam-no em casa. Era o dia seguinte à notificação da queixa pela Junta de Conciliação.

Já na companhia de Simonal, levaram-no para a repartição policial -de onde ele sairia por volta das 20h do dia 25, após redigir de próprio punho uma confissão de apropriação indébita.

Obrigaram-no -foi isso que a Justiça concluiu – a escrever que gastou o dinheiro em ‘noitadas, bebidas e mulheres’. No processo, não consta prova ou indício documental de desvio.

‘Como é que eu vou esquecer uma coisa dessa?’, pergunta, sobre os idos de 1971. ‘Não tem jeito de esquecer aqueles dias tumultuados. Se você me visse antes e depois daquela noite que eu passei sendo torturado lá, não diria que é a mesma pessoa.’

‘Uma foto antes e uma depois, elas saíram num jornal vagabundo, que inverteu toda a minha história, você não diz que é a mesma pessoa. É uma coisa que eu não vou esquecer. Vou acabar levando para o túmulo.’

Viviani conversou com a Folha por telefone -foi fácil encontrá-lo recorrendo à lista, pelo nome de um parente que mora com ele em um bairro da zona oeste de São Paulo.

O escriturário conta estar aposentado por invalidez permanente -um diabetes que teria começado a se manifestar em seguida à sua detenção.

Ele reapareceu publicamente com um depoimento no filme ‘Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei’.

Como ainda recordava o tom antipático contra ele em segmentos consideráveis do jornalismo, nos dias e semanas posteriores à sua passagem pelo Dops, falou ao documentário ‘para desabafar um pouco’.

‘Estava todo mundo formando ideia contra mim. Vou esclarecer isso aí, não devo nada, seria bom. Minha família não gostou que eu tenha feito isso. E até hoje eles não querem que eu mexa mais com isso. E eu não tenho muito o que falar.’’

 

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Reportagem tentou falar com os filhos de 2ª a 5ª passadas

‘A Folha tentou da tarde da segunda-feira até a quinta, todos os dias e por diversos meios, entrevistar os cantores Wilson Simoninha e Max de Castro, filhos de Simonal. Na segunda, por e-mail, seguiram informações sobre o conteúdo da reportagem de hoje. As mensagens foram repassadas às assessorias na terça, após telefonemas.

Nos dois dias seguintes, prosseguiram os esforços para ouvir os artistas, até a conclusão desta edição. As assessorias disseram que a agenda artística dificultou o contato com os cantores.

Recentemente, os irmãos têm enfatizado a importância das muitas e novas iniciativas de difusão da obra do pai, morto em 2000. Em 2008, a Folha publicou reportagem sobre o filme ‘Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei’.

Max disse considerar a história ‘incompleta’, pois o documentário exibe o depoimento de Raphael Viviani na parte final: ‘Não há contra-argumentos depois. E a coisa não é tão simples como aparece no filme. Não fica claro que houve ações anteriores [à ida ao Dops]. Ele [Simonal] procurou saber o que estava acontecendo [em relação ao suposto desfalque].

Sabendo da origem humilde dele, do fato de não ter tido um pai, você consegue imaginar ser possível a atitude que ele tomou, ainda que nada justifique’. Depois, Max criticou o jornal por ter publicado que o filme era uma investigação da relação de Simonal com a ditadura.

‘O documentário é sobre a saga de um homem negro, filho de uma empregada doméstica, que sai da pobreza, do nada, para se tornar um dos maiores artistas do Brasil durante os anos 1960’, escreveu em resposta.’

 

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Exército tentou intimidar, diz promotor

‘O processo contra Wilson Simonal foi a primeira ação penal em que atuou um jovem promotor que chegava aos 30 anos, o hoje deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ).

Ele conta que, conhecida a sentença em 1974, o telefone de sua casa não parou de tocar: ‘Ligavam xingando. Eram fãs do Simonal’.

Biscaia relata ter sido alvo de pressões para pedir a absolvição dos cinco réus -em vez disso, acusou-os. Três foram condenados.

‘Em duas oportunidades, veio um cidadão, cujo nome eu não recordo, ao meu gabinete e disse que era assessor jurídico do comando do 1º Exército.’

O antigo promotor diz ter ouvido: ‘As Forças de Segurança têm interesse nesse processo. O senhor tem que examinar com todo o cuidado’.

‘Respondi: ‘Vou examinar com todo o cuidado, como examino tudo’. Ele disse: ‘Mas eu estou dizendo que as pessoas aqui são ligadas às forças de sustentação do governo revolucionário’. Ele começou a tentar justificar esse ponto de vista e de alguma maneira também me intimidar.’

Biscaia caracteriza como ‘absolutamente insuspeito’ o juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto, que condenou três réus a cinco anos e quatro meses de reclusão. ‘Ele é de família de militares.’

‘Naquela época tinha muito juiz acovardado’, emenda o ex-professor de Processo Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Jorge Alberto Romeiro Jr. ‘Menna Barreto, que era um homem conservador, fez boa Justiça. É um homem de bem.’

Sem arrependimento

Representando Raphael Viviani, vítima de tortura no Dops, Romeiro foi assistente de acusação. Trabalhou praticamente de graça, inconformado com ‘uma coisa horrorosa, covarde. A tortura é repugnante. O pessoal do Dops não ia fazer isso se o Simonal não fosse um colaborador’.

Romeiro tornou-se desembargador, aposentou-se por iniciativa própria e voltou a advogar. Lamentou o acórdão que em 1976 resultou na redução da pena para três meses.

Filho de um ex-ministro do STM (Superior Tribunal Militar), afirma que certa feita indagou a outro antigo ministro da corte, o general Siseno Sarmento, sobre gestões no Tribunal de Justiça do RJ.

De 1968 a 71, o oficial comandou o 1º Exército, no Rio.

‘Perguntei: ‘O senhor não teve interferência ali?’. Ele deu uma risada. ‘Claro que tive.’ ‘Então o senhor procurou algum desembargador?’ ‘Procurei. Pedi para ele e tal’.’

Os dois desembargadores autores do acórdão em que a sessão de tortura foi tipificada como crime de constrangimento ilegal já morreram.

Menna Barreto é neto de um dos três membros da junta que governou o Brasil por pouco mais de uma semana em 1930. De juiz ele passaria a desembargador. Hoje é consultor jurídico. Defende sua sentença em primeira instância: ‘Arrependimento? Nenhum. Julguei de acordo com a prova que estava nos autos’.

Ele afirma não ter sofrido pressões -’Eu jamais aceitaria’.. Destaca que inexistiu no processo divergência sobre a colaboração de Simonal com o governo. ‘E há o depoimento de um tenente-coronel afirmando isso.’’

 

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