Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Folha de S. Paulo

CAMPANHA
Emílio Odebrecht

A televisão e a política

‘A CAMPANHA eleitoral deste ano, que extraoficialmente já está nas ruas, é mais um passo importante na caminhada do Brasil rumo ao futuro.

Quanto mais as práticas democráticas ocorrem, mais os cidadãos se aperfeiçoam nas mesmas. A construção da boa política é, sobretudo, fruto de uma espécie de pedagogia continuada feita de sucessivas experiências do exercício do voto ao longo do tempo.

Como toda pedagogia, esta também se enriquece com o contato humano. E é exatamente sobre isso que quero falar.

Antigamente, nossa política padecia de males graves, os quais, felizmente, estão superados. Lembremo-nos da República Velha, onde os resultados dos pleitos eram sistematicamente fraudados; dos usos e costumes nos tempos do coronelismo no Nordeste; e mesmo da pura e simples ausência do direito de votar nos períodos autoritários que já vivemos. Mas não fará mal algum admitirmos que havia um lado bom na política de então: a proximidade entre população e governantes era muito maior do que na atualidade.

As campanhas eram feitas na base de comícios. Nos períodos eleitorais, qualquer pessoa tinha a chance de ouvir o candidato no qual pretendia votar discursando e expondo em praça pública sua biografia e seus compromissos de governo. Tais práticas conferiam à política uma dimensão humana que está se perdendo. Hoje, o que faz diferença é a televisão.

Não faria sentido, obviamente, que os partidos trocassem a força da TV -através da qual se fala com milhões de pessoas ao mesmo tempo- pelo corpo a corpo nas ruas.

Mas com isso, nossos políticos estão privados das vaias e dos aplausos, que são, sem dúvida, os melhores termômetros da receptividade do eleitorado.

A campanha pela TV não é um mal em si. O problema está no papel que cabe ao candidato. Nas coligações o que conta não são as convergências programáticas e ideológicas, mas os minutos na televisão que os partidos têm para oferecer.

O discurso não é pautado pelo formulador do plano de governo, mas pelo marqueteiro -senhor absoluto das falas, das roupas, dos óculos e até do corte do cabelo do candidato.

Perdemos a autenticidade do passado e não me parece saudável que a maior parte do povo brasileiro conheça quem pretende conduzir nosso destino na tela de um televisor, embalado em um artificialismo distante do mundo real, reproduzindo, sem convicção, gestos teatrais.

Interpretar papéis é tarefa para atores; gerir um país é encargo de estadistas. Revelar a diferença que há entre uns e outros seria muito bom para nossa democracia.’

 

Alec Duarte

Em ascensão, ministra ultrapassa Marina Silva em buscas no Google

‘Num período de apenas 20 dias (a partir do momento do lançamento de sua candidatura no congresso do PT, no mês passado), a ministra da Casa Civil e candidata do partido à Presidência, Dilma Rousseff, ultrapassou Marina Silva (postulante ao cargo pelo PV) em volume de buscas no Google, ferramenta que faz 2 de cada 3 operações do gênero na internet.

Marina mantinha, entre os quatro principais candidatos à Presidência, o topo nas pesquisas no site desde 2008, com alguns momentos de alternância com os adversários.

Os dados estão disponíveis no Trends, produto do Google que exibe a proporção das buscas por determinado termo, período e região sem informar a quantidade das ocorrências para cada caso.

O critério usado neste levantamento foi a combinação de nome e sobrenome de cada um dos candidatos mais bem posicionados na última pesquisa Datafolha, divulgada em 28 de fevereiro.

Nela, a liderança era de José Serra (PSDB), com 32% das intenções de voto, seguido de Dilma, com 28%, Ciro Gomes (PSB), que registrou 12%, e Marina (8%).

A proporção de buscas no Google no Brasil, porém, mexe bastante nessas posições: a candidata do PT aparece acima dos adversários e com uma curva ascendente.

Serra, que subia gradualmente segundo os dados do Trends, oscilou para baixo, mas manteve o terceiro posto. Já Ciro Gomes, que chegou a ser o segundo em 2009, perdeu fôlego em fevereiro e caiu para o quarto lugar.

O início da ascensão de Dilma coincide com o lançamento de sua candidatura, na segunda quinzena de fevereiro. Só ela e Marina seguem com o interesse em alta entre quem faz pesquisas no Google.

Segundo o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, o volume de buscas está em consonância com o grau de conhecimento dos candidatos medido pelo instituto.

De acordo com a pesquisa, Marina atingiu 56% de conhecimento (percentual de eleitores que conhecem a candidata) no total da amostra -76% entre os mais escolarizados e 73% entre os que têm renda familiar mais alta.

‘Como o público que faz buscas no Google é mais qualificado, assim como o eleitorado de Marina é, provavelmente e neste momento, o mais engajado, acredito que tenha também mais acesso à ferramenta’, afirmou. Isso explica por que, mesmo em quarto na pesquisa, a senadora é destaque no buscador.

As buscas no país por cada candidato seguem a lógica de suas bases eleitorais. No caso de Dilma, tanto no Estado onde nasceu (Minas Gerais) quanto naquele em que construiu carreira política (Rio Grande do Sul), ela lidera.

Marina é um nome mais nacional: a candidata do PV aparece bem posicionada em praticamente todas as regiões do país (não por acaso detinha, até recentemente, a liderança geral). Serra só se destaca em São Paulo, onde supera a senadora por muito pouco -com Dilma à frente.

O verbete dos candidatos na enciclopédia colaborativa Wikipedia é, via de regra, o primeiro resultado que surge numa pesquisa no buscador.

Quem procura por Marina encontra ainda uma rede social criada por simpatizantes e sua página no Senado.

Buscas por Serra e Dilma também apontam para sites aparentemente criados por simpatizantes, enquanto a procura por Ciro revela um portal, ainda ‘em desenvolvimento’, com o objetivo de fornecer ‘informação qualitativa da política nacional’.

Brasil, Portugal, Espanha, Reino Unido, Alemanha, Japão e Estados Unidos são os países com maior incidência de pesquisas envolvendo os nomes dos quatro principais candidatos à Presidência.’

 

DIA DA ÁGUA
Amanhã, edição da Folha sairá com a cor azul

‘Amanhã, no Dia Mundial da Água, todo o primeiro caderno da Folha -que abrangerá a Primeira Página e as editorias de Opinião e de Brasil- será publicado com um fundo azul, para marcar o lançamento do Movimento Cyan, uma campanha da AmBev em defesa do uso consciente da água.

Idealizada pela agência Loducca.MPM, a campanha -cujo tema é ‘quem vê a água enxerga seu valor’- tem o objetivo de alertar a população para a necessidade de evitar o desperdício desse recurso.

Além disso, a AmBev vai lançar um programa de proteção de nascentes no Cerrado e desenvolver, em parceria com a USP/São Carlos, um estudo para reduzir o consumo em toda a sua cadeia produtiva.’

 

TELEVISÃO
Andréia Michael

‘Big Brother’ não é cultura, é um jogo cruel’, diz Boninho

‘Na reta final do ‘Big Brother Brasil’, o diretor de núcleo do programa, José Bonifácio de Oliveira, o Boninho, analisa o reality em entrevista exclusiva à coluna. Leia trechos a seguir.

FOLHA – O que mais marcou ao longo dessas dez edições?

BONINHO – Pedro Bial. Um cara com a história dele como jornalista encarar isso com leveza, seriedade e bom humor, é raro.

FOLHA – O que marca esta edição?

BONINHO – É o ‘BBB’ da porrada. Eles estão claramente jogando. Não temos nem bons nem maus meninos. Era isso [jogo o tempo todo] o que a gente queria fazer, e conseguimos.

FOLHA – Qual o papel da interatividade via Twitter neste ‘BBB’?

BONINHO – Dá um poder para o cara de casa que ele sempre achou que tinha e, agora, está descobrindo que tem mesmo.

FOLHA – ‘Brothers’ marcantes?

BONINHO – O Dhomini [‘BBB 3’] é um cara que jogou de forma bacana. A Sabrina [‘BBB 3’] é uma figura ótima. O Jean [‘BBB 5’] foi muito inteligente. O Alemão [‘BBB 7’], com o triângulo amoroso, foi su- perengraçado. A loucura da Tina [‘BBB 2’] batendo panela foi genial. Só penso no sucesso do jogo. Mas digo sempre: quando vejo um ‘big brother’, atravesso a rua. Não é maldade. Eu os encaro como peças de um jogo.

FOLHA – E a reta final do programa?

BONINHO – Um paredão atrás do outro. Essa eliminação é a mais cruel que há, porque eles veem as pessoas indo e caem na real, podem ser os próximos.

FOLHA – E a 11ª edição?

BONINHO – Podemos ter pequenos ‘BBBs’ em cada região, com seis pessoas em cada um, de onde sairão os finalistas.

FOLHA – Tudo certo com Tessália?

BONINHO – Há uma grande chance de ela não ir à final.

Leia a íntegra da entrevista na Folha Online

www.folha.com.br/100778

VÍTIMA DO ‘TALEBAN’ EM ‘REBOLATION’ NO JOCKEY

No sábado 13 de março, ao sair de uma solenidade no Jockey Club de São Paulo, a presidenciável e ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) encontrou o humorista Carioca na pele de Dilma Duchefe, personagem do ‘Pânico na TV’.

No quadro que vai ao ar neste domingo, na Rede TV!, Duchefe convidou Rousseff a dançar o ‘Rebolation’. Primeiro, ela cedeu a vez ao concorrente. ‘Não é que ele dança mesmo!’

Chegada a sua vez, Rousseff, sempre sorridente, como se espera de uma candidata, chegou a botar a mão na cabeça e se esforçou…

‘Vamos continuar no ‘taleban’ [gíria para improviso], como uma saga: onde ela estiver, a gente aparece, até ela dançar’, diz Alan Rapp, diretor-geral do programa.

Com Clarice Cardoso’

 

Lúcia Valentim Rodrigues

TV paga abre espaço para latinos

‘A TV paga brasileira se abriu para o Mercosul. Ou poderíamos dizer, mais genericamente, que os Estados Unidos descobriram o resto da América.

Até abril, cinco séries latinas vão rechear a programação dos canais da TV por assinatura. A justificativa, além do sabor local para as produções, é que isso barateia a grade exibida.

Na Fox, por exemplo, é possível colocar no horário nobre apenas títulos consagrados como ‘24 Horas’ e ‘Prison Break’, mas, a cada temporada, o preço dessas séries sobe.

Por isso a emissora estabeleceu um estúdio na Colômbia. ‘Mental’ abriu novos horizontes. Produzida no ano passado em Bogotá, segue em reprises.

Foi um sucesso. Não de público, é bom frisar. Mas para mostrar à matriz que podia ser feito fora da América do Norte com igual qualidade e, mais importante, com custo menor.

Emiliano Saccone, vice-presidente sênior de conteúdo global da Fox International, diz que a audiência não era a meta. ‘Nossa tarefa era produzir conteúdo para Hollywood com um orçamento latino. Fomos bem-sucedidos porque a série foi muito licenciada. Ser o primeiro não significa ser o melhor.’

Contudo ele não acredita numa segunda temporada por ‘questões de política interna’. ‘Os executivos do canal não participaram da criação da série. E eles querem muito palpitar. Sabíamos que os riscos disso acontecer eram grandes.’

Nessa onda, o FX, que é um braço do canal, estreou no começo do mês ‘Impostores’, da Argentina. Na segunda quinzena de abril, é a vez de ‘Kdabra’, série colombiana que vai explorar um universo mágico.

‘O futuro são as produções originais. É isso que vai fazer a diferença em um canal, mas isso tem custo’, diz Saccone.

Fazendo coro, a Sony lançou a colombiana ‘Los Caballeros las Prefieren Brutas’, sobre a busca do homem ideal.

Já a Nickelodeon quer reproduzir o sucesso de ‘Isa TKM’, que, no Brasil, quintuplicou a audiência no horário.

A sequência, ‘Isa TK+’, estreia em 5 de abril. Na América Latina, onde já foi exibida, liderou o ibope entre jovens de 12 e 17 anos em vários países. Por isso a Nick já prepara ‘Sueña Conmigo’, que deve estrear na América Latina em julho e no Brasil em 2011 -para dar tempo de fazer toda a dublagem.

Tatiana Rodríguez, vice-presidente de programação e estratégia criativa, diz que a crise criou uma abertura. ‘Antes queríamos monopolizar os direitos de um programa. Agora a divisão disso permite viabilizar o projeto. Com isso há negociações antes impensáveis.’’

 

Escritor vê ‘melhor momento da história’

‘‘Yo Soy Betty, la Fea’ é o maior sucesso da TV na América Latina. O original colombiano foi exibido em mais de cem países e adaptado em 22. Também entrou para o ‘Guinness’, o livro dos recordes, como a novela mais vista no mundo.

Escrita por Fernando Gaitán e produzida entre 1999 e 2001, foi o primeiro texto do país a ser recriado nos Estados Unidos -até o Brasil tem sua versão; ‘Bela, a Feia’ chega ao fim na Record em abril.

Mas Gaitán, 62, está melancólico. ‘Fico triste que ‘Ugly Betty’ acabe. Por outro lado, é um original colombiano que aguentou quatro temporadas na TV norte-americana. É uma felicidade’, conta, por telefone, de sua produtora, em Bogotá.

Ele acha que as histórias estão fazendo sucesso e que é ‘o melhor momento da história da Colômbia nessa área’. ‘O estabelecimento de estúdios norte-americanos em Bogotá, como a Disney, a Fox e a Sony, ajudou a desenvolver nosso polo produtor, iniciativa que começou a acontecer mais fortemente há quatro anos.’

Segundo ele, isso gerou outros ganhos: ‘É também uma forma de entender o que funciona para os EUA, porque essa aproximação importa a ambos os países, mas eles têm interesses distintos. O diálogo tem de ser permanente’.

Para ele, além dos custos mais baixos, a geopolítica é fator determinante para essa forte presença. ‘A Colômbia está no meio do caminho entre Brasil/Argentina e México/EUA. Estamos numa posição estratégica. A crise na Venezuela também transferiu coisas para cá. Os canais investiram muito na infraestrutura televisiva aqui.’

Outra razão do aumento da produção exportada é a TV paga. Ele diz que as TVs abertas normalmente têm as portas fechadas para coisas vindas de fora. ‘Com razão. Faz parte da proteção da indústria nacional investir nas suas produções e em seus autores. Mas os canais pagos abriram mercados.’

Gaitán não desiste de emplacar mais um sucesso internacional desse porte e, para isso, aposta na quantidade. Tem 28 novos projetos. Quatro já foram levados ao ar. Os outros estreiam até 2011.’

 

Rodrigo Russo

Falta um diferencial à nova temporada

‘O ‘CQC’ voltou de férias na semana passada, mas a pergunta permanece: o programa, afinal, faz jornalismo com humor ou humor com o jornalismo?

Combinando a credibilidade conferida por Marcelo Tas, criador do personagem Ernesto Varela nos anos 80 -ainda forte referência de jornalismo irreverente na TV-, a um caprichado formato vindo da produtora argentina Cuatro Cabezas, a atração da Band (segundas, às 22h15) se apresenta como um ‘resumo semanal de notícias’, o que foge um pouco a seu conteúdo.

A estreia da terceira temporada, na noite da última segunda, mostrou que, apesar da enxurrada de novos quadros -na verdade, uma reciclagem de ideias já exibidas na TV paga ou no exterior-, falta o toque de genialidade de anos anteriores.

Na primeira temporada, a grande sacada foi o repórter inexperiente vivido por Danilo Gentilli, que desconstruía a pose de entrevistados famosos.

No ano passado, foi a vez de Warley Santana, como um experiente consultor de imagem, que sempre tinha frases ‘sábias’ a indicar para os personagens de suas reportagens-que não hesitavam em usá-las.

Vale ressaltar, contudo, que a atração segue com larga vantagem em relação aos concorrentes nos quesitos técnicos. Não há edição similar em termos de agilidade, efeitos sonoros e visuais. Outro ponto favorável é não subestimar a inteligência do público com repetições de frases e imagens ao infinito, como faz o ‘Pânico’, muitas vezes fora de contexto.

O ponto alto do primeiro ‘CQC’ do ano foi o antigo quadro ‘Top Five’, espécie de fiscal dos erros -fartos, diga-se de passagem- da TV nacional. Ali, vimos uma onda derrubar a ‘celebridade’ Ângela Bismarchi durante um ensaio sensual. A cena foi originalmente exibida no ‘TV Fama’, da RedeTV!.

Marco Luque, talentoso criador de personagens no teatro, mas ainda sem o mesmo acerto na TV, ganhou um quadro solo. O ‘Marco Luque Responde’ dá respostas sem graça a perguntas idem, em uma versão masculina da Magda (papel de Marisa Orth) de ‘Sai de Baixo’.

O quadro ‘Proteste Já’, o mais jornalístico e crítico do ‘CQC’, foi impedido de ir ao ar por decisão judicial, pois era incômodo à prefeitura de Barueri. As cenas de Danilo Gentilli flagrando TV doada à uma escola na casa da diretora serão exibidas amanhã, após a prefeitura desistir do processo.

No geral, ‘CQC’ é melhor como humor que satiriza o mau jornalismo do que como noticiário apoiado na comédia. E tem os merchandisings mais descolados do mercado.’

 

Laura Mattos

Lei é omissa sobre atuação de menor em TV e cinema

‘‘Pirralha, pestinha’, ouviu Rafaela de uma prima de sua mãe, logo depois que a menina atirou em seu colo, de propósito, um pote de sorvete.

Rafaela é interpretada por Klara Castanho, 9, na novela da Globo, ‘Viver a Vida’. Cenas como a descrita acima, exibida na última terça, nas quais a garota apronta e fuzila desafetos com um olhar assustador, levaram Rafaela a ser chamada na internet de Chucky, o clássico boneco assassino do cinema.

Mas ela terá de ficar boazinha logo ou o Ministério Público do Trabalho (MPT) do Rio pode solicitar até que a atriz deixe a trama. Segundo a Globo, a questão foi tratada em audiência entre seus advogados e o órgão e ‘foi fixado um prazo para a discussão na emissora’.

A procuradora Maria Vitória Sussekind Rocha, responsável pelo caso, afirmou à Folha haver risco de ‘o papel trazer prejuízos psicológicos à atriz, que pode não ter discernimento total entre ficção e realidade’.

Antes de discutir se as maldades de Rafaela podem ou não fazer mal a Klara, porém, a polêmica em torno de ‘Viver a Vida’ coloca lenha em debate já acirrado no país: se a lei proíbe menores de 16 anos de trabalhar, por que crianças podem atuar na TV e no cinema?

A procuradora diz ser ‘uma questão difícil’. ‘O trabalho artístico não é contínuo, crianças não costumam gravar todo dia. Vemos como exceção.’

Comissão de procuradores formada em 2007 definiu regras para o trabalho artístico infantil. Entre elas estão a necessidade de alvará judicial, respeito à vida escolar e abertura de poupança em nome da criança para depositar parte do lucro. Mas há normas subjetivas, como veto a trabalhos ‘prejudiciais à moralidade’.

Não é a mesma interpretação a de Renato Mendes, coordenador no Brasil do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT (Organização Internacional do Trabalho). ‘O que temos em convenção sobre o tema na OIT, da qual o Brasil é signatário, é exceção a ‘participação em manifestações artísticas’. É diferente de trabalho. No caso da atriz da novela da Globo, como no de outros, há salário, frequência determinada pelo empregador e relação de subordinação com o diretor’, afirma.

Na opinião de Mendes, que vê ‘um grande avanço do país na erradicação do trabalho infantil’, uma criança só deveria ser convocada para a TV ou cinema em último caso. ‘Autores são criativos o suficiente para criar situações que não exijam crianças. Por que temos o direito de nos divertir às custas de roubar a infância de alguém? Quem é a favor da participação dessa atriz na novela deve-se perguntar: ‘Eu colocaria meu filho nesse papel?’, provoca.

Para a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), a presença infantil na TV é positiva. O órgão defende que elas estejam inclusive nos bastidores, ajudando a produzir programas, para que sejam melhor representadas na mídia.

‘É claro que isso precisa de acompanhamento, para que crianças não sejam envolvidas em uma trama cuja complexidade não sejam capazes de assimilar. Pais, TVs e poder público devem analisar em que contexto irá trabalhar’, defende Veet Vivarta, secretário-executivo da Andi, para quem o trabalho infantil tem de ser regulamentado no país.

Há atualmente dois projetos de lei em torno do tema, um da Câmara dos Deputados e outro do Senado. Ambos, de 2009, defendem que a atuação artística de menores de 16 anos seja exceção à proibição ao trabalho infantil. Colunista da Folha, a psicóloga Rosely Sayão põe mais interrogações na discussão. ‘O que difere esse trabalho de outros? Fazer novela é lúdico e catar pedra não? Ou a gente acha que atuar na TV não é trabalho ou estamos valorizando demais a atividade.’’

 

Hélio Schwartsman

Os bons selvagens mirins

‘Garotas podem ser más? Embora a visão romantizada da infância sugira a existência de uma pureza primordial, crianças, como qualquer outro animal social, são capazes tanto de atitudes do mais profundo egoísmo -de crueldade mesmo- quanto de gestos altruístas. É um clássico caso de copo meio cheio ou meio vazio.

E a pergunta interessante é: por que tanta gente deixa seletivamente de ver os fatos que não lhe convêm para sustentar o mito da infância angelical?

Parte da resposta está na biologia. Bebês e crianças comovem e mobilizam nossos instintos de cuidadores. Estes serezinhos foram ‘desenhados’ com características que exploram nossos vieses sensórios. Tais traços são há décadas conhecidos de artistas como Walt Disney. O que torna Mickey Mouse fofinho e não repulsivo como a maioria dos murídeos? Como observou o etólogo Marc Hauser, ‘a cabeça muito maior do que o corpo e os olhos grandes em relação ao rosto (…) são como doces visuais, irresistíveis para nossos olhos’.

E, se essa é a base biológica do ‘amor às crianças’, sobre ela passaram a operar poderosos fatores culturais, que reforçaram essa predisposição natural até torná-la uma ideologia.

Enquanto bebês nasciam aos borbotões e morriam em proporções parecidas -o que ocorreu durante 99,9% da história- , víamos o óbito de filhos como algo, se não natural, ao menos esperado. Evitávamos investir tudo num único rebento.

Com o surgimento da família burguesa, a partir do século 16, as coisas começaram a mudar. Ter um bebê e vê-lo chegar à idade adulta deixou de ser uma aposta temerária. Estava aberto o caminho para que o amor paterno pudesse prosperar.

Foi nesse contexto que surgiram, no século 18, pedagogos como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que criou um novo conceito de infância. Jovens não deveriam ser apenas ensinados, mas educados, respeitando-se as especificidades de seu desenvolvimento natural.

O problema é que essa ideia bastante plausível de Rousseau veio misturada com outras, menos razoáveis, como a balela de que o homem é originalmente bom, mas a sociedade o corrompe. Não foi preciso muito para que crianças virassem bons selvagens mirins, a encarnação da bondade primeva.

O fato de Rousseau ter se tornado o filósofo mais influente da história, especialmente no pensamento de esquerda, só aumentou o vigor do mito e o tamanho do estrago provocado.’

 

Atriz sabe que ‘é mentirinha’, afirma mãe

‘Klara Castanho, a Rafaela em ‘Viver a Vida’, sabe que a personagem e suas maldades são ‘mentirinha’. ‘Não confunde realidade com ficção’, diz Karla Castanho, 32, sua mãe.

Ela afirma não se preocupar com o fato de a filha, 9, participar de cenas como a que flagrou Helena traindo o marido. ‘Ela vê a mãe respeitando o pai e vice-versa.’ Também não vê sentido na preocupação da procuradora Maria Vitória Sussekind Rocha de que a filha seja ‘hostilizada na rua por quem costuma agredir vilões’. ‘As pessoas não a hostilizam porque é uma criança e ainda por cima tem uma bochecha convidativa para beijo e apertão’, diz, coruja.

Klara começou a fazer propagandas aos 9 meses, após ser inscrita pela mãe em uma agência. Com 6 anos, atuou na série ‘Mothern’, do GNT, e com 8, na novela ‘Revelação’ (SBT).

Karla e o marido têm um escritório de contabilidade em Santo André (SP). Segundo a mãe, o salário de Klara é guardado ‘para seu futuro’. Segundo ela, a Globo garante assistência médica, odontológica e psicológica à atriz, além de lhe pagar escola e flat no Rio. Karla diz preparar a filha para lidar com a fama, explicando que ‘tudo tem começo, meio e fim’.

‘Isso é essencial’, diz Vinícius de Oliveira, 24. Engraxate na infância, foi descoberto por Walter Salles e protagonizou, aos 11, ‘Central do Brasil’. Estudante de cinema, continua a atuar. ‘Uma criança exposta à mídia precisa ter família bem estruturada e contar com o bom senso de quem a contrata.

Tive apoio do Walter e da Fernanda Montenegro para entender que minha vida era muito maior do que aquele filme.’

Colaborou Rodrigo Russo, da Reportagem Local’

 

Andréa Michael

Decifra-me ou te devoro

‘De olho no telespectador que nunca se sentou no sofá -e atrás daquele que de lá fugiu-, as emissoras de TV abrem caminho no terreno sem lei da internet, usam a rede como vitrine para a programação e despertam para novos concorrentes -companhias de telefonia e sites como Google e Facebook.

‘Haverá uma demanda cada vez mais baixa pela TV aberta nas novas gerações. Emissoras tradicionais, como a Globo, precisarão mudar suas práticas. O mais significativo em termos de mercado é que novas empresas, como as de telefonia, o Google e o Facebook, terão uma importância que nunca tiveram,’ diz Charo Chalezquer, professora da Universidade de Navarra (Espanha).

Coordenadora do Fórum Gerações Interativas, ela pesquisa tendências de comportamento e consumo de mídia entre jovens ibero-americanos.

Não há, no Brasil, estudos que identifiquem eventual correlação entre os fenômenos simultâneos da queda de audiência de canais abertos em horário nobre e aumento do público da internet na última década.

Entre 2001 e 2009, as cinco maiores emissoras perderam, juntas, 4,3 pontos de audiência, o que significa, para a Grande SP, perder um público de cerca de 258 mil domicílios.

Por outro lado, conforme dados do Ibope NetRatings, saltou de 4,9 milhões para 28,5 milhões a quantidade de internautas no Brasil nos últimos nove anos -que passaram a dedicar, em vez de sete, 29 horas do mês à web.

Os reflexos de tais mudanças nas perspectivas de investimento em mídia fazem da internet ponto fora da curva. Dados da PricewaterhouseCoopers LLP e da Wilkofsky Gruen Associates sobre o comportamento do mercado publicitário na América Latina entre 2009 e 2013 indicam aumento de 1,9% no bolo publicitário. Mas, se a análise se detiver à rede, o acréscimo será de 17,4% -contra 1,4% do que vai para a TV.

Para a Globo, que tem metade da audiência da TV aberta, é fundamental atrair os jovens.

Sem conquistar tal segmento, a chamada geração digital, os índices de público da TV aberta serão proporcionalmente piores no futuro. Diante do enigma a decifrar, a emissora foi buscar essa turma na rede.

‘Antes, havia horas diferentes para jornal, TV, rádio. Agora, é tudo ao mesmo tempo. A Globo se firmou nessa mudança ao colocar a TV dentro da rede e a rede na TV. Grande exemplo é o ‘Big Brother Brasil’, diz Max Primo, professor da Universidade Federal do RS.

No programa, a votação dos internautas é decisiva para eliminar os ‘brothers’. No Twitter, o público troca ideias com o diretor Boninho e sugere trilhas para as festas do reality.

Mas a regra são exemplos capengas. No SBT, o Twitter aparece na tela no ‘Esquadrão da Moda’, mas não oferece ao telespectador oportunidade para interagir de fato.

O mesmo vale para o blog www.sonhosdeluciana.com. br, no qual Luciana (Alinne Moraes), de ‘Viver a Vida’, ‘recebe’ e ‘responde’ mensagens como se a trama fosse real.

A Globo concebeu a ideia como uma extensão da história, um espaço para aumentar o envolvimento dos telespectadores. Faz sucesso, mas não é integrativo.

Segundo Joe Michaels, vice-presidente sênior do MSN, essa vitrine pode até servir como um começo, mas passará a ser problema para a televisão caso a internet seja usada só como chamariz para a programação.

‘O público hoje é capaz de concentrar a atenção, ao mesmo tempo, em diversas mídias. Nosso desafio está em entregar nossos produtos às gerações interativas no maior número de plataformas possíveis, como já fazemos -sempre respeitando a origem do nosso negócio, que é a TV aberta’, afirma Willy Haas, diretor-geral de comercialização da Globo.

Nesse turbilhão, o valor dos anúncios será rediscutido. Como diz o professor Marcelo Coutinho, da Fundação Getúlio Vargas, ‘está superada a fórmula do custo [da propaganda] por mil [telespectadores]’.

Quanto mais concentrada for a audiência, mais poder de cobrar tem a emissora. Por outro lado, o preço do anúncio é proporcionalmente menor em mercados fragmentados.

O resultado é que, em 2009, segundo a Folha apurou, a Globo, dona da metade da audiência, ficou com 73% da verba publicitária de R$ 13 bilhões destinada às TV abertas.’

 

‘Internet é mais banco de dados do que canal’

‘‘Não se vê menos TV. Há mais gente assistindo do que há dez anos, mas em outras telas. A audiência está se diluindo. As coisas vão acontecer em todas as telas -é irrelevante discutir em qual delas’, diz Silvio Meira, professor do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco e chefe do Cesar (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife).

Segundo ele, no Brasil, emissoras se confundiram com redes de televisão. Juntaram, assim, duas discussões: o meio internet e TV e os conteúdos.

Há dez anos, a companhia espanhola Telefônica criou no Brasil o Terra TV, que funciona como várias emissoras e exibe séries, jornalismo e esportes.

Como empresa estrangeira, a Telefônica não poderia controlar uma emissora. Mas não há leis para esse serviço na web.

‘No início, os detentores de direitos não tinham conhecimento do papel da rede’, lembra Paulo Castro, diretor-geral do portal Terra Brasil.

A virada, diz, ocorreu em 2006, ‘quando a Fifa entendeu que havia espaço para novas mídias e conseguimos licenciar jogos da Copa’.

Em 2010, o Terra TV foi alternativa na transmissão dos Jogos de Inverno de Vancouver. Detentora dos direitos da competição para sinal aberto, a Record levou 80 profissionais ao Canadá e transmitiu mais de cem horas de programação para 38,3 milhões de pessoas.

Já o Terra montou equipe de 60 pessoas e contabilizou 8,3 milhões de acessos aos vídeos. Ali, o internauta pôde acompanhar, quando quis, até várias competições ao mesmo tempo.

Para Castro, a internet concorre com a televisão pela atenção do usuário, ‘mas é mais um banco de dados que um canal’.

A democratização da oferta é óbvia. Com o barateamento da tecnologia e facilidades de veiculação, em tese, qualquer um pode ter seu canal. ‘Mas é uma falácia dizer que a Globo vai competir com amigos que têm uma câmera. A capacidade empresarial será levada para a internet’, diz Charo Chalezquer, da Universidade de Navarra.

Porém, mais do que qualidade, os direitos sobre o conteúdo chamam a atenção. O Congresso está longe de abordar o assunto, que se resolve na prática. Exemplo: nesse mês, a MTV notificou o Google para receber por vídeos no YouTube.

Além dessa, outra questão avança pelo subsolo: a rede de banda larga, a qual o governo promete universalizar. Sem infraestrutura, é inócuo falar de novos modelos de negócios ou tendências de consumo.

Em abril, o Executivo deve apresentar um plano nacional, com implementação efetiva em 2011. A meta será chegar a 300 municípios até o final do ano. O objetivo inicial, porém, era concluir o governo Lula com banda larga em 3.200 cidades.’

 

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