Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Gianni Carta

‘Do ângulo da vasta maioria de jornalistas brasileiros, três colegas europeus que recentemente lançaram livros seriam considerados debochados iconoclastas. Detalhe: a exemplo de vários europeus que trabalham em diários, revistas e tevês, nenhum deles tem diploma de jornalista. Isso pode parecer uma aberração no Brasil, onde uma lei reza que, para se exercer a profissão, é imperativa a conclusão do curso universitário de Jornalismo. Mais: nenhum desses colegas se leva a sério pelo fato de ser jornalista. Pelo contrário, dotados de grande senso de humor, e de penas soltíssimas, reconhecem os limites do jornalismo.

Em My Trade, por exemplo, o escocês Andrew Marr, 45 anos, indaga: ‘O que é jornalismo?’ Resposta: ‘Qualquer um que fizer jornalismo…’, entre eles ‘bêbados, disléxicos e algumas das pessoas menos confiáveis e mais perversas da Terra’. Mas há consolo no livro de Marr, consagrado à história do jornalismo britânico. ‘Tirando o crime organizado, o jornalismo é a mais poderosa e agradável antiprofissão’, emenda.

Outro colega, este o italiano Enzo Biagi, prefere se definir como ‘um simples cronista’. E ‘velho’, acrescenta na introdução de seu mais recente livro, L´Italia Domanda (con qualche risposta), uma compilação das respostas publicadas de Biagi às mais variadas questões de seus leitores (droga, divórcio, máfia, política…), de 1988 até 2004. Continua, na introdução, Biagi – modesto, apesar de ter passado 66 dos seus 84 anos nas mais importantes redações da Itália: ‘Escrevi para diários, semanários e alguns livros’.

Autor, na verdade, de cerca de 80 livros, entre eles dezenas de best sellers traduzidos em diversas línguas, Biagi costuma proferir uma frase que seria considerada no mínimo ingênua por colunistas brasileiros – vários isentos de espírito crítico porque demasiado próximos dos donos do poder: ‘Meus únicos patrões sempre foram meus leitores’. Devido a disputas com patrões, Biagi, que assina uma coluna semanal no diário Il Corriere della Sera, perdeu a direção de vários jornais e transmissões de tevê.

Por sua vez, Gianni Clerici, também ele italiano, é jornalista especializado em tênis do diário La Repubblica. Destaca-se pelo talento de ‘escriba’, como gosta de ser chamado, e pelo seu elevado senso de humor. Quando registra um golpe falho de algum tenista, ironiza: ‘Até com minha Olivetti (ele se recusa a usar computador) bato uma direita melhor’. O septuagenário Clerici é autor da bíblia do tênis, 500 Anni di Tennis, publicado em 1974 e traduzido em diversas línguas. No seu tempo ‘livre’ escreve ficção. Erba Rossa, seu último livro, narra a história de um jornalista de tênis que nos anos 60 vai cobrir com um amigo mais jovem, em Praga, o embate entre as equipes italiana e tchecoslovaca, na Copa Davis.

Mais velho e tarimbado, Clerici, o jornalista/narrador, não simpatiza, ao contrário de seu amigo Pigi, com o ‘socialismo real’. Clerici logo entra num estado de depressão, em Praga. Ele se vê forçado a dividir um quarto de hotel com outros hóspedes, detesta as luzes kitsch das casas noturnas, os telefones grampeados. Garçons laborfóbicos o enervam, a ponto de ele abandonar mesas de restaurantes. Felizmente, entra em cena uma belíssima loira, aparentemente cria da defunta alta sociedade trucidada pelo socialismo. Ludmilla e Pigi se apaixonam…

Erba Rossa é um deleite para quem gosta de ler um jornalista escritor de grande erudição e pena solta. Como dizia Bagehot, citado por Marr em My Trade: ‘As pessoas lêem aqueles… dispostos a ser eles mesmos, que colocam no papel suas próprias idéias nas suas próprias palavras, e da maneira mais simples possível…’ Escrever de forma simples – com voz própria e ritmo – é o que fazem Clerici, Biagi e Marr (pena que os diretores de redação de jornais brasileiros sejam tão apegados a manuais de estilo). Sobre Clerici ninguém menos que Italo Calvino disse: ‘Ele é um escritor que resolveu escrever sobre esporte’. A seguinte frase de Clerici justifica a frase de Calvino: ‘O esporte é uma infantil metáfora da vida’.

No Brasil, ao contrário da Itália e Reino Unido, o jornalista ainda precisa de diploma para exercer a profissão. Biagi, por exemplo, começou a trabalhar aos 18 anos numa redação. Clerici, ex-tenista da equipe italiana da Copa Davis, é, como dizia Calvino, escritor antes de ser jornalista. Marr formou-se em Inglês em Cambridge, Inglaterra, e pouco tempo depois começou a trabalhar numa redação. Tudo que o jornalista precisa, segundo Marr, é ser curioso e saber farejar uma boa história. Claro, uma boa base de gramática é importante. Porém, mesmo dominando a gramática, só se aprende a escrever escrevendo. E é preciso aceitar as inseguranças, sempre de mãos dadas com o jornalismo. Nos momentos de grande turbulência profissional, diz Biagi, o jornalista nunca pode ‘se vender’.

É interessante notar que Clerici, Biagi e Marr tornaram-se jornalistas por acaso. Marr: ‘Não decidi que queria ser jornalista’, escreve, em My Trade. ‘Tropecei no jornalismo.’ Ainda Marr: ‘Estava fazendo um Ph.D., lavando pratos, e uma livraria de livros de segunda mão me recusara emprego… Apesar de ter um diploma universitário de alto nível, e de ter lido um monte de livros, comecei a me dar conta de que não sabia fazer nada. Não tinha jeito para cantar, ser ator, contar piadas, para tocar um instrumento musical… chutar ou agarrar uma bola, correr sem logo perder o fôlego, falar uma segunda língua…’ Em suma, ‘jornalismo parecia a única opção’.

Embora continue não se levando a sério, a carreira de Marr tem sido brilhante. Ele começou no diário The Scotsman, foi editor-político da semanal The Economist (‘O cérebro dos jornalistas da The Economist é demasiado grande para seus pescoços’), foi editor do excelente diário The Independent, colunista do The ObserverMy Trade é seu quarto livro.

Ser jornalista, apesar do ‘trabalho duro’, sustenta Marr, tem suas vantagens. Os salários, na Europa, não são ruins – e podem ser muito bons. Em Londres, a média para quem trabalha num diário é de US$ 42 mil ao ano, salário inferior ao de um taxista (por volta de US$ 55 mil). Um especialista em artes ou esportes embolsa anualmente entre US$ 95 mil e US$ 110 mil. Colunista tem salários anuais entre US$ 95 mil e US$ 280 mil. Sem citá-lo, Marr disse que um colunista londrino ganha US$ 950 mil ao ano. Editores de grandes diários ganham entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão.

Marr, como Biagi e Clerici, tem espírito crítico apurado. Ao contrário de colegas norte-americanos e de alguns diários e tevês canarinho, que se julgam imparciais, esse jornalista escocês parece entender a fusão da reportagem com opinião. O jornalismo, afinal, está longe de ser uma ciência.

Marr vai além: o repórter, para entender o que escreve, tem de continuar indo à rua. Nesses dias de vertiginosos avanços tecnológicos, o jornalista, cada vez mais, tende a ficar nas redações. Isso porque, devido à acirrada competição entre diversos meios de comunicação, os prazos do jornalista ficam cada vez mais curtos. Mas, como diz Marr, ‘quanto mais tempo o repórter tiver para observar, pensar, escutar e escrever, mais poder terá sobre a história’.

Biagi e Clerici concordariam em gênero, número e grau com o colega escocês. A única diferença entre os três é que Biagi escreve com uma caneta, Clerici numa máquina de escrever e Marr num computador.’



AS OBRAS PRIMAS…
Carlos Heitor Cony

‘Obras-primas’, copyright Folha de S. Paulo, 17/02/05

‘A editora Record e a escritora Heloísa Seixas realizaram um dos meus sonhos: ver em livro alguns dos trabalhos publicados na revista ‘Manchete’, durante cinco anos, de 1972 a 1977, sob o título, instigante é certo, mas errado, ‘As obras-primas que poucos leram’.

Errado porque na relação aparecem livros mais do que lidos, como ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, ‘Os Maias’, ‘O Sol também se Levanta’ e outros. O título, dado por Justino Martins, é apelativo, apenas isso. A finalidade da série era divulgar alguns dos livros mais importantes da literatura universal.

Havia um esquema para cada artigo: a biografia do autor; a história contada ou o tema abordado em cada livro; um resumo crítico da obra. Foram mais de 200 artigos assinados por autores de peso: Antônio Houaiss, Paulo Mendes Campos, Ledo Ivo, Ruy Castro, R. Magalhães Jr., Josué Montello, Joel Silveira, José Lino Grunewald e, principalmente, Otto Maria Carpeaux, campeão absoluto da série.

Aliás, foram as últimas colaborações do grande ensaísta para a imprensa brasileira. Seus últimos artigos, escritos pouco antes de sua morte, foram de caráter autobiográfico, que tive a ousadia de exigir dele e a alegria de publicar.

A seleção feita por Heloísa é de apenas 70 obras, e a editora não teve acesso ao material iconográfico que acompanhava cada artigo. Uma pena. Sobretudo quando a obra em questão pertencia ao fosso dos ‘que poucos leram’, como ‘Bubu de Montparnasse’, de Charles-Louis Philippe, ou ‘Viagem ao Fim da Noite’, de Louis-Ferdinand Céline.

Espero que a Record e Heloísa completem a série, dando preferência sobretudo aos livros que justificam o título dado pelo Justino, como ‘O Grande Meaulne’, de Alain Fournier, ‘Os Ratos’, de Dionélio Machado, e tantos outros. Mesmo assim, como está, cumpre um papel que transcende a divulgação do mundo das letras, mas é, em si mesmo, uma referência literária.’



MEMÓRIA / NEWTON RODRIGUES
Folha de S. Paulo

‘Morreu o jornalista político Newton Rodrigues, aos 85, no Rio de Janeiro’, copyright Folha de S. Paulo, 16/02/05

‘O jornalista Newton Rodrigues morreu aos 85 anos no último dia 3, no Rio de Janeiro, de insuficiência respiratória. Ele sofria de enfisema pulmonar e foi enterrado no cemitério São João Batista, em Botafogo, na zona sul da cidade.

Rodrigues foi diretor e editor na primeira revista ‘Senhor’ e redator-chefe e editorialista do ‘Correio da Manhã’, em meados da década de 1960. Entre 1976 e 1991, foi colunista da Folha, sendo responsável pela coluna ‘Rio de Janeiro’, na página 2 do jornal, hoje ocupada pelo jornalista Carlos Heitor Cony, de sábado à quinta, e por Nelson Motta, às sextas.

Rodrigues também foi colunista dos jornais ‘O Estado de S. Paulo’, de 1991 a 1994, da ‘Gazeta Mercantil’ e do ‘Jornal do Brasil’, onde escreveu até o ano passado.

Em 1986, lançou pela editora Guanabara o livro ‘Brasil Provisório (de Jânio a Sarney)’, uma coletânea de artigos publicados na revista ‘Senhor’ e nos jornais ‘Correio da Manhã’, ‘Tribuna da Imprensa’ e na Folha.

Nascido em 1919, Rodrigues era formado em história pela Faculdade Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Iniciou a carreira jornalística em 1944, trabalhando em diversas publicações cariocas, entre as quais a revista ‘Diretrizes’.

Membro do então Partido Comunista do Brasil, que depois se tornaria o Partido Comunista Brasileiro, escreveu para a ‘Voz Operária’. Ele fez parte do grupo de intelectuais que deixou o partido durante a crise de 1956 e 1957, aberta com as revelações do relatório secreto de Nikita Kruschev no 20º Congresso do Partido Comunista da então União Soviética. O documento relatava os crimes e ‘desvios’ cometidos pelo ditador Josef Stálin (1879-1953).

Casado com Lygia Freire, tinha quatro filhos: João Carlos Rodrigues, Marcia de Almeida, Antônio José Rodrigues e Mônica Rodrigues.’