Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Gilberto de Mello Kujawski

‘Uma personalidade que arrasta multidões do mundo inteiro, um personagem como João Paulo II, que, por ocasião de sua morte, mobilizou milhões de fiéis em transe rumo ao Vaticano, não pode ser visto desde logo pela óptica sofisticada de intelectuais e teólogos, escritores, jornalistas e ideólogos. Que é que viam no papa as multidões que foram dele se despedir na Basílica de São Pedro, especialmente os jovens e as crianças, aos quais ele dedicava o melhor de sua atenção? Seria o defensor férreo do dogma católico, o homem de convicções intransigentes, o intelectual enciclopédico, talvez o apóstolo da união dos povos e das confissões, ou o campeão da fé estreitamente unida à razão?


Nada disso. Talvez uma minoria o visse assim. Mas, para a grande maioria espremida naquela praça e presa ao vídeo, o fator que a magnetizava na figura branca do pontífice era a expressão jovial de vitalidade que emanava de sua pessoa. O papa falecido aparece aos olhos do espectador qualquer – aquele que mora em cada um de nós – como uma torrente irresistível de vitalidade que se espraiou pelo mundo inteiro. Sim, o tesouro da vitalidade, era isso que resplandecia em seu rosto e em toda a sua pessoa. Vitalidade física (o atleta, nadador e esquiador), vitalidade intelectual (14 encíclicas dedicadas a todos os problemas da sociedade contemporânea), vitalidade social (à vontade no meio do povo, em especial com a juventude e a infância), vitalidade comunicativa (presença constante na mídia, gosto pelo canto e pela performance teatral), vitalidade apostolar incansável e generosa (em escala ecumênica).


Correndo o risco de heresia, eu diria que na presença irradiante e generosa do saudoso João Paulo II brilhava uma centelha dionisíaca. Como a divindade grega Diônisos, ele queria dançar (se pudesse), ele cantava e se embriagava publicamente do amor a Deus e ao semelhante. Os que discutem tolamente sobre as posições ideológicas do papa perdem de vista o principal: aquele homem não era e não queria ser uma tese escolástica ambulante, a encarnação de uma doutrina já constituída, e sim um jogral de Deus, que extraía de sua abissal e contagiosa alegria de viver o enredo de uma religião que fosse a celebração da vida em toda a plenitude e em seu âmbito total. Não obstante a brutalidade do atentado que fragilizou para sempre sua robusta constituição física, sem embargo da lenta decadência física e das catástrofes e desgraças que ecoavam pelo Vaticano, às quais o chefe da Igreja emprestava pronta solidariedade, mais do que qualquer outro anterior, seu pontificado foi uma festa. Festa de passagem do individualismo egoísta para a solidariedade, e da dimensão temporal para a ordem eterna. Festa messiânica, renovando cotidianamente a esperança no cumprimento das promessas divinas.


Com João Paulo II a religião troca a face sombria pela fisionomia jubilosa de quem está de bem com a vida, dom divino que nos une para sempre ao Criador. A verdade da religião não está na renúncia nem na pobreza, mas na arte de ser feliz não pelo que se ‘tem’, mas pelo que se ‘é’ na dimensão total do humano. A religião – foi essa a principal lição desse pontífice eslavo, de cabeça tão bem torneada por fora e por dentro – constitui a celebração festiva da vida na plenitude do seu sentido, que envolve a esperança da vida eterna.


Etimologicamente, ‘encíclica’ significa circular. É o nome que se dá ao documento pontifício que ‘circula’ para conhecimento dos bispos e dos fiéis do mundo inteiro. Só que, por trás do significado etimológico, uma encíclica guarda outro significado mais profundo, o pensamento circular envolvendo o objeto por todos os ângulos, e não só neste ou naquele aspecto isolado.


Vitalidade é a pulsão da vida e, quanto mais ligado à vida estiver alguém, maior será seu nível de vitalidade. A propósito, João Paulo II dedica ao valor e à inviolabilidade da vida humana uma de suas mais importantes encíclicas, Evangelium Vitae, o Evangelho da Vida. O papa recorda as ameaças atuais à vida humana, a luta dramática de nossos dias entre a ‘cultura da vida’ e a ‘cultura da morte’. Após tecer várias considerações sobre o nexo entre a vida, o amor e a dignidade humana, recorda o sacrifício de Cristo na cruz, concluindo: ‘Deste modo, Cristo proclama que a vida atinge o seu centro, sentido e plenitude quando é doada.’ E, confirmando seu culto mariano, lembra que ‘o consentimento de Maria, na Anunciação, e a sua maternidade situam-se na própria fonte do mistério daquela vida, que Cristo veio dar aos homens’. A maternidade da Igreja está associada e deriva da maternidade de Maria.


No terreno pantanoso da História contemporânea, minada pelo ceticismo, pelo relativismo moral, pela perda de sentido da vida, o espírito de Karol Wojtyla, iluminado pela alegria de viver e de servir a Deus e ao próximo, arde e arderá por muito tempo como o farol para guiar e impedir o naufrágio final de nossa desorientada e atormentada humanidade.


Em tempo: Leonardo Boff, em artigo neste jornal (7/4), sai-se com essa pérola: ‘Em João Paulo II prevalecia a missão religiosa da Igreja e não sua missão social.’ Mas como poderia ser diferente, meu caro frei Leonardo? Do social se encarregam os leigos. Mas quem se encarrega da religião a não ser a Igreja? João Paulo II cuida do social em profundidade em várias encíclicas (Laborens Exercens, Sollicitudo Rei Socialis, principalmente). Mas sabe que o social não é tudo. Ao contrário, subordina-se ao humano, à pessoa humana única e insubstituível, em sua intimidade inviolável, em sua liberdade interior e em sua vocação personalíssima. ‘O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado (S. Marcos, 2, 27).


Gilberto de Mello Kujawski, escritor e jornalista, tem no prelo o livro A Identidade Nacional e Outros Ensaios, Funpec, prefácio de Mauro Chaves. Não pertence a nenhuma academia nem está ligado a nenhuma faculdade ou partido político. E-mail: gmkuj@terra.com.br





O Globo


‘Tecnologias ameaçam 1ª eleição da era digital’, copyright O Globo, 14/04/05


‘Antigamente, diziam que as paredes tinham ouvidos. Mas atualmente pode-se dizer que elas fotografam, transmitem texto e imagens. Os cardeais que escolherão o sucessor de João Paulo II terão que se preocupar com muito mais do que ouvidos indiscretos atrás da porta. Um dos desafios do primeiro conclave da era digital é justamente manter seu caráter secreto e medieval diante de telefones celulares que fotografam e gravam conversas, internet e aparelhos de fax que podem furar os grossos muros do Vaticano.


As invenções que se popularizaram desde a escolha de Karol Wojtyla, em 1978, contrastam com o juramento que fazem os cardeais de se isolarem completamente do restante do mundo durante as votações.


Muro eletromagnético contra celular


A Constituição Apostólica proíbe os cardeais-eleitores de lerem jornais, escutarem rádio, assistirem à TV e se comunicarem com o exterior para ‘se protegerem da indiscrição alheia e de eventuais ameaças que possam afetar a independência de julgamento e liberdade de decisão’. As regras se aplicam tanto à Capela Sistina, local das votações, como à Residência Santa Marta, o hotel na área do Vaticano onde ficam hospedados.


As normas contrastam com os costumes de João Paulo II, que utilizou como ninguém os meios de comunicação e que especificou algumas dessas regras. O Papa várias vezes estimulou a Igreja Católica a utilizar as possibilidades que as novas tecnologias ofereciam em sua missão de evangelizar.


A maioria dos 115 cardeais que participam do conclave, a partir do dia 18, atendeu ao chamado e utiliza também essas novas ferramentas. Alguns possuem websites. Um deles, o cardeal alemão Joseph Ratzinger, tem até um fã-clube on line, que vende bonés e camisetas do ex-prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.


Desde a morte do Papa, a internet tem sido um dos meios usados por vaticanistas para expor teorias sobre os candidatos. A rede se tornou ainda palco de apostas, sobre quem será o sucessor de João Paulo II e quantos dias durará o conclave.


Muitos especialistas se perguntam se os muros da Santa Sé serão suficientes para proteger o segredo do conclave. Na dúvida, um ‘muro eletromagnético’ será ativado para que os cardeais não possam usar celulares dentro do Vaticano.


Além dos cardeais, que há dias fizeram voto de silêncio em relação à imprensa, negando-se a dar entrevistas até o fim do conclave, todos que tenham contato com eles também se comprometem a guardar segredo sobre informações a que possam ter acesso.


Motoristas, ascensoristas, encarregados da limpeza, médicos e outras dezenas de profissionais, laicos ou religiosos, vão prestar ‘um juramento de palavra e por escrito’ amanhã à tarde, diante do camerlengo, a autoridade máxima do Vaticano durante o período de transição.


Sistema antiespionagem na Santa Sé


Outra preocupação do Vaticano é em relação à espionagem. Segundo o vaticanista Marco Tossatti, do jornal ‘La Stampa’, o assunto desperta ‘um grande interesse nos serviços de inteligência de todo o mundo’, que poderiam tentar descobrir os favoritos e influenciar o processo eleitoral. O Vaticano, que já utilizava sistemas para se precaver contra espionagem, intensificou-os para o conclave.


‘Um sistema americano defenderá o segredo da votação. Todas as zonas afetadas pelo conclave estarão protegidas’, afirmou Tossatti. Tecnologias modernas para manter uma tradição de mais de 700 anos.’





VENEZUELA
Janaína Figueiredo


‘Condenada jornalista que criticou governo Chávez’, copyright O Globo, 14/04/05


‘A Justiça venezuelana condenou ontem a jornalista Patricia Poleo, editora do jornal opositor ‘El Nuevo País’, a seis meses de prisão por ter difamado o ministro do Interior, Jesse Chacón. Em outubro de 2004, a jornalista publicou uma foto de um militar ao lado de um cadáver, durante a violenta revolta ocorrida em 27 de novembro de 1992. Na reportagem do ano passado, o jornal antichavista assegurou que o militar fotografado era o atual ministro do Interior, informação negada por Chacón durante o julgamento.


A jornalista se retificou, mas se recusou a pedir desculpas, pois considerou que o governo do presidente Hugo Chávez tentou silenciar informações sobre o levante militar orquestrado no mesmo ano que o presidente comandou um golpe de Estado contra o então presidente Carlos Andrés Pérez.


Patricia deve recorrer da decisão da Justiça venezuelana, mas será obrigada a pagar o custo do julgamento. Porém, mesmo se o tribunal ratificar a condenação, a jornalista não corre o risco de terminar atrás das grades, pois as leis venezuelanos prevêem medidas menos rigorosas para casos inferiores a cinco anos de prisão.


– A decisão da Justiça não nos surpreende, o que nos surpreende é a rapidez dos juízes venezuelanos. Esta decisão é uma clara advertência do governo aos jornalistas: desta vez ninguém será preso, mas a próxima poderia ser pior – disse ao GLOBO o jornalista Rafael Poleo, pai de Patrícia e diretor do ‘El Nuevo País’, por telefone, de Madri. Segundo ele, ‘a situação dos jornalistas venezuelanos está ficando cada vez pior’.


– Patricia admitiu que havia cometido um erro, como pode acontecer com qualquer jornalista. A Venezuela está vivendo uma ditadura. Daqui a pouco teremos de criar um código especial de comunicação com nossos leitores – afirmou o jornalista venezuelano.


Chávez diz que jornais apoiaram golpe de 2002


Já o presidente Chávez acusa os meios de comunicação de terem sido cúmplices do golpe de Estado que em abril de 2002 tentou derrubar o governo. De fato, na época, os principais canais de TV e jornais do país respaldaram o efêmero governo de Pedro Carmona, que, entre outras polêmicas iniciativas, dissolveu o Congresso Nacional. Com este pano de fundo, desde que retornou ao poder e, sobretudo, desde que venceu o referendo realizado em agosto de 2004, Chávez fechou cada vez mais o cerco à imprensa.


Nos últimos meses, o governo Chávez aprovou uma série de iniciativas consideradas um atentado à liberdade de expressão por organizações locais e internacionais. Em março passado, foi aprovada a lei de reforma do Código Penal que estabelece, entre outras condenações, entre seis e 30 meses de prisão para quem ‘ofender de maneira grave’ o presidente da República.


Em dezembro de 2004, o Congresso deu sinal verde à polêmica Lei de Responsabilidade Social para Rádio e TV, duramente questionada pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Human Rights Watch. Chávez também ampliou de 20 para 32 o número de membros do Supremo Tribunal de Justiça, manobra que, segundo seus opositores, busca reforçar ainda mais o controle sobre seus opositores.


Ontem, o presidente participou da cerimônia em que o general Julio Quintero Viloria assumiu como comandante da Unidade de Reserva, milícia criada pelo governo Chávez que dependerá diretamente do Poder Executivo.


– Não se trata de um projeto militarista, mas também não é civilista. Nas décadas de 60,70 e 80 éramos (os militares) desprezados pelo mundo político que comandava o país – enfatizou o presidente.


Chávez reiterou suas acusações ao governo dos EUA que, segundo ele, pretende atacar seu país:


– Se o império pretender vir até aqui, encontrará uma muralha do povo venezuelano e das Forças Armadas Nacionais. Por isso é tão importante esta unidade de reserva – disse.’





O Globo


‘Opinião: Para quê?’, copyright O Globo, 14/04/05


‘VAI DE vento em popa o plano do presidente Chávez de fazer de cada venezuelano um miliciano armado para combater qualquer força que se oponha à Revolução Bolivariana: cem mil pessoas, de todas as classes e profissões, já aderiram a esse exército paralelo a serviço do presidente.


ALÉM DISSO, a Venezuela estaria comprando por atacado fuzis AK-47 – arma predileta de todas as guerrilhas mundo afora – helicópteros russos, barcos de patrulha espanhóis e até aviões brasileiros.


POR QUE Chávez está militarizando o governo, ou politizando as forças armadas? Difícil acreditar que seja para fortalecer a democracia.’





O Estado de S. Paulo


‘Jornalista condenada a 6 meses por difamar ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 14/04/05


‘A Justiça da Venezuela sentenciou ontem a editora do jornal El Nuevo País, jornalista Patricia Poleo, a 6 meses de prisão, sob a acusação de difamar o ministro da Informação, Jesse Chacón. Em outubro, Patricia publicou no jornal uma foto tirada durante o golpe de 27 de novembro de 1992, na qual um dos participantes da ação armada aparecia ao lado de um cadáver na frente da emissora estatal Venezuelana de Televisão. Segundo o jornal, o golpista era Chacón e a foto comprovava a participação de membros do atual governo Chávez em episódios sangrentos.


Mais tarde, a jornalista admitiu que o homem que aparecia na foto não era Chacón, mas se recusou a fazer uma retratação, alegando ser importante ‘lembrar os fatos violentos desse golpe fracassado’. Patricia pode ainda recorrer da decisão e, mesmo que a condenação seja confirmada, não deve ir à prisão, uma vez que a lei venezuelana prevê penas alternativas para sentenças inferiores a 5 anos de prisão. De todo modo, a oposição cita o processo contra Patricia como exemplo da recente ofensiva do governo de Hugo Chávez contra a liberdade de imprensa.


Ao mesmo tempo, o governo venezuelano prepara para pôr no ar nos próximos meses uma cadeia de TVs estatais da Venezuela, Argentina, Uruguai e Brasil destinada a ‘romper com a conspiração das TVs privadas’, segundo políticos chavistas. A emissora, a rede Telesur, transmitirá 24 horas de programação em espanhol. A rede de TV do Catar Al-Jazira também se dispõe a participar do projeto.’