Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Guilherme Manechini

‘Morador da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, o rapper MV Bill mostra para o Contraponto a impressão de quem vive nas comunidades sobre o jornalismo feito atualmente. Fala também sobre o livro que escreveu junto com o seu amigo e empresário Celso Athayde e com o sociólogo Luiz Eduardo Soares. O lançamento do livro ‘Cabeça de Porco’, em abril deste ano, acrescentou no currículo de MV Bill mais um canal para expressar a dura realidade da qual faz parte.

No início com a música, depois, através da CUFA (Central Única das Favelas) com ações sociais na Cidade de Deus e em outras favelas do Rio, atualmente, o rapper se desdobra na divulgação do livro. As entrevistas: Roda Viva, Jô Soares, Jornal Nacional, Metrópole, Caros Amigos, Carta Capital, entre outras, têm sido parte da sua rotina. ‘Às vezes, é um pouco exagerado, estar toda hora enfiado em ‘bagulho’ de mídia, mas a invisibilidade é muito pior’, explica Bill logo antes de ser chamado por um jornalista da TV Cultura.

Convidado para participar da Festa Literária Internacional de Parati (FLIP)de 2005, o rapper mostra a importância do livro: ‘É um passo enorme porque a gente está mexendo com o imaginário das pessoas, trazendo a mudança, a discussão à tona’. Além da palestra com o também autor do ‘Cabeça de Porco’, Luiz Eduardo Soares e com o Arnaldo Jabor, o Mensageiro da Verdade que é o significado de MV, esteve na FLIPINHA, evento destinado às crianças. Ecoar a voz da periferia e conscientizá-la de que mudanças devem ser reivindicadas é uma missão para ele. A seguir, a entrevista:

Contraponto – A idéia inicial do livro Cabeça de Porco era que fosse um documentário? As filmagens começaram por isso?

MV Bill – Quando eu comecei a fazer nem eu sabia o que eu queria. Até hoje eu ainda não sei, porque é um assunto complexo e as coisas vão se modificando a cada momento. No início, nós (ele e o Celso Athayde) começamos a fazer filmagens só nas favelas do Rio de Janeiro. Foi desse material que resultou o clipe O Soldado do Morro. Eu fui notando que enquanto a gente fazia o clipe, quando eu conversava com os jovens no set de filmagens, na hora que eles deixavam o fuzil de lado e falavam sobre a vida, a máscara de monstro deles caia. Depois de um tempo filmando, quando eu voltei nas comunidades pra mostrar o que tinha de material, descobri que todos os jovens que deram depoimentos estavam mortos. Foi ai que percebi que o clipe era importante, mas, ainda era muito pouco.

Contraponto – Por causa do clipe que queriam prendê-lo, não é?

MV Bill – Respondo até hoje um processo por apologia ao crime no Ministério Público. Nesse período, em que eu estava sendo sabatinado pela mídia, surgiu o Luiz Eduardo Soares, que nem me conhecia e deu um depoimento a nosso favor. E, a partir daí, comecei a prestar atenção no que ele fazia e dizia. Vi que tinha uma identificação muito grande entre os nossos pontos de vista. Apesar das divergências, que existem porque nós somos seres humanos, os pontos que a gente convergia, bateu pra c… Fomos nos conhecer num show meu no Rio. Depois, eu e o Celso começamos a fazer reuniões periódicas com ele. Ficamos sabendo da pesquisa sobre violência que ele tinha e falamos do que nós tínhamos. Daí que veio o livro.

Contraponto – Cabeça de Porco, situação sem saída. No livro, o Luiz Eduardo Soares diz que a solução para as desigualdades e, por conseqüência, para a violência é uma questão maior do que o indivíduo. Portanto, é impossível uma pessoa resolver, mas, ressalta que passos devem ser dados. Qual a dimensão de um passo como o livro?

MV Bill – Eu também compartilho dessa opinião. A gente está dando esses passos, primeiro com o livro, que é um p… passo.Quando ele se torna sucesso, se torna um livro bem lido e bem vendido. P… é um passo poderoso, quando a gente vai a qualquer lugar pra discutir ele, todos os lugares estão cheios e as pessoas interessadas em discutir aquilo. Isso é um passo enorme porque a gente está mexendo com o imaginário das pessoas, trazendo a mudança, a discussão à tona. É isso que é importante, estamos incentivando a leitura, a gente está indo a vários lugares, não se limitando a feira literária e a universidades, estamos falando com todas as pessoas, em qualquer lugar.

Contraponto – Por onde você passa pedem entrevistas, autógrafos e fotos. Como é viver esse assédio?

MV Bill – Não acho ruim, eu sempre busquei visibilidade. Às vezes, é um pouco exagerado, estar toda hora enfiado demais em ‘bagulho’ de mídia, mas a invisibilidade é muito pior. O fato de eu fazer as minhas entrevistas na Cidade de Deus, levar os jornalistas para lá, é uma forma de mostrar que eles podem ir até a comunidade, visitar e fazer matérias sem que aconteça uma tragédia.

Contraponto – Quando o jornalista vai até as comunidades, como ele é recebido?

MV Bill – Há muito tempo atrás tinha uma expressão que dizia assim; vai ter repórter na favela. Era sinônimo de felicidade porque todo mundo queria aparecer na televisão. Quando chegavam as câmeras todos sorriam. Ai depois, pela forma com que eles começaram a se ver na televisão, pelo tom das matérias, sendo mal tratados… Às vezes os repórteres pediam pra filmar, eles deixavam, faziam com boa vontade. Chegava na hora da matéria passar na TV, quando iam ver a matéria no ar, viam tudo distorcido. Então hoje o sentimento que se tem é de que uma câmera pode se tornar um fuzil. É tratado dessa forma. Tipo, você pode virar um inimigo por estar com uma câmera na mão. Mas isso, por conta de ações promovidas por outros jornalistas que fizeram reportagens irresponsáveis. Então, a atitude hoje é diferente do passado. As pessoas vêem uma câmera e não correm em direção a ela. Ninguém quer aparecer.

Contraponto – É comum encontrar jornalista na favela?

MV Bill – Infelizmente existe uma imprensa viciada em mostrar o lado negativo das favelas, a seguir o que a elite quer. A fazer esse tipo de jornalismo. E se comportam como que esperando que dessas comunidades saiam apenas bandidos e não saiam mocinhos. O fato das minhas entrevistas serem na CDD é uma forma de mostrar que eles podem freqüentar as favelas e fazer boas matérias sem precisar ter um corpo estendido no chão. Tem gente que acha que eu sou contra a imprensa, a mídia. Mas, eu só questiono os espaços que ela destina para essas comunidades.

Contraponto – Você age diferente de alguns rappers que não dialogam com a mídia. Como se relacionar bem?

MV Bill – Eu já tive na luta pelo hip hop. Só que o hip hop mostrou que a luta é maior do que ele. Então, eu expandi a minha luta e apenas uso o hip hop como instrumento dessa luta. Sei da importância dele. Amo o hip hop. Devo muita coisa na minha vida, quase toda ela ao hip hop, que me projetou, me trouxe de volta e fez a minha voz ecoar. Mas a luta é maior do que ele. Porque ele não atinge todo mundo. No livro eu falo isso, a gente fala das mazelas da favela, mas não é abraçado por ela. Fala por milhões e é compreendido por menos de cem. Porque o tapete vermelho na favela é para o Alexandre Pires, para a Ivete Sangalo. São eles que estão na televisão. Os Detonautas e vários outros. Eu não vou a qualquer programa de televisão, mas eu tento ver os que dá pra fazer. Porque a massa ignorante está vendo TV. Às vezes eu vou num programa que tem 50 milhões de pessoas assistindo. Como eu vou alcançar esse número de pessoas fazendo show? Existem vários caminhos, a música pode ser um deles, a TV pode ser também, o rádio. A literatura está sendo. A única coisa que ainda não me deu foi dinheiro. Mas o prazer de poder me comunicar com as pessoas é muito maneiro.

Contraponto – Quando você começou a se interessar pela leitura?

MV Bill – O meu contato antes era de leitor, comecei minha leitura com jornal. Trabalhava em banca e, ao contrario dos meus amigos, eu preferia ler o jornal inteiro e eles liam só a parte de esportes. Muitas notícias já chamavam a minha atenção. Notícias de desigualdade, a parte policial, notícias de guerra e outras paradas. Fora da escola, nos livros, que fui descobrir a aguda história do Brasil. Estudei pouco, terminei só o primeiro grau. Não consegui estudar mais porque tive de trabalhar. Sabe aquela prática antiga de tentar conciliar estudo com trabalho? Não tem como, é muito f… Ai foi que eu parei de estudar e comecei a buscar a leitura. E com a literatura eu comecei a ganhar conhecimento. Um dos primeiros, senão o primeiro livro que eu li, foi do Abdias do Nascimento, chamado ‘Negro Revoltado’. Deu uma expandida maneira na minha cabeça. Depois comecei a ler qualquer coisa.

Contraponto – Você tem o costume de ler jornal?

MV Bill – Sempre que eu posso. Quando rola uma semana de poucos compromissos, costumo comprar, às vezes, dois ou três jornais por dia. Dou uma lida, vejo a contradição das notícias e das informações. A contradição da Imprensa, que é uma imprensa muitas vezes manipulada. Que tenta induzir o povo a ter uma opinião.

Contraponto – O Presidente da Associação de Moradores da Rocinha ficou com a imagem de bandido por ter conversado ao telefone com traficantes sobre uma festa na favela. Todos os jornais apontaram isso como um crime.

MV Bill – O que eu faço? Deixo de dialogar com o tráfico, continuo na minha carreira e deixo 99% das pessoas desamparadas? Eles sabem que é necessário ter um diálogo. Nós temos vida e família também. E a gente não enxerga um ‘maluco’ que trabalha no tráfico como quem foi criado no asfalto. São pessoas que foram criadas com a gente desde pequeno, estudaram juntos, a mãe de um é a mãe de leite do outro. Só que seguiram caminhos diferentes. Mesmo não concordando eu convivo com eles. Eu cruzo com eles todo dia. Então, eu não tenho como adotar outra postura. Agora, a visão demagoga do asfalto é que enxerga que todo mundo que está ali é bandido. Se você cumprimenta ou não cumprimenta alguém, por estar ali, você é bandido. Querem tratar dessa forma.

Contraponto – No livro o Celso Athayde faz um relato sobre a prática do jornalismo nas comunidades: ‘Os intelectuais sobem o morro, tiram suas conclusões, colocam nos quadros coloridos e em grandes manchetes e tudo vira verdade no dia seguinte’.

MV Bill – Vira verdade absoluta. Tem uma música assim: ‘Mangueira o seu cenário é uma beleza…’ Mas é só pra quem está de fora. Quem gosta daquela miséria são os intelectuais. E o que me incomoda muito é ver os sociólogos, antropólogos, que estudam a vida das pessoas para explicar o que se passa ali. E acham que a solução deve partir de nós. Quem somos nós para ter solução? Não estudamos nada, não temos chances. Ainda querem que a gente saía dessa sozinhos.

Contraponto – Quais fontes o jornalista deve procurar? Normalmente é o presidente da Associação de Moradores, a polícia e fica nisso.

MV Bill – Quem sou eu para dar conselhos para os jornalistas. Agora, uma coisa que eu prego muito é para que surjam novos jornalistas de dentro da própria comunidade, para desenvolver outro olhar. Eu por exemplo desenvolvo o meu próprio jornalismo através do rap, como é feito em vários outros lugares. Faço isso com o nosso núcleo de audiovisual na CUFA (Central Única das Favelas). A gente passa a ser um informativo dentro da comunidade, uma mídia alternativa. Não precisa que alguém venha contar de fora o que acontece na nossa realidade. Mesmo com o lance da faculdade. Não dá pra propagar apenas a arte e o esporte como meio de ascensão. É preciso criar um jornalismo dentro da comunidade e em outros setores também, profissionalizar para desenvolver esse olhar em várias áreas.

Contraponto – O caso do Luciano da Rocinha é um exemplo de má apuração? A polícia era quem fornecia as informações para a imprensa?

MV Bill – No caso dele, no livro quem faz esse relato é o Luiz Eduardo Soares. Mas em um caso desses quando a polícia prende um cara ou mata e dá uma desculpa, que eu chamo de desculpa viciada que é: ‘morreu porque tinha envolvimento com o tráfico. Ou morreu em uma disputa de quadrilhas rivais’. Isso vira verdade absoluta. Porque a polícia é a representante legítima da Lei. Quem vai contestar a polícia? Isso vira verdade, não existe uma outra voz com força para questioná-la.

Contraponto – Durante a viagem pelas periferias de praticamente todas as capitais do País, de que forma o Estado atua nas favelas?

MV Bill – É a polícia. Infelizmente é ela. Isso é um dado trágico, porque ela não dá segurança para as populações. O papel dela em muitas capitais é manter o morro no morro, tomando conta do patrimônio de quem vive no asfalto. As pessoas na favela não se sentem protegidas.

Contraponto – O poder de fogo dos traficantes aumentou? Como é a relação entre tráfico com a polícia?

MV Bill – A primeira coisa que tem que ser dita é que se você plantar uma bala de fuzil no solo da favela não vai nascer uma árvore cheia de armas. Isso só é possível com a conivência de autoridades policiais que deveriam fazer justamente o contrário. Evitar que essas armas entrassem. Os jovens não são negociadores e muitas armas são de fabricação israelense ou russa. No mínimo, eles teriam de falar inglês e eles não sabem falar nem o português direito. Também não são viajantes, não percorrem o Brasil inteiro e, ainda assim, as drogas chegam a eles. Então eu acho que é muito hipócrita querer combater a favela como se ela fosse o principal algoz da sociedade. A gente tem ainda no Brasil a corrupção. Que pra mim é o mal maior. Porque é através da corrupção que todos os outros males acabam sendo possíveis. Ao mesmo tempo em que cresce a riqueza e a desigualdade de um lado, não dá para achar que na favela as flores, o jardim vão crescer e o amor também. O que cresce é o ódio, é ele quem se manifesta. (Colaborou Murillo Camarotto e Gabriel Gaspar)’



PERFIL / JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
Ricardo Kotscho

‘No Brasil de Zé Hamilton’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 2/09/2005

‘Fala, Zé!

Do alto dos seus 70 anos de vida e 50 de reportagem, aquele senhor magro, de cabelos brancos, de fala mansa e modos quase simplórios, reluta em subir ao pequeno estrado armado no Sítio Sanhaço, em Sarapuí, no velho interior paulista, onde os amigos lhe prestaram uma singela homenagem no sábado passado.

– Olha, pessoal, de tudo o que já vivi neste tempo todo de jornalista, posso dizer a vocês que aprendi duas coisas. A primeira é que não existe azeitona preta. Só tem azeitona verde no pé, no máximo marronzinha. O resto é azeitona tingida. Outra coisa: é sempre da torneira da esquerda que sai a água quente. Obrigado.

E foi tudo. Este jeito de ser e falar é próprio de José Hamilton Ribeiro, o maior repórter brasileiro da nossa geração, que há 25 anos conta suas reportagens no programa ‘Globo Rural’, da TV Globo, depois de ter passado pelas principais redações do país, a começar pela revista ‘Realidade’. Foi lá que ele se celebrizou na cobertura da guerra do Vietnã, que lhe custou a perda de uma perna ao pisar em terreno minado, mas não o tesão de prosseguir percorrendo o Brasil e o mundo em busca de boas histórias.

Zé Hamilton, ou Zé Parmito, como o chamam os amigos mais antigos, é um caso típico em que a obra se confunde com o autor. Circulando entre uma roda e outra de amigos no galpão do sítio de Hebe e Humberto Pereira, o eterno diretor do ‘Globo Rural’, Zé passa a tarde toda contando suas histórias com a mesma simplicidade das suas reportagens escritas nos jornais e nas revistas ou narradas em off na televisão há meio século.

Não é tão incomum um jornalista chegar aos 70 anos e continuar trabalhando na imprensa. Raríssimo – e acho que se trata de um caso único – é um jornalista completar 50 anos trabalhando como repórter, a atividade mais gratificante e, ao mesmo tempo, mais arriscada e desgastante da profissão. Mais do que isso: é ele continuar falando do seu mais recente trabalho com o mesmo entusiasmo, como se fosse a primeira reportagem da longa carreira.

Só de ver a alegria do Zé Hamilton lembrando seus causos para os amigos, cercado da família e de toda a equipe que o acompanha há tanto tempo pelos fundões do Brasil, já teria valido a viagem, sem falar na fantástica costela que passou sete horas assando na churrasqueira e no tempero das pernas de carneiro. Mas tinha mais: por uma dessas bonitas coincidências da vida – serão mesmo coincidências? – estava lá para animar a festa o lendário sanfoneiro e compositor Mário Zan, que já tocava quando Zé Hamilton começou a escrever, entre outros músicos e cantores que o repórter foi conhecendo pelo caminho.

Aos 84 anos, mas com a animação de um cara muito mais novo, Mário Zan é o Zé Hamilton da música brasileira. Ambos são de natureza mais rural do que urbana, adoram o que fazem – e fazem questão de não se dar muita importância. Ao contrário das estrelas autobiográficas que infestam tanto o jornalismo como a música, os dois gostam mesmo é de elogiar os outros, contar as façanhas dos seus amigos, não as deles. No Brasil de Zé Hamilton, o papo é outro.

Aqui tudo é história, a começar pelo próprio Sítio Sanhaço, que Humberto Pereira comprou do Henfil, como ele conta no detalhado roteiro enviado aos amigos para não se perderem no caminho. ‘Originalmente, era um pequeno armazém do seu Campolim Machado. Está na margem direita do rio Itapetininga. Do outro lado, já é o município de Itapetininga. Uma grande fazenda que virou assentamento de reforma agrária (Assentamento Carlos Lamarca). Nessa fazenda, ninguém mais se lembra, nasceu Júlio Prestes, alijado de nossa história pela Revolução de 30. Era para ter sido presidente. Virou estação de trem em São Paulo e a estação virou sala de concertos de renome mundial.’

Como Zé Hamilton, Mario Zan também é movido a histórias e paixões. A maior delas, depois de cinco casamentos, é pela Marquesa de Santos, cujo túmulo, no Cemitério da Consolação, visita regularmente para depositar flores. Gosta tanto da história da marquesa que até comprou um túmulo em frente ao dela para o caso de algum dia vir a morrer.

No final do dia, ao pegar a estrada para Itapetininga, depois para Guareí, a caminho da minha pequena e querida Porangaba, vendo aquele sol de inverno, vermelhão, enorme, caindo para os lados da serra de Botucatu, dá até a impressão de que passei algumas horas fora do Brasil – embora não haja nada mais brasileiro do que esta gente e estas terras, onde a vida não corre assustada e triste na onda das notícias despejadas pela crise na Internet. A vida, afinal, também é feita destes dias e de personagens como José Hamilton Ribeiro e Mário Zan.

Se nascesse de novo, gostaria de ser qualquer um deles.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘Histeria petista’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 1/09/2005

‘Com muito favor, pode-se considerar apenas histérica a reação do professor Emir Sader à declaração do senador Jorge Bornhausen, o qual jubilara-se, referindo-se à tragédia petista: ‘A gente vai se ver livre desta raça por, pelo menos, 30 anos!’. Possesso, o mestre uspiano escreveu em artigo na Agência Carta Maior: ‘Ele (o senador) merece processo por discriminação, embora no seu meio – de fascistas e banqueiros – é usual referir-se ao povo dessa maneira – são ‘negros’, ‘pobres’, ‘sujos’, ‘brutos’.

E mais: ‘O senador Jorge Bornhausen é das pessoas mais repulsivas da burguesia brasileira. Banqueiro, direitista, adepto das ditaduras militares, do governo Collor, do governo FHC, do governo Bush, revela agora todo o seu racismo e seu ódio ao povo brasileiro com essa frase, que saiu do fundo da sua alma – recheada de lucros bancários e ressentimentos (…)

Ora, o excelente humorista Tutty Vasques popularizou a expressão ‘ô, raça!’ e nunca foi chamado de eleitor ou amigo de Bornhausen. ‘Vou acabar com a tua raça!’, gritam os brigões na rua, e não passa pela cabeça de ninguém imaginar ali alguma manifestação racista. A diatribe de Emir Sader é confusionismo tipicamente petista que o colunista conhece de cor e salteado.

Durante a campanha para a presidência do Sindicato dos Jornalistas de SP, em 1989/90, o colunista fez uma palestra em Campinas e disse o seguinte, depois de necessária peroração: ‘Jornalista não é operário’. No dia seguinte, o jornal dos petistas publicava, na primeira página: ‘Japiassu diz que jornalista não é trabalhador’.

É preciso ter espírito de renúncia para lidar com militante petista, seja presidente da República, ministro, senador, deputado, vereador, professor da USP e, principalmente, jornalista, este que jamais deveria abandonar-se a paixões além do futebol. Ô, raça!!!

O colunista aproveita para esclarecer: não é fã de Bornhausen.

(Leia no Blogstraquis a íntegra do lamentável artigo de Emir Sader)

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Pimenta Neves

O considerado leitor faz idéia de como ‘funciona’ a Justiça neste país de m…? Pois dê uma passada no Blogstraquis e leia excelente matéria do Consultor Jurídico, intitulada Cinco anos depois – Pimenta Neves pode ir a júri em breve.

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Tá na Bíblia

No artigo intitulado A vez de Luiz Inácio, publicado em O Globo, o jornalista Jorge Antonio Barros publica o seguinte exórdio: ‘Tudo o que está escondido será descoberto e tudo o que está em segredo será revelado.’ (Lucas, 16:17).

Então, o considerado Giulio Sanmartini, o mais carioca dos italianos, que vive em Belluno, onde iniciou poderosa novena em favor do Brasil, leu e botou o exórdio no seu devido lugar:

‘Não é capítulo 16, versículo 17, porém capítulo 8, versículo 17…’

Janistraquis comentou: ‘Oito só é igual a 16 nas contas do Delúbio!’

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Impublicável

Anunciou o UOL, em chamadinha para matéria da Folha Online:

Crise política

Ciro afirma ter opinião impublicável sobre Dirceu.

Janistraquis quase caiu da cadeira:

‘Caramba, considerado! O Ciro, que é um estourado, se contém pra não chamar Dirceu de filho dessa, filho daquela, ladrão, safado, veado… né não?!’

Também achei e, em desabalada carreira, fomos ler a matéria. Lá estava:

‘Só quem está com as ferramentas da apuração pode indicar [se Dirceu é inocente]. Ele se proclama inocente. Eu tenho a minha convicção, mas ela não é publicável porque seria um julgamento impertinente se eu dissesse uma ou outra das posições possíveis nesse assunto’, afirmou.

Foi enorme a decepção. O considerado leitor avalia o estrago que pode ocorrer quando não se tem intimidade com o idioma…

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Ruim de conta

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de cuja varanda foi possível escutar a formidável bronca de Fernando Gabeira no gaguejante Severino, pois Roldão lia o Jornal da Comunidade, de Brasília, edição de 27/8 a 2/9, quando tropeçou nestas linhas:

Passados cem dias de seu governo, o presidente Lula parece não se dar conta de que o país vive um grave momento político que tem afetado, direta ou indiretamente, seu partido e todo o seu staff, envolto em uma nuvem de denúncias de corrupção.

Roldão, que faz as contas numa calculadora muito diferente da utilizada por Delúbio, protestou:

Ora, o governo Lula começou em 1º de janeiro de 2003. Completou, portanto, no dia 27 de agosto deste ano quase mil dias (969 exatamente) Cem dias são pouco mais do que três meses!

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Haja saco!

Segundo o considerado Ancelmo Gois, Maristela Kubitschek não gostou de ouvir Lula dizer na TV que quer seguir o exemplo de JK e ter ‘paciência e paciência’.

A filha de Juscelino diz que a marca de seu pai era, sim, ‘visão estratégica, planejamento, trabalho e trabalho’.

‘Por falar nisso… Maristela diz que seu pai era muito impaciente.’

Janistraquis pede licença para meter a colher:

‘Considerado, Maristela nem precisava dizer que o pai era impaciente; a construção de Brasília, sob o slogan ‘cinqüenta anos em cinco’, já é prova indiscutível. Esse Lula não dá uma dentro, né mesmo?’

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Apostas perdidas

O considerado leitor precisa apenas de um clique aqui no Blogstraquis para ler a íntegra do sensacional artigo do sociólogo/professor Gílson Caroni Filho, publicado originalmente no Jornal do Brasil. Sinta o drama no excerto abaixo:

Lutar pela conjugação de forças dos mundos do trabalho e da cultura é imperativo. E, à luz de tudo por que estamos passando, aperfeiçoar mecanismos de controle do capital na esfera política. Por fim, reconhecer o lulismo como momento importante a ser superado. Algo a ser reverenciado pelo que representou e posto em local de destaque no museu das apostas perdidas.

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Sem limites

O considerado Ruy Alberto Paneiro, veterano jornalista dos tempos em que repórteres e redatores liam jornais, envia excelente artigo do não menos veterano e bom de serviço Carlos Chagas, publicado na Tribuna da Imprensa:

Chega de mentiras

BRASÍLIA – Ninguém agüenta mais. Chega! Ultrapassaram todos os limites. De Delúbio Soares a Marcos Valério, de Duda Mendonça a José Dirceu e tantos outros e outras, em seus depoimentos nas CPIs, no Conselho de Ética da Câmara, na Polícia Federal e no Ministério Público, o festival de mentiras não apenas choca e envergonha, mas enraivece todo mundo.

A íntegra está no Blogstraquis.

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Para meditar

‘Tão cedo o livro não será negócio de dar dinheiro no Brasil. Sabe que o pior negócio do Garnier foi a edição completa do Machado de Assis? O Paulo, gerente da livraria Alves em São Paulo, disse que ‘o Alves não quer a obra de Machado de Assis nem de graça, porque não passa dum entulho de prateleira’ – tão divorciado andam entre nós a Glória e o Valor Comercial.’

(Monteiro Lobato em carta a Godofredo Rangel – 4/4/1911)

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Nota dez

Texto capaz de deixar na boca da gente aquele sabor de fracasso, se fracasso tivesse algum sabor, é este da lavra do considerado José Inácio Werneck em sua coluna da Gazeta Esportiva:

O país do futuro

‘(…) Somos de fato insuperáveis em matéria de burrice, incompetência, corrupção. Como se explica que, ano após ano, jogadores brasileiros como Kaká e Robinho custem menos no mercado internacional do que pernas de pau de nomeada global, como o zagueiro inglês Rio Ferdinand? Até africanos vindos das profundas de vilarejos em Camarões, Libéria, Costa do Marfim, Togo ou Daomé são mais cotados nos mercados europeus do que nossos craques.

(Leia a íntegra no Blogstraquis)

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Errei, sim!

‘INVEJA SÓ – Esta saiu na coluna do Gilberto Amaral, no Correio Braziliense: ‘Do imortal e sempre irreverente João Ubaldo Macedo(…)’. E, talvez numa homenagem estilística ao escritor que, um dia, se chamou João Ubaldo Ribeiro, Amaral deu à luz, na mesma edição, esta notinha: ‘A bonita Lisle Lucena deu um banho de simpatia no programa de Serginho Groismann (…) Lisle não se esquivou-se um só instante…’

Lamentei o se esquivou-se porém Janistraquis, fã de Gilberto Amaral, atribuiu tal escorregão a algum sabotador invejoso que perambula pela Redação. E escreveu ao diretor Ricardo Noblat exigindo empenho para a rápida identificação do patife.’ (abril de 1994)’



LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘Amigos e inimigos’, copyright Jornal do Brasil, 05/09/2005

‘Março de 1961. Perdeu-se a data, mas é segunda-feira. São 6h45 da manhã. Jânio Quadros chama seu ministro Roberto Campos: ‘O povo não gosta de amar. O povo gosto de odiar. Onde estão os inimigos?’. O presidente mostra-lhe um papel com destaques em vermelho. Várias multinacionais aparecem na relação, uma das quais a Esso, patrocinadora do célebre Repórter Esso, ‘testemunha ocular da História’.

Agosto de 2005. O inimigo é outro, mas tem defensores. ‘Dirceu é meu amigo,/ mexeu com ele,/ mexeu comigo’, cantam militantes do PT, proclamando solidariedade ao deputado federal e ex-chefe do Gabinete Civil do presidente Lula.

Mas o que é um amigo, o que é um inimigo, como a língua portuguesa os concebe?

As duas palavras vieram do latim amicus e inimicus, respectivamente.

A troca de c por g é usual em nossa língua e está presente no próprio bordão dos militantes no pronome comigo, do latim cum (com) e mecum (comigo), em evidente duplicação. Mecum já quer dizer comigo. O latim falado e escrito em Portugal às vésperas do nascimento da língua portuguesa já tinha a forma cumecum para designar comigo.

Na civilização ocidental, o cristianismo é hegemônico e todos os inimigos podem ser reunidos numa referência totalizante, o Diabo. Ele é o grande inimigo de Deus e do homem. Tal concepção, porém, traz uma séria complicação, pois o maior mandamento cristão é amar, inclusive os inimigos.

Demonologistas medievais fixaram sutis diferenciações entre as várias potestades infernais e seus diversos nomes. Segundo eles, Belzebu, do hebraico Ba’al (senhor) e zebuub (mosca), liderou uma revolução no Inferno, destronando Lúcifer, Satanás, o Demônio e o Diabo. Na Idade Média, o Senhor das Moscas reinava absoluto nas cortes infernais, à frente de um exército de 6.666 legiões, cada uma com 6.666 membros, uma força de 44.435.556 demônios.

Comentando a cifra, escreveu Olavo Bilac: ‘No Inferno, há a classe aristocrática e há a plebe: diabos ricos e diabos pobres, diabos que governam e diabos que pagam. Como os homens souberam criar um Inferno à imagem do mundo em que vivem!’.

Todos os nobres do Inferno fizeram jus à Ordem da Mosca, enquanto Satanás foi para a oposição, de cujo partido é chefe. ‘Naturalmente’, acrescenta o poeta, ‘Satanás vive afastado do poder e do orçamento, escrevendo artigos e fazendo discursos de oposição contra Belzebu’.

Os mesmos demonologistas atestam que as potestades do Mal governam o universo com o auxílio de quatro reis (os pontos cardeais), 23 duques, 14 marqueses e 10 condes. No reino das metáforas, a monarquia substituiu o exército romano.

Para Martinho Lutero, o Diabo era o papa. Como a Igreja teve nove papas no período, ele definiu como seu inimigo aquele que assinou o documento de sua excomunhão, Leão X.

A mídia definiu que os maiores inimigos são os corruptos já identificados, expostos dia e noite na televisão, mesmo com crianças na sala. Ainda faltam todos os outros e os atores principais, os corruptores. Mas as multinacionais foram excluídas da relação.’