Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jaime Biaggio

‘Todos os meses, desde junho do ano passado, o Centro Cultural Banco do Brasil tem promovido sessões de filmes brasileiros destinadas a deficientes auditivos na sua sala de vídeo. A iniciativa — que consiste na exibição de fitas Beta especialmente produzidas com legendas em português das quais constam não só os diálogos dos personagens, mas também as indicações de ruídos de cena e música — parte da Associação de Reabilitação e Pesquisa Fonoaudiológica (Arpef), tendo, assim, um óbvio caráter de trabalho social. Contudo, guarda um valor mercadológico para o qual o meio cinematográfico, aparentemente, não acordou.

— Segundo dados do IBGE do Censo de 2000, existem 12 milhões de pessoas com problemas auditivos de maior ou menor grau no Brasil — informa Helena Dale, da Arpef, mentora do projeto Cinema Nacional Legendado, que exibirá ‘A partilha’, de Daniel Filho, sábado que vem, às 17h (as sessões acontecem todo sábado nesse horário, com entrada franca). — Essas pessoas acabam condenadas pelas circunstâncias a não conhecer bem parte significativa da cultura de seu país.

Surdos são quatro vezes o público de ‘Cazuza’

Doze milhões de pessoas é o equivalente a quatro vezes a bilheteria de ‘Cazuza — O tempo não pára’ ou ‘Olga’, os dois filmes brasileiros mais vistos de 2004. Um público de tamanho respeitável que muitas vezes passa ao largo do cinema nacional, por pura e simples dificuldade (em certos casos, total incapacidade) de entender os diálogos. Nos casos de surdez parcial, a boa qualidade de som que se tornou regra nos cinemas das grandes capitais recentemente ajuda a minimizar o problema. Em vídeo/DVD, contudo, onde fica-se à mercê do equipamento de que cada um dispõe em casa, o problema se sente com especial gravidade. Mais ainda porque raros filmes nacionais lançados no formato incluem sequer o recurso da legenda em português, quanto mais a descrição do som ambiente. Para efeito de comparação, no mercado internacional de língua inglesa, a imensa maioria dos DVDs tem ao menos legendas comuns em inglês.

— Minha mãe tem uma certa deficiência auditiva, suficiente para que tenha dificuldade de entender diálogos de filmes nacionais — diz o corretor imobiliário Renato Lineu de Albuquerque Mello. — Mas alguns filmes até já estão vindo com legendas em português. Esta semana mesmo vimos ‘Uma vida em segredo’ legendado.

O filme de Suzana Amaral, recém-lançado no formato pelo consórcio Europa/MaM, é uma exceção. Mello se lembra ainda de ter visto legendas em ‘Paulinho da Viola — Meu tempo é hoje’. Helena Dale acrescenta à lista ‘Bicho de sete cabeças’. A regra, no entanto, é a ausência — e, por isso, a Arpef precisa preparar fitas Beta especiais para suas sessões.

— Lá fora, mesmo os discos que não têm as legendas especiais para surdos como opção do menu as têm em closed captions (legendas ocultas, acessáveis só quando a TV é compatível) — lembra Helena.

Nos cinemas, vários fatores tornam bem mais difícil a popularização da legendagem de filmes na própria língua falada na tela. Do ponto de vista comportamental, pesa muito o caráter coletivo da sessão de cinema. A legenda, afinal, cobre parte do campo visual do espectador e geralmente é um alívio poder prescindir dela (o caso dos americanos, que assistem a poucos filmes em língua estrangeira, entre outros motivos, por rejeição ao mecanismo da legenda, é bastante conhecido). O fator financeiro, no entanto, pesa também: não é exatamente barato legendar cópias. Contudo, em nome da sensibilidade à questão do deficiente, começam a ser tomadas providências.

— A Arpef fechou um acordo com o Diler Trindade, e os filmes da Xuxa já começaram a ter um pequeno número de cópias com uma legendagem especial, que visa à criança com deficiência auditiva — informa Helena. — ‘Xuxa e o tesouro da cidade perdida’ tem cópias assim, e a tendência é que todos os filmes da produtora passem a ter (Diler Trindade não foi encontrado para confirmar essa informação ou revelar quantas cópias do último filme de Xuxa têm legendas) . Nós produzimos o guia para as legendas, com as informações que devem constar da tela.

A questão está sendo discutida também na Câmara dos Deputados. O deputado Luiz Antônio Fleury Filho, do PTB paulista, é autor do projeto de lei 4.176, de 2004, que pede que um número X de cópias de filmes brasileiros traga legendas para os deficientes auditivos. O projeto, que versa também sobre os palcos teatrais, pedindo algum tipo de recurso para o auxílio aos surdos, não determina números exatos de cópias.

— Os locais que disponham de mais de uma sala de exibição oferecendo simultaneamente a mesma obra poderão limitar a exibição da cópia legendada a apenas uma sala — informa o texto do projeto, que, entregue em outubro à primeira comissão da Câmara dos Deputados, a de Seguridade Social e Família, permanece lá.

O projeto lembra avanços já obtidos em outros países nesse campo e acusa o Brasil de tratar portadores de deficiência auditiva com descaso.

— O argumento de que essas pessoas acabam por desenvolver habilidades de leitura labial é irrelevante nesses casos, devido à baixa acuidade da imagem cinematográfica e à grande distância entre o espectador e o palco nas exibições de peças — continua o texto.

De acordo com o CCBB, que, aliás, dispõe agora de um telefone público específico para deficientes auditivos, a sessão Cinema Nacional Legendado tem taxa de ocupação de 80 a 90% da sala.’



FUTEBOL NA TV E NO CINEMA
José Geraldo Couto

‘Amor impossível?’, copyright Folha de S. Paulo, 8/01/05

‘O Canal Brasil exibe hoje, às 20h, um programa especial do ‘Canal 100’ sobre a rivalidade Corinthians x Palmeiras.

A bem da verdade, é um programa meio pobre, sem muita informação histórica e com pouco material de arquivo (o ‘Canal 100’ mostrava basicamente o futebol carioca), mas mesmo assim é uma boa oportunidade para rever craques esmeraldinos e alvinegros inesquecíveis, como Ademir da Guia, Rivellino, Djalma Santos, Sócrates, Leivinha, Wladimir e muitos outros.

A rivalidade entre palmeirenses e corintianos -uma das mais intensas e bonitas que existem, quando não descamba para a violência- é o tema também do novo filme de Bruno Barreto, ‘O Casamento de Romeu e Julieta’, que tive o privilégio de ver em primeira mão (deve estrear em março nos cinemas).

Aqui não é o lugar indicado para uma crítica propriamente cinematográfica do filme. Vou apenas comentar alguns de seus aspectos, como uma espécie de aperitivo (ou ‘trailer’) para o leitor torcedor.

Baseada num conto de Mário Prata, a fita conta a história de amor entre um corintiano, Romeu (Marco Ricca), e uma palmeirense (Luana Piovani). Para levar a beldade para a cama, Romeu tenta esconder por algum tempo sua condição alvinegra. Não consegue, mas tudo bem: o amor supera as rixas clubísticas.

Mas, para levar a moça ao altar, o problema será maior. Julieta é filha de um conselheiro do Palmeiras (Luís Gustavo), amigo íntimo do presidente (calma, gente, no filme não é o Mustafá). Vai daí que Romeu tem que continuar com sua farsa, o que o leva até a embarcar no avião que leva dirigentes e torcedores palmeirenses a Tóquio, para a disputa do título mundial de 99.

Os cômicos apuros do vira-casaca acidental me fizeram lembrar de uma reportagem especial que Claudio Julio Tognolli fez para a Folha em meados dos anos 90.

Tognolli se ‘infiltrou’ por um tempo na Mancha Verde, viajando com a torcida pelo Brasil afora, e depois fez o mesmo com a Gaviões da Fiel, para relatar tudo aos leitores num texto saboroso.

Pode parecer exagero, mas Tognolli correu risco real de vida. Foi uma espécie de correspondente de guerra.

É esse clima bélico que o filme de Bruno Barreto, para além de seus eventuais defeitos e virtudes, consegue captar e sublimar em comédia.

As cenas de torcida no Pacaembu e no Morumbi são de arrepiar. Até então, salvo engano, só o Maracanã tinha aparecido nas telas com tamanha beleza e vibração.

Sim, o futebol é uma guerra, mas ‘uma guerra maravilhosa de noventa minutos’, como cantou Jorge Ben. Depois, tudo acaba, ou deveria acabar, em pizza. Mezzo a mezzo.

Em tempo: Luana Piovani, que no filme é jogadora de futsal, recebeu treinamento físico e técnico de um ex-craque, Claudio Adão, que vem a ser cunhado de Bruno Barreto. E nem é preciso dizer que ela bate um bolão.

Que argentinos?

Muitos corintianos se dizem preocupados com a ‘argentinização’ do Corinthians na era Kia. A questão não é a vinda de argentinos para o Parque São Jorge, e sim quem são eles. Tevez é um excelente jogador, embora talvez não valha o que se pagou por ele. Mascherano idem. Confesso que não conheço o zagueiro Sebastian Dominguez. Mas a informação de que Daniel Passarella passará a fazer parte do comando da parceria MSI-Corinthians é preocupante. Desafeto de Maradona, Passarella é o homem que, na seleção argentina, barrou Redondo, então o melhor atleta do país, por usar cabelos compridos. E que, conforme lembrou Jorge Kajuru neste espaço, boicotou Sócrates quando ambos jogavam na Fiorentina. Não é um currículo animador.’