Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

João Gabriel de Lima

O noticiário, exibido pela Rede Globo em horário nobre e assistido diariamente por 31 milhões de brasileiros, é campeão de audiência desde que o primeiro apresentador, Hilton Gomes, leu a primeira notícia no ar, há 35 anos. O Jornal Nacional é uma história de sucesso sem paralelo entre os telejornais brasileiros. Quando se compara sua audiência com a de programas semelhantes levados ao ar em outros países democráticos, o JN sobressai como um dos programas jornalísticos, proporcionalmente, mais vistos. Ele mantém sintonizados em seus apresentadores 68% dos televisores. Para efeito de comparação, o jornal francês da rede TF1 tem 46%. Como costuma ocorrer com quase todo líder, as polêmicas acompanham a trajetória do Jornal Nacional.

Em momentos cruciais da história recente do Brasil a cobertura do JN provocou críticas. Dois episódios em particular foram examinados à minúcia e livros chegaram a ser escritos sobre eles. Um foi a cobertura da campanha pelas eleições diretas em 1984, quando se acusou o noticiário de esconder as manifestações que tomavam de assalto as praças do Brasil. O outro foi a edição do último debate entre Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, na véspera das eleições presidenciais de 1989. Na ocasião, o Jornal Nacional foi acusado de favorecer o candidato do PRN com uma montagem tendenciosa.

Por muito tempo esses episódios foram tabus na Globo. Agora não são mais. No livro Jornal Nacional – A Notícia Faz História, elaborado por um time de historiadores contratados pela emissora, a Globo fez sua própria investigação e agora dá sua versão dos fatos – que VEJA publica com exclusividade. Na obra, que será vendida em livrarias, a emissora admite erros cometidos e esclarece esses e outros fatos da história de seu principal telejornal. ‘Nós o escrevemos como estamos acostumados a fazer jornalismo. Relatamos os bons e os maus momentos pelos quais todo órgão de imprensa passa, com isenção, com correção, com transparência’, disse João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, a VEJA na semana passada.

A obra chega às livrarias nesta semana, como parte das comemorações dos 35 anos do Jornal Nacional. O volume é um relato correto sobre o inter-relacionamento do telejornalismo com a história recente do Brasil, temperado por fatos pitorescos. No episódio das diretas já, a campanha cívica que mobilizou o Brasil nos momentos finais do regime militar em 1984, a Globo sempre teve de se defender da acusação de não ter noticiado o megacomício da Praça da Sé, em São Paulo, em 25 de janeiro de 1984. O livro prova que a Globo noticiou o evento. O repórter Ernesto Paglia estava lá e relatou, no Jornal Nacional, como milhões de pessoas haviam se reunido para pedir eleições diretas. As imagens da reportagem de Paglia mostram vários dos participantes do comício, como o cantor Chico Buarque e o então governador de São Paulo, Franco Montoro. Portanto, é falsa a acusação.

O livro admite, porém, que a maneira como a matéria foi levada ao ar ensejou a versão de que o comício não fora coberto pelas equipes da emissora. Na chamada para a reportagem de Paglia, o locutor Marcos Hummel leu o seguinte texto: ‘Festa em São Paulo. A cidade comemorou seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé’. O trecho dava a entender que o comício era apenas parte das celebrações do aniversário da cidade. O livro conta também que a Globo deixou de destacar no Jornal Nacional os primeiros comícios pelas diretas, em Curitiba, Vitória, Salvador e Campinas, que foram exibidos apenas nos telejornais locais – por ordem de Roberto Marinho. O fundador da Globo considerava que a realização dos comícios ‘poderia ser um fator de inquietação nacional’, conforme ele próprio declarou na ocasião a VEJA.

A outra polêmica, certamente a maior da história do JN, diz respeito à edição do último debate da eleição presidencial de 1989. O livro dedica quinze páginas ao assunto. O debate ocorreu em 14 de dezembro, três dias antes das eleições. Na sexta-feira, dia 15, o Jornal Hoje exibiu uma edição do debate e o Jornal Nacional mostrou outra. A emissora foi criticada, entre outras coisas, por Collor aparecer no JN por um minuto e meio a mais que Lula, o que em televisão corresponde a uma eternidade. Além disso, foram escolhidos alguns dos melhores momentos do candidato do PRN e alguns dos piores do representante do PT, dando a impressão de que Collor – que efetivamente se saíra melhor no debate – havia esmagado o adversário. A obra colhe depoimentos de vários dos envolvidos. O painel transcrito no livro é uma corajosa e transparente discussão sobre o episódio. Armando Nogueira, então diretor da Central Globo de Jornalismo, responsabiliza seu subordinado Alberico de Souza Cruz, ex-diretor de telejornais da rede, pela edição do debate, e o acusa de ‘deslealdade e traição profissional’. Diz Armando:

‘Foi má-fé do Alberico, que servia não à empresa, mas ao Collor, à entourage do Collor’. Alberico nega ter tido qualquer participação na edição, que teria sido feita pelo editor de política Ronald de Carvalho, sob a orientação da então diretora executiva, Alice-Maria, a qual, por sua vez, teria recebido instruções da família Marinho. Alice-Maria diz no livro que ‘levou um susto’ ao ver a edição no ar. Ela finaliza seu depoimento no livro dizendo:

‘Aquela matéria mudou a história do telejornalismo da Globo’. Ronald de Carvalho assume total responsabilidade pela edição, a qual diz ter feito sozinho. Ele é desmentido pelo então editor de texto do JN, Octavio Tostes, que surge no livro afirmando ter sido ele o responsável pela edição. Tostes diz ainda que agiu à revelia e sob as ordens de Ronald de Carvalho e Alberico de Souza Cruz. E conclui: ‘A edição mancha a história da Globo e, em escala muito menor, mas gravíssima no nível individual, é uma nódoa na minha carreira’.

Depois do episódio, nunca mais a Globo exibiu em telejornais compactos de debates eleitorais. ‘Aprendemos a lição de que um debate é de tal modo subjetivo que qualquer compacto sempre será acusado de parcialidade’, diz Carlos Henrique Schröder, diretor da Central Globo de Jornalismo. Há no livro um depoimento de João Roberto Marinho sobre o assunto. Ele diz:

‘É preciso sempre ter em mente que aquela era a primeira eleição para presidente na era da televisão de massa. Não passa pela minha cabeça que os equívocos tenham sido cometidos por má-fé’. Há um outro caso polêmico, conhecido como ‘Escândalo Proconsult’, em que Leonel Brizola, morto dois meses atrás, acusava o JN de ter colocado no ar, de propósito, dados de apuração errados na eleição de 1982 para justificar uma fraude que se cometeria contra ele. Brizola foi eleito. O livro considera o caso Proconsult uma invencionice e relata apenas que o JN colocou no ar resultados parciais da apuração.

O momento do Jornal Nacional não é apenas de autocrítica, mas também de reflexão. Depois de sete anos, o JN resolveu fazer uma pesquisa qualitativa para saber o que os telespectadores pensam do programa. O resultado, ao qual VEJA teve acesso também com exclusividade, mostra que o Jornal Nacional reencontrou o prumo depois de uma década – a de 90 – em que oscilações de audiência levaram a experimentações nem sempre bem-sucedidas, nas quais o programa quase chegou a resvalar para soluções editoriais apelativas.

Hoje o JN está de volta à sua vocação original, a da notícia. E o público, de acordo com a pesquisa, aprova essa opção. A média de audiência do telejornal de janeiro a agosto de 2004 é de 43 pontos, a maior desde 1997. Havia muito tempo a distância para os segundos colocados não era tão grande – o Jornal da Band e o Jornal da Record alcançam apenas 3 pontos, em média, no Ibope.

Os números do Jornal Nacional de hoje são superlativos. O programa tem o espaço publicitário mais caro da televisão brasileira. Um comercial de trinta segundos custa de 250.000 a 380.000 reais. Isso faz com que a Globo contabilize 2,6 milhões a cada vez que seus apresentadores dizem ‘boa-noite’. Num ano de anúncios fartos, essa cifra chega, em média, a 780 milhões, faturamento similar ao de uma empresa do porte da cervejaria Schincariol. Se fosse uma pessoa jurídica, o JN se situaria por volta do 350º lugar no ranking brasileiro das maiores.

Essa arrecadação possibilita pagar salário de diretor de multinacional aos apresentadores William Bonner e Fátima Bernardes – a Globo não revela os valores, mas no mercado se comenta que são da ordem de 60.000 a 70.000 reais mensais para cada um – e sustentar uma operação caríssima. Para produzir cerca de meia hora diária de reportagens, o Jornal Nacional mobiliza um exército de 600 profissionais dedicados exclusivamente ao programa.

Todos os 4.000 jornalistas da Rede Globo são, no entanto, potenciais colaboradores, já que as matérias mais candentes exibidas pelos noticiários regionais têm chance de ir parar no horário nobre. ‘O que nos diferencia da concorrência é o fato de termos equipes completas em 118 cidades do país, graças às afiliadas, o que nos credencia como o único telejornal verdadeiramente nacional’, diz Ali Kamel, diretor executivo de jornalismo. Os 43 pontos de audiência significam 68% dos aparelhos ligados, ou 31 milhões de espectadores a cada minuto. É como se quase toda a população da Argentina parasse, todas as noites, para assistir a um noticiário de TV.

Ao se concentrar em sua verdadeira vocação – a notícia -, o Jornal Nacional enterra de vez a fase em que cometeu aquilo que a cúpula da Globo hoje considera ‘desvios’. O livro A Notícia Faz História relata alguns deles. Em 1991, pressionado pela concorrência da novela mexicana Carrossel e do humorístico Chaves, ambos exibidos pelo SBT, o programa resolveu apostar na força das imagens. Foi dada ênfase inédita à cobertura policial. Um exemplo foi a reportagem sobre um jovem de São Paulo que jogara ácido no rosto da mãe. Durante a leitura das manchetes, exibiu-se a imagem da vítima ferida – o que gerou uma saraivada de críticas. Com altos e baixos na audiência, o Jornal Nacional continuou suas experimentações ao longo da década.

Baseada em pesquisas, a direção da emissora resolveu fazer gestões no sentido de tornar o noticiário mais leve. O momento emblemático dessa mudança deu-se quando o Jornal Nacional exibiu, em 28 de julho de 1998, o parto de Sasha, a filha da apresentadora Xuxa. Não seria nada extraordinário não fosse o tempo em que as imagens ficaram no ar: dez longuíssimos minutos, quando se sabe que reportagens especiais, na televisão, dificilmente ultrapassam quatro.

A pesquisa atual, feita com dezesseis grupos de discussão de diferentes estratos sociais, mostra claramente que o espectador do JN não quer saber de imagens de impacto nem de perder tempo com coberturas irrelevantes. Uma das principais virtudes apontadas pelas pessoas que participaram do levantamento é o fato de o Jornal Nacional de hoje mostrar a violência de forma ‘limpa’ – sem sangue, sem tiros, sem pancadaria. ‘Somos vistos por famílias inteiras, e eu estaria traindo o telespectador se exibisse imagens capazes de chocar seus filhos’, diz o jornalista William Bonner, que além de apresentar o JN é seu editor-chefe. Ele, que assumiu o jornal em 1999, ano em que a ênfase no noticiário se tornou prioridade, é um defensor radical dessa filosofia.

Recentemente, quando o mundo soube que Saddam Hussein colocava dinamite nas roupas de seus presos políticos e os jogava numa cratera para que explodissem, Bonner foi contrário a exibir essa imagem. Seu superior hierárquico, Ali Kamel, achava que a cena deveria ser mostrada na íntegra. Optou-se por uma solução intermediária: a imagem seria congelada no momento da explosão, e assim foi ao ar. Embora, segundo a pesquisa, os telespectadores prefiram reportagens sobre saúde, cultura e descobertas científicas, eles valorizam o fato de o JN fornecer um resumo completo das notícias do dia, incluindo assuntos mais áridos, como economia e política.

‘As pessoas assistem ao Jornal Nacional por necessidade, não por diversão’, acredita Carlos Henrique Schröder. ‘Elas sabem que se não assistirem ao programa perderão uma boa chance de se informar sobre o que de mais importante aconteceu no dia.’

O item da pesquisa que gerou mais discussão entre os que fazem o Jornal Nacional foi a linguagem do noticiário. Percebeu-se, através do levantamento, que muitos espectadores ainda não entendem perfeitamente o que é dito. Um exemplo: recentemente, foi exibida uma série de reportagens sobre reforma tributária. A pesquisa apontou que grande parte dos telespectadores simplesmente não conhecia o significado da palavra ‘tributária’. A lição foi aprendida. Hoje, quando fala do assunto, o JN prefere usar a expressão ‘mudança nos impostos’. A questão da linguagem é ainda mais premente quando se leva em consideração que três em cada quatro espectadores do Jornal Nacional são de classe C, D ou E. A pesquisa sinalizou que o programa quase sempre é visto em família, e as famílias costumam ter um ‘explicador’ – em geral o pai -, que é quem traduz para os demais o teor das notícias mais complexas. Se o chefe de família não entende o significado das notícias, fica constrangido, e é possível que no dia seguinte prefira assistir a outro canal.

Para colocar o noticiário no ar, é montada uma operação de guerra a cada dia. Ela começa às 10 e meia da manhã, numa reunião feita por videoconferência e da qual participam os chefes das sucursais nacionais e internacionais, os pauteiros e o editor-chefe, William Bonner, que é quem define os tamanhos e tipos de abordagem das reportagens. A partir daí os jornalistas saem à rua à cata de notícias. Produzem-se, em média, 53 reportagens por dia para o JN, das quais apenas 22 irão ao ar. Embora Bonner tenha autonomia, a pauta da reunião entra num sistema de computador, o que permite que Ali Kamel e Carlos Henrique Schröder a visualizem para eventuais correções de rumo. Por volta das 6 da tarde, quando a maioria das reportagens já está pronta, Bonner e Kamel assistem aos videoteipes mais importantes, sugerindo mudanças. A partir daí começa a correria dos editores para fazer os ajustes e deixar os textos no tamanho certo – um programa de computador mede o número de segundos que dura cada um deles, levando em conta a velocidade média de leitura de Bonner e de Fátima Bernardes.

Nem sempre o resultado final é exato. É comum que Bonner faça ajustes no texto com o jornal no ar, usando um computador embutido na bancada. Às vezes o noticiário é inteiramente modificado durante a transmissão. Isso ocorreu, por exemplo, no dia da morte do deputado Luís Eduardo Magalhães. Fátima e Bonner receberam a notícia pelo ponto eletrônico no momento em que o JN ia começar, e o noticiário foi inteiramente refeito para permitir entradas ao vivo de Brasília. ‘Foi um susto para nós, mas por outro lado essa adrenalina de fazer as coisas ao vivo é sempre estimulante’, diz Fátima, que além de apresentadora é uma das editoras do JN. Por causa de situações como essa, a tensão em torno da feitura de um telejornal só se dissipa no instante do ‘boa-noite’ final. Além das notícias de última hora, os apresentadores e editores vivem assombrados pela possibilidade de falhas. Às vezes elas são técnicas; outras, fruto de falta de concentração dos próprios apresentadores. Houve um dia em que Bonner deu seu tradicional ‘boa-noite’ de despedida no meio do jornal. Diante dos câmeras estupefatos, teve de voltar atrás e continuar a ler as notícias como se nada tivesse acontecido.

Às vezes falhas técnicas dão motivo ao surgimento de teorias conspiratórias. Há três anos, o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, ficou sabendo que uma reportagem sobre ele iria ao ar no mesmo bloco em que seriam exibidas notícias sobre a apuração de corrupção contra o senador paraense Jader Barbalho e o governador do Espírito Santo, José Ignácio. Garotinho telefonou ao diretor Ali Kamel pedindo para não ser colocado ao lado de Jader e Ignácio. Kamel disse que nada poderia fazer. Por uma falha técnica, porém, quando o jornal entrou no ar as notícias sobre Barbalho e José Ignácio foram lidas enquanto no fundo resplandecia uma fotografia de Garotinho. ‘Acho que até hoje ele pensa que fizemos isso de propósito’, lembra Kamel. ‘Foi apenas um erro.’

O que torna a feitura de um noticiário como o JN ainda mais complexa é o fato de que a operação não envolve somente jornalismo. Televisão é antes de tudo imagem – e, por causa disso, são necessários cuidados especiais com o visual dos repórteres e apresentadores. Para isso, a Globo conta com os préstimos profissionais de Regina Martelli, jornalista especializada em moda, que coordena uma equipe de vinte produtores espalhados pelo Brasil. Ela, que dá palestras nas afiliadas do país inteiro sobre o assunto, é a responsável pelo apuro visual dos repórteres (veja quadro). Em tese não existe um padrão de beleza para jornalistas, mas houve recentemente o caso de uma repórter que foi afastada do vídeo por ser considerada pouco fotogênica. Ela foi encaminhada a Regina para sofrer uma recauchutagem – e só depois disso voltou a atuar. Anualmente, os jornalistas recebem uma ajuda de custo para roupas, e vão às compras assessorados pela equipe de Regina.

‘A idéia é evitar o chamado ´vampiro de imagem´, ou seja, coisas que chamem atenção demais e tirem a concentração do espectador’, conta o repórter André Luiz Azevedo, que renovou seu guarda-roupa na semana passada. Fátima Bernardes não apresenta o Jornal Nacional com roupas próprias. É feita diariamente uma produção para ela, o que evita a repetição de cores ou modelos de um dia para o outro. William Bonner usa os próprios blazers e gravatas. Não, ele não apresenta o jornal de bermuda, como se dizia de Cid Moreira (que efetivamente leu as notícias de calção num dia em que voltava às pressas de uma partida de tênis), mas como a calça não aparece ela não precisa combinar com o paletó. Na segunda-feira passada, Bonner apresentou o JN com uma mescla de cores que não usaria na rua – jeans alaranjado e blazer azul.

Outra preocupação constante é com a voz dos repórteres. Para que ela esteja sempre calibrada, a Globo conta com uma equipe de 36 fonoaudiólogos em 39 cidades, chefiados por Deborah Feijó. Equipamentos de última geração detectam qualquer problema nas cordas vocais. Hoje em dia, no Jornal Nacional, é valorizada a diversidade de sotaques. Nem sempre foi assim. Funcionários antigos da Globo lembram que, em 1978, o repórter Francisco José, que é do Nordeste, tinha dificuldade em pronunciar o nome da cidade argentina de Rosário, uma das sedes da Copa do Mundo. Usando o sotaque de sua região, ele pronunciava ‘Rusário’. Acabou transferido de sede – passou a integrar a equipe lotada em Buenos Aires. Nos anos 80, repórteres do interior de São Paulo tinham suas falas substituídas na mesa de edição, pois o sotaque caipira, aquele em que se pronuncia a letra ‘r’ enrolando a língua, era malvisto. Uma das funções da fonoaudióloga Deborah Feijó é preservar a diversidade regional limando os exageros. Existe todo um conjunto de regras para isso (veja quadro). Com toda a liberalização nessa área, uma máxima continua valendo: o acento acaipirado do interior de São Paulo deve ser evitado a qualquer custo.

Num momento em que o governo petista envia ao Congresso uma proposta autoritária pregando o controle dos meios de comunicação, pode haver quem, de má-fé, utilize a autocrítica da Globo expressa no livro A Notícia Faz História como um argumento a favor da criação do Conselho Federal de Jornalismo. O episódio, no entanto, deve ser interpretado de maneira oposta. Ele mostra que, numa sociedade democrática, ninguém melhor do que as próprias empresas jornalísticas para controlar a qualidade das informações que divulgam. Afinal, elas têm como principal patrimônio a credibilidade, eesta só se mantém quando os eventuais erros são reconhecidos e corrigidos.

Para isso, não é necessário tutela ou censura. Em três décadas e meia de vida, o jornalismo da Globo criou um estilo e um padrão, acertou e errou, deu furos de reportagem como a descoberta do esconderijo de PC Farias na Inglaterra, e foi justamente criticado por aproximar-se do sensacionalismo em algumas coberturas. Os números da audiência atestam que o balanço final é positivo.

A moda no vídeo

O telejornalismo da Globo tem uma equipe de vinte produtores que zelam pelo visual dos apresentadores e repórteres. Veja as principais regras:

. Recomenda-se que as repórteres usem cabelos curtos, pois nas reportagens externas o risco de que uma ventania desmanche o penteado é enorme. Se os cabelos forem longos, devem ser presos para trás. Os homens também devem evitar os cabelos compridos

. Os óculos dos jornalistas são escolhidos pela consultoria de moda. Armações leves com aros finos são recomendadas, para não chamar atenção

. As cores fúcsia, verde-limão e rosa-choque devem ser evitadas

. Barba atrapalha. Há exceções, claro – o jornalista Alexandre Garcia é uma delas

. Repórteres não podem usar brincos grandes nem do tipo pingente. Colares e gargantilhas são vetados

. As jornalistas não podem mostrar os braços. Blusas de alça e decotes são proibidos

. Paletó xadrez ou com listras muito finas nem pensar

O fim de duas polêmicas

Em livro, a trajetória de 35 anos do Jornal Nacional. A obra disseca corajosamente dois episódios do seu passado

CAMPANHA DAS DIRETAS – 1984

A CRÍTICA: O Jornal Nacional não teria mostrado o megacomício realizado em 25 de janeiro na Praça da Sé, em São Paulo

O QUE OCORREU: O noticiário efetivamente mostrou a manifestação em uma longa reportagem de Ernesto Paglia na qual aparecem a multidão na praça e alguns dos que discursaram na tribuna

O QUE DIZ O LIVRO: A emissora conta que a chamada lida por Marcos Hummel sugeriu erradamente que o comício fazia parte dos festejos do aniversário de São Paulo

DEBATE COLLOR X LULA – 1989

A CRÍTICA: O Jornal Nacional teria editado o último debate entre os dois candidatos de forma que Collor parecesse ter massacrado Lula

O QUE OCORREU: Collor teve um minuto e meio a mais de tempo na edição e seus melhores momentos foram contrapostos justamente aos piores de Lula

O QUE DIZ O LIVRO: Na parte mais corajosa do livro, os envolvidos na edição acusam-se uns aos outros pela maneira como as cenas foram montadas e exibidas

Memória do JN: histórias de sucesso e revisão transparente

‘Aos poucos, depois de refletir sobre o assunto e com o distanciamento que o tempo dá, eu tenho uma avaliação diferente dos fatos. Depois desses anos todos, eu acredito que as duas edições (a exibida no Jornal Hoje e a mostrada no Jornal Nacional) estavam erradas: uma exagerou para um lado e a outra ficou aquém para o outro. De qualquer forma, eu debito os dois erros à inexperiência de todos nós na época. É preciso sempre ter em mente que aquela era a primeira eleição para presidente na era da televisão de massa. Não passa pela minha cabeça que os equívocos tenham sido cometidos por má-fé’

João Roberto Marinho,

VICE-PRESIDENTE DAS ORGANIZAÇÕES GLOBO

Salada de sotaques

A Globo tem um time de 36 fonoaudiólogas espalhadas por 39 cidades brasileiras. Atualmente, a diversidade de sotaques é valorizada no Jornal Nacional, com alguns cuidados:

. Regionalismos são proibidos

. O ‘s’ chiado do Rio de Janeiro deve ser suavizado

. O falar cantado, como o do Nordeste do Brasil, deve ser atenuado

. Nomes geográficos são pronunciados como se falam no local. Por exemplo: fala-se ‘Roráima’, e não ‘Rorâima’, e ‘no Recife’, em vez de ‘em Recife’

Fonte: TV Globo’