Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Joaquim Ferreira dos Santos

‘Hunter Thompson, o repórter americano que meteu uma bala na cabeça semana passada, tinha uma regra de ouro para esquentar a entrevista que não estivesse rendendo. Ele recomendava que o jornalista respirasse fundo, como se estivesse buscando a última gota de ar, e em seguida soltasse um impropério contra o entrevistado. ‘Seu isso, seu aquilo, salafrário de quinta, cronista de segunda.’


Hunter fez o truque algumas vezes e garantia. A entrevista, que até ali se esticava sem qualquer interesse, começaria a ter um mínimo de sangue correndo. Era um exagerado. Não à toa os Hell’s Angels deram-lhe uma coça durante uma matéria. Problema deles. No dia seguinte, atracado com o jornal, o leitor sorriria agradecido.


Quando ouvi seu tiro nos miolos, exagerado que aprendi a ser, entendi logo. Hunter Thompson, autor de reportagens inesquecíveis em que o repórter era sempre o centro dos acontecimentos, nem aí para essa balela da objetividade bege do jornalismo, Hunter Thompson estava aplicando de jeito radical a técnica que ensinou a milhares de jornalistas. Parágrafo primeiro e único da nossa Constituição: ‘É obrigatório manter a platéia acordada’. Revogam-se todos os ombudsmen em contrário.


Os jornais andam previsíveis, não é, não? Tenho certeza que o querido leitor concordaria, se neste momento já não estivesse entregue ao quinto sono.


Todo dia, mal começo a folhear, toca no meu iPod interno aquela velha musiquinha do Gilberto Gil dizendo ‘as notícias que leio conheço/ já sabia antes mesmo de ler’. O repórter morreu, eis o lide do que se quer dizer – e já que as reportagens escasseiam, espremidas por colunas e artigos de todos os lados, esse obituário vai em forma de crônica. Como na semana passada também morreu outro bamba do assunto, Carlos Rangel, do ‘Jornal do Brasil’ nos anos 60 e 70, eu aproveito para retificar a frase e esticar o pensamento. Os repórteres morreram. Alguém consegue dormir com uma notícia dessas?


Thompson era o exemplo extremado de um repórter ao pé da letra, o sujeito que saía em campo, encharcava-se do assunto – no seu caso, contratado da revista ‘Rolling Stone’, um coquetel de sexo, drogas e rock and roll – e voltava à redação para passar adiante, no estilo mais serelepe que conseguisse, o que havia recolhido. Era um contador de histórias, esse princípio básico do jornalismo. Ver, ouvir e relatar – o meu com molho, por favor.


O repórter-que-anota-no-bloquinho é a versão pós-moderna do cidadão que sentava nas praças medievais e contava para a aldeia o que tinha visto alhures. Estão-se indo quase todos. Thompson e Rangel, que Deus os mantenha sempre no alto da página ímpar, são apenas os casos mais recentes.


Esse tipo de maluco, caçador de pauta exótica, soa démodé . Seu mergulho prolongado nas matérias não cabe nos novos fluxos do industrial. Atrasa o fechamento da edição. Sua emoção vai em desencontro às orientações do jurídico, enche o financeiro de contas a pagar por processos perdidos na Justiça. Ele desparagona o desenho clean do pessoal dos infográficos.


O repórter em estado bruto, e no caso de Hunter Thompson, bota bruto nisso, sempre provocando briga para acordar as fontes por onde passasse, um repórter desse tipo não entende o novo palavreado das infindáveis reuniões para acertar o foco da editoria. Criticado por não agregar valor às necessidades de sinergia sincera entre redação e marketing, o repórter tipo Thompson – ou Otávio Ribeiro, o Pena Branca, autor, com o curso primário incompleto, de algumas das melhores matérias de polícia da ‘Veja’ nos anos 70 – um repórter desses, cobrado da necessidade de potencializar a informação em espaços cada vez mais minimalistas, vai perguntar de volta ao senhor editor: ‘Cuma assim?’.


O repórter que ainda não foi chamado ao RH antecipa-se ao lento extermínio da espécie e mete bala na cabeça. Deixa jornais cada vez mais bem resolvidos como produto final e profissionalizados como empresas, o que é fundamental para explicar a história heróica dos que sobreviveram – todos, no entanto, carentes daquela grande estrela original. Onde anda o sujeito eternamente pilhado que vai para a rua, vivencia os acontecimentos com olhos de eterno espanto e conta com personalidade?


Onde o David Nasser ético que mostre com humor o senador de cueca?


Onde o Joel Silveira que penetre na festa dos novos Matarazzos, o jogador de futebol e a modelo, e 50 anos depois da festa na Avenida Paulista mostre com estilo literário que o dinheiro pode até ter mudado de mão mas o ridículo ainda campeia entre os novos-ricos que o pegaram?


Onde os filhos da revista ‘Realidade’, mergulhados durante dias num mesmo assunto?


Os bons jornais brasileiros estão entre os melhores do mundo, a praga não lhes é exclusiva. Há muito gabinete de senhor doutor nas páginas e nenhum Hunter Thompson para subir na mesa e desarrumar a papelada. As notícias que leio conheço e elas agora chegam por e-mail. Ao telefone, sabichões declaram isso, afirmam aquilo outro para matérias que abrem travessão e deixam o verbo frio do entrevistado encher o espaço até o ponto final.


A História de um país não está nas grandes batalhas nem nesses parlamentos perfumados dos severinos de ocasião – e aqui estou pedindo licença para traduzir em bom português o que escreveu Joseph Mitchel, repórter americano das andanças do mendigo Joe Gould pelas ruas de Nova York. O importante é o que as pessoas conversam em dias comuns, agitam nas noites intensas, como elas aram a terra, discutem seus problemas e põem a vida em movimento. É uma pena que haja cada vez menos Hunter Thompson e Carlos Rangel para pegar essa pauta.’



Matthew Shirts


‘A vida e a obra do Doutor Gonzo’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/02/05


‘Durante muitos e muitos anos, da década de 70 até a semana passada, se você me perguntasse quem, qual a celebridade no mundo que eu gostaria de conhecer e levar, digamos, para um fim de semana na ilha de Caras, não teria respondido Sonia Braga ou Jane Fonda ou Gisele Bündchen, como alguns amigos maldosos poderiam sugerir, nem mesmo Pelé ou Sócrates, nem o astronauta Neil Armstrong, nem Miles Davis, mas o jornalista e escritor Hunter S. Thompson.


Milhares de americanos nascidos entre1940 e 1985 diriam o mesmo. Partiam vários deles, aliás, dos mais diversos pontos dos Estados Unidos para o bar próximo à casa do Thompson, na pequena cidade de Woody Creek, perto de Aspen, no Estado montanhoso de Colorado, para tentar esbarrar no ícone das letras contraculturais. Enquanto outros de nós fazíamos esforço para aprender a escrever daquele jeito seu… Mas hoje penso que talvez fosse melhor ter ido ao bar mesmo (veja o Woody Creek Tavern na internet)… porque só Thompson conseguia escrever daquele jeito. Era como John Coltrane, no saxofone, ou Jimi Hendrix, na guitarra. Não era um negócio que se aprendia.


Você talvez nunca tenha ouvido falar do Hunter, ou quiçá conheceu o seu nome apenas na semana passada quando ele se matou, aos 67 anos, com um tiro de 45 na boca.


Aqui ele era lido por poucos. Dizem existir uma edição brasileira esgotada de Medo e Delírio em Las Vegas, sua obra ‘clássica’, mas nunca vi, nem em sebo. O filme homônimo apresentou o Hunter aos cinéfilos do país, há alguns anos, com Johnny Depp no papel do próprio: um jornalista drogado e maluco que ‘cobre’ um congresso de policiais antinarcotráfico, com seu advogado samoano de 140 quilos (Benício del Toro). Para quem gosta de humor contracultural, é uma obra prima. Em 1980, o ator Bill Murray havia representado o escritor em outra longa metragem, Where the Buffalo Roam. Mas este nunca consegui ver.


Hunter não era muito lido aqui, mas conhecia o Brasil. Trabalhou no Rio de Janeiro como correspondente no início da década de 60, no começo da sua carreira de jornalista. Apesar de ter contado uma ou outra história dos seus tempos cariocas ao longo dos anos, o Brasil não chegou a marcar sua obra. Sobre a cultura brasileira propriamente conheço apenas uma frase do Hunter. Em 1962, escreveu do Rio: ‘Avenida Copacabana está sempre cheia à noite, no estilo de Miami – aliás, o Rio lembra Miami, fisicamente, mas o esmagaria num confronto espiritual.’


Nos últimos tempos, com décadas de atraso, a Editora Conrad lançou no Brasil dois livros seus, Hell’s Angels e A Grande Caçada aos Tubarões – e promete outros títulos para breve. Melhor tarde do que nunca. Recomendo que se leia Hell’s Angels primeiro.


Hell’s Angels e Medo e Delírio em Las Vegas se encontravam na estante de todos os alunos de faculdade dos EUA que prestassem nos anos calientes que vão de 1966 a 1972. Eram mais ubíquos do que os discos dos Doors. Em 1972, Thompson revolucionaria o jornalismo político, ao cobrir a campanha para presidente de George McGovern (contra Richard Nixon) para a revista Rolling Stone. Chamou seu estilo peculiar de jornalismo, que misturava a narração enragé em primeira pessoa aos fatos, de gonzo, e era visto, em geral, como uma vertente radical do novo jornalismo de Tom Wolfe e Gay Talese.


Thompson se tornou uma celebridade, e muitas vezes chamado de Doutor Gonzo, ou simplesmente, o doutor. A figura dele, a do grande artista que lançava mão de drogas e rock’n roll e de todo um jeito hilário e louco de viver para melhor entender a cultura e a política do seu país, fascinava os jovens e os que se consideravam rebeldes. Hunter enfrentava os donos do poder, escrevia e se divertia para valer – tudo ao mesmo tempo. Dizia que era sócio do clube ‘diversão em demasia’ ou ‘too-much-fun club’. Qual era seu segredo? Como conseguia levar uma vida dessas e ainda produzir, ou até mesmo pensar? (Na semana passada uma amiga sua escreveu que Thompson estava desidratado desde 1971…)


Garry Trudeau fez dele um personagem – o ‘Duke – em sua tira em quadrinhos, Doonesbury. E nós, seus leitores, queríamos saber o que Hunter pensava a respeito de todos os eventos, em todos os momentos importantes. No próprio dia 11 de setembro, por exemplo, logo após o ataque ao World Trade Center, Thompson previu em sua coluna de esportes na ESPN(!): ‘Nós vamos punir alguém por este ataque, mas quem ou o que vai ser detonado é difícil saber. Talvez Afeganistão, talvez Paquistão ou Iraque, talvez os três ao mesmo tempo. Quem sabe? (…) Esta vai ser uma guerra muito cara, e a Vitória não é garantida, ainda mais para alguém tão perdido quanto o George W. Bush. (…) Será uma Guerra Religiosa, uma espécie de Jihad Cristão, levada a cabo sem piedade por fanáticos religiosos dos dois lados.’


Tom Wolfe observou na semana passada que Thompson era o mais importante escritor cômico do século 20, tal como Mark Twain foi no 19.º. E se você entrar no site www.gonzo.org encontrará apreciações da sua obra de toda a imprensa americana, do New York Times e o Wall Street Journal, ao San Francisco Chronicle e Summit Daily News.


Mas a minha frase favorita foi riscada em giz no quadro negro de uma loja de bebidas em São Francisco e narrada a mim por uma prima que mora por lá: ‘De luto pelo Hunter, 10% de desconto em todas as biritas fortes.’’



CARANDIRU NA TV

Flávia Guerra


‘Próxima atração: Carandiru na TV’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/02/05


‘Como dizem os Detentos do Rap, o Carandiru está de novo de casa cheia. Dois anos depois do lançamento do longa-metragem de Hector Babenco, que levou mais de quatro milhões de pessoas aos cinemas, a Globo produz, em parceria com a HB, produtora de Babenco, a série Carandiru.


Com estréia ainda indefinida (junho ou agosto), a série, como definiu Babenco na sexta-feira, quando recebeu a imprensa na desativada Casa de Detenção, onde ocorrem as filmagens, exige o trabalho de vários longas. Para recriar a atmosfera do presídio, a produção ocupou e reformou o Pavilhão Cinco, já em início de demolição. Andares foram reformados para servir de escritório, cozinha e set de filmagens para a série de dez episódios, que serão exibidos às sextas-feiras. Na segunda-feira anterior à sexta de estréia, será exibido o longa Carandiru.


Não se trata da continuação do longa. ‘Havia histórias que ainda pediam para serem contadas. Algumas foram extraídas do livro, uma foi escrita recentemente pelo Dráuzio Varella, outras inspiradas no livro e escritas em parceria com Fernando Bonassi e Victor Navas’, contou o diretor, que recebeu a imprensa ao lado de Walter Carvalho, Roberto Gervitz e Márcia Farias. Os quatro são responsáveis pela direção da série. Gervitz e Carvalho vão dirigir quatro episódios cada, Márcia e Babenco dividem a direção de duas histórias. Apesar da Globo não divulgar o valor total gasto, é possível deduzir que o investimento é de peso. Os números: mais de 150 figurantes, cerca de 50 atores principais, toda equipe técnica, mais de 70 dias de filmagens (de 22 de janeiro até o início de abril). A produção executiva, a cargo de Fabiano Gullane e Lili Soares, repete a boa fórmula do longa. Uma das soluções encontradas foi de não filmar as cenas que se passam no Carandiru em estúdio. ‘Não há comparação com o cenário que temos aqui. Nada substituiu o ambiente do presídio’, diz Gullane.


O elenco, na medida do possível, foi mantido, como Luiz Carlos Vasconcelos (o médico), Milton Gonçalves (Seu Chico), Caio Blat (Deusdete), Lázaro Ramos (Ezequiel) e Floriano Peixoto (Antônio). Rodrigo Santoro (Lady Di) e Gero Camilo (Sem Chance) ficaram de fora. ‘ Não houve como conciliar as filmagens com a agenda do Rodrigo. Mas há novos nomes como Cecil Thiré, Otávio Augusto e Felipe Camargo’, conta Babenco.’



JORNALISMO LITERÁRIO

Ubiratan Brasil


‘Literatura sem ficção’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/02/05


‘No fim dos anos 1950, repórter de ‘especiais’ era aquele sujeito que passava um tempo na imprensa escrita lapidando o estilo e acumulando experiência para, em determinado momento, dar adeus ao jornalismo, mudar-se para uma cabana em algum lugar escondido e trabalhar dia e noite até atingir o paraíso – o que, em linhas terrenas, significava escrever O Romance, com letras graúdas. Ou seja, como bem observa Tom Wolfe (um daqueles ambiciosos repórteres especiais ) , o que todos tinham em comum era que consideravam o jornal um motel aonde você se hospedava para passar a noite a caminho do triunfo final.


Uma curiosa idéia nova, porém, quente o bastante para inflamar o ego, permitiu que fosse possível escrever jornalismo para ser lido como um romance. O que Wolfe e toda uma brilhante geração de repórteres (Gay Talese, Jimmy Breslin, Hunter S. Thompson) começaram a demonstrar era a possibilidade de escrever uma não-ficção apurada, com técnicas em geral associadas ao romance e ao conto. Nascia, assim, no começo dos anos 1960, o que ficou conhecido como Novo Jornalismo, textos que utilizavam qualquer recurso literário, dos dialoguismos tradicionais ao fluxo de consciência, para excitar tanto intelectual como emocionalmente o leitor. ‘E aqueles jornalistas não desconfiaram que o trabalho que fariam ao longo dos dez anos seguintes roubaria do romance o lugar de principal acontecimento da literatura’, comenta Tom Wolfe na introdução de Radical Chique e o Novo Jornalismo (Companhia das Letras), seleção de artigos em que ele traça a origem de um gênero que revelou e novos caminhos.


A obra chega às livrarias na mesma semana em que Hunter S. Thompson deu cabo da vida, com um tiro na cabeça. Observador agudo da vida americana, ele foi um dos pioneiros de um estilo de jornalismo no qual o autor é parte essencial da história. Para escrever Hell’s Angels (Conrad), por exemplo, ele rodou com o grupo durante 18 meses, sendo espancado por eles, fato descrito no último capítulo. Outro de seus livros, escrito em 1979, sai pela Conrad, A Grande Caçada aos Tubarões.


Já um dos ícones da cultura pop, o britânico Nick Hornby, que propagou a febre de fazer listas de qualquer coisa, decidiu fazer do jornalismo e da ficção um espaço para se discutir as melhores coisas da vida. É o que mostra em 31 Canções (Rocco), em que descreve a importância que certas músicas tiveram em sua vida. Assim como Wolfe & cia., Hornby comprova que a imprensa não é lugar para almas tristes.’


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‘A reportagem com dimensão estética’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/02/05


‘No outono de 1962, um exemplar da revista norte-americana Esquire trazia uma matéria chamada ‘Joe Louis: o Rei na meia-idade’, sobre o grande lutador de boxe que estava ficando velho, careca e triste. Mas não era apenas a vida privada de um herói dos esportes que chamava a atenção no texto escrito por Gay Talese – era seu começo, com o tom e o clima de um conto, descrevendo uma cena bastante íntima para o padrão do jornalismo daquela época. Na verdade, era o início de um movimento que contaminou um punhado de outros jovens repórteres, interessados em não apenas retratar as ruas, mas provar que a reportagem tinha uma dimensão estética.


A origem desse novo estilo é narrada por um de seus principais expoentes, Tom Wolfe, em Radical Chique e o Novo Jornalismo, que a Companhia das Letras lança nesta semana. Como não poderia deixar de ser, Wolfe faz uma apologia de si mesmo, mas oferece ainda um painel bem apurado de uma década em que os jornalistas se sobrepuseram aos romancistas.


Wolfe conta que, na década de 1960, os romancistas pareciam evitar a vida das grandes cidades em suas obras – a idéia de abordar um assunto desses parecia aterrorizá-los. Assim, ao abandonar o realismo social, eles abandonaram também certas questões vitais. ‘Em conseqüência, em 1969 era óbvio que os escritores de revistas haviam conquistado uma vantagem também técnica sobre os romancistas: os jornalistas tiraram a Técnica dos romancistas.’


Ao aprender as técnicas do realismo por meio de experiência e erro, jornalistas como Wolfe, Talese, Jimmy Breslin e até mesmo escritores que atuavam na imprensa, como Truman Capote, Norman Mailer e James Baldwin, começaram a descobrir os recursos que deram ao romance realista seu poder único, conhecido entre outros fatores como seu ‘imediatismo’, sua ‘realidade concreta’ e seu ‘envolvimento emocional’, como bem enumera Wolfe.


E esse poder se originava de quatro recursos: contar a história cena a cena, um trabalho rigoroso com o diálogo a ponto de envolver o leitor, apresentar algumas cenas por intermédio dos olhos de um personagem particular e, por último, o registro de gestos, hábitos, maneiras, costumes, estilos de roupa e mobília, decoração, ou seja, o status de vida da pessoa. ‘O registro desses detalhes não é mero bordado em prosa’, avisa Wolfe. ‘Ele se coloca junto ao centro de poder do realismo.’


O romance, no entanto, obviamente não morreu. É Wolfe quem lembra: ‘Existem certas áreas da vida em que o jornalismo não se locomove com facilidade, especialmente por questões de invasão de privacidade, e é nessa margem que o romance poderá crescer no futuro.’’




Patrícia Villalba


‘O fim do american dream, em guardanapos de bar’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/02/05


‘Muitos autores tentam entender a sociedade americana, mas Hunter S. Thompson foi seu cronista mais singular, o que extrapolou as barreiras do novo journalismo para anotar o fim do american dream em guardanapos de bar. O jornalismo gonzo, como batizou seu estilo, é baseado em impressões do repórter, que são repassadas ao leitor de maneira hardcore altamente tendenciosa e corrosiva. Soa moderno até hoje, nestes tempos de de notícias em tempo real, de apurações pelo telefone e falta de humor nas páginas.


Thompson se matou com um tiro na cabeça na madrugada de segunda-feira. Com seu jeito gonzo de escrever reportagens injetou mescalina na Rolling Stone, Playboy, The Observer e nas mais importantes publicações americanas. As melhores reportagens daquela época – décadas de 60 e 70 – estão reunidas em A Grande Caçada ao Tubarões – Histórias Estranhas de Um Tempo Estranho, que já está nas livrarias, pela editora Conrad.


Ainda este ano a mesma editora – que vem dando tratamento fino a escritores e quadrinistas marginais e bacanas – lança do autor Screewjack e Outras Histórias (maio) e The Rum Diary (segundo semestre). A Companhia das Letras também adere à escrita explosiva e publica Reino do Medo (The Kingdom of Fear, de 2003), entre março e abril.


Em A Grande Caçada aos Tubarões, Thompson disseca a sociedade americana, suas caretices, e como sempre, manda o já morto americam dream para o inferno – ‘o que realmente importa é o ‘sonho samoano’, diz ele. Traz ainda os registros da passagem do autor pela América Latina – Cali, Quito, Bogotá, La Paz – para respirar os ares de início das ditaduras cucarachas. No Rio, antes do golpe militar, escreveu Tiroteio no Brasil, sobre uma operação do Exército em uma boate em Copacabana. Foi publicada na National Observer, em 11 de fevereiro de 1963.


Thompson viveu no País durante dois anos como correspondente daquela revista. De volta aos Estados Unidos, com o estilo gonzo de jornalismo já lapidado, escreveu Hell’s Angels (1966), que a Conrad relançou por aqui no fim do ano passado.


Atormentado por flash-backs que jurava serem horripilantes, retirou-se da sociedade para criar cães dobermann em Aspen. Agitador por natureza, acabou organizando um movimento power freak na pacata estação de esqui. Concorreu a xerife, mas perdeu por pequena margem de votos.


Na volta à ativa tresloucada, caiu na estrada com seu ‘Grande Tubarão Vermelho’, acompanhado de seu advogado. De Los Angeles e Las Vegas, a 160 quilômetros por hora. A experiência virou livro em 1972 – Las Vegas na Cabeça (Fear and Loathing in Las Vegas, 1972), que foi lançado no Brasil em 1984.


Marco do jornalismo de autor, o livro foi chamado de ‘a grande sátira de uma época’ por Tom Wolfe, ato de contestar com humor. A edição na íntegra está esgotada no Brasil, mas trechos estão em A Grande Caçada ao Tubarões. É justamente o início da aventura – Bem-Vindo a Las Vegas: Quando as Coisas Ficam Estranhas, os Estranhos Viram Profissionais.


Pode-se dizer que é uma escrachada versão de On The Road, de Jack Kerouac, ou de Easy Ryder, épico underground filmado por Dennis Hopper em 1969 – dois homens a bordo de um ‘laboratório móvel de narcóticos’, jogando cerveja no peito para facilitar o bronzeado e comprando todo tipo de droga e confusão.


The Rum Diary, ainda sem título em português, é anterior a tudo isso. É o primeiro livro de Thompson, de 1959, escrito quando ele tinha 22 anos. Chamado de ‘a novela perdida’, porque só foi publicada nos Estados Unidos em 1998, usa a experiência do autor em San Juan (Porto Rico) para falar de tensão racial. Apesar de ter a estampa de Thompson e pitadas de autobiografia, não traz ainda o melhor do jornalismo gonzo.


Screwjack é um livro de pequenas histórias, que foi publicado em tiragem limitada em 1991. O título vem de uma mórbida história sobre o gato de Thompson. Livro de estrutura caótica e difícil de classificar, Reino do Medo é uma espécie de autobiografia, registro das impressões do autor sobre os últimos anos – ele sempre personagem de si mesmo, desesperado e vivaz.’



REDE TV!

Keila Jimenez


‘Avallone ganha horário diário’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/02/05


‘Roberto Avallone vai ganhar um programa diário na RedeTV! Estréia na próxima segunda-feira, às 19h30, o RedeTV! Esporte, noticiário esportivo comandado por Avallone e Fernando Vanucci.


‘Vamos comentar os lances esportivos, mas não só nacionais. Falaremos sobre a Liga dos Campeões da Europa, sobre basquete, vôlei, não será só sobre futebol’, conta Avallone. ‘É uma vontade antiga da RedeTV! ter esse noticiário, faltava apenas decidir o horário.’


O programa terá meia hora de duração e irá ao ar de segunda a sexta-feira. Aos domingos, Avallone continua no comando do Bola na Rede, mesa-redonda sobre futebol que, devido ao sucesso, ganhou mais um hora de duração.


‘Não tenho dúvidas de que o sucesso do Bola na Rede também teve a ver com esse convite para apresentar um programa diário’, fala Avallone. A emissora está investindo muito em esporte e a tendência, creio eu, é ela se consolidar nesse tipo de cobertura.’


CONFUSÃO


Mas, na tentativa de se firmar como o canal do esporte, a RedeTV! está se metendo em uma grande confusão judicial.


A emissora desobedeceu anteontem ordem judicial que a proibia de transmitir o jogo Real Madrid X Juventus pela Liga dos Campeões da Europa.


A RedeTV! ainda tentou na última sexta-feira entrar com um mandado de segurança para transmitir o jogo, mas teve o pedido negado. Esgotados os recursos, a emissora resolveu transmitir a partida mesmo assim, correndo o risco de pagar uma multa milionária e de perder os direitos de exibição do campeonato de vez.


A briga judicial entre RedeTV! e Top Sports – que diz deter os direitos de transmissão da Liga dos Campeões – começou em setembro de 2004, data em que a Top Sports rompeu o contrato de parceria com a emissora para a transmissão do campeonato. A empresa resolveu entrar com um processo exigindo que a RedeTV repassasse definitivamente os direitos do campeonato para ela e conseguiu em janeiro que a Justiça proibisse a emissora de exibir as partidas.


A RedeTV! alega que no início de fevereiro conseguiu reverter esse quadro na Justiça, obtendo permissão para transmitir os jogos, mas a Top Sports garante que no dia 17 essa permissão foi revogada. O caso ainda está sob judice.’



OS SIMPSONS

Alessandra Stanley


‘Tema sobre casamento gay chega aos desenhos animados’, copyright O Estado de S. Paulo / New York Times, 25/02/05


‘No episódio There’s Something About Marring, de Os Simpsons, exibido no domingo à noite, Patty Bouvier, a irmã fumante de Marge, decidiu sair do armário. A apresentação foi precedida por um aviso, devido ao fato do desenho ter como tema o casamento entre pessoas do mesmo sexo.


Personagens homossexuais não são uma novidade na televisão, ou mesmo para Os Simpsons, como as cenas de Waylon Smithers, assistente de Montgomery Burns, que coleciona bonecas de Malibu Stacy e passa as férias em resorts (hotéis) para homens solteiros.


Anos atrás, o fato de um personagem do horário nobre declarar-se homossexual provavelmente não teria causado tamanho rebuliço. Mas no clima atual, com a questão sobre o direito dos gays ter se tornado assunto de interesse público, o episódio se destacou. O que poderia ter sido visto como um golpe publicitário revelou-se uma sátira crítica e inteligente.


O debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o modo como a direita conservadora tornou esse assunto crucial durante a campanha presidencial, é um dos fatores. Ao mesmo tempo, o medo crescente de que um tipo raro de HIV (resistente à todas as drogas existentes) se alastrasse reviveu a preocupação com o sexo seguro entre os homossexuais.


E os desenhos animados de repente tornaram-se o epicentro dessa disputa. Grupos conservadores cristãos estão cada vez mais preocupados em atacar mensagens ‘pró-homossexuais’ que possam estar encurtidas nos programas infantis. Depois que a secretária de Educação Magaret Spellings recentemente advertiu a emissora PBS de que ela tinha sérias preocupações quanto ao episódio Postcards from Buster (Cartões-postais do Buster), no qual uma garotinha de Vermont apresenta o coelho Buster Baxter para sua mãe e para a namorada lésbica da mãe, a PBS cancelou a exibição do episódio.


No mês passado James C. Dobson , fundador do grupo conservador cristão Foco na Família, reclamou que os criadores do Bob Esponja usaram o personagem num vídeo clipe escolar ‘pró-homossexual’. Alguns grupos gays talvez tenham se sentido aliviados em ouvir que numa conversa secretamente gravada entre Doug Wead, ex-assessor de George W. Bush, o presidente afirmou que, apesar da sua oposição ao casamento gay, não quer que o Partido Republicano faça campanhas contra a homossexualidade.


Mas ele também demonstrou preocupação que a sua relutância em condenar o casamento gay possa afastar o eleitorado conservador. Ele certamente aparenta ter adaptado o discurso quando falou sobre o assunto com os líderes evangélicos. Nas fitas Bush diz para Wead que disse para o governador do Texas James Robison: ‘eu não vou ‘chutar’ os gays porque eu também sou um pecador. Ou eu poderia diferenciar pecados?’’