Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jonathan Krim

‘The Washington Post. Eles não estão atrás apenas do seu cartão de crédito ou do seu número de previdência social. Alimentados pela facilidade do comércio eletrônico, bisbilhoteiros estão à caça de outras informações e, nos Estados Unidos, um dos mercados mais quentes é o de venda de gravações de conversas telefônicas, especialmente as feitas por celulares.

Ferramenta amplamente usada pela justiça e detetives particulares para ajudar a localizar criminosos, as gravações telefônicas são parte de uma série de dados pessoais rotineiramente negociados pela internet. Especialistas em direito dos EUA dizem que boa parte das transações são ilegais, mas que o assunto recebe pouca atenção das autoridades.

Acha que seu parceiro lhe trai? Por US$ 110, o site Locatecell.com pode informar as últimas cem ligações feitas por seu cônjuge. Só é preciso informar o nome, o endereço e o número do telefone do rastreado. o detetive particular da Flórida, Carlos Anderson, faz serviço similar por US $165, com datas, horário e duração das chamadas.

Pode ser que esse tipo dado não cause danos financeiros à pessoa observada, como o roubo do número do cartão de crédito, mas advogados dizem que a invasão é pessoal. ‘Elas podem mostrar quem é seu médico, se vai ao psiquiatra e empresas com as quais faz negócios, com quem você interage’, explica o professor de direito Daniel Solove, da Universidade George Washington. ‘Tais informações podem ser usadas por criminosos ou aproveitadores.’

Outra questão debatida é o fato de que os únicos depósitos de chamadas telefônicas são as empresas de telefonia. Companhias do segmento estão preocupadas: ‘Já temos conhecimento de cerca de cem sites que oferecem o serviços’, conta Jeffrey Nelson, porta-voz da Verizon, operadora que afirma estar sempre tentando responder a essas práticas abusivas, assim como a Cingular Wireless. Poucos, porém, têm certeza disso: ‘A segurança das informações pelas operadores para proteger um cliente são praticamente inexistentes ‘, pondera Robert Douglas, ex-detetive particular e consultor nesta área.

Especialistas dizem que há três maneiras de ter acesso às chamadas: ter um informante na operadora, que vende os dados; fingir que é cliente para a operadora e obter as informações; ou usar o acesso do cliente no site da operadora na internet.’



TERROR EM LONDRES
Érica Fraga

‘Reino Unido ignorou pistas, dizem jornais’, copyright Folha de S. Paulo, 18/7/05

‘Dois dos quatro autores dos atentados suicidas ocorridos no último dia 7 em Londres já teriam mantido vínculos com células terroristas captados pelos serviços de inteligência britânicos que, no entanto, não os mantiveram sob vigilância. Diferentes informações nesse sentido foram divulgadas ontem por dois dos principais periódicos dominicais no Reino Unido, ‘Sunday Times’ e ‘Independent on Sunday’, e pelo jornal israelense ‘Maariv’.

As suspeitas mais contundentes, todas baseadas em fontes anônimas, recaem sobre Mohammad Sidique Khan, 30. Três informações diferentes apontam para possíveis ligações prévias de Khan com o terror. Mas, além dele, atividades do jamaicano Germaine Lindsay, 19, também já teriam chamado a atenção de investigadores no passado.

Se as informações divulgadas ontem pelos três jornais forem verdadeiras, as críticas ao MI5, serviço de inteligência britânico deverão se intensificar, por não ter mantido os passos dos dois sob supervisão.

Ontem à noite, a polícia britânica prendeu seis pessoas, evocando as leis antiterror do país, em Leeds, cidade no norte do Reino Unido, onde Khan trabalhava e Shehzad Tanweer, 22, e Hasib Hussain, 18 -os dois outros autores dos atentados em Londres- viviam.

As autoridades afirmaram, no entanto, que, por enquanto, as prisões não estão diretamente ligadas aos ataques ao sistema de transporte londrino.

‘Peles limpas’

Na semana passada, investigadores chegaram a afirmar à imprensa britânica que os quatro suicidas eram ‘peles limpas’, ou seja, nunca teriam despertado a atenção do serviço de inteligência ou da polícia antes.

Mas, de acordo com o ‘Sunday Times’, o MI5 teria ‘esbarrado’ em Khan -britânico de origem paquistanesa que dava aulas para crianças imigrantes- em 2004, depois de desmantelar uma célula que planejava um atentado em Londres.

Durante as investigações, o nome de Khan teria sido descoberto pelos investigadores, que mais tarde concluíram, no entanto, que ele não era uma ameaça à segurança do país.

O problema é que, se outras informações trazidas ontem pela imprensa forem verdadeiras, Khan já estaria, naquela época, ligado a atividades terroristas.

De acordo com o ‘Maariv’, o professor teria ajudado a planejar um ataque terrorista em Tel Aviv, em 2003, que matou três pessoas. O atentado seria executado por dois outros britânicos de origem paquistanesa, Asif Hanif e Omar Sharif, mas o segundo, aparentemente, não teria conseguido detonar sua bomba e seu corpo foi encontrado no mar uma semana depois.

Outro possível vínculo de Khan com o terror teria vindo à tona na semana passada quando Mohammed Junaid Babar, 29, homem ligado à Al Qaeda que está preso nos Estados Unidos, o reconhecera ao ver uma foto dos quatro terroristas que mataram, pelo menos, 51 pessoas.

Mais falhas

O ‘Sunday Times’ e o ‘Independent on Sunday’ também noticiaram que, segundo fontes do FBI, serviço de inteligência dos Estados Unidos, Lindsay -jamaicano que vivia desde pequeno no Reino Unido, onde se convertera ao islamismo- faria parte de um lista de suspeitos de atividades terroristas.

Investigadores britânicos teriam dito, no entanto, que, talvez, seus colegas norte-americanos tivessem confundido Lindsay com outro homem.

O serviço de inteligência britânico já vinha sendo acusado de possível falha por não ter notado a entrada no país, semanas antes do atentado, de um homem ligado à a Al Qaeda, que teria deixado o Reino Unido na véspera dos atentados.

Os principais jornais dominicais britânicos também destacaram ontem a possível existência da chamada ‘conexão Paquistão’ com os atentados de Londres. Acredita-se que três dos terroristas -Khan, Hussain e Shehzad- tivessem passado pelo país asiático antes dos ataques.

O governo paquistanês, no entanto, reagiu às acusações de que os terroristas possam ter se tornado jihadistas após visitar o Paquistão e suas madrassas, escolas religiosas muçulmanas.

Munir Akram, embaixador paquistanês na ONU, afirmou que o Reino Unido é, agora, um ‘terreno reprodutor de terroristas’, tem seus próprios pregadores e ‘suicidas locais’.’



THOMAS L. FRIEDMAN
Paulo Sotero

‘‘Todos nós perdemos liberdade’’, copyright O Estado de S. Paulo, 17/7/05

‘WASHINGTON – Thomas L. Friedman tem uma clara noção de seu papel quando se senta para escrever as duas colunas sobre os EUA e o mundo que publica semanalmente no New York Times. ‘Como colunista, meu trabalho é o de enriquecer e dirigir o debate’, disse ele na espaçosa e silenciosa sala que ocupa no 6.º andar do prédio que abriga a sucursal do Times em Washington, a duas quadras da Casa Branca. ‘Fico satisfeito se minha coluna produz nos leitores qualquer uma das seguintes reações: ‘Ah, não sabia disso’, ou ‘Nunca pensei nesse assunto sob este ângulo’, ou ainda ‘Você escreveu exatamente o que eu penso’, o que acontece raramente. Ou ‘Isso é um completo desatino e você é um idiota’.

O jornalista, que fez seu nome como correspondente do Times no Oriente Médio nos anos 80 e ganhou o Prêmio Nacional do Livro com sua primeira obra, De Beirute a Jerusalém, ouviu muitas reações iradas no início de 2003, quando relutantemente apoiou a invasão do Iraque. Democrata e liberal, como o jornal para o qual trabalha desde 1981, ele está longe de ser um admirador do presidente George W. Bush. Mas endossou sua decisão de derrubar Saddam Hussein porque acha que o Oriente Médio precisa de um choque de democracia.

Ganhador de dois Prêmios Pulitzers, Friedman não se arrependeu, mas está preocupado com o rumo da guerra, não apenas no Iraque, mas também do conflito entre o Ocidente e o Islã radical.

Mas o assunto que mais o anima e inspirou seus dois últimos livros é a globalização. No início do ano, lançou O Mundo é Plano – Uma Breve História do Século 21 (em terceiro lugar em não-ficção da lista do ‘NYT’). Descobriu esse mundo numa viagem que fez no ano passado à Índia, o país com o qual os americanos de hoje conversam para resolver os mais variados problemas – do conserto online do computador à verificação de transações do cartão de crédito, passando pelas compras por catálogo.

Alguns críticos do livro acharam que Friedman levou a metáfora do mundo plano longe demais. A crua realidade dos atentados de Londres levou o próprio autor, no entanto, a insistir na tese da planura do mundo: a Al-Qaeda terceirizou o terrorismo suicida ‘e todos nós perdemos um pouco de liberdade’. Na semana passada, Friedman, que completa 52 anos nesta quarta-feira, recebeu o Estado para a seguinte entrevista:

Seu apoio à invasão do Iraque, em março de 2003, surpreendeu muitos de seus leitores. O sr. continua achando que a guerra para derrubar Saddam foi uma decisão acertada?

Sempre digo que apoiei essa guerra por 52% a 49%. Se a soma desses números não faz sentido é porque há algo de irracional na minha decisão. Mas mantenho as razões do meu apoio. Elas têm a ver com a democracia. Eu não acreditava que houvesse armas de destruição em massa no Iraque. Para mim, a razão da guerra era começar a forjar parcerias com pessoas naquele parte do mundo para mudar seu contexto antidemocrático. As pessoas no mundo islâmico precisam ser livres para poder travar a guerra das idéias e condenar o uso do terrorismo pelos muçulmanos radicais. Creio que só um mundo árabe livre, democrático, produzirá o tipo de desenvolvimento econômico, de dignidade e transformação religiosa que levará as pessoas a condenar o terrorismo suicida do 11 de Setembro ou de Londres.

Mas isso hoje parece mais distante que antes da invasão.

O governo cometeu um enorme número de erros no Iraque. Erros contra os quais argumentei antes de serem cometidos e enquanto estavam sendo cometidos. Nunca deveríamos ter dissolvido o Exército iraquiano. E não pusemos o número suficiente de soldados no Iraque para reconstruir a estrutura política.

Quais as perspectivas hoje?

Ainda podemos ganhar, mas também podemos perder. Este é um momento perigoso. Se os iraquianos concluírem que as coisas vão se desintegrar, eles concentrarão todos os esforços no apoio a suas respectivas tribos, em lugar de apoiar a autoridade central.

Para que lados penderá a opinião pública americana?

Para os americanos, cada baixa é uma tragédia. Esta é uma guerra que nós escolhemos, a meu ver por razões legítimas, mas é uma guerra opcional. Creio que o público está disposto a aceitar um certo número de baixas. Se o público achar que a tendência é positiva e se está fazendo progresso no sentido da construção e consolidação de instituições democráticas no Iraque, manterá o apoio. As pesquisas mostram que no momento os americanos fazem uma avaliação mais pessimista.

Alguns analistas, entre eles ex-generais, acham que o próprio conceito de uma guerra ao terrorismo está errado. Dizem que o terrorismo não é um movimento político , mas um método.

Estamos em guerra com o islamismo extremo, contra radicais que defendem a jihad (guerra santa) contra os EUA e o Ocidente. Não estamos em guerra contra o terrorismo nem com o Islã. Esse culto da morte terá de ser derrotado dentro do Islã por líderes e forças que se levantem para condenar e tornar ilegítimos os ataques suicidas. E se isso não acontecer?

Acabaremos na solução adotada por Israel: construiremos um muro. O conflito Israel-Palestina é para esta guerra o que a Guerra Civil Espanhola foi para a 2.ª Guerra: o conflito onde as armas e as idéias da 2.ª Guerra foram testadas. É um microcosmo do conflito entre a civilização ocidental e a islâmica.

Mas esse cenário se apresenta no momento em que a política americana é fortemente influenciada por grupos religiosos radicais que em muitos aspectos são tão fundamentalistas quanto os inimigos dos EUA no Islã.

Não são tão violentos. Mas esse é um problema real. Daí a necessidade de liderança política.

O sr. escreveu, depois do ataque ao metrô de Londres, que a ameaça da Al-Qaeda entrou em metástase e agora é mais uma realidade do mundo plano criado pela globalização, pois se espalha horizontalmente, como num sistema de franchising…

O mundo plano é amigo da IBM, é amigo da Infosys e é amigo da Al-Qaeda. É um mundo sem muros. O que é a Al-Qaeda? É uma rede global de suprimento que opera de forma parecida com a Wal-Mart. A diferença é que em lugar de vender detergente, camisetas e TVs, vende suicídio. A questão, como escrevi no meu livro, é de imaginação, ou seja, como imaginamos usar as ferramentas do mundo plano. Nunca houve um período na história em que o poder da imaginação não fosse importante. Mas ele nunca foi tão importante como hoje, porque num mundo plano muitos dos insumos e das ferramentas que permitem a colaboração, para o bem e para o mal, estão se tornando commodities disponíveis para todos.

O risco do terrorismo nas grandes cidades, visto no atentado de Londres, poderá alimentar mais resistência à globalização na Europa e nos EUA?

Não creio. Nos EUA, 98% da resistência à globalização são econômicos. O sujeito está com medo que o emprego dele se mude para o Brasil, Costa Rica, Índia. Quando uma empresa chinesa quer comprar uma empresa americana de petróleo, subitamente o mundo fica menos plano.

Sou totalmente a favor de os chineses comprarem a Unocal ou qualquer outra companhia americana que queiram, como nós devemos poder comprar qualquer companhia brasileira e os brasileiros devem poder comprar as empresas chinesas que quiserem, e vice-versa.

Onde estão as vulnerabilidades dos EUA?

Estamos perdendo terreno em quatro áreas. Uma é a infra-estrutura. Não estamos nem perto dos líderes do mundo em redes de banda larga. No começo do governo Bush éramos o 4.º país, hoje somos o 13.º. O segundo problema é que estamos ficando gordos, tolos e preguiçosos.

Comportamo-nos como a terceira geração de uma família rica. O avô fez a fortuna, os filhos a mantiveram e os netos estão pondo tudo a perder. Achamos que temos todo o tempo do mundo para consertar nosso problema de endividamento. No mundo plano isso não é verdade. Estamos ficando para trás em número de jovens formados em engenharia e ciências, especialmente em comparação com chineses e indianos, tanto em termos relativos como absolutos. Por fim, não estamos mais educando nossos filhos nas escolas primária e secundária com a seriedade e o rigor de outros povos. Quando você regride em educação, em infra-estrutura, em ambição, em números de técnicos e cientistas, começa a comer a semente em vez de usá-la para semear, mesmo com todas as vantagens comparativas que temos nos EUA. É uma crise silenciosa. Mas é séria.

Em seu livro o sr. dest0aca a China e a Índia como países que enfrentam com êxito esses desafios e começam a colher os benefícios da nova economia global. A Índia é uma democracia. A China, uma ditadura. Faz diferença?

Essa é uma pergunta que ouço quando vou à China e à Índia. Minha resposta é que os dois são como auto-estradas de seis pistas. A chinesa é bem pavimentada, tem calçada dos dois lados, iluminação e permite viajar a 130 quilômetros por hora. Só há um problema: lá adiante há um enorme quebra-molas chamado reforma política, que levará a China a algo mais aberto que o regime comunista. Algum dia, esse país de 1,3 bilhão de pessoas a 130 quilômetros por hora vai bater no quebra-molas: ou o carro vai sacudir e permanecer inteiro, ou suas rodas vão cair. Não sei. A auto-estrada da Índia é esburacada, não tem calçada, metade da iluminação não funciona e não dá para correr muito. Mas não há quebra-molas à vista e parece que a estrada fica bem melhor adiante. A questão para os indianos é saber se isso é miragem ou realidade.

Em seu livro, o sr. descreve a América Latina como a parte mais divertida do mundo plano, onde se trabalha menos, não se vêem muitos novos negócios, com exceção da parte onde vivem os chilenos, e onde quem ganha dinheiro prefere mandá-lo para fora a reinvesti-lo.

Não sou especialista em América Latina, mas sei o suficiente para escrever o que escrevi no livro. Veja o caso do México, nosso vizinho. O número de mexicanos que vêm estudar nos EUA mal chega a 10 mil por ano. A China e a Índia, que ficam a milhares de quilômetros, mandam juntas mais de 100 mil estudantes. Nos anos 50, a Índia criou oito institutos de tecnologia para formação de engenheiros, modelados no MIT. Já o México, embora tenha um acordo de comércio com os EUA, não fez reformas necessárias para se beneficiar da economia do mundo plano, mesmo estando ao lado do maior mercado. A conseqüência é que a China está tirando vantagem dessa vulnerabilidade mexicana.

O sr. escreve que a China é hoje fator de pressão para países como o Brasil se modernizem. No governo brasileiro, no entanto, fala-se em alianças estratégicas com a China…

A idéia de que o Brasil vá aliar-se com a China não faz muito sentido, pelo menos para os chineses. Para que a China precisa do Brasil? Para que a China precisa dos Estados Unidos? Você pode ser um mercado para a China, um fornecedor, e as duas coisas ao mesmo tempo. Mas a China não está interessada em aliar-se ao Brasil para dominar o mundo. A China sempre foi um país voltado para dentro, nunca projetou poder . Politicamente, está interessada em ser dominante na Ásia. Mas quanto mais integrados ao sistema mundial, mais interesse terão em ver esse sistema preservado.’