Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornal do Brasil

Domingo, 14 de maio de 2009
TOU DE MAL COM VOCÊ
Deonísio da Silva


RIO – Nem tudo era belo, risonho e franco na escola antiga. Todos ainda se lembram da época em que o “tou de mal com você” era sucedido pelas pazes, feitas de coração e simbolizadas por apertos de mão, abraços e mesmo beijocas.


Tudo no plural, pois não se tratava apenas de “fazer a paz”, mas “as pazes”, vez que novos tratados implicavam em reatar muitas outras alianças, rompidas pelas práticas que tinham levado ao “tou de mal com você”. Pais e professores recorriam também a um argumento estético, de pura beleza. Não se devia ofender ou bater em irmãos ou amigos porque era feio!


O “tou de mal com você” tinha várias causas, que iam do deboche por gestos e palavras a alguns empurrões, puxões de cabelos e tapas. Quando a violência aumentava muito, vinham socos de deixar o olho roxo. Em geral, a luta era corpo a corpo. Raramente os agressores recorriam a paus ou pedras. Armas, brancas ou de fogo, nem pensar. A escola era sagrada.


Mas também nisso a escola mudou e para pior. Infelizmente, acompanhou a família, que também não é mais a mesma. A violência invadiu os dois santuários: o familiar e o escolar. Nem sequer as creches foram poupadas.


Na maioria das vezes, as armas acompanham os traficantes e as drogas, já que as práticas ilícitas nunca vêm sozinhas. São como os sete pecados capitais, assim chamados porque são as capitais de muitos outros. A droga semelha nos dias de hoje o que foram as pestes na Idade Média. Ou a Humanidade acabava com as pestes ou as pestes acabavam com a Humanidade. A espécie humana correu sério risco de extinção muitas vezes. Na verdade, os 6 bilhões da população mundial são sobreviventes.


A cidade do Rio de Janeiro foi palco de um exemplo estarrecedor. No dia seis de maio deste ano, policiais civis entraram numa creche municipal quando a maioria das crianças estava em sala de aula e outras dormiam. Foram lá buscar 300 quilos de maconha que estavam escondidos no forro da laje. Não houve confronto e ninguém saiu ferido. Mas, e se houvesse bandidos vigiando o estoque e reagissem? Nem é bom pensar!


Todos nós sabemos que se um jabuti está no galho de alguma árvore, não chegou ali sozinho. Alguém o pôs lá. Quem pôs a droga na creche? Quem levou a violência para dentro das escolas? Diretores, professores e funcionários têm sido, como os alunos, vítimas da violência.


Nem tudo pode ser atribuído à droga. Nós somos parte da natureza e a natureza é violenta. É a cultura que controla nossa agressão. Foram realidades específicas que produziram os 10 mandamentos, uma das mais antigas referências de conduta para a Humanidade. Não proibiram nem recomendaram nada em vão! Se ordenaram “não matarás”, é porque estavam matando. Se recomendaram “honrar pai e mãe”, é porque estavam desonrando. Se proibiram furtar, é porque estavam furtando. E se vetaram o falso testemunho, é porque havia mentirosos e caluniadores.


O poder público já não garante a segurança de ninguém, principalmente nas ruas, e está deixando de garanti-la na escola! Isto é o mais grave. (Deonísio da Silva é doutor em letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá)