Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

José Paulo Lanyi

‘Quando deparo com comentários recorrentes como ‘bad news, good news’, ‘quanto pior, melhor’, ‘jornalistas são cínicos’, ‘intelectual gosta de miséria’ e outros dessa estirpe, lembro-me de uma historinha, pessoal mas ‘transferível’. Aliás, o João Wady Cury, diretor de conteúdo da AOL Brasil, sublinhou esse tema (as más notícias) no programa ‘Comunique-se’ do último sábado.

Em meados de 1995, o ‘bispo’ Macedo, esse que quer comprar tudo, planejava pôr as mãos na Brixton Academy, um templo do rock, palco do início da carreira dos Rolling Stones. Os ingleses reagiram e o homem fez-se conhecer no Reino Unido, pela polêmica e pela avidez com que tratava os seus, digamos, empreendimentos religiosos.

Este colunista estava por lá e viu nisso uma oportunidade jornalística. Revolveu uma pastinha-arquivo e sacou uma reportagem que havia escrito na Cásper Líbero, apenas quatro anos antes. Na verdade, estava mais para a crônica de um culto da Igreja Universal do Reino de Deus, perpetrado em uma filial de Guarulhos. Aquele comércio todo que muitos, hoje em dia, por conveniência, fingem esquecer que existe.

Saí, então, a ligar para os jornais. Um deles pregou-me um susto: interessou-se vivamente pelo artigo. Surpreendi-me com a agilidade do Evening Standard, um diário que vendia muito. Bom termômetro era o metrô: muita gente lia o tablóide, mais sóbrio que os seus congêneres, como o Daily Mirror e o The Sun – na verdade, em comum mesmo, só o formato.

‘Mande para nós por fax. Hoje mesmo peço para traduzir e amanhã eu lhe dou uma resposta’, disse-me o editor.

Quer dizer que lá era assim? Tinham até tradutor de língua portuguesa, rápido e eficaz?

No prazo acertado, veio a resposta: ‘Li o seu texto. Vamos publicá-lo. Realmente, há trechos muito fortes. Por isso, nós gostaríamos de lhe pedir…’ [Cortar? Canetar?] ‘…para assiná-lo, porque o jornal não pode se responsabilizar, muitos detalhes são nojentos’. Ri duas vezes, intimamente. Primeiro, porque o jornal queria que eu bancasse o trabalho, como se para mim fosse grande sacrifício, considerando-se todas as circunstâncias; segundo, porque o adjetivo ‘nojento’ me soou hilário mesmo. ‘Amanhã você me liga e me passa os dados da sua conta para fazermos o depósito’.

Fiquei contente, claro. Nada mal para um trabalho de faculdade.

No dia seguinte, antes de ligar para a Redação, comprei o jornal para me certificar de que não havia sido plagiado. ‘Nunca se sabe…’. Eis que, num pé de página, encontro, praticamente entocada, a informação viperina, traidora, sem-vergonha…: ‘O bispo brasileiro Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, desistiu de comprar a Brixton Academy’.

‘Que azar!!!!’, exclamei, incrédulo, para mim mesmo. Telefonei para o editor e ele me perguntou se eu havia lido o jornal. ‘Não’- respondi, para tentar salvar a matéria. Ele disse, então, o que eu já antevira: ‘O ‘bispo’ não vai mais comprar a casa. Portanto, não temos mais interesse pelo artigo’.

Moral da história: para nós, jornalistas, às vezes o bem pode esperar mais um dia.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘Viva o Santo Andréééé!!!’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 2/07/04

‘O atento leitor Édson Pereira Filho desligou a tevê, correu ao teclado do computador e escreveu à coluna:

‘Considerado, a situação está esquisita até nos últimos bastiões da tevê. Não é que o Galvão Bueno, ao narrar uma partida pela Copa do Brasil, gritou ‘(…) é gol do São Caetano (…)’, quando deveria ter gritado ‘(…) é gol do Santo André (…)’?

Foi durante a partida entre Santo André e Flamengo. Sem jeito, Galvão corrigiu prontamente o erro. Detalhe: minutos antes de proferir o grito fatídico, o brilhante narrador criticara errinho gramatical de uma faixa feita por torcedores que, entre outras coisas, mencionava o nome dele.

Televisão tem dessas: corrigir é fácil, difícil é não deixar transparecer certa tendência flamenguista que campeia dentro da Globo. Para alguns jornalistas, não importa quem seja o adversário, e sim ‘(…) uma vez Flamengo, sempre Flamengo (…)’.’

Édson refere-se ao primeiro jogo da decisão; no segundo, o de ontem no Maracanã, Galvão não errou nenhuma vez o nome do campeão da Copa do Brasil. E, por falar nos 2 a 0 dessa partida que foi um dos maiores vexames da história do Flamengo, gritemos: Viva o Santo Andrééééééé!!!!

Falecem palavras

Celsinho Neto, diretor de nossa sucursal no Ceará, lia o seu inseparável Diário do Nordeste quando a seguinte notícia, referente à escolha de um candidato a prefeito, fê-lo (‘fê-lo’ lembra o Jânio Quadros, né não?) fê-lo meter os pés da rede armada na Praça do Ferreira:

No final da sessão ordinária da última terça-feira, da Câmara Municipal de Fortaleza, os integrantes da bancada peemedebista permaneceram reunidos, reservadamente, no decorrer da tarde, para tratar da participação dos vereadores na escolha do candidato do PMDB à Prefeitura da Capital. A reunião foi reservada.

‘Eu me reservo o direito de não comentar esse tipo de coisa. Deixo para Janistraquis’, escreveu nosso diretor.

Janistraquis diz que também lhe falecem palavras, ó Celsinho.

Correio recheado

Ao revirar nosso arquivo recente, na tentativa de encontrar provas contra Paulo Maluf, Janistraquis reencontrou-se com esta mensagem duplamente recheada do nosso considerado André Julião, contumaz leitor do Correio Popular, de Campinas:

A primeira:- ‘Alunos da Unip realizam protesto no campus (…) A mensalidade do curso está em torno de R$ 750,00 mensais e a exigência dos estudantes é de que cada sala tenha apenas 60 alunos. (…)

Até onde sei, ‘mensalidade’ tem esse nome por ser mensal. Pelo menos na minha faculdade a mensalidade não é bimestral ou semestral.

A segunda: Ceasa reduz em 20% custos com energia (…) Inauguração de usina também vai evitar ‘apagões’, essencial para manter qualidade dos produtos.

Quer dizer que os apagões são essenciais para manter a qualidade dos produtos? Vejo que não sei mesmo de nada: a mensalidade pode não ser mensal (afinal, existem caloteiros) e a falta de energia elétrica conserva produtos! Se a matéria foi para relatar uma nova descoberta científica (pelo que entendi da leitura, não foi), no mínimo erraram na concordância: se são ‘apagões’, então são ‘essenciais’, né mesmo?’

É.

Murro danado!

De lápis vermelho n’ua mão e uma afiada tesoura na outra, nosso considerado Roldão Simas Filho, diretor da sucursal desta coluna no Planalto (de cujo janelão está difícil surpreender qualquer movimentação menos lícita), assinalou o seguinte título, no alto da primeira página do Correio Braziliense:

FOI ASSASSINADO COM UM MURRO NO GUARÁ

O mestre matou a charada na hora:

‘Efeito da ressaca futebolística, o encarregado das manchetes pisou na bola e escorregou nas sutilezas traiçoeiras do nosso idioma.’

E Roldão completa:

‘A ordem dos fatores faz diferença: Foi assassinado no Guará com um murro. Bem dizia o Barão de Itararé: O português é uma lingua complicada. A gente bota a calça e calça a bota.’

Ninguém é perfeito

Ainda a vasculhar os arquivos, com o firme propósito de ajudar o repórter César Tralli, da Globo, a acabar de vez com Maluf, Janistraquis tropeçou nesta notinha que nosso considerado Giulio Sanmartini enviou de seu palacete em Belluno, Itália:

‘Sob o título Lula e seu desemprego espetacular, o sabichão Elio Gaspari escreveu em sua coluna:

Pela supressão dos pobres, mas como disse o milionário Osgood Fielding III para a Daphne (Tony Curtis) do filme Quanto mais quente melhor: ‘Ninguém é perfeito’. Osgood está protegido pelo programa Bolsa Riqueza.

Pois é, nosso Gaspari errou num dos meus filmes preferidos. Em Some like it hot (1959) Marilyn Monroe faz o papel de Sugar Kane; Tony Curtis, Joe Jr.; Jack Lemmon, Jerry; e Joe Brown é Osgood Fielding III. Mas o Tony Curtis travestido é Josephine; Daphne é Jack Lemmon e é por ‘esta’ que Osgood se apaixona e da paixão resulta a frase do final, quando a amada tira a peruca e lhe diz que não pode casar-se porque é homem: ‘Não faz mal, ninguém é perfeito’.

Mano a mano

A coluna pede desculpas ao Marcelo Russio, por estar invadindo outra vez a área esportiva, porém é mister abrirmos espaço para esta mensagem do considerado leitor Araken Perez:

‘Assistindo ao campeonato de seleções européias, ao qual chamam de Eurocopa, ouvi o narrador Luciano do Valle, da Record, dizer algo que me deixou curioso. Ele falava que: ‘…a defesa de Portugal está correndo sério perigo deixando o atacante Beckham mano a mano com dois zagueiros…’

A minha dúvida é: quando usamos o termo mano a mano não seria para um contra um?’

Janistraquis, velho milongueiro que desfilava tangos no Montanhês, tradicional dancing da zona boêmia de Belo Horizonte, garante: ‘Mano a mano é quando a gente leva rasteira de uma vagabunda e depois se diverte ao vê-la estabacar-se na sarjeta!’, afirmou com acento vingativo, talvez lembrando-se de alguém… E se afastou a cantarolar:

… Rechiflao en mi tristeza/ hoy te evoco y veo que has sido/ en mi pobre vida paria solo una buena mujer/; tu presencia de bacana puso calor en mi nido, fuiste buena …

Ainda o pacote

A propósito da notinha aqui publicada na semana passada, na seção Errei, sim!, a conterrânea Lourdinha Dantas escreve de João Pessoa:

De acordo com o texto Agência lança novo pacote de viagem, o sujeito, antes de ir de ônibus a Fernando de Noronha, ia passar quatro dias no avião. Se não, vejamos: ‘O turista vai até Natal de avião, onde fica por quatro dias…’. Quer me parecer que o onde se refere ao avião e não a Natal. Seria melhor ‘o turista vai de avião até Natal, onde fica por quatro dias’ não? Ah, essa nossa língua…

É mesmo, Lourdinha; convém repetir a frase do Barão de Itararé, que Mestre Roldão recorda acima: ‘O português é uma lingua complicada. A gente bota a calça e calça a bota.’

Nota dez

A informação mais útil que Janistraquis encontrou esta semana na Internet chegou anexada à mensagem da leitora Maria Eugênia Lima, do Rio de Janeiro, e veio a lume na coluna que Sérgio Rodrigues mantém no site No Mínimo:

O A9 vai mudar sua vida

Pergunte-se a mil internautas qual é a maior novidade tecnológica a sacudir a rede nos últimos tempos e 999 deles responderão sem pensar duas vezes: ‘Orkut!’. O que é mais uma prova da vocação, digamos, adolescente da internet. Dizem que é divertido o Orkut, uma ferramenta que facilita e estimula contatos pessoais. Não discuto isso, embora ache meio estranho que nossa curiosidade pela paisagem psíquica dos semelhantes, cada dia menor na vida real, ganhe frêmitos de febre diante de uma tela iluminada. A verdade é que não tenho a mais remota intenção de conferir o Orkut, apesar de já ter recebido dois ou três convites (só se entra convidado), e a principal razão da minha indiferença é a novidade que o milésimo internauta da frase ali de cima – por enquanto só ele, mas mais sensacional da rede neste início de terceiro milênio: o A9 (www.a9.com). Faz tempo que não brinco de outra coisa (…).

Errei, sim!

‘MISSÃO DE MONSTROS – Embora seja mais veterano que o doutor Barbosa Lima Sobrinho, o Estadão ainda nos surpreende com insuspeitada criatividade. Ainda agora o vetusto matutino inventou o Erramos engajado, segundo apelidou Janistraquis. Foi assim: ‘Correção – No artigo Collor põe o dedo na ferida, de José Pastore (edição de sábado), onde se lê a missão agora está com os monstros, o correto é a missão agora está com os ministros’. Meu secretário exultou: ‘Considerado, um Erramos desse porte é mais devastador que dois editoriais!!!’. Fiquei pensando no José Pastore, a quem a ministra Zélia não quer ver nem morto.’ (junho de 1990)’



LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘Português e culinária’, copyright Jornal do Brasil, 5/07/04

‘Há indícios sutis de uma fala inconsciente na denominação do filé à Marta Rocha. As famosas duas polegadas a mais da carnudinha donzela foram parar nos cardápios.

O detalhe é repleto de significados embutidos. Afinal, como reconheceu Caetano Veloso em versos bonitos, ‘a gente não sabe nunca ao certo onde colocar o desejo’. Evidência disso é que o verbo comer, à semelhança de conhecer, que significa também manter relações sexuais, disfarça-se em muitas metáforas, intrometendo-se inclusive nas alusões à sexualidade. A primeira está em Gênesis 4,1: ‘Adão conheceu Eva, sua mulher, e ela deu à luz Caim’. Evidentemente, hoje, quando um homem é apresentado a uma mulher, e vice-versa, apesar de ser protocolar a expressão ‘muito prazer em conhecer’, a mulher não sai dali grávida.

O paraíso estava repleto de metáforas, mas aquele não foi um bom começo. Logo o primogênito, enciumado do irmão Abel, que desposara a irmã gêmea, matou 20% da humanidade com uma pedrada só, tornando-se o primeiro genocida. A pedrada foi outra metáfora e anunciou as futuras bombas atômicas.

Na tradução vulgar da Bíblia, empreendida por São Jerônimo, denominada apropriadamente Vulgata, o pastor português João Ferreira de Almeida, o primeiro a fazer sua tradução para o português, no século 17, manteve a metáfora do verbo conhecer. Três séculos antes da psicanálise e de sua complexa rede de símbolos, os primeiros habitantes do Brasil comeram um bispo. Foi em 1556, nos mares de Alagoas, quase à foz do Rio Coruripe.

O nome do prelado era quase um prato. Pero Fernandes Sardinha estava a caminho de Lisboa, onde delataria ao rei Dom João III os padres jesuítas, entre os quais Manuel da Nóbrega, acusados de excessiva complacência com os silvícolas.

Antes que jantasse os sacerdotes, os índios o almoçaram. Os reverendos eram acusados de mais aprender tupi-guarani do que ensinar português! O primeiro bispo do Brasil queria transformar índios em portugueses!

Apesar de terem manjado o epíscopo colonialista em sentido denotativo, o ato ensejou várias metáforas. Como se sabe, o português consolidou manjado como sinônimo de’ amplamente conhecido’, trazendo implícito que às vezes o ouvinte corre o risco de ser ludibriado por palavra ou ato muito manjados do falante.

Convém registrar que os índios não usaram talheres e se serviram de utensílios rudimentares para fazer de Sardinha um prato. Os verbos portugueses que reinavam soberanos na cozinha eram assar, cozer e fritar, acompanhados de estufar e afogar. Mas os índios desconheciam a língua portuguesa. E a antropofagia, se lhes assegurava a assimilação das qualidades do morto, não lhes dava o idioma.

No século 16, a cozinha portuguesa já contava com cerca de 40 utensílios, entre os quais bacia, canudo, escumadeira, fogareiro, panela, púcaro (caneco de lata, com asa), tacho, tigela, toalha, vasilha. Os três talheres mais importantes levaram três séculos para chegar à língua portuguesa. O garfo chegou no século 13, a colher no 14 e a faca no 15.

A língua portuguesa ampliou consideravelmente no Brasil os utensílios culinários. O melhor exemplo é o da cozinha baiana de hoje. Um rol, ainda que sumário, precisa incluir assadeira, batedeira, cumbuca, cuscuzeiro, espeto, frigideira, grelha, liquidificador (escrito também com trema), travessa, urupema e sururuca.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é pernambucano, prefere churrasco, um prato gaúcho que tem muito a ver com Tarso Genro, o ministro da Educação. Frei Betto, mineiro, o mais íntimo de seus auxiliares, é um bom cozinheiro. Antigamente, antes de demitidos, os ministros eram fritados. Talvez agora sejam assados. Enfim, as metáforas triunfam, como sempre.’