Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Juliana Cézar Nunes

‘Dois anos e meio depois de assumir uma das vagas para a sociedade civil no Conselho de Comunicação Social (CCS), o jornalista Alberto Dines faz um balanço das atividades do órgão e das perspectivas para o próximo mandato. A atual composição do CCS foi fruto da primeira eleição para o órgão, já que, apesar de previsto pela Constituição de 1988, ele só passou a funcionar em 2002.

Para Dines, o conselho fez o que ‘podia’ para uma instituição até então inexistente, criada em um formato ‘engessado e limitado’. ‘O assunto concentração da mídia foi colocado como tema permanente, gerou até um documento impresso, editado pela gráfica do Senado’, conta Dines.

Na opinião do fundador do Observatório de Imprensa (site da Internet e programa da Rede Pública de TV), entre os desafios para os próximos anos está a própria composição do Conselho, em especial a representação da sociedade civil. Todos os cinco membros titulares são novos no grupo. Internamente, eles vão escolher o presidente do CCS, substituto do advogado José Paulo Cavalcanti Filho.

‘Essa nova organização que irá tomar posse em 2005 me preocupa, frustra e indigna muito. É um desastre. Foi eleito até um religioso. A sociedade é composta por múltiplas religiões. Além disso, há uma separação entre Igreja e Estado’, ressalta Dines. ‘Foi uma composição política das mesas e manipulação dos lobbies. Tudo indica, inclusive, que um representante de TV, agora na representação da sociedade civil, será o novo presidente do Conselho.’

Para Dines, o grande mérito do atual presidente do Conselho é o fato de ele ser jurista, especialista em direito da comunicação e em condições de se manter ‘isento’ por não participar do mercado. Diferentemente de outros seis colegas titulares do CCS, Alberto Dines não se candidatou à renovação do mandato. ‘Aceitei participar dessa primeira fase porque, desde o início dos anos 90, estou batalhando para que se crie o Conselho’, justifica. ‘Achei importante participar da criação. Mas meu papel é ser crítico.’

Entre os novos titulares do Conselho na representação da sociedade civil estão o arcebispo de Belém, Dom Orani João Tempesta, o jornalista e professor Arnaldo Niskier, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso, o diretor da Rede Record e presidente da Associação Brasileira de Radiodifusão e Telecomunicações (Abratel), Roberto Wagner Monteiro, e o presidente da Rede Vida, João Monteiro de Barros Filho.

Dos novos membros da representação da sociedade civil no Conselho, apenas um – o presidente da Abratel – já participava do órgão, mas como representante das empresas de televisão. No primeiro mandato do CCS, os representantes da sociedade civil eram o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, os jornalistas Carlos Chagas, Alberto Dines e Jayme Sirotky, e o psicólogo Ricardo Moretzsohn.’



DEMOCRACIA & MÍDIA
Eduardo Mahon

‘Custódia da Democracia’, copyright Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), 28/12/04

‘‘Quis custodiet ipsos custodes?’

Juvenal

A preocupação do momento é a custódia da democracia. Nada, no meio jurídico, foi mais debatido neste ano que se despede, que a democracia custodiada. Dois temas são particularmente mais recorrentes: a polêmica criação de um conselho regulador de jornalismo e os poderes investigativos do Ministério Público. Portanto, o ano foi fértil para refletirmos sobre a dinâmica democrática à qual perseguimos e queremos ver consolidada. De um lado, contando com resistências corporativas e desconfianças sociais, está o projetado conselho de jornalismo e, de outro, o festejado alargamento das atribuições do Ministério Público, analisado numa querela jurídica no Supremo Tribunal Federal. Os dois temas merecem o cuidado de civil em campo minado.

Quis o governo, numa manobra infeliz, criar órgão burocrático cujo enfoque não é o jornalista e sim o jornalismo – aí reside o problema da custódia da democracia. A restrição, controle, limitação e policiamento não gravitaria em torno da postura do profissional-jornalista e sim do mérito de suas matérias, controlando indiretamente o conteúdo do jornalismo. Seria benfazejo à atividade jornalística, como qualquer outra, contar com um conselho estadual e federal fortalecido a regular a profissão, em defesa das prerrogativas do profissional da comunicação. A Ordem dos Advogados do Brasil atua nesse sentido, lançando mão dos estatutos legislativos específicos para ir ao encontro do advogado perseguido ou preterido, da mesma forma que atua como fiscal da ética do profissional, reprimindo atos que julga indecorosos à postura pretendida.

Os exames de admissão profissional e tribunais de ética, inclusive, são tendências vanguardistas em muitos conselhos profissionais que, diante da enxurrada de bacharelados da última década, poderão regular o mínimo de perícia necessária à atividade liberal, como forma de garantia social aos bons préstimos profissionais daquele bacharel habilitado por seu respectivo conselho.

De outro lado, temos um Ministério Público que surge no formato policialesco, com a estrela da lei no peito. Escorado no vácuo constitucional sobre a possibilidade de investigar crimes e, ainda, munido da ovação populista, temos o ‘fiscal da lei’ insistindo em bancar o ‘fiscal da sociedade’, novo equívoco jurídico. Parafraseando modelos alienígenas, onde o sistema de investigação criminal é completamente diverso, utilizando-se de analogias com outras formas investigativas, comparando atribuições e manejando brechas legislativas com as mais criativas artimanhas, temos novamente nítida a ameaça ao sistema democrático de divisão de atribuições e pulverização de poderes como regra de controle. Poder investigar quem propõe a ação é um sofisma muito arriscado para nublar os faróis despertos da democracia.

Conceder a uma das partes processuais colher provas contra um cidadão presumivelmente inocente, sem o contraditório e de forma sigilosa, e usá-las posteriormente no processo judicial a influir no convencimento judicial, é regra de exceção, retrocedendo a prática ministerial à mais retrógrada penumbra da inquisição. Usar a ‘sociedade em perigo’ como salvaguarda legal a fim de fiscalizá-la é, na verdade, a materialização do o pesadelo do Big Brother fictício.

Juvenal, há quinze séculos, acometido pelo medo do controle despótico da opinião e do poder, já indagava – quem fiscaliza o fiscal? quem guardará os guardas? Outra não pode ser a lição histórica que nos informa a observação desapaixonada a não ser que qualquer forma de tutelar ou custodiar a democracia, resulta na antinomia democrática, a ditadura. É preciso ter a máxima cautela na preservação de nosso sistema democrático que vem espelhado na liberdade de imprensa e na divisão de poderes e distribuição de atribuições. Para crescer e robustecer, a democracia independe de controle, repudia cabrestos e dispensa salva-pátrias.’



MÍDIA & SAÚDE
Luciana Coelho

‘Americanos tomam remédios demais, mas seguem doentes’, copyright Folha de S. Paulo, 3/01/05

‘Saúde, nos EUA, virou um negócio como qualquer outro: o lucro está em primeiro plano e o bem-estar da população foi relegado à eventualidade. Prova disso, diz o médico John Abramson, é que os norte-americanos, soterrados por uma avalanche de propaganda e por uma agência regulatória comprometida com as farmacêuticas, nunca tomaram tantos remédios e, ainda assim, nunca ficaram tão doentes.

A tese de Abramson, 56, ganha força com a descoberta de que os antiinflamatórios Vioxx e Celebra elevam o risco de complicações cardíacas. Médico e professor da Escola de Medicina de Harvard, ele é autor de ‘Overdo$ed America: The Broken Promise of American Medicine’ (‘Os EUA Super medicados: A Promessa Quebrada da Medicina Americana’) e figura fundamental no debate sobre o que leva o governo dos EUA a aprovar remédios que se mostram nocivos e os norte-americanos a consumi-los sem pensar.

‘Os EUA gastam duas vezes mais com saúde que a média dos 22 países desenvolvidos do mundo, e os norte-americanos são os que vivem menos tempo com boa saúde’, disse em entrevista por telefone à Folha. Os motivos, aponta, são racismo, sobretudo em relação a hispânicos, má distribuição de renda ‘e um sistema orientado pelo lucro, não pela busca de uma vida saudável’. Leia os principais trechos da entrevista.

Folha – Por que as pessoas estão tomando tantos remédios?

John Abramson – O problema é que o conhecimento médico-científico foi transformado em propriedade comercial, cuja função é dar dinheiro aos patrocinadores, não melhorar nossa saúde.

Folha – O mercado farmacêutico se tornou um negócio comum?

Abramson – Exatamente. O problema cresceu nos últimos 20 anos. Antes de 1980, a maior parte das pesquisas clínicas era financiada com fundo público. Quando [Ronald] Reagan [1981-1989] chegou ao poder com a visão de reduzir o governo e nossa economia entrou em declínio, pesquisadores acadêmicos que antes esnobavam o patrocínio de empresas precisaram mudar de posição. Nos anos 90, a coisa piorou. No início da década, cerca de 70% já eram patrocinadas pela indústria farmacêutica, mas 80% desses estudos eram feitos em universidades, onde há prestação de contas, ética intelectual e integridade. Em 2000, só 35% das pesquisas patrocinadas por empresas eram conduzidas em universidades.

Folha – E o resto?

Abramson – Por empresas particulares. Não que isso seja algo intrinsecamente antiético; as farmacêuticas justificam a mudança pelo custo, menor burocracia e rapidez dos resultados. Mas a conseqüência é que as farmacêuticas de repente tinham muito mais controle sobre o que e como era pesquisado. Por exemplo: quando são escolhidas as pessoas que participarão do estudo, podem escolher gente que faça o remédio parecer melhor. É como adulterar os dados em um jogo.

Folha – Elas selecionam a amostragem necessária para um determinado resultado?

Abramson – Exatamente. Veja o estudo sobre o Vioxx, que mostrou que ele provocava menos problemas gastrointestinais. Mais da metade das pessoas que participaram usava esteróides. O Vioxx reduz o risco de problemas gastrointestinais muito mais em quem toma esteróides. E se você pegar a população geral, muito pouca gente usa esteróides.

Folha – Os casos Vioxx e Celebra levantam dúvidas sobre o papel da FDA, agência que regula o setor nos EUA. Onde está o problema?

Abramson – O problema é que mais da metade do orçamento da divisão da FDA que aprova remédios e supervisiona os que já estão no mercado vem das farmacêuticas. Trata-se de um plano que começou em 1992 [no governo de George Bush] e ganhou força porque pessoas estavam morrendo de Aids enquanto drogas que podiam ajudá-las estavam nos porões da FDA esperando verba para pesquisa. A solução foi dar o controle [às farmacêuticas]. Agora temos um monitoramento inadequado dos remédios. As informações sobre o Vioxx e o Celebra ficaram escondidas no site da FDA, nunca foram levadas a médicos e pacientes.

Folha – Falha de comunicação?

Abramson – Sim. Os artigos do ‘New England Journal of Medicine’ sobre o Vioxx e do ‘Journal of the American Medical Association’ sobre o Celebra representam mal os dados que a FDA tinha. O do Vioxx, de novembro de 2000, não dizia que o remédio dobra o risco de complicações cardíacas mesmo para quem não tem histórico.

Folha – As farmacêuticas selecionam as informações que mandam para as publicações?

Abramson – Sim. Há 13 autores de artigos sobre o Vioxx no ‘New England’. Todos têm conexão financeira com a Merck Sharp & Dohme [fabricante do Vioxx]. Os autores de muitos artigos nem chegam a ver todos os dados sobre o que escrevem. As farmacêuticas peneiram as informações.

Folha – Mas essas publicações são muito respeitadas.

Abramson – Por isso escrevi esse livro. Os médicos são informados pela indústria sobre as vantagens dos remédios, mas não sobre a história toda. Essas publicações são freqüentemente usadas como plataforma pelas farmacêuticas.

Folha – Nos EUA há muitos comerciais de remédios nos quais são louvadas as vantagens, mas depois é apresentada uma lista de efeitos colaterais que às vezes inclui a morte. Médicos e pacientes ignoram isso?

Abramson – Há uma série de problemas aí. O primeiro é que os EUA e a Nova Zelândia são os únicos países que permitem propaganda direta de remédios com prescrição. Isso mostra quanto o sistema de saúde norte-americano é dominado por preocupações de marketing. O problema não são os efeitos colaterais nas bulas, mas informações importantes que não estão lá. Por exemplo, há muitos comerciais de drogas para baixar o colesterol das mulheres. Mas não há provas de que baixar o colesterol delas melhore sua saúde, a menos que essas mulheres tenham histórico de ataque cardíaco. Essa informação não está nos comerciais.

Folha – As pessoas usam remédios que não precisam?

Abramson – Com certeza. Um estudo feito no Canadá mostra que 88% das pessoas que usam drogas para baixar o colesterol não precisam delas.

Folha – O sr. acha que é um problema exclusivo dos EUA?

Abramson – Acho que é parte da natureza humana. Nas sociedades primitivas, havia medicações cuja eficácia dificilmente seria provada. As pessoas querem acreditar que há gente com conhecimento para curá-las, para suavizar dor e medo. A diferença aqui é que a indústria farmacêutica explora isso.

Folha – Ninguém na esfera política fala em limites?

Abramson – Nunca ouvi um político dizer que precisamos tirar as propagandas do ar. A União Européia e o Canadá fizeram isso, mas aqui o tema nem veio à tona.

Folha – O sr. vê algum efeito benéfico na exibição de comerciais?

Abramson – Acho que eles fazem mais mal do que bem porque tiram a atenção do que realmente melhoraria a saúde das pessoas -normalmente, mudanças de estilo de vida relativas a alimentação, exercícios, fumo e bebida.

Folha – É a promessa do não-esforço, resolver tudo com pílulas?

Abramson – Sim, você se entope de fast-food e aí toma um remédio que baixa o colesterol achando que fica tudo bem.

Folha – O que pode ser feito?

Abramson – A primeira coisa é tornarmos disponíveis para médicos e pacientes todas as informações que temos, para que as decisões médicas se baseiem nelas, não em comerciais.

Folha – Os médicos norte-americanos receitam remédios que seus pacientes não precisam?

Abramson – Na maior parte dos casos, do mesmo modo que os pacientes se tornam vítimas dos comerciais e das publicações médicas que ressoam na mídia em geral, os médicos também são vítimas. A apresentação pode ser diferente -para os pacientes em comerciais e reportagens, para os médicos em cursos, publicações e manuais de prática clínica.

Folha – Não há vozes dissonantes dentro da indústria?

Abramson – A responsabilidade dos executivos é com os acionistas. O que temos nesse momento é um time de futebol que comprou o juiz. Não dá para ter jogo honesto assim. Mas as empresas farmacêuticas sabem que podem se dar bem sem fazer o bem.

Folha – O sr. acredita que os casos recentes possam mudar o cenário?

Abramson – Espero que sim. As empresas terão de mudar o modo de fazer negócio para reconquistar a confiança dos investidores.

Folha – Até que ponto o governo poderia interferir?

Abramson – A FDA é muito ligada ao governo. Recentemente, o presidente [George W.] Bush nomeou um diretor jurídico que defende menos regulamentação e cujo trabalho anterior foi contra a agência. Isso não faz sentido para quem acha que o propósito do sistema de saúde é melhorar nossa saúde, mas faz muito sentido se você acha que ele é uma oportunidade de ganhar dinheiro.

Folha – O que médicos e pacientes poderiam fazer?

Abramson – Eles precisam entender o tamanho do problema e falar abertamente sobre as limitações do conhecimento médico. Um paciente não deveria chegar e perguntar se devia tomar um remédio para baixar o colesterol, por exemplo, mas perguntar o que ele pode fazer para reduzir seu risco cardíaco. Médicos e pacientes precisam trabalhar juntos e entender que a maior parte das informações tem viés comercial. E é preciso uma reação política, pois no fim das contas trata-se de um problema político.’



Álvaro Nascimento

‘O controle necessário’, copyright O Globo, 30/12/04

‘Um publicitário analisou (O GLOBO, 16/12) a propaganda de medicamentos, a partir da proibição, pela Anvisa, da afixação de cartazes nas farmácias. Ao criticar a proibição, ele alertou para o ‘controle da mídia’, que o fez recordar da ditadura.

Como jornalista que resistiu à censura desde os anos 70, tecnologista da Fiocruz que trabalha com informação em saúde e tendo me debruçado sobre o impacto da propaganda de medicamentos no Brasil, gostaria de dizer que algumas colocações feitas ferem a lógica e outras, os fatos.

Ao criticar, com razão, o sistema de saúde, o autor elege o ‘difícil acesso a médicos qualificados’ como uma das causas da automedicação. Mas ao invés de propor soluções, ele fere a lógica e defende uma prática que só faz elevar o fluxo de pacientes aos postos e hospitais: o uso incorreto de medicamentos.

O Sistema Nacional de Informação Toxicológica da Fiocruz (www.cict.fiocruz.br/intoxicacoeshumanas) mostra que há oito anos os medicamentos são a principal causa de intoxicação humana registrada no SUS. Em um ano, foram 20.534 casos (56 casos por dia). A cada 25 minutos há uma intoxicação por medicamento. E se alguma crítica pode ser feita a este sistema, é a de que ele peca justo pela subnotificação, o que indica que estes números são ainda mais alarmantes.

Ao defender a propaganda de medicamentos, o texto minimiza seu risco, afirmando que ‘o que se anuncia são aqueles medicamentos de baixo custo e uso disseminado, pois ‘busca-se, com o anúncio, a preferência do comprador por uma ou outra marca, de produtos de fórmula conhecida e livre comercialização, como é o caso dos analgésicos, dos xaropes, dos fortificantes’.

Um publicitário, como um jornalista, não é obrigado a entender e acompanhar os avanços da farmacologia. Mas quando se defende a propaganda de produtos perigosos com a bandeira da ‘liberdade de expressão’ é essencial levar em conta o que em todo o mundo se considera um risco sanitário. Medicamentos apelidados de ‘anódinos’ ou ‘inócuos’ intoxicam e matam. Pesquisas farmacológicas comprovam que um ‘`simples’ Ácido Acetilsalicílico – aquele que não deve ser tomado em casos de suspeita de dengue – pode causar anemias, hemorragia, angina, arritmias, falência congestiva, úlcera e hepatotoxicidade. Já a ‘inócua’ Dipirona pode causar alterações hematológicas, doenças cardiovasculares, dor de cabeça, náusea, vômito, broncoespasmo e erupção cutânea. Aliás, a dipirona teve sua comercialização suspensa em vários países e em outros o seu uso é restrito às unidades hospitalares. O Paracetamol, utilizado como analgésico e antitérmico, pode causar anemias, hemólise, hemorragia gástrica, falência renal, nefropatia e asma.

Isto é fato científico comprovado. Assim como é fato que várias drogas não podem ser tomadas por diabéticos, hipertensos, crianças, idosos e portadores de doenças crônicas. Estas faixas populacionais estão entre as que se intoxicam após terem tomado um medicamento ‘receitado’ pela publicidade ou por algum apresentador de rádio ou TV.

O texto diz que a proibição agride a ‘liberdade de expressão’. Que liberdade? A de anunciar produtos sabidamente perigosos usando frases como ‘este medicamento caiu do céu’ ou ‘mãe que sabe das coisas, dá biotônico para seu filho?’ Pois o mercado publicitário de medicamentos gasta parte importante dos R$ 17 bilhões do faturamento anual da indústria farmacêutica no Brasil (cerca do dobro da lucratividade da Petrobrás) tentando convencer a sociedade a consumir estes produtos como se eles não oferecessem risco.

O texto ainda afirma que ‘aliada do jornalismo impresso, a propaganda é um dos mais importantes instrumentos da liberdade e dos grandes avanços políticos e sociais dos tempos modernos’. Há evidente exagero na afirmação, tantos são os exemplos onde a propaganda se prestou a papéis condenáveis. A propaganda de cigarros, a experiência da dupla Goebels-Hitler na Alemanha e os slogans de ‘Brasil. Ame-o ou deixe-o’ e ‘Este é um país que vai pra frente’, fartamente usados pela ditadura brasileira, demonstram que, como o medicamento, a propaganda pode servir para o bem e para o mal.

A outra observação diz respeito à afirmação de que ‘ao oferecer aos jornais e aos outros meios de comunicação de massa recursos de fontes plurais e independentes, a propaganda se torna indispensável ao processo político republicano’. Meu reparo é que a informação disseminada pela propaganda de medicamentos nada tem de independente, muito menos ela é plural. O que a caracteriza, como define o filósofo e jurista italiano Norberto Bobbio, é a simplificação, saturação, parcialidade e unilateralidade, elementos incompatíveis com um bem precioso como o medicamento, que exige justo o oposto para que se torne um veículo efetivo de prevenção, promoção e recuperação da saúde, e não em um agente agressor ao indivíduo. ÁLVARO NASCIMENTO é jornalista e tecnologista da Fiocruz..’