Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Larry Rohter

‘O plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de criar um conselho federal de jornalismo para regular a tempestuosa imprensa brasileira tem provocado crescentes críticas por aqui. As organizações de imprensa que seriam afetadas pela medida a chamam de a mais séria ameaça à liberdade de expressão aqui desde a queda da ditadura militar de direita há duas décadas.

Segundo a legislação, o conselho teria poderes para ‘orientar, disciplinar e monitorar’ os jornalistas, que seriam obrigados a se registrar na entidade, assim como seu trabalho. As penas para violações das regras do conselho variariam de multas à revogação do registro oficial do repórter, que em teoria impediria o infrator de exercer a profissão.

A legislação, que foi apresentada em agosto, tem sido severamente criticada não apenas pelos jornalistas, mas também por grupos de direitos humanos e associações que representam advogados e juízes. Em um protesto típico, a Associação dos Magistrados Brasileiros acusou o governo de sucumbir à ‘lógica autoritária’ e disse que no Brasil não há necessidade de ‘qualquer órgão com poderes para cercear a liberdade de expressão’.

O governo também preparou uma legislação que estabeleceria a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual, que teria autoridade para julgar se os programas de televisão estão à altura da ‘responsabilidade editorial’ e para exigir que aqueles que produzem programas de televisão e filmes trabalhem ‘em harmonia com as metas de desenvolvimento social do país’. A proposta tem sido amplamente criticada pelas redes de televisão e por diretores de cinema.

Após prometer ‘disposição de redefinir os artigos que possam sugerir autoritarismo’, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, concordou na semana passada em atenuar os termos da proposta para cinema, televisão e rádio.

Mas o governo não demonstrou a mesma disposição de recuar no conselho de imprensa, que será nominalmente um órgão autônomo com algumas características de sindicato.

‘Numa sociedade nada é absoluto’, disse recentemente Luiz Gushiken, ministro da Secretaria de Comunicação de Lula. Em um encontro público com proponentes do conselho em abril, no palácio presidencial, Gushiken também disse que a mídia jornalística brasileira deveria adotar uma ‘agenda positiva’ e evitar ‘exploração do contraditório, que fomenta discórdias e conflitos de egos’.

De fato, altos membros do governo têm caracterizado os protestos contra a legislação como um exemplo do tipo de abuso da imprensa que o novo sistema visa prevenir. ‘Querer cercear o debate com uma gritaria, ganhar no grito, que isso é autoritarismo, que isso é cercear a liberdade de imprensa, não me parece razoável, democrático. Isso sim me parece autoritário’, disse José Dirceu de Oliveira e Silva, o ministro-chefe da Casa Civil de Lula.

O governo Lula está enfrentando uma série de acusações de corrupção e irregularidades administrativas, todas amplamente divulgadas na imprensa.

Neste ano, os casos incluíram acusações de que um assessor especial de Dirceu solicitou doações de campanha de operadores do jogo do bicho, escândalos em torno de transferências de dinheiro pelo presidente do Banco Central e práticas de arrecadação de fundos do tesoureiro do partido do governo.

Os assessores de imprensa do governo têm negado repetidamente qualquer relação entre tais incidentes e a apresentação dos planos de controle da imprensa. Mas outros membros do governo têm criticado o tom geral da cobertura recente do primeiro governo de esquerda eleito no Brasil, que tomou posse em janeiro de 2003 com amplo apoio, mas que foi gradualmente perdendo popularidade.

‘Estamos surfando numa onda de denuncismo no Brasil’, disse recentemente o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. ‘São denúncias sem aquele controle da averiguação, que destróem reputações e colocam as pessoas numa situação defensiva.’

Os líderes de oposição respondem que durante os 20 anos em que o Partido dos Trabalhadores de Lula esteve na oposição, ele freqüentemente denunciava suposta corrupção por parte do governo e passava dossiês incriminadores aos repórteres. Eles acusam Lula, um ex-líder sindical dos metalúrgicos cujo partido está pela primeira vez no poder, de hipocrisia e comportamento antidemocrático.

‘O Partido dos Trabalhadores e o presidente chegaram à conclusão que seu governo não pode ser criticado’, disse José Carlos Aleluia, líder da bancada no Congresso de um partido conservador da oposição. ‘Se a oposição faz oposição, é urucubaca. Se a imprensa denuncia, é futrica irresponsável. Logo, mordaça nela.’

Lula tem defendido vigorosamente a proposta, às vezes em termos que por si só têm provocado críticas adicionais. ‘Se vocês começarem a defender o conselho de imprensa, eu dou’ entrevista, disse ele em meados de agosto, no que pareceu ter um tom de gozação.

Em outra ocasião, usando uma abordagem semelhante, ele disse aos jornalistas que cobriam uma de suas viagens ao exterior que ‘vocês são um bando de covardes mesmo’ por não apoiarem seu plano.

Um líder da oposição respondeu que ‘Lula está sofrendo do efeito Chávez’, uma referência aos ataques da mídia jornalística da Venezuela ao presidente Hugo Chávez. Mas o presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoino, minimizou os comentários de Lula, dizendo que ele estava ‘tirando algo de dentro do peito mais como líder trabalhista’ do que ‘expressando a posição do governo’.

O governo Lula também apresentou um novo ‘código de ética’ para funcionários do governo que proíbe todos, com exceção dos ministros e assessores de imprensa, de discutirem investigações oficiais com os repórteres. O ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Edison Vidigal, disse que a medida exibe ‘um certo terrorismo’ e também sugere que é inconstitucional.

As autoridades do governo têm prometido que o conselho de imprensa será um órgão profissional, semelhante àqueles que regulam as atividades de médicos, engenheiros e advogados, e que estaria livre do controle político. O propósito é ‘garantir à sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade para alguns profissionais e algumas empresas divulgarem o que bem entendem a serviço dos seus interesses’, escreveu Ricardo Kotscho, o secretário de imprensa do presidente em um ensaio amplamente divulgado.

Alberto Dines, um antigo colunista e editor, chamou a iniciativa de ‘a mais inábil e atarantada já produzida na esfera da imprensa por algum governo desde a redemocratização em 1985’, em um ensaio para o site Observatório de Imprensa, que monitora a mídia jornalística. ‘No momento em que o governo é acossado por denúncias, não pode propor um negócio desses, que prevê punições para jornalistas.’ Tradução: George El Khouri Andolfato’

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‘Plan to Tame Journalists Just Stirs Them Up in Brazil’, copyright The New York Times, 6/09/04

‘A plan by President Luiz Inácio Lula da Silva to create a national journalists’ council to regulate Brazil’s boisterous press has prompted mounting criticism here. News organizations that would be affected by the bill call it the most serious threat to freedom of expression here since a right-wing military dictatorship was toppled two decades ago.

Under the legislation, the council would be empowered to ‘orient, discipline and monitor’ journalists, who would be obliged to register with the body, and their work. Penalties for violations of the council’s rules or rulings would range from fines to revocation of a reporter’s official registration, which in theory would prevent the offender from working in the profession.

The legislation, which was introduced in August, has been severely criticized not just by journalists but also by human rights groups and associations representing lawyers and judges. In a typical protest, the National Association of Magistrates accused the government of succumbing to ‘authoritarian logic’ and said Brazil had ‘no need for any organ with powers to fetter the freedom of expression.’

The government has also prepared legislation that would establish the National Cinema and Audiovisual Agency, which would have the authority to judge whether television programs are living up to ‘editorial responsibility’ and to require those who produce television programs and films to work ‘in harmony with the goals of social development of the country.’ The proposal has been widely criticized by television networks and film directors.

After promising to ‘redefine articles that smack of authoritarianism,’ the culture minister, Gilberto Gil, agreed last week to soften the language of the film, television and radio proposal.

But the government has not shown the same willingness to back away from the press council, which would be a nominally autonomous body with some characteristics of a union.

‘In a society, no right is absolute,’ Luiz Gushiken, Mr. da Silva’s chief adviser on communications issues, said recently. At a public meeting with proponents of the council in April at the presidential palace, Mr. Gushiken also said the Brazilian news media should adopt a ‘positive agenda’ and avoid ‘exploiting contradictions that foment discord and ego conflicts.’

Indeed, top government officials have characterized the outcry against the legislation as an example of the kind of news media abuse that the new system would prevent. ‘They are trying to restrict the debate with hollering, to win by making an uproar, and that is authoritarianism,’ said José Dirceu de Oliveira e Silva, Mr. da Silva’s chief of staff.

Mr. da Silva’s government is confronting a series of allegations of corruption and administrative irregularities, all widely reported in the news media.

This year, the cases have included accusations that Mr. Dirceu’s chief assistant solicited campaign donations from the operators of an illegal numbers game, and scandals over money transfers by the president of the central bank and the fund-raising practices of the treasurer of the governing party.

Government press officers have repeatedly denied any relationship between those incidents and the timing of the press regulation plans. But other government officials have criticized the general tone of recent coverage of Brazil’s first elected left-wing government, which took office in January 2003 with widespread support but has gradually lost popularity.

‘We are surfing on a wave of accusations in Brazil,’ Justice Minister Márcio Thomaz Bastos said recently. ‘These are accusations without the control of verification or investigation, that destroy reputations and place persons in a defensive situation.’

Opposition leaders have retorted that during the 20 years Mr. da Silva’s Workers’ Party was itself in the opposition, it frequently denounced alleged corruption by the government and passed on incriminating dossiers to reporters. They accuse Mr. da Silva, a former leader of the metalworkers union whose party is in power for the first time, of hypocrisy and of antidemocratic behavior.

The Workers’ Party and the president have come to the conclusion that their government cannot be criticized,’ said José Carlos Aleluia, leader of the congressional delegation of a conservative party in the opposition. ‘If the opposition plays its role, it’s acting in a harmful manner, and if the press makes an accusation, it’s an impertinent, irresponsible provocation. So put a gag on them.’

Mr. da Silva has vigorously defended the proposal, sometimes in language that itself has drawn additional criticism. ‘If you start defending the press council, I’ll give’ an interview, he said in mid-August in what appeared to be a joking tone.

On another occasion, using a similar approach, he told journalists covering one of his trips abroad that ‘you’re really a bunch of cowards’ for not supporting his plan.

An opposition leader retorted that ‘Lula is suffering from the Chávez effect,’ a reference to attacks on the news media in Venezuela by President Hugo Chávez. But the president of the Workers’ Party, José Genoino, minimized Mr. da Silva’s remarks, saying that he was ‘getting something off his chest more as a labor leader’ than ‘expressing a government position.’

Mr. da Silva’s administration has also issued a new ‘code of ethics’ for government employees that prohibits all but cabinet ministers and press officers from discussing official investigations with reporters. The chief justice of the Supreme Court, Edison Vidigal, said the measure displayed ‘a certain terrorism’ and also suggested it was unconstitutional.

Government officials have promised that a press council would be a professional body, similar to those that regulate the activities of doctors, engineers and lawyers, and would be free from political control. The purpose is to ‘guarantee society the completeness of freedom of the press, and not the freedom for some professionals and companies to publish what they feel like, at the service of their own interests,’ Ricardo Kotscho, the president’s press secretary wrote in a widely disseminated essay.

Alberto Dines, a longtime columnist and editor, called the initiative ‘the most inept and bewildering in the area of the press that any government has produced since the return of democracy in 1985,’ in an essay on the Press Observer Web site, which monitors the news media. ‘At a moment when the government is being beset by accusations, it can’t propose something like this, which foresees punishing journalists.’’



Ricardo Kotscho

‘Em carta ao NYT, Kotscho diz que Larry Rohter foi omisso e pede esclarecimentos’, copyright Agência Brasil, 6/09/04

‘O Palácio do Planalto divulgou há pouco a íntegra da carta enviada hoje pelo secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República ao jornal The New York Times. O diário americano publicou hoje reportagem sobre o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo, com dados que o governo contesta. O texto do secretário também inclui a consideração de que o repórter foi ‘omisso’.

Leia a seguir a versão da carta em português.

‘Brasília, 06 de setembro de 2004

Sr. Editor,

A respeito da matéria enviada pelo correspondente do New York Times no Brasil, Sr. Larry Rohter, editada no dia 6 de setembro de 2004, sob o título ‘Plan to tame Journalists Just Stirs Them Up in Brazil’, solicito, em nome do governo brasileiro, a publicação dos seguintes esclarecimentos:

1. Logo no primeiro parágrafo, o Sr. Rohter escreve: ‘A plan by President Luiz Inácio Lula da Silva to create a national journalists’ council (…)’. Não é verdade. O plano não é do presidente Lula. Trata-se de um projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho, atendendo a antiga reivindicação desta categoria profissional, em conjunto com representantes da Federação Nacional dos Jornalistas e dos sindicatos estaduais, encaminhado por exigências legais pelo governo federal ao Congresso Nacional.

2. O Sr. Rohter omite o fato de que o pedido formal para a criação do Conselho Federal de Jornalistas foi feito ao Sr. Presidente em audiência pública, no último mês de abril, conforme publicado pela imprensa brasileira na época.

3. A matéria não só deixa de informar ao leitor do NYT sobre quais foram os verdadeiros proponentes do projeto, como sequer menciona a existência da Federação Nacional dos Jornalistas, além de não ouvir nenhum dirigente da entidade.

4. O Sr. Rohter, na verdade, parece não ter ouvido ninguém para escrever sua matéria, como é habitual em seus despachos: limitou-se a reproduzir declarações de pessoas que se opõem ao projeto, já publicadas anteriormente pela imprensa brasileira.

5. Em outro trecho da sua matéria, o Sr. Rohter afirma que ‘Mr. Da Silva’s administration has also issued a new ‘code of ethics’ for government employees’ que os proibiria de falar com repórteres sobre investigações oficiais. As propostas relativas ao aprimoramento do combate à lavagem de dinheiro ainda estão em discussões internas no governo, sem que haja uma posição final ou mesmo um ante-projeto para o Congresso Nacional.

Atenciosamente,

Ricardo Kotscho

Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República’’



Luiza Damé

‘Governo compra nova briga com Larry Rohter’, copyright O Globo, 7/09/04

‘O governo brasileiro comprou nova briga com o correspondente do ‘New York Times’ no Brasil, Larry Rohter, jornalista que em maio escreveu reportagem sobre o suposto hábito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de consumir bebida alcoólica. Em carta dirigida ao jornal, ontem, o secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República, Ricardo Kotscho, rebate nova reportagem de Rohter, desta vez sobre o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e a proposta de limitar as entrevistas de servidores públicos a respeito de investigações do governo.

Secretário diz que Rohter não ouviu ninguém

Na carta, Kotscho diz que Rohter ‘parece não ter ouvido ninguém’ para escrever a reportagem sobre o Conselho, ‘como é habitual em seus despachos’, numa referência a trabalhos anteriores do correspondente do tradicional jornal americano.

Segundo a carta, o jornalista limitou-se a reproduzir declarações de pessoas que se opõem ao projeto, já publicadas anteriormente pela imprensa brasileira. O secretário de Imprensa afirma ainda que o projeto do Conselho de Jornalismo não é um plano do presidente Lula, como afirmou Rohter na reportagem, mas um projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho a pedido da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e encaminhado ao Congresso pelo governo por exigências legais.

O jornalista, segundo afirma a nota do Planalto, omite o fato de que o pedido formal para criação do Conselho de Jornalismo foi feito em audiência pública da Fenaj com Lula, em abril deste ano. Na carta, o governo reclama que Rohter não citou a Fenaj nem ouviu dirigentes da entidade.

A criação da autarquia provocou reações contrárias de setores da imprensa brasileira, de entidades da sociedade civil, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do Congresso, que consideraram a proposta uma ameaça à liberdade de informação.

Na reportagem Rohter também fala da proposta do governo de limitar as entrevistas de servidores públicos sobre investigações em curso, proibindo-os de falar com repórteres. Diz a carta do Planalto que as propostas relativas ao aprimoramento do combate à lavagem de dinheiro ainda estão em discussão no governo federal, sem que haja uma posição final ou proposta para o Congresso.

Rohter quase foi expulso do país em maio

A carta ao ‘New York Times’ – traduzida para o inglês – foi divulgada ontem pela Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência. Em maio deste ano, ao reagir à reportagem de Rohter sobre suposto problema de Lula com bebidas alcoólicas, o governo brasileiro chegou a cancelar o visto do jornalista, impedindo-o de permanecer no país. O jornalista não foi expulso porque estava fora do país e só retornou depois que o governo recuou da decisão ao receber carta de Rohter. Na carta o jornalista pediu reconsideração do cancelamento do visto, argumentando que não tivera a intenção de ofender o presidente brasileiro. Mas o jornalista não pediu explicitamente desculpas ao governo brasileiro.’

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‘Reportagem cita críticas contra o projeto do CFJ’, copyright Folha de S. Paulo, 7/09/04

‘Na reportagem publicada ontem no ‘New York Times’, o correspondente no Brasil Larry Rohter diz, no primeiro parágrafo de seu texto, que o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo – atribuído, pelo correspondente, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva – é muito criticado, especialmente pelas organizações ligadas à mídia. Segundo a reportagem, o projeto do Conselho é visto no país ‘como o mais sério ataque à liberdade de expressão desde o fim da ditadura militar, duas décadas atrás’.

Rohter centra sua reportagem no artigo que pretende ‘orientar, disciplinar e monitorar os jornalistas, que seriam obrigados a ter registro profissional’. O americano acrescenta que as punições por violações às regras do conselho chegam à ‘revogação do registro oficial do repórter, o que em tese impediria o profissional de continuar trabalhando’. A reportagem cita o protesto da Associação Nacional dos Magistrados, que acusou o governo de sucumbir a uma ‘lógica autoritária’ e que o Brasil não precisa ‘de nenhum órgão com poderes de restringir a liberdade de expressão.’

A reportagem também fala da polêmica sobre a criação da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual e, após lembrar as críticas de produtores do setor, registra o recuo do ministro da Cultura, Gilberto Gil. ‘Ele concordou, na semana passada, em suavizar o texto da proposta para filmes, televisões e rádios’.

Reportagem lembra as denúncias contra o governo

Rohter cita uma frase do secretário de Comunicação de Governo, ministro Luiz Gushiken. ‘Numa sociedade, nenhum direito é absoluto’, reproduziu o correspondente, contando que o ministro, num encontro com defensores do Conselho de Jornalismo, dissera que a mídia brasileira deveria ‘adotar uma agenda positiva e evitar a exploração de contradições que fomentam a discórdia e conflitos de ego’.

A reportagem do ‘New York Times’ diz que o governo Lula enfrentou uma série de acusações de corrupção e outras irregularidades administrativas, ‘todas relatadas intensamente pelos órgãos de informação’. Rohter exemplifica com o mais famoso caso do ano – a fita que flagrou Waldomiro Diniz, então assessor do chefe da Casa Civil, José Dirceu, pedindo dinheiro ao bicheiro Carlinhos Cachoeira, para a campanha eleitoral.

Por fim, o texto de Larry Rohter – que chegou a ter seu visto de trabalho no Brasil suspenso por causa de uma reportagem sobre uma suposta inquietação com os hábitos de beber do presidente Lula – lembra do código de ética proposto pelo governo para os funcionários públicos.’



Romoaldo de Souza

‘Governo protesta contra ‘NYT’’, copyright Jornal do Brasil, 7/09/04

‘O governo brasileiro protestou ontem contra uma reportagem do correspondente do jornal The New York Times no Brasil, Larry Rohter. Em seu texto, Rohter afirma que a criação do Conselho Federal de Jornalismo ‘é um plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva’ e que sua criação prevê a instituição de um ‘código de ética’ que proíbe servidores públicos de dar informações à imprensa.

Em carta enviada ao editor do jornal, o secretário de Imprensa da Presidência da República, Ricardo Kotscho, informou que a idéia não partiu do presidente. ‘Foi um projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho, atendendo uma antiga reivindicação desta categoria profissional, em conjunto com representantes da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e dos sindicatos estaduais’, informou.

Ele lamentou que Rohter tenha esquecido de contar que a ‘criação do conselho tenha partido de dirigentes da Fenaj’. Esse não o primeiro problema entre o governo e Rohter. Em reportagem anterior, ele escreveu sobre o suposto hábito do presidente da República de ingerir bebida alcoólica.’



Folha de S. Paulo

‘Governo reage a novo texto de Rohter no ‘New York Times’’, copyright Folha de S. Paulo, 7/09/04

‘A má repercussão da criação do Conselho Federal de Jornalismo foi tema de reportagem do jornalista americano Larry Rohter, correspondente do ‘New York Times’ que chegou a ter seu visto no Brasil revogado em maio deste ano após escrever sobre supostos abusos alcoólicos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por meio de uma carta enviada ao ‘NYT’, o governo rebateu a reportagem. ‘O senhor Rohter, na verdade, parece não ter ouvido ninguém para escrever sua matéria, como é habitual em seus despachos. Limitou-se a reproduzir declarações de pessoas que se opõem ao projeto, já publicadas anteriormente pela imprensa brasileira’, disse o secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência, Ricardo Kotscho, no trecho mais duro da carta.

Em texto publicado na edição de ontem, Rohter escreve sobre a repercussão negativa da criação do conselho entre a imprensa brasileira, a quem chama de ‘barulhenta’. Segundo o projeto, o conselho, se aprovado pelo Congresso, irá ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ o exercício da profissão e a atividade jornalística no país.

‘A legislação, que foi apresentada em agosto, tem sido severamente criticada não apenas pelos jornalistas, mas também por grupos de direitos humanos e associações que representam advogados e juízes’, escreve Rohter. ‘As organizações de imprensa que seriam afetadas pelo projeto o chamam de a mais séria ameaça à liberdade de expressão aqui desde que a ditadura militar de direita foi derrubada há duas décadas.’

Entre as declarações usadas por Rohter está a do ministro Luiz Gushiken (Comunicação e Gestão Estratégica), que disse que ‘numa sociedade, nada é absoluto’. A reportagem traz também críticas a Lula e ao PT feitas pelo deputado José Carlos Aleluia (BA), líder do PFL na Câmara.

A carta do governo rebate ainda a informação publicada por Rohter de que o projeto é de autoria de Lula. ‘Não é verdade. O plano não é do presidente Lula. Trata-se de um projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho, atendendo a antiga reivindicação dessa categoria profissional, em conjunto com representantes da Federação Nacional dos Jornalistas e dos sindicatos estaduais.’

A reportagem de Rohter diz que o governo Lula enfrenta ‘uma série de alegações de corrupção e irregularidades administrativas, todas amplamente divulgadas na imprensa’. Sem mencionar o nome de nenhum envolvido, o texto cita o caso Waldomiro Diniz, as denúncias contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e contra Delúbio Soares, tesoureiro do PT.

Em seguida, diz que assessores de imprensa do governo ‘têm negado repetidamente qualquer relação entre esses incidentes e a apresentação dos planos de controle de imprensa’.

A reportagem do jornal norte-americano ainda cita a atitude do governo, no mês passado, de proibir os funcionários públicos de passarem informação para a imprensa e da proposta em estudo de facilitar o acesso de órgãos federais a dados protegidos por sigilos bancário e fiscal, hoje restritos à Receita Federal.

Visto revogado

Rohter foi o pivô de uma crise entre o governo brasileiro e o jornal norte-americano, em maio, com repercussão na Europa e na América Latina, que culminou na cassação do visto profissional que permitia ao jornalista permanecer no país. A expulsão do jornalista foi revertida dias depois devido à péssima repercussão que a decisão teve mundialmente.

O motivo da insatisfação do governo foi uma reportagem publicada por Rohter afirmando que Lula tinha supostos problemas com alcoolismo e que isso preocuparia os brasileiros.

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‘Secretário diz que jornalista ‘não ouviu ninguém’’, copyright Folha de S. Paulo, 7/09/04

‘Leia a versão em português da carta de Ricardo Kotscho, Secretário de Imprensa da Presidência da República, enviou ao ‘New York Times’.

‘Sr. editor,

A respeito da matéria enviada pelo correspondente do ‘New York Times’ no Brasil, sr. Larry Rohter, editada no dia 6 de setembro de 2004, sob o título ‘Plan to tame Journalists Just Stirs Them Up in Brazil’, solicito, em nome do governo brasileiro, a publicação dos seguintes esclarecimentos:

1. Logo no primeiro parágrafo, o sr. Rohter escreve: ‘A plan by president Luiz Inácio Lula da Silva to create a national journalists council (…)’. Não é verdade. O plano não é do presidente Lula. Trata-se de um projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho, atendendo a uma antiga reivindicação desta categoria profissional, em conjunto com representantes da Federação Nacional dos Jornalistas e dos sindicatos estaduais, encaminhado por exigências legais pelo governo federal ao Congresso.

2. O sr. Rohter omite o fato de que o pedido formal para a criação do Conselho Federal de Jornalistas [Conselho Federal de Jornalismo, na versão enviada ao Congresso] foi feito ao sr. presidente em audiência pública, no último mês de abril, conforme publicado pela imprensa brasileira na época.

3. A matéria não só deixa de informar ao leitor do ‘NYT’ sobre quais foram os verdadeiros proponentes do projeto, como sequer menciona a existência da Federação Nacional dos Jornalistas, além de não ouvir nenhum dirigente da entidade.

4. O sr. Rohter, na verdade, parece não ter ouvido ninguém para escrever sua matéria, como é habitual em seus despachos: limitou-se a reproduzir declarações de pessoas que se opõem ao projeto, já publicadas anteriormente pela imprensa brasileira.

5. Em outro trecho da sua matéria, o sr. Rohter afirma que ‘mr. Da Silva’s administration has also issued a new code of ethics for government employees’ que os proibiria de falar com repórteres sobre investigações oficiais. As propostas relativas ao aprimoramento do combate à lavagem de dinheiro ainda estão em discussões internas no governo, sem que haja uma posição final ou mesmo um anteprojeto para o Congresso Nacional.’’



O Estado de S. Paulo

‘‘NYTimes’: revolta contra projeto para controlar imprensa’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/09/04

‘O jornal The New York Times ressaltou, na edição de ontem, a dura reação contra os projetos do governo para a criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e da Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual (Ancinav).

O texto é assinado por Larry Rohter, correspondente no Brasil, que por pouco não foi expulso do País após publicar reportagem sobre o consumo de bebidas alcoólicas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ‘As organizações noticiosas que seriam afetadas consideram isso a mais grave ameaça à liberdade de expressão desde o fim da ditadura militar há 20 anos’, disse Rohter.

Segundo o NY Times, a tentativa de regulamentar ‘a tempestuosa imprensa do Brasil’ desencadeou uma montanha de críticas. A reportagem – intitulada ‘Proposta de controlar a imprensa causa ainda mais revolta’ – informa que o conselho teria por lema ‘orientar, disciplinar e monitorar’ jornalistas. ‘As punições pela violações das normas ou regulamentos variariam desde multas à cassação do registro oficial de jornalista, o que na teoria impediria o transgressor de exercer a profissão’, ressaltou.

O jornal nova-iorquino lembrou que a repercussão negativa foi além dos veículos de comunicação, espalhando-se também por entidades de defesa dos direitos humanos e associações que representam advogados e juízes. ‘Numa manifestação típica, a Associação Nacional dos Magistrados acusou o governo de sucumbir à lógica autoritária e disse que o Brasil não tem necessidade de qualquer órgão com poderes para restringir a liberdade de expressão.’

Na reportagem, Rohter destacou que o projeto da Ancinav também foi saraivado de críticas, sobretudo pelas redes de televisão e diretores de cinema. A reportagem acrescenta que, ‘depois de prometer reformular os artigos que cheiram a autoritarismo’, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, concordou em abrandar a linguagem da proposta sobre cinema, TV e rádio.

Agenda positiva – Rohter informou, porém, que não há pretensão do governo de retirar o projeto do CFJ. E cita recente declaração do ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação de Governo: ‘Numa sociedade, nenhum direito é absoluto.’

A reportagem lembra que, numa reunião pública com proponentes do conselho, em abril, Gushiken disse que a mídia noticiosa brasileira deve adotar uma ‘agenda positiva’ e evitar ‘explorar contradições que fomentem a discórdia e o conflito de egos’.

De acordo com o jornal, figuras do primeiro escalão do governo têm caracterizado os clamores contra a legislação como exemplo do abuso da mídia. E registra uma declaração do ministro da Casa Civil, José Dirceu, sobre a resistência ao conselho de jornalismo: ‘Eles estão tentando restringir o debate no grito, ganhar fazendo barulho e isso é autoritarismo.’’