Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Lígia Formenti

‘Mal começou a ser rodado e um filme em homenagem a Juscelino Kubitschek já causou a ira da família do ex-presidente, que divulgou cartas de denúncias e notas oficiais e chegou até a pedir à Petrobrás que reconsiderasse seu patrocínio. Todo o alvoroço teve um efeito: os produtores fizeram uma mudança no roteiro que, agora, a família pretende avaliar.

O mal-estar começou no fim de outubro, quando a produtora do filme, Cláudia Furiati, desembarcou em Brasília com uma cópia do roteiro diferente do que havia sido planejado. Para a família, o novo formato enfatiza desnecessariamente um caso extraconjugal mantido por JK com Lúcia Pedroso, durante vários anos.

‘Se ele deu alguma escapadela, não é nosso problema’, disse o senador Paulo Octávio, casado com a neta do ex-presidente, Anna Christina Kubitschek Pereira, presidente do Memorial JK. Octávio, que integra o conselho curador do memorial, contou que o grupo deve avaliar nos próximos dias a nova versão do roteiro, com algumas cenas retiradas. ‘O problema é que a versão de outubro mistura ficção com realidade. Isso só pode dar confusão.’

Em nota divulgada ontem, Ana Christina argumentou que o roteiro ‘lançaria na vala comum’ a rica história de vida ‘de um dos poucos heróis brasileiros’. Em outro trecho, ela disse: ‘Não houve censura, mas sim um transparente posicionamento contrário da família e do Memorial JK.’

A idéia inicial era filmar várias fases da vida de JK. O projeto era baseado em texto do escritor José Louzeiro, batizado de De Nonô a JK. Mas Claudia Furiati contou que houve dificuldade muito grande em juntar recursos. ‘Dos R$ 4 milhões orçados, só conseguimos reunir metade. E fizemos tudo sozinhos. A família somente elogiou a idéia inicial.’ Como o prazo para usar o patrocínio obtido da Petrobrás estava acabando, os executores do projeto decidiram mudá-lo e fazer uma obra de ficção, mais enxuta, com base no livro Boa Noite para Voar, do jornalista Pedro Rogério.

SURPRESA

Preparado pelo diretor, Zelito Viana, o novo roteiro foi apresentado a personalidades do meio artístico, como Roberto Farias, Augusto Boal e Chico Anysio. ‘Ninguém achou o filme ofensivo. Ao contrário. Todos que leram acharam o tratamento dado a JK demasiadamente heróico. Acho que a interpretação feita por integrantes do memorial foi muito particular’, reclamou Cláudia.

Dizendo-se surpresa com a reação da família, a produtora afirmou que só uma cena foi retirada do novo roteiro. Nela, JK está em um baile e tira uma moça, a quem ele pede permissão para chamar de princesa, para dançar. ‘A família queixou-se de que, na cena, (a ex-primeira-dama) Sara Kubitschek estava também no salão. Preferimos, então, fazer algumas alterações’, contou Cláudia.

Para mostrar como o filme é sutil, Cláudia contou que ele obteve classificação livre. ‘Falamos de um homem público, de fatos históricos e fazemos alusão a uma história que já é pública.’ Ela afirma que outras mudanças no roteiro podem ser feitas. Mas não provocadas por pedidos da família.’



MEMÓRIA / Mª HELENA CASTILHO
Folha de S. Paulo

‘Morre a jornalista Maria Helena Castilho’, copyright Folha de S. Paulo, 4/11/04

‘Morreu na madrugada de ontem, em decorrência de falência múltipla de órgãos derivada de uma cirrose crônica, a jornalista de moda Maria Helena Castilho. Ela tinha 68 anos e estava internada desde a semana passada no Hospital das Clínicas.

Castilho, nascida em São Paulo, trabalhou no final da década de 50 no jornal ‘Noticiário da Moda’, publicação sobre o mercado têxtil brasileiro que foi uma das primeiras experiências do gênero no país. Também participou da revista ‘Manequim’, da editora Abril, durante os anos 60.

Atualmente trabalhava na ‘World Fashion’, revista voltada exclusivamente para negócios do mercado têxtil.

A jornalista será velada hoje a partir das 10h no cemitério São Paulo, no bairro de Pinheiros (zona oeste de São Paulo). A cerimônia de cremação ocorrerá às 16h no crematório da Vila Alpina.’



MEMÓRIA / PAULO FRANCIS
Renata Lo Prete

‘Um livro para lembrar a falta que Francis faz’, copyright Folha de S. Paulo, 6/11/04

‘Quem tem menos de 40 anos provavelmente se lembra de Paulo Francis como o comentarista que falava de um jeito estranho nos telejornais da Rede Globo e, na condição de estrela de um quarteto de debatedores, no programa de TV por assinatura ‘Manhattan Connection’.

Em ‘Paulo Francis’, volume escrito para uma coleção de pequenas biografias, Daniel Piza conta a história que deu origem ao personagem televisivo abordado nas ruas e glorificado por humoristas: a do jornalista que, ao longo de quatro décadas, exerceu influência única na imprensa brasileira.

Com Francis mudaram as referências, o ponto de vista e o texto. Um monte de gente entrou na profissão por causa de Francis. Um monte de gente quis ser Francis. E, como lembrou um amigo quando de sua morte, em 1997, aos 66 anos, Nova York hoje fica ali na esquina em boa medida por obra de Francis.

Editor-executivo e colunista do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, Piza resumiu os fatos centrais da vida de Francis para se concentrar em suas idéias. Fez um livro sobre as migrações do biografado: do teatro para o jornalismo, do Rio a NY, do trotskismo até um misto de liberalismo econômico extremado e conservadorismo nos demais departamentos que enfurecia o leitorado ‘à esquerda’ (Francis escreveria entre aspas).

Piza foi um entre muitos jornalistas mais jovens a desfrutar da generosidade de Francis e um dos mais próximos em seus últimos anos de vida. O principal mérito do livro é equilibrar afeto e distanciamento.

O autor destaca a inteligência e a erudição extraordinárias de Francis sem deixar de reconhecer que, em seu longo pontificado, ele chutou, inventou e citou sem dar crédito em larga escala.

Por outro lado (expressão que Francis execrava), a sobriedade do livro não dá a exata medida do que foi o ‘Diário da Corte’, tribuna que consagrou Francis na Folha entre 1977 e 1990 e depois seguiu com ele para o ‘Estado’.

Se Francis, como Piza observa, não foi um pensador, e sim um comentarista, teria sido saboroso apresentar ao leitor um pouco mais do colorido de seus textos.

Afinal, o ‘Diário’ era um lugar onde se liam, não raro na mesma edição, juízos peremptórios sobre temas tão diversos quanto o médico de Andy Warhol (‘Foi famoso durante 15 minutos ao matá-lo na mesa de operações’, 1987), a Presidência de Sarney (‘Todo governo incompetente precisa de judeus e comunistas. Vulgo bodes expiatórios. O boi gordo seria o judeu do Funaro’, 1986) e o culto às grifes (‘Acho ridículo andar com uma calça que tenha o nome de alguém na minha bunda. Bunda que mamãe beijou vagabundo nenhum põe tarja’, 1986).

Piza conclui, acertadamente, que as qualidades de Francis como jornalista superavam seus defeitos. Diz ainda que o maior desses defeitos seria o exagero. Tenho dúvida. Sem exagero (ou com menos), Francis teria deixado de cometer um punhado de injustiças, algumas feias. Mas também é fato que, sem exagero, Francis não teria sido Francis. Talvez o ambiente jornalístico fosse hoje mais inóspito a ele. Numa era de intenso fluxo de informações, sua alegada onisciência certamente seria mais contestada.

Ao mesmo tempo, é impossível deixar de imaginar o que Francis diria a respeito de alguns itens do noticiário atual. A começar pelo proposto Conselho Federal de Jornalismo. Aliás, o governo Lula seria bem capaz de inventar um CFJ exclusivamente para ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ Paulo Francis. Isso basta para dar a noção da falta que ele faz.

Paulo Francis, Autor: Daniel Piza, Editora: Relume Dumará/Rio Arte, Quanto: R$ 26 (120 págs.)’