Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Lilian Christofoletti


‘O ministro da Previdência, Romero Jucá (PMDB), afirmou ontem não existir contradição no pedido dele feito à Procuradoria Geral da República de arquivamento de investigação. Anteontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia reafirmado sua confiança em Jucá e ressaltado a iniciativa do ministro em pedir a apuração rápida das denúncias.


‘Não é contraditório, pelo contrário. Eu não pedi [o arquivamento]. Pedi a ele [ao procurador-geral, Claudio Fonteles] que investigasse e arquivasse não havendo nenhum tipo de comprovação’, disse o ministro, que acrescentou: ‘Pedi o arquivamento porque não existe nenhum tipo de acusação contra mim’.


Anteontem, por meio de seu advogado, Jucá encaminhou manifestação a Fonteles pedindo o arquivamento do procedimento administrativo aberto contra ele pelo Ministério Público Federal para apurar o destino dos recursos públicos obtidos pela empresa Frangonorte, de Roraima, da qual Jucá foi dono entre 1994 e 1996.


‘Confio no Ministério Público e vou aguardar o pronunciamento’, afirmou Jucá, após deixar o prédio da CUT (Central Única dos Trabalhadores), em São Paulo. Jucá é acusado ainda de oferecer fazendas que não existem como garantia a um empréstimo e de supostamente desviar recursos públicos. ‘Eu sempre estive à vontade na Previdência, não temo nenhum tipo de investigação, estou tranqüilo e focado no que tenho de fazer’, declarou ontem o ministro, que afirmou contar com o apoio do presidente.


Antes de o ministro chegar ao prédio da CUT, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, afirmou que, o jogo político domina as indicações para o Ministério da Previdência: ‘A Previdência tinha de ser um ministério tratado com prioridade pelo governo, não pode ficar no jogo político. E, em jogo político, dá todo tipo de coisa.Tem sempre confusão nesse ministério’.


Após o encontro com Jucá, os presidentes da Força e da CUT defenderam a apuração das denúncias que envolvem Jucá.


‘Se o presidente diz que não pode tirar o ministro, não sou eu que vou ficar dizendo que tem de tirar. Mas são acusações graves que têm de ser investigadas’, disse Paulinho. Luiz Marinho, presidente da CUT, concordou. ‘É válido que o ministro recorra e peça o arquivamento. Mas a minha expectativa como cidadão é que as denúncias sejam apuradas.’


No encontro, os sindicalistas pediram ao ministro mudanças no texto da medida provisória 242, que altera a base de cálculo dos benefícios do trabalhador.’



Folha de S. Paulo


As Insinuações de Lula‘, copyright Folha de S. Paulo, 20/04/05


‘‘Não posso tirar ou pôr um ministro em função desta ou daquela manchete de jornal. (…) Por enquanto, há muitas insinuações. Quem é político sabe o que significam insinuações. O ‘eu acho’ e o ‘eu penso’ não adiantam. É preciso que surjam coisas concretas’.


Foi nestes termos que o presidente da República fez, em discurso anteontem, a defesa pública do ministro da Previdência, Romero Jucá.


Diga-se logo: para dizer o que disse Lula esperou tempo demais. O ministro está na berlinda, constrangido a prestar esclarecimentos à opinião pública há praticamente um mês, desde que tomou posse, em 22 de março. O escândalo das fazendas inexistentes, apresentadas como garantia para empréstimo bancário a uma empresa da qual Jucá era sócio, apareceu em reportagem desta Folha poucos dias depois.


Desde então, atividades suspeitas envolvendo Jucá e sua mulher, Teresa Jucá, prefeita de Boa Vista, vêm se multiplicando no noticiário, sem que o ministro tenha encontrado respostas satisfatórias para todas elas.


Este jornal já defendeu, há uma semana, a saída de Jucá do governo. Sua permanência no cargo tornou-se insustentável. Faltam-lhe não apenas condições para gerir qualquer reformulação da Previdência, mas também a imagem de decoro que se requer para o exercício de uma função dessa responsabilidade.


Se o ministro deve satisfações de seus atos aos órgãos competentes, quem o nomeou e mantém é que deve explicações à sociedade. ‘Insinuações’? Como assim? Terá o presidente lido o que se publicou a respeito de seu ministro? Estará, ao menos, sendo devidamente informado por seus auxiliares? Sim ou não -a resposta soa grave em qualquer um dos casos. A opção parece ser entre a omissão e o cinismo.


Nos velhos tempos da oposição, por muito menos Lula e o PT estariam na mídia escandalizados, a exigir providências em nome da moralidade pública. Mas, mesmo para um governo que fez tábua rasa de suas bandeiras históricas e que já sacrificou quase tudo em nome do realismo político, é preciso haver limites.’



GOVERNO ROSINHA


Artur Xexéo


‘O papa e a Miss Brasil’, copyright O Globo, 20/04/05


‘Você tem visto a governadora por aí? Eu sei que está difícil encontrá-la. Tem uma chacina na Baixada, e ela não abre o bico. Turistas são esfaqueados na Zona Sul, e ela se faz de morta. O Rio deu a volta para cima, diz ela em recados na televisão. Se isso é para cima, não consigo me lembrar de como era quando o Rio estava para baixo. Mas essa é outra conversa. O que eu queria contar é que, sim, tenho visto a governadora. Embora se faça de desentendida quando o assunto é mais barra pesada, dona Rosângela não se faz de rogada quando a questão é mais… digamos… fútil. E deu as caras sem constrangimento em todas as etapas do concurso de Miss Brasil.


Durante toda a semana passada, dona Rosângela foi figurinha fácil na Rede Bandeirantes, organizadora do concurso. Recebeu as candidatas para almoço, estava na platéia do desfile com grande parte da família e foi até a festa que se seguiu ao certame. Na falta de outras celebridades interessadas no evento, só deu dona Rosângela na Band. Deixou até no ar, nada ficou muito claro, que o governo do estado foi um dos patrocinadores da festa. Sem querer desabonar mais uma decisão da governadora, devo anunciar: dona Rosângela entrou em outra roubada. Afinal, por que cargas d’água é interessante para o estado associar seu nome a mais uma atividade decadente? Já não basta toda a decadência natural do Rio de Janeiro?


Dona Rosângela acha que não. E com o mesmo entusiasmo com que saudaria a transferência da fábrica da Fiat para o Rio ou a retomada do direito de sediar a etapa brasileira da Fórmula 1, ela não se cansou de declarar o orgulho de o Rio voltar a receber o concurso de Miss Brasil. E que concurso!


Nessa altura do campeonato, já dá para dividir o Miss Brasil em três fases. A primeira é a de que todo mundo se lembra. Estádios lotados, platéia entusiasmada e o país inteiro torcendo por Martas e Adalgisas. Depois, veio a decadência, com misses de que ninguém mais se lembra e o concurso se transformando em quadro do programa dominical de Sílvio Santos. A atual é a fase Band. É inqualificável, mas a própria emissora gosta de dizer que está recuperando o glamour dos velho tempos.


Glamour? Nesta fase Band, o concurso é sempre apresentado por Nayla Micherif. Nayla foi Miss Brasil em 1997, mas quem sabe disso? Na verdade, ela é uma espécie de perna-de-pau do time de futebol de várzea que também é o dono da bola. Ou seja, é sempre escalado no time. Apesar de ser perna-de-pau. Nayla comprou os direitos do concurso. É a dona da bola. E sempre se escala para ser a apresentadora. Vamos combinar: glamour e Nayla Micherif não combinam. Todo ano, também, a Band aproveita o desfile para divulgar suas estrelas da temporada. E estrela da Band… sabe como é, né? Desta vez, o estrelato era grande parte do elenco da novela ‘Floribela’. Agora, me explica, pode ter glamour com o elenco de ‘Floribela’? Para completar, a Band sempre tenta modernizar a festa. No ano passado, pôs todas as misses para desfilar de óculos escuros. Este ano, fez todas usarem o mesmo vestido de gala – algo assim do tipo ‘mulheres de Atenas’ – e o mesmo penteado. Ficaram todas iguais, o que contraria um princípio básico do concurso: miss tem que ser diferente.


Para complicar mais um pouquinho, na busca incansável pela modernização, a Band pôs no ar, durante todo o desfile, o grupo Bossacucanova tocando. Modernidade, música eletrônica… entendeu? Pois é. Não é que o Bossacucanova seja ruim. É até bom. Mas por quanto tempo um ser humano é capaz de ouvir Bossacucanova ininterruptamente? A Band acha que por, pelo menos, duas horas. Duas horas de Bossacucanova, sem intervalo, sem um tempinho para respirar… É de matar de tédio.


Ganhou a Miss Santa Catarina, mas quem se importa? (Dona Rosângela talvez se importe). O único momento de surpresa de todo o concurso veio de Miss Espírito Santo. Estavam lá as dez finalistas e tinha chegado a hora do teste de inteligência (!!!). Todas as misses tinham que responder à mesma pergunta: ‘Qual a importância do papa João Paulo II?’ (é a Band atualizando o concurso). Foi aquele blá-blá-blá esperado: ‘O papa é um ícone’, ‘o papa é um símbolo’, ‘o papa aproxima as humanidades’ (sic), ‘o papa…’. Até chegar a vez de Miss Espírito Santo. Ela não desconversou: ‘Acho que o papa foi um pouco radical nas questões do aborto, do uso de camisinha e do homossexualismo’. A platéia acordou, aplaudiu, o júri abriu os olhos e Miss Espírito Santo, que nem era das mais bonitas, acabou em terceiro lugar. Justíssimo.


Agora, você me pergunta, e o que essas misses ganharam. Bem, é a fase Band, né? O glamour voltou, mas os prêmios não. A nova Miss Brasil recebeu um carro e uma jóia. Já a Miss Espírito Santo… Nayla Micherif parecia muito entusiasmada quando anunciou: ‘Ela ganhou o direito de representar o Brasil na China no concurso de Miss Beleza Internacional com despesas de passagens e hospedagem pagas’. Que tal? Alguém imaginou que a própria miss pagaria a viagem? Na fase Band, tudo é possível.


De qualquer forma, miss, hoje em dia, só fica conhecida quando entra para o Big Brother. Indico Miss Espírito Santo para o programa. Vai dar o maior pé.’



CASO TANCREDO


Andréa Michael


‘Família autorizou ‘maquiar’ laudo, diz médico’, copyright Folha de S. Paulo, 20/04/05


‘O patologista Hélcio Luiz Miziara, 70, afirma que teve a concordância da família para ‘maquiar’, em laudo técnico, o diagnóstico que atribuiu a Tancredo Neves uma diverticulite aguda perfurada em vez de um leiomioma -um tumor benigno.


No domingo, o ‘Fantástico’, da Rede Globo, exibiu o depoimento do médico, que afirmou ter emitido informações falsas sobre a saúde do presidente eleito, para, segundo disse, não alarmar a população sobre ‘o medo de que não tenhamos a posse do presidente’.


Aécio Neves (PSDB), governador de Minas Gerais e neto de Tancredo, e outros familiares contestaram a nova versão sobre a morte do presidente eleito.


Há 49 anos na profissão, Miziara diz que o laudo ‘maquiado’ foi entregue a Tancredo Augusto, filho do presidente que foi eleito pelo Colégio Eleitoral e que morreu em 1985. Incomodado com a própria conduta, o patologista levou o caso ao conhecimento do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Julgado em 1991, foi condenado à pena mais branda: censura confidencial. Ele conversou ontem com a Folha.


Folha – Como o senhor define a mudança que fez no laudo?


Hélcio Miziara – No laudo, não. No diagnóstico. Tecnicamente, os dois laudos dizem a mesma coisa. Não se pode dizer que o laudo é falso. Eu maquiei o laudo. Deixei de dar o diagnóstico anatomo-patológico e dei o diagnóstico clínico. Sob o ponto de vista ético, agi corretamente porque comuniquei aos médicos, à família e ao representante do governo.


Não menti, não escondi das pessoas interessadas. Tanto é que o Conselho [Regional de Medicina do Distrito Federal] me puniu com a pena mais branda, a ‘censura confidencial’. Fui espontaneamente ao conselho. Eles me perguntaram se sofri pressão. Não. Foi por iniciativa minha, com a aquiescência da família, única e exclusivamente por medo da situação política. Achávamos que ali estaríamos dando um passo para a posse do Sarney, evitando a volta da ditadura.


Folha – Como foi essa decisão, em 19 de março de 1985?


Miziara – Quando houve o diagnóstico, fizemos uma reunião, eu, os médicos Renault [de Matos], [Francisco] Pinheiro, Gustavo Arantes [diretor do Hospital de Base na época], Tancredo Augusto [filho do presidente eleito], representando a família, e o porta-voz Antonio Brito.


Eu disse a eles que, se fosse divulgado aquele diagnóstico [de tumor benigno], provavelmente causaria um impacto emocional na nação. Iriam dizer: ‘Ah, ele está com um tumor, deve ser um câncer, vai morrer e não vai tomar posse’. Qual será a repercussão no meio militar? Vão dar posse ao Sarney sabendo que o Tancredo está com uma doença grave?


Então, disse a eles: ‘O que vou dizer aqui contraria todos os princípios éticos, mas, em se tratando de segurança nacional, me proponho a mudar o laudo. O doutor Tancredo Augusto, que está aqui, vai assinar um documento dizendo que tem consciência do laudo original e que só fará uso deste outro laudo se for obrigado a mostrá-lo à imprensa. Quando o paciente sair, o senhor rasga, porque isso pode trazer complicações para mim’. Ele concordou, mas acabei não pegando o documento.


Folha – Tancredo Neves soube da maquiagem do diagnóstico?


Miziara – Sei que, em um bilhete, entregue a alguém que não posso revelar o nome, ele disse que queria saber como estava reagindo a opinião pública à doença.’



Fabiane Leite


‘Provinciano, ele tomava chazinho, afirma anestesista’, copyright Folha de S. Paulo, 20/04/05


‘Anestesista que participou de sete cirurgias em Tancredo Neves e que conviveu com o então paciente durante 26 dias, quando este teve ‘grandes períodos de consciência’, Ruy Gomide do Amaral, 78, disse que a família Neves o constrangeu e colocou sua dignidade profissional em jogo.


‘Sou professor emérito da USP, especialista nos EUA e no Brasil. Não tem cabimento’, afirmou ontem à Folha.


O médico reafirma o que disse há 20 anos: Tancredo Neves já estava doente havia vários meses antes de ser internado às pressas no Hospital de Base de Brasília. Familiares do presidente eleito refutaram em nota divulgada no ‘Jornal Nacional’, da Rede Globo, informações da equipe médica que cuidou de Tancredo em São Paulo.


Amaral fala em tom carinhoso sobre o ex-paciente e guarda reportagens que mostram que já afirmava, em 85, que Tancredo vinha sofrendo escondido de uma bacteriemia havia oito meses. Recordou, por exemplo, que, antes das eleições, Tancredo aparecia em várias fotos com a perna esquerda esticada, para derrotar as dores.


‘Em matéria de medicina, ele era o típico mineiro provinciano, que tomava chazinho e não obedecia aos médicos, não fazia exames’, declarou Amaral. Em janeiro daquele ano, por exemplo, tinha visitado a Europa sob tratamento de forte antibióticos, à revelia dos médicos. ‘Ele fazia imprudências.’


O anestesista repetiu uma frase dita à Folha naquela época: ‘Ele [Tancredo] considerou o adiamento do tratamento um erro, mas eu o atribuo a seu patriotismo.’


O médico também afirmou que teve um contato muito grande com a família Neves, especialmente com Risoleta (mulher do presidente eleito). ‘Tenho uma carta de três páginas em que ela mostra essa intimidade’, continuou o médico, que não quis apresentar o documento ontem ao jornal.


Para ele, a família pode não ter se lembrado de seu rosto, e por isso ter desautorizado suas declarações e a de outros médicos do presidente eleito que deram entrevista ao ‘Fantástico’, da Rede Globo. ‘Até meus filhos ligaram perguntando.’


Para Amaral, a reportagem do ‘Fantástico’, que mostrou ainda que Tancredo morreu em decorrência de uma resposta inflamatória sistêmica, -e não de infecção generalizada- contribui porque acaba com a celeuma sobre a causa de morte do presidente eleito.


‘Tudo começou com um tumor benigno no intestino delgado, infectado. O tumor tinha sido extirpado em Brasília, mas a continuidade do processo infeccioso acabou liberando uma pequena artéria que sangrou muito para o interior do intestino. Uma infecção dessa magnitude leva a um processo inflamatório generalizado, que levou a uma insuficiência de múltiplos órgãos’, continuou. ‘Estive presente no quarto dele até parar o coração. Assisti à necropsia, à realização da máscara mortuária. Eu vivi completamente.’’