Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Lourdes Rodrigues

‘O Valor da transação não foi divulgado, mas a expansão vai auxiliar a empresa a faturar, este ano, R$ 170 milhões. A TV Cidade, empresa especializada em infra-estrutura de telecomunicações, dá novo impulso às suas atividades ao adquirir, no final de dezembro passado o controle da Multicabo (TVN – Cuiabá), operadora que presta serviços de TV por assinatura em Cuiabá e Várzea Grande, no Estado do Mato Grosso.

Com isso, a TV Cidade, que não divulga o valor da transação, assume, na totalidade, as operações de Pay-TV, ampliando, assim, sua área de atuação de 17 para 19 cidades do País, entre elas as capitais Recife, Salvador e Aracaju. A expansão vai auxiliar a empresa a atingir a receita geral prevista para 2005, de R$ 170 milhões, com margem de lucro de 27%. ‘A assinatura do negócio foi fundamental para nossas pretensões de crescer em torno de 15% este ano, dado o grande potencial de consumo de novos serviços destas cidades’, diz o presidente da TV Cidade, Marcos Henrique Costa.

Para sustentar o crescimento planejado, a empresa pretende ainda lançar no mercado mato-grossense novos serviços como: acesso à internet via cabo em banda larga (AcesseRápido); telefonia de voz IP (Ipervoz); transmissão de dados e provedor ISP (Internet Service Provider). ‘Queremos iniciar a comercialização destes serviços já a partir do segundo trimestre de 2005’, diz Costa. Com a mudança do controle, a TVN (Multicabo) passa a ser uma empresa TV Cidade. ‘A idéia é mantermos o conteúdo atual da emissora, porém criando novos pacotes e opções de programação para assinantes’, acrescenta o executivo.

Sistema 100% codificado

A TV Cidade assume também a gestão da rede híbrida de fibra óptica (HFC) da Multicabo – por onde trafegam os sinais de audio e vídeo -, que conta com 400 quilômetros de extensão em Cuiabá e 50 quilômetros em Várzea Grande. Ao todo, a empresa passa a contar com cerca de 5,5 mil quilômetros de rede. ‘Nossa empresa é a única no País que tem seu sistema 100% codificado, o que torna as transmissões mais seguras e estáveis, e menos sujeitas a conexões clandestinas – a chamada pirataria -, além disso melhora o serviço de cobrança e atendimento aos assinantes.’

Em busca da ampliação de sua área de atuação, a TV Cidade não pretende parar na compra da Multicabo, mas se prepara para novas aquisições ainda este ano e assim registrar aumentar no faturamento.

Entre as investidas da empresa de infra-estrutura em telecomunicações estão sendo preparadas ações sociais. Segundo Marcos Henrique Costa, ‘no final deste mês, a empresa vai lançar o seu primeiro projeto de responsabilidade social. Ele consiste na inclusão digital e na educação à distância, em uma ação conjunta com uma série de ONGs das cidades onde a empresa opera.’ Costa acrescenta que o sucesso da TV Cidade se deve aos funcionários, à comunidade e aos acionistas e que é justo retornar esse sucesso com ações que irão beneficiar, principalmente, as populações mais carentes, inclusive com a geração de novos empregos.

Mudando para crescer

A TV Cidade começou suas atividades em 1999, apenas como operadora de TV por assinatura e como as demais concorrentes no País sofreu com problemas administrativos e de fluxo de caixa. Em 2003 registrou receita total de R$ 118 milhões e teve prejuízo de R$ 15 milhões. Com a vinda do atual presidente, Marcos Henrique Costa, uma nova gestão (seguindo o modelo americano de administração) reverteu a situação, fechando 2004 com receita de R$ 128 milhões e lucro de R$ 25 milhões.

Além dos cortes nos custos, que baixaram 40%, a principal mudança foi a adoção da prestação de multi-serviços e não apenas na área de entretenimento, vendendo mais barato, ganhando em escala e superando os concorrentes. Segundo Costa, 55% dos lucros vêm da área de dados e os outros 45% da TV por assinatura. O atendimento aos clientes (30% deles são empresas) foi aperfeiçoado, resultando em 2004 no aumento da base de assinantes de banda larga, de 19 mil para 28 mil.

Após a reestruturação, que consumiu investimentos no total de R$ 152,5 milhões, a TV Cidade obteve um ganho anual de R$ 9,9 milhões e conseguiu a aplicação de novos aportes de capital por parte dos acionistas, de R$ 130 milhões. Cerca de R$ 9 milhões, segundo a empresa, foram investidos nas operações de Cuiabá e Várzea Grande, no Mato Grosso.

A empresa de infra-estrutura em telecomunicações, em suas projeções estimadas até 2009, prevê alcançar no final desse período uma receita bruta de R$ 397,8 milhões e despesas operacionais e administrativas de R$ 198,5 milhões.

Para o presidente da TV Cidade, a lição mais importante é que uma gestão mais preocupada com princípios de negócios obtém mais retorno em todos os sentidos. ‘Não é um capitalismo selvagem, mas um capitalismo mais inteligente’, diz Marcos Henrique Costa.’



TV RÁ-TIM-BUM
Bia Abramo

‘O futuro da TV que não houve’, copyright Folha de S. Paulo, 9/01/05

‘Por que parou? Parou, por quê? Vendo a TV Rá-Tim-Bum, cuja programação constitui-se, basicamente, do acervo de programas infantis da TV Cultura dos anos 80 e 90, essa pergunta fica no ar. É um pouco retórica, a pergunta -há, aqui e ali, programas mais recentes, estréias-, mas serve: se a TV Cultura conseguiu chegar àquele nível de qualidade em sua programação infantil, por que parou?

Com exceção do (ótimo) ‘Cocoricó’, ainda em produção, repete-se na TV Rá-Tim-Bum aquilo que se tornou uma espécie de estigma da TV Cultura: muita reprise e repetição.

E é uma pena, porque a impressão que dá é que, na TV Cultura, se jogou fora ou se deixou dispersar um núcleo de pensamento (e execução) de programas infantis (e infanto-juvenis e juvenis) que talvez seja difícil reunir novamente.

Havia ali, nesse conjunto de roteiristas, diretores, atores, animadores, músicos, um know-how consistente para lidar com educação e diversão simultaneamente, uma concepção de entretenimento que não precisava de artifícios para ser atraente e, até, um conjunto de valores defendidos com firmeza mas também com leveza e humor, que fizeram esse momento da TV brasileira ser realmente especial.

Não é fácil -a Xuxa que o diga- fazer programa de criança a sério, com respeito, sem ser pesado, maçante e excessivamente escolar. Talvez a única maneira seja acreditar, de fato, que o conhecimento, em sua concepção mais ampla possível, é uma forma de se relacionar com o mundo -e que isso pode ser divertido. Que a curiosidade, a imaginação, o raciocínio são ferramentas que podem ser usadas com prazer -e não só porque são a coisa certa e adequada. E que, nesse campo, as crianças, se deixadas em paz e se forem ouvidas, sabem mais do que os adultos.

‘Rá-Tim-Bum’, ‘O Castelo Rá-Tim-Bum’, ‘Catavento’, ‘X-Tudo’, entre outros, eram programas assim, em que os adultos envolvidos pareciam ter parte com o olhar infantil para as coisas -desassombrado, aberto, inquiridor etc. O diabo – aqui, de novo, não se pode deixar de pensar na Xuxa e na sua enorme dificuldade de fazer um programa ‘do bem’- é que não se falsifica, não se compra na esquina, não se adquire por decreto essa possibilidade de se colocar à altura das crianças.

É um sintoma bem grave que esse acúmulo de experiências e de conquistas concretas tenha se tornado, em grande medida, ‘material de arquivo’. A etiologia desse caso específico é complicada -tem politicagem, desmantelamento do Estado, nova ordem mundial etc. etc. no meio-, mas a doença é aquela mesma de sempre: a (quase) incapacidade de dar continuidade às coisas que já deram certo, a tentação de fazer política de terra arrasada.

E, assim, assistir à TV Rá-Tim-Bum é quase como uma expedição arqueológica a um futuro da TV que não houve.’



HOJE É DIA DE MARIA
Valmir Santos

‘Carvalho invoca a cultura popular em microssérie’, copyright Folha de S. Paulo, 9/01/05

‘Em poucos minutos de conversa, o diretor Luiz Fernando Carvalho relaciona uma microssérie para a TV com suas percepções estéticas e ideológicas no audiovisual contemporâneo. ‘A mais nova atração pode ser um vale a pena ver de novo desgraçado’, diz.

‘Hoje É Dia de Maria’ estréia na terça-feira, na Globo, sob a assinatura do carioca Carvalho, 43, o mesmo da novela ‘O Rei do Gado’, da série ‘Os Maias’ e do filme ‘Lavoura Arcaica’.

O diretor associa a longa jornada da menina Maria (protagonista que sofre maus-tratos e foge de casa) à busca da identidade, da memória que o Brasil também deveria empreender se colocasse a cultura popular, sua ancestralidade, em relevo. ‘Toda travessia promove esse processo de individuação. Maria atravessa esse mundo de aventuras como todos os heróis, como em todos os mitos, como Ulysses [de Joyce] enfrentando suas guerras’, diz.

‘Hoje É Dia de Maria’ é embrião de uma fábula curta que o dramaturgo Carlos Alberto Soffredini (1939-2001) escreveu no final dos anos 80, quando trabalhavam juntos na emissora.

Carvalho recebeu a Folha durante intervalo para almoço nas gravações, em novembro. A seguir, trechos da entrevista.

Folha – A microssérie é uma afirmação da cultura popular?

Luiz Fernando Carvalho – Aqui tem uma afirmação do inconsciente brasileiro, do subterrâneo brasileiro. Com a liberdade de não ser regionalista. Uma tentativa feita com muita delicadeza, porque o fio que está conduzindo tudo isso é o fio da infância, o fio da memória. E, se o artista estiver sob o espírito da coragem, este sim, capaz de impulsioná-lo na direção certa dos mais sinceros conteúdos, essas lembranças de infância e outras imagens que vimos e vivemos com o frescor de uma primeira vez vencerão a batalha diária contra as máscaras fáceis do modelo que nos é imposto.

Folha – A série parece-me também um ato de fé de sua parte…

Carvalho – … Ou, se preferir, um processo de individuação. Toda travessia promove esse processo de individuação. Maria atravessa esse mundo de aventuras como todos os heróis, como em todos os mitos, como Ulysses enfrentando suas guerras… E Maria enfrenta suas guerras, seus demônios, suas seduções. Assim, atravessando um território chamado País do Sol a Pino, infernal, ela se constitui. Nesse sentido, é uma mensagem de esperança, de luta pela nossa identidade e memória, de não nos sentirmos tão apequenados frente a outras culturas.

Folha – Como surgiu a série?

Carvalho – Há uns 15 anos, tive a oportunidade de ler pela primeira vez os contos retirados da oralidade popular brasileira, recolhidos não só pelo Câmara Cascudo mas Silvio Romero, entre outros. Fiquei impressionado com as características de pequenos mitos. Convidei o Soffredini para estruturar dramaticamente. Era uma pequena aproximação, um guia, que poderia ser tanto para televisão quanto para cinema. Primeiramente, pensei na televisão que, com sua abrangência, seria a única capaz de devolver ao povo suas fábulas encenadas. É como se um ciclo se fechasse com mais perfeição.

Folha – E a decisão de retomar a matriz deixada por Soffredini?

Carvalho – Naquela época, sugeri que reestruturássemos a narrativa a partir de um personagem recorrente, feminino, que era a Maria. Nos contos é praticamente a personagem principal, aquela que nos revela a história. Quando, neste ano, surgiu a proposta da microssérie, a Renata, filha do Soffredini, me sugeriu o [Luís Alberto de] Abreu como um dramaturgo que dialogava com a linguagem do seu pai. Ela acertou em cheio, Abreu teve uma imediata compreensão de tudo.

Folha – Você ajudou no texto, tem vocação para a escrita?

Carvalho – Eu tenho um certo exercício solitário da escrita que agora revelei um pouco com a ajuda do Abreu, mas a responsabilidade do texto, evidentemente, é muito mais dele e do Soffredini. E, pelo fato de a estrutura narrativa ser muito oral, os personagens se estruturam ao dialogar, estão se contando quando dialogam; ou seja, atuam como narradores.

Folha – O procedimento na preparação das gravações, as semanas com o elenco treinando corpo, voz, enfim, tudo isso é uma constante? Dentro da emissora, há mais receptividade para isso?

Carvalho – É uma preocupação de tempos. Fui preparando-me, amadurecendo para realizar esse tipo de treinamento criativo com todo o grupo. Sempre senti falta de estar criando junto com os atores, com a direção de arte… Como você vê aqui [espaço improvisado em terreno em frente ao Projac], um conglomerado de oficinas, de artistas plásticos, enfim, nosso cotidiano é composto de oficinas nas quais as pessoas saem de um barracão e entram em um outro, e esse fluxo sangüíneo que permeia, que eu preciso que permeie todos os departamentos, incluindo aí os atores que são também artistas. Ator burocrático, sinto muito, não tem vez aqui. Não estou querendo renovar nada, até muito pelo contrário. Isso é muito velho, cá entre nós.

Folha – Parece uma atitude quase quixotesca dentro do espaço da TV.

Carvalho – No meu modo de sentir, e lembrando um pouco da televisão da minha infância, em geral as televisões perderam um pouco do espírito aventureiro, que é também o espírito do risco, e que foi também o espírito formador da própria televisão. Mas este não é um fenômeno que apenas recai sobre as televisões, mas também sobre toda a tal indústria que se convencionou chamar de ‘bens culturais’. Aquele que permanecer sentado em cima de sua coroa egocêntrica, saboreando um status engessado, satisfeito demais com os resultados e aparências, pode, de uma hora para a outra, se perceber banguela. O que aos olhos destes parece novo, pode se tornar muito velho. A mais nova atração pode ser um vale a pena ver de novo desgraçado…

Folha – E quando fará teatro?

Carvalho – Já fui convidado algumas vezes, mas, assim como o cinema é uma linguagem da qual me sinto próximo, o teatro ainda é um lugar distante e que eu respeito de longe.

Folha – Ouvi um comentário seu na gravação, de que quem guia a câmera é o ator, e ela não deve ‘andar solta’, tem que colar no ator.

Carvalho – Os personagens são narradores. E, como a história tem que ser narrada de dentro para fora, se a câmara mexe sozinha, o processo já é mais formalista, e portanto não nos deve interessar. Então, é o personagem que estipula a posição da câmera, é o estado de espírito dele que determina se ela vai mexer ou não. Vem dele, de dentro do seu discurso, de uma sintaxe, de seu centro para fora, e não ao contrário.’