Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Luiz Garcia


‘Editoriais são vítimas freqüentes do pecado do nariz empinado, herança daquele tempo em que o mais importante num jornal era a sua opinião.


Os do ‘New York Times’ não chegam a afirmar que valem mais do que o resto do jornal, mas certamente sugerem que, fora eles, o leitor só encontrará mesmo o resto. Não deve ser por acaso que, quando lhes dá na veneta, referem-se às suas opiniões como o julgamento ‘desta página’, não ‘deste jornal’.


Esta semana, a página se pronunciou sobre a Amazônia, condenando o desmatamento. É precisa – e preciosa – sua definição sobre o comportamento das autoridades brasileiras: afirma que elas agem com senso de responsabilidade ‘intermitente’. Nada mais correto: tanto que a última medição do desmatamento – sobre os 12 meses terminados em agosto passado – registrou a maior perda de árvores desde 1995. É certo, por outro lado, que a má notícia embrulha um registro quase alentador: nos nove anos anteriores as notícias foram melhores. Mas é a notícia mais recente que realmente interessa, não é essa a regra? Tudo pesado e medido, impõe-se a conclusão de que a última grande floresta tropical tem de ser mais bem preservada. As intenções federais a respeito (o editorial elogia o trabalho da ministra Marina Silva) parecem louváveis. Embora, claro, insuficientes, além de sabotadas pela generalizada ineficiência da burocracia. Como se viu esta semana, com o registro de que madeireiros fazem o que querem em áreas indígenas e de proteção ambiental da Amazônia por pura incompetência do Ibama.


Para todas as mazelas o editorial do ‘Times’ tem um só remédio: exigência externa de uma política ambientalista mais firme.


É aí, e a partir daí, que ele perde parte da razão. Sendo verdade que a Amazônia é uma defesa contra o aquecimento global, por que não condenar com a mesma ênfase os grandes responsáveis pelo aumento do aquecimento? Ou sejam, o governo e a indústria do país onde ‘esta página’ é publicada? Se é imperioso preservar essa extraordinária reserva de biodiversidade, por não defender combate enérgico a quem a saqueia – e que, em grande número, não são nativos?


Está certo que a grande floresta é patrimônio da Humanidade. A atitude de exigir das autoridades brasileiras maior repressão a quem derruba árvores para plantar soja ou exporta madeira ilegalmente ganhará considerável peso moral se cobrança igualmente enfática for dirigida àqueles que, em empresas e governos de outros países – principalmente os mais ricos, acima de tudo os muito mais ricos – contribuem para que a cada dia se torne maior e mais ameaçadora a poluição da atmosfera em todo o planeta.


Essas ponderações não visam a reduzir a responsabilidade de qualquer grupo determinado de terráqueos na decadência de seu único planeta. Apenas lembram a conveniência de melhor distribuir as acusações.’



Folha de S. Paulo


‘‘Manda fazer’’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 3/06/05


‘Em mais um de seus famigerados improvisos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura do Salão do Turismo, que tem lugar na cidade de São Paulo, revelou um entendimento um tanto questionável de como devem ser as relações do governo federal com os veículos de comunicação, em especial as redes nacionais de televisão.


Demonstrando seu entusiasmo com o potencial turístico do país -de fato ainda muito pouco explorado-, o primeiro mandatário imaginou que seria útil para o desenvolvimento do setor se a TV dedicasse mais tempo às belas paisagens existentes em território nacional.


Empolgado com a estratégia, Lula sugeriu ao ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, presente na solenidade, ‘mandar fazer um ‘Globo Repórter’ sobre os lugares bonitos do Brasil’ para ser exibido no exterior. O presidente não se limitou à idéia de pautar aquele programa da Rede Globo. Também instou o ministro a buscar espaço no ‘Domingão do Faustão’, da mesma Globo, e no ‘Hebe’, do SBT.


‘Você tem de ligar para uma Hebe Camargo e falar: ‘Hebe, eu quero que você me dê aí meia hora, que eu quero falar para o seu público sobre turismo’, afirmou Lula. E, disse a seguir ao ministro: ‘Você pode falar com o Faustão: ‘Faustão, me dá aí uns cinco minutos para falar de turismo no Brasil, mostrar as coisas bonitas que temos’.


O fato de que as redes de TV sejam fruto de concessões públicas não autoriza o presidente a tratá-las como extensão do governo, que poderia, sem maiores embaraços, ‘mandar fazer’ um programa ou pedir ‘meia hora’ para divulgar o que considera ser de interesse do país.


Ainda que se possa entender o tom coloquial adotado no discurso como característico de um improviso, a visão subjacente às instruções dadas por Lula ao ministro do Turismo tem algo de reveladora e inquietante.’



MORAIS CENSURADO


Manuel Alceu Affonso Ferreira


‘Intoleráveis cinco linhas’, copyright Folha de S. Paulo, 3/06/05


‘‘O que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja. Esse o primeiro botão que eu trançaria no colar de flores da democracia.’


(Carlos Ayres Britto, ministro do Supremo Tribunal Federal, em ‘Ópera do Silêncio’, 2004).


No Brasil de 1970, aquele mesmo dos ‘90 milhões em ação’, para sustentar a censura prévia, a ditadura criou o conceito da intolerabilidade, que o professor Alfredo Buzaid apresentava como ‘idéia ampla que (…) visa muito mais a impedir a publicação do que simplesmente a punir’.


Passados 35 anos, a restauração democrática foi incapaz de livrar a literatura nacional desse risco. Autores e livros continuam ameaçados pela intolerabilidade, que, ingenuamente, supúnhamos morta e sepultada. A diferença é que, agora, a censura das armas foi substituída pela inesperada censura das decisões judiciais.


A diferença é que, agora, a censura das armas foi substituída pela inesperada censura das decisões judiciais


De fato. Quando mal se apagava a triste lembrança do ocorrido com o ‘Estrela Solitária’, de Ruy Castro, sobrevém a ordem de um magistrado goiano para a apreensão do ‘Na Toca dos Leões’, de Fernando Morais. Não bastasse isso, também impôs ao famoso escritor, à editora e a um publicitário pesada multa por cada ‘comentário’ que a esse respeito ousassem lançar.


Tudo isso, vale lembrar, a pedido do deputado Ronaldo Caiado, que se sentiu atingido pela referência do livro a um seu suposto plano de contenção da natalidade nordestina. O trecho reputado ofensivo, registre-se, ocupa apenas cinco linhas das 495 páginas do livro, nada além de um pequeno parágrafo.


Não espanta o pedido do parlamentar. Afinal, são franqueadas as impetrações ao Judiciário, mesmo as teratológicas. Surpresa, sim, é o seu deferimento liminar, ao qual se acrescentou a inédita (felizmente!) vedação a quaisquer irresignados comentários, carregando-se assim aos atingidos o ‘silêncio obsequioso’ que, até então, se pensava restrito ao direito canônico.


Nem se diga, em favor da decisão, que a Constituição e o Novo Código Civil autorizam prevenir as lesões à honra, não só castigá-las após cometidas. Em tudo que seja jurídico, combinam-se ‘texto e testa’ na interpretação sensata que repila abusos hermenêuticos. Ou seja, conciliando a liberdade de expressão e o direito à honra, o jurista apelará ao princípio da proporcionalidade, o que pressupõe, conforme ensinam os tratadistas, considerar todas as circunstâncias relevantes do caso concreto.


Pois bem. Admitindo-se, para argumentar, que seja inverídica a alusão ao deputado Caiado nas escoteiras cinco linhas do ‘Na Toca dos Leões’, só por isso seria razoável, ou proporcional, a apreensão de toda a edição e, mais, o ‘silêncio obsequioso’ decretado? Nas campanhas e nos debates dos quais participou, aquele homem público já não teria antes recebido, sem reação, alusões desabonadoras mais fortes? Por outro lado, indo ao âmago das linhas ditas difamatórias, não é certo que o controle compulsório da natalidade, no Nordeste ou fora dele, encontra doutos e respeitados defensores?


Não, as cinco míseras linhas do ‘Na Toca dos Leões’ não permitiam o sumário destroçamento do direito à expressão intelectual, resguardado na Constituição da República e nos tratados internacionais subscritos pelo Brasil. O pior, contudo, é deparar com a censura librorum realizada por autoridades judiciárias que, ao fazê-lo, resgatam práticas inquisitoriais, interditando a escrita como se fosse arte do Belzebu…


Por sua qualidade, a obra posta no index prohibitorum já figuraria na lista das mais procuradas. Entretanto, o desastrado mandado de apreensão, tal como geralmente se dá com aquilo que indevidamente passa à clandestinidade, emprestou-lhe imensa projeção. A curiosidade passou a ter mais um excelente motivo: o que poderá ter o livro de tão perigoso e sinistro que motive proibir os brasileiros de lê-lo ou punir a quem tenha a petulância de comentá-lo?


Graças ao sistema recursal, o Judiciário corrige a si mesmo, reformando os desacertos das instâncias inferiores. É o que se espera aconteça com a produção literária que tão-só se propôs a relatar a trajetória de certa agência de publicidade. Relato este, aliás, que, se lhe faltassem virtudes próprias, o desastre judicial conseguiu antecipadamente transformar em vitorioso best seller.


Em suma, a intolerabilidade da década de 70 não tem mais lugar. Vive-se hoje, ou ao menos se tenta viver, a plenitude da tolerância. Não para que, em nome dela, eventuais agressões à honra sejam aplaudidas, mas sim para que, a pretexto de evitá-las, certas laudas forenses não joguem às urtigas elementares conquistas democráticas.


Manuel Alceu Affonso Ferreira, 62 anos, é advogado. Foi secretário de Justiça do Estado de São Paulo (1991-1993), conselheiro federal da OAB e juiz do TRE-SP.’



Ronaldo Caiado


‘A mentira como cláusula pétrea ‘, copyright Folha de S. Paulo, 3/06/05


‘Há alguns dias, reli um romance, ‘A 25ª Hora’, em que o escritor Virgil Gheorghiu narra o drama de Iohann Moritz, um camponês comum da Romênia que jamais se preocupara com as agruras dos judeus de sua terra até que, na guerra, sua aparência física o leva a ser tomado como um deles. Isso faz com que ele seja preso e removido a um campo de concentração. Não adiantam seus protestos de que não é judeu, que seu lugar não é ali e que tudo não passa de um equívoco. No caminhão, um de seus companheiros, depois de presenciar tudo, o indaga sobre o porquê de estar tão desesperado, ao que ele responde que está sendo injustiçado: ‘Não tenho nada contra judeus, mas não sou um de vocês!’. E o judeu lhe retruca: ‘Eu sei. Só que, agora, é’.


Tenho vivido um pesadelo semelhante desde a publicação do mais recente livro do escritor e jornalista Fernando Morais, ‘Na Toca dos Leões’, no qual veio a ser inserido um monstruoso relato do publicitário Gabriel Zellmeister, onde ele narra que eu, ‘um cara muito louco’, tinha como projeto de governo à Presidência da República adicionar à água potável um remédio que esterilizasse mulheres, como solução para aniquilar nordestinos.


Jamais, em toda a minha vida, passei por algo tão sórdido e rasteiro. Para meu orgulho, minha mulher é nordestina de Feira de Santana. Minhas filhas, Maria e Marcela, são filhas de uma nordestina. Como poderia eu, médico, com 30 anos de exercício da medicina e milhares de casos operados, propor uma medida tão absurda e desatinada, se toda minha vida profissional foi marcada pelo salvamento de vidas? Como poderia sair de minha boca uma monstruosidade dessas?


A lição que pude extrair do episódio do livro de Ghiorghiu é que somente quando experimentamos uma situação com a qual jamais suporíamos um dia ter de nos defrontar, por achar que não nos dizia respeito, e da qual imaginávamos estar protegidos, é que descobrimos a realidade dos outros que a vivenciam habitualmente.


De acordo com o Morais, sou um cidadão de segunda categoria e tal condição não me autoriza a ser consultado sobre uma grave acusação que contra mim o jornalista publicou.


Por que requeri a retirada desses livros? Porque um livro é muito diferente de um jornal ou de uma revista, que têm vida efêmera e morrem em seus efeitos com a chegada às bancas da edição seguinte.


O conteúdo de um livro é informação atemporal e jamais perde efeito ou se desvanece. Uma calúnia em um livro conserva seu potencial destrutivo e se renova a cada novo momento em que ele for lido. Representa um enxovalhamento eterno, fundado num registro histórico perpétuo. Jamais pretendi que esses livros fossem queimados ou aniquilados. Meu propósito foi apenas e tão-somente o de suprimir deles essa referência caluniosa e difamatória. Feito isso, que voltassem eles às livrarias.


Ao exercer meu direito de cidadão, recorrendo ao Judiciário num caso em que o tema era uma mentira deslavada, e não qualquer crítica, opinião ou notícia, acabei inacreditavelmente tratado como ‘defensor da censura’ e convertido em ‘inimigo da liberdade de expressão’. Curiosamente, nenhum desses críticos lembrou que tenho um longo histórico de luta pela liberdade de imprensa e de expressão.


Agora, o paradoxo. O mesmo Fernando Morais é autor também do livro ‘A Ilha’, em que narra suas impressões pessoais sobre sua visita a Cuba sob o regime castrista. Nesse livro, afirma ter descoberto lá que a liberdade de expressão era apenas um direito sem sentido, mero instrumento de dominação burguesa. Quem quiser conferir, basta ler:


‘Quando perguntei a um influente jornalista cubano se lá existe liberdade de imprensa, ele deu uma gargalhada e respondeu: ‘Claro que não’. E completou, com naturalidade: ‘Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês. Só um idiota não é capaz de ver que a imprensa está sempre a serviço de quem detém o poder. E, aqui em Cuba, quem detém o poder é o proletariado. Estamos todos os jornalistas cubanos, portanto, a serviço do proletariado’.


Qualquer pessoa de mente sã reagiria a esses conceitos, que são de uma estupidez racionalmente inaceitável. É esse mesmo escritor apaixonado por Cuba, onde aprendeu que liberdade de imprensa é apenas um ‘eufemismo burguês’, que agora quer dar aulas de liberdade de expressão e, o mais grave, elevar o direito à mentira à condição de cláusula pétrea constitucional.


Gostaria de fazer um chamado à razão. Uma democracia não se consolida só com eleições e com alternância de partidos no poder nem mesmo com a limitação do poder do Estado. Democracia, fundamentalmente, pressupõe exercício de cidadania. É para situações em que esse exercício implica conflito com o direito de outros que existe o Judiciário.


Somente conseguiremos garantir o Estado democrático de Direito se adquirirmos a consciência de que a cidadania se fundamenta, para além dos direitos contra o Estado, nas garantias fundamentais de cada indivíduo que nos salvaguardam de quaisquer ameaças. Até mesmo de abusos praticados em nome de outros direitos fundamentais.


Ronaldo Caiado, 55, médico e produtor rural, é deputado federal pelo PFL-GO.’



ECOS DA DITADURA


Carlos Heitor Cony


‘Novas revelações sobre o regime militar ‘, copyright Folha de S. Paulo, 3/06/05


‘Correspondente do ‘Washington Post’ no Chile entre 1972 e 1978, John Dinges acaba de lançar ‘Os Anos do Condor – Uma Década de Terrorismo Internacional no Cone Sul’, cuja tradução foi recém-lançada no Brasil. Além da experiência pessoal no próprio olho do furacão, Dinges teve acesso a documentos tornados públicos durante o governo de Bill Clinton (1993-2001).


Na realidade, tirante um ou outro detalhe pontual, quase tudo o que ele revela não chega a ser novidade para a história paralela que começou a ser feita tão logo se iniciou a caça às bruxas nesta parte da América Latina, com atentados que tiveram, se não a participação direta, a supervisão logística da CIA.


Tudo começa com a chegada do Partido Democrata à Casa Branca, com Jimmy Carter incorporando ao seu programa de governo a retirada do apoio dos Estados Unidos às ditaduras do Chile, da Argentina, do Uruguai e do Brasil.


No dia 28 de agosto de 1975, em ofício confidencial, o general Manuel Contreras, chefe do Dina (serviço secreto do governo do Chile), alerta o general João Batista de Oliveira Figueiredo, chefe do SNI (o equivalente do Dina no Brasil), sobre a necessidade de fazer alguma coisa contra os principais contestadores dos regimes militares instalados pela força nesta parte do continente. O jornalista revela que Figueiredo não foi à reunião, mas enviou ao Chile, em nome do SNI, um representante de sua confiança.


O ofício de Contreras está transcrito, em reprodução xerografada, em ‘O Beijo da Morte’, livro que escrevi em parceria com Anna Lee (editora Objetiva, 2003). O chefe do Dina faz menção explícita a Juscelino Kubitschek e a Orlando Letelier, ex-ministro de Salvador Allende, o presidente chileno deposto e assassinado durante o golpe militar promovido pelo general Augusto Pinochet.


Um ano após o ofício de Contreras, em 22 de agosto de 1976, Juscelino morria num acidente na Rio-São Paulo, acidente até hoje contestado, mas não por mim, que não tenho opinião formada sobre as hipóteses de atentado ou desastre rodoviário. Mas, um mês após, em 21 de setembro do mesmo ano, Orlando Letelier morria num atentado a bomba, em Wa- shington, atentado que não sofreu qualquer tipo de contestação e que foi atribuído oficialmente a Contreras, que seria mais tarde condenado à pena de prisão perpétua no Chile.


John Dinges não faz referência à morte de JK, mas traz revelações sobre a morte de Letelier. E exime o ex-presidente Figueiredo de qualquer participação na rede terrorista que passou a ser chamada de Operação Condor -ressalva que também fizemos, Anna Lee e eu.


Iniciado em 1975, o movimento começou a ser executado em 1976, havendo a confissão do ex-ministro da Justiça daquele tempo, Armando Falcão, que, em entrevista ao jornal ‘O Globo’, admitiu que ‘em 1976, alguns órgãos contrários à abertura promovida pelo presidente Geisel, buscavam soluções extralegais’.


A Operação Condor cometeu numerosos crimes nos quatro países que, com o apoio de Jimmy Carter, se libertavam dos regimes militares. Em 2000, uma série de reportagens publicada no ‘Jornal do Brasil’, assinada pelo jornalista John Mitchell, ‘levantava pontualmente dezenas de mortes, desaparecimentos e torturas, não apenas porque os envolvidos, de um e de outro lado, não tinham peso político, como também a maioria dos casos era posterior ao período em que se verificaram as três mortes que nos interessavam’ (Anna e eu fazíamos referência às mortes de JK, João Goulart e Carlos Lacerda, ocorridas em apenas nove meses – ‘O Beijo da Morte’, pág. 108)


Em tempo: as reportagens de John Mitchell até hoje não foram contestadas e o livro de Dinges as confirma, com novos e surpreendentes detalhes.


Vinte anos antes da Operação Condor, já havia uma intromissão dos Estados Unidos na política do ainda não apelidado Cone Sul da América Latina. Matéria publicada na Folha em 28 de maio de 2004 traz a transcrição de telefonema, liberado por Clinton, que confirma a participação dos Estados Unidos na deposição de Allende, um dos pontos de partida da Operação Condor.


O telefonema revela uma conversa entre Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos (1969-1974), e seu secretário de Estado, Henry Kissinger. Em certo trecho, Nixon comenta: ‘Como você sabe, nossas mãos não aparecem neste caso’. O secretário de Estado responde: ‘Nós não o fizemos. Quero dizer, nós os ajudamos (…) criamos as melhores condições possíveis’.


Nem todos os documentos secretos do governo norte-americano foram ainda liberados. No caso brasileiro, a discussão sobre os arquivos secretos do regime militar arrefeceu. Num futuro talvez distante, parece-me que um juízo conclusivo possa ser feito pelas gerações que nos sucederem.’