Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Luiz Maklouf Carvalho

‘Nos dois computadores em que armazena seus arquivos, a procuradora regional da República em São Paulo, Janice Agostinho Barreto Ascari, coleciona acórdãos favoráveis ao poder de investigação criminal do Ministério Público, ora questionado no Supremo Tribunal Federal em julgamento que pode ser concluído neste mês. Ativa defensora e praticante deste poder, a procuradora destaca, na coleção, acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, e do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, sediado em São Paulo.

Do que já disse o STJ, a procuradora seleciona o seguinte: ‘Nada há que imponha exclusividade às polícias para investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública’. (Recurso Especial 331903-DF, relatado pelo ministro Jorge Scartezzini).

‘Não é, portanto, da índole do Direito Penal a feudalização da investigação criminal na Polícia e a sua exclusão do Ministério Público’. (Recurso de habeas corpus 13728/SP, relatado pelo ministro Hamilton Carvalhido).

‘Não há ilegalidade nos atos investigatórios realizados pelo Ministério Público’ (Recurso de habeas corpus 24493-MG, relatado pelo ministro Gilson Dipp).

‘A titularidade plena do Ministério Público ao exercício da ação penal, como preceitua o inciso I, do artigo 129, da Constituição Federal, necessariamente legitima a sua atuação concreta na atividade investigatória, bem como o material probatório produzido’. ( Recurso em habeas corpus 15507/PR, relatado pelo ministro José Arnaldo da Fonseca).

Do que já disse o TRF da 3.ª Região, a procuradora releva a decisão do habeas corpus 14691-SP, relatado pelo desembargador Nelton dos Santos.

É o caso ainda momentoso de Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, denunciado, com outros, pelo MPF de Janice Ascari, de crimes graves e diversos contra o sistema financeiro. Em busca do habeas corpus que os livraria de suposto constrangimento ilegal, seus advogados alegaram, entre outras razões, a inconstitucionalidade das investigações do parquet, para usar o juridiquês que usa e abusa da palavra francesa. A primeira turma do TRF não o concedeu, seguindo o contundente voto do relator.

Nelton dos Santos atacou diretamente o acórdão do recurso de habeas corpus 81.326/DF, relatado, na 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, pelo ministro Nelson Jobim, presidente da Casa. Pivô mais recente da celeuma, o acórdão, de 6 de maio, diz que ‘o Ministério Público não tem poderes para realizar diretamente investigações, mas sim requisitá-las à autoridade policial competente’.

Com o data venia também consagrado no empolado juridiquês, o desembargador discordou. O essencial do que disse está na interpretação do inciso I do artigo 129 da Constituição, o que dá ao MP a atribuição privativa de promover ação penal. Disse Nelton dos Santos: ‘Dizer-se que se tem o direito de ação mas não se tem o de provar é o mesmo que dizer que não se tem o próprio direito de ação’.

Decisões como essa entusiasmam Janice e seus colegas procuradores que estão no centro do combate que o Ministério Público trava contra a corrupção e o crime organizado. Basta lembrar do caso do prédio TRT de São Paulo e da mais recente Operação Anaconda, para citar dois em que ela se envolveu, e continua envolvida, com insuspeitada determinação. É, portanto, do olho do furacão que ela acompanha a discussão que se trava no Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal sobre o poder do Ministério Público fazer inquéritos criminais.

A questão foi posta, para os onze ministros, na defesa do médico e deputado federal Remi Trinta (PL/MA), denunciado pelo Ministério Público Federal por estelionato qualificado – no caso o desvio de recursos do Ministério da Saúde. Citando o HC 81.326, acima referido, o advogado do parlamentar, Diomar Bezerra Lima, sustenta que a denúncia é inconstitucional porque as investigações foram realizadas pelo Ministério Público. Até aqui, dois ministros se manifestaram favoráveis a essa tese: Nelson Jobim e Marco Aurélio Mello. O julgamento foi suspenso com o pedido de vistas de um ministro. Está previsto para voltar na pauta de agosto.

Mesmo achando que uma eventual decisão contrária a esse poder só valeria para o caso concreto que está em julgamento – a denúncia contra o deputado federal Remi Trinta – a procuradora Janice Ascari acredita que ela seria rapidamente invocada pelos advogados de defesa como precedente para anular processos e investigações em andamento.

‘Minha previsão é a de que os Tribunais sejam inundados por habeas corpus, sobrecarregando a máquina judiciária, o que gerará mais morosidade processual e favorecerá a incidência da prescrição, especialmente aos maiores de 70 anos’, diz. ‘Quem lucraria com isso?’, pergunta. E responde:

‘A criminalidade organizada ficará profundamente agradecida, pois será mais uma contribuição e tanto para a impunidade’.

Para a procuradora, ‘o ônus de uma eventual decisão nesse sentido e suas conseqüências para a sociedade e para a segurança jurídica devem ser debitados à conta do Supremo Tribunal Federal’.

Nesta entrevista, Janice Ascari questiona o questionamento do STF e defende o poder investigatório do parquet. ‘Essas prerrogativas, constitucionais, não são privilégios, mas sim ferramentas de trabalho destinadas unicamente a servir à sociedade’, diz.

Estado – Como é que a senhora vê a discussão que se trava no SFT a respeito da competência do MP para fazer inquéritos policiais?

Janice Ascari – Os dispositivos da Constituição Federal sobre o Ministério Público são os mesmos desde 1988; os das leis orgânicas do MP Estadual e da União, idem, desde 1993. A discussão só ganhou força depois que investigações feitas pelo MP possibilitaram que se chegasse à responsabilização de pessoas importantes e conhecidas.

Estado – De que casos a senhora está falando?

Janice – O caso TRT/SP – Juiz Nicolau dos Santos Neto/Senador Luiz Estevão -, os desdobramentos da morte de Celso Daniel, os casos do comendador João Arcanjo, Marka-Fonte Cindam, e a Operação Vampiro são alguns exemplos de investigações feitas por procuradores e promotores.

Estado – E a polícia?

Janice – É importante que as pessoas saibam que o Ministério Público não quer ser polícia, não quer substituir a polícia e nem quer presidir inquérito policial. As parcerias MP/Polícia têm melhorado recentemente. As Operações Anaconda, Shogun, Lince e Gafanhoto são exemplos. Mas há casos em que a investigação policial não é conveniente ou não é necessária. Via de regra, as infrações penais devem ser, e são, investigadas pela polícia.

Entretanto, alguns casos recentes comprovam que a firme atuação investigativa do MP permitiu uma nova versão dos fatos que já haviam sido apurados pela autoridade policial.

Estado – Por exemplo…

Janice – Os casos Celso Daniel, Bar Bodega e o caso pioneiro, comandado por Hélio Bicudo, sobre o esquadrão da morte.

Estado – Qual foi a participação do MPF no caso do juiz Nicolau dos Santos Neto?

Janice – Esse caso foi inteiramente investigado pelo Ministério Público Federal. E por isso é que entrou na CPI do Judiciário, onde foi complementado.

Estado – A Polícia Federal não participou?

Janice – Não houve, em nenhum momento, investigação pela Polícia Federal.

Após o oferecimento das denúncias, houve investigações pela força-tarefa formada em agosto de 2000 pelo MPF, Advocacia-Geral da União, Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores/Itamaraty, aqui no Brasil, e pelas autoridades dos Estados Unidos e Suíça. O trabalho investigativo realizado pela força-tarefa permitiu o bloqueio de US$ 3.800.000 de Nicolau dos Santos Neto na Suíça, a venda do apartamento dele em Miami, com retorno de quase 900 mil dólares para os cofres da União. Todos os envolvidos e suas empresas estão com suas contas bloqueadas e bens imóveis indisponíveis, por ordem judicial nas ações civis públicas.

Estado – Dois ministros do Supremo, Nelson Jobim e Marco Aurélio Mello, já se manifestaram contrários a que o MP faça inquéritos criminais, argüindo a Constituição.

Janice – Um único artigo da Constituição Federal está sendo interpretado isoladamente e de forma encapsulada, sem a necessária integração com outras normas constitucionais, leis e princípios gerais de direito, como a teoria dos poderes implícitos. O STF tem decisões unânimes, uma delas do próprio ministro Nelson Jobim e bem recente, afirmando a regularidade das investigações feitas pelo MP em casos de corrupção e de abuso sexual (os habeas corpus 83463 e 82865), nas quais não foi sequer aventada a inconstitucionalidade . E a Constituição é a mesma. Para o STF é fato incontroverso que o Ministério Público não necessita de inquérito policial para instaurar ação penal.

Estado – Isso é pacífico e não está em discussão. Nos acórdãos dos habeas corpus que a senhora citou, os ministros Nelson Jobim e Carlos Veloso efetivamente avalizaram a investigação do MP, mas ressalvaram que ela tem limites e que, na avaliação deles, o MP não pode fazer o inquérito criminal.

Janice – A Constituição e as leis orgânicas do MP prevêem a realização de diligências investigatórias e estas estão sendo, agora, confundidas com inquérito policial. O MP pode propor a denúncia a partir do que a lei chama de peças de informação e o Código de Processo Penal prevê que o inquérito policial é dispensável em alguns casos. Aliás, o único destinatário do inquérito policial é o MP, titular da ação penal. É importante ressaltar que, atualmente, diversos órgãos realizam diligências investigatórias de crime, nas suas áreas de atribuição.

Estado – É o caso da Receita Federal e das Fazendas estaduais nos crimes de ordem tributária…

Janice – Mas não só. O INSS investiga fraudes contra a Previdência e sonegação de contribuições previdenciárias; o Banco Central, crimes contra o sistema financeiro; o Coaf, crimes financeiros e lavagem de ativos; o Ibama, crimes contra o meio ambiente. A Corregedoria-Geral da União faz investigações sobre servidores federais. Até o Ministério da Educação criou, na semana passada, uma equipe de investigação. O atual ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, criou em fevereiro deste ano o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, que realiza investigação de lavagem de ativos, principalmente no exterior. Minha pergunta é: por que só a investigação feita pelo MP, que é o titular exclusivo da ação penal, é tachada de inconstitucional?

Estado – Por quê?

Janice – Os advogados e os delegados de polícia, que são os fervorosos opositores da investigação pelo MP, não se pronunciam sobre a suposta inconstitucionalidade dessas outras formas de investigação criminal. Só a do MP é que incomoda. O argumento ‘quem investiga não pode ser parte na ação penal’ já foi há muito tempo rechaçado pelo STJ, com a edição da Súmula 234.

A súmula 234, do Superior Tribunal de Justiça, diz que ‘a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia’.

Estado – Na semana passada,o presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, manifestou-se contrário a que o MP faça investigação criminal.

Janice – O ministro Vidigal não faz parte das duas turmas criminais do STJ.

Estas, como em todos os Tribunais do país, têm posição firme e unânime sobre a constitucionalidade das investigações feitas pelo MP, principalmente o Superior Tribunal de Justiça, seguido pelos Tribunais Regionais Federais (em especial os de SP e RS) e os Tribunais de Justiça. As associações de magistrados, estaduais e federais, externaram seu apoio ao MP, após consulta a seus membros. Com todo o respeito à soberania do STF e ao presidente do STJ, isso é contundente e significativo: será que todos os outros magistrados do país estão errados?’



CONTIGO! CENSURADA
Angélica Freitas

‘Revista ‘Contigo’ é censurada pela Justiça’, copyright O Estado de S. Paulo, 29/07/04

‘A revista Contigo! chegou ontem às bancas com uma mensagem na capa: por força de uma medida cautelar, a entrevista com Mariana Papa Fragali, mulher do vice-presidente da RedeTV!, Marcelo de Carvalho Fragali, não poderia ser publicada, pois ele alega que as declarações podem causar ‘danos à sua imagem e à sua honra’. A Contigo! não comenta o teor da entrevista. A assessoria da TV diz que nem Fragali nem os advogados vão falar sobre isso.

A medida foi concedida pelo juiz Antônio Dias Carneiro, da 2.ª Vara Cível do Fórum de Pinheiros. O magistrado já havia determinado, em fevereiro de 2003, que a revista Você S/A, também da Editora Abril, submetesse a reportagem ‘A Indústria da Recolocação Profissional’, antes de publicada, à aprovação de uma das empresas entrevistadas. A revista considerou a liminar censura prévia e optou por não publicar o texto.

Mariana foi entrevistada no dia 21 pela repórter Marianne Piamonte. Foram duas entrevistas, uma pessoalmente, outra por telefone. De acordo com o diretor de redação da Contigo!, Edson Rossi, a conversa enveredou pelo tópico ‘proibido’ e Mariana pediu para desligar o gravador, mas continuou no assunto.

Antes de iniciar a segunda conversa, por telefone, a repórter avisou que iria gravá-la. Mesmo assim, Mariana voltou ao assunto, mas no dia seguinte ligou para a revista, preocupada com a repercussão que a reportagem teria.

Segundo Rossi, o departamento jurídico da editora avaliou que as declarações não a prejudicariam e ela foi informada disso. No fim do expediente de sexta, a Contigo! recebeu a ordem judicial impedindo a publicação. O pedido foi assinado por Fragali e pela mulher. A multa por desacato seria de R$ 1 milhão. A revista recorreu na segunda, mas não teve sucesso. ‘É um absurdo decidirem antes de a matéria ser publicada’, diz Rossi. ‘Vamos recorrer.’’



Laura Mattos

‘Juiz veta reportagem sobre dono da Rede TV!’, copyright Folha de S. Paulo, 29/07/04

‘A revista ‘Contigo!’, da editora Abril, foi impedida judicialmente de publicar uma reportagem sobre Marcelo de Carvalho Fragali, proprietário da Rede TV!.

A edição semanal que chegou ontem às bancas traz na capa um texto sobre um fundo preto com o título ‘reportagem proibida’. Há ainda duas páginas internas com fundo preto noticiando a decisão.

O editorial afirma que o dono da emissora e sua mulher, Mariana Papa Fragali, entraram com um pedido de liminar para proibir a reportagem, o que foi concedido pela Justiça.

A liminar foi assinada pelo juiz Antônio Dimas Carneiro Cruz, da 2ª Vara Cível do Fórum de Pinheiros. Desde ontem, o processo corre em segredo de justiça.

Em sua argumentação, segundo a Folha apurou, Cruz afirma que a mesma Constituição que garante liberdade de expressão também assegura direito à honra, à imagem e à privacidade.

Ele fala ainda que processos relacionados a casamento, filhos, separação, divórcio, alimentos e guarda de menores podem correr em segredo de justiça.

Segundo a assessoria de imprensa da Rede TV!, Fragali não irá dar declarações sobre o assunto. A Folha não conseguiu localizar o juiz para comentar o caso.

No final de 2002, o mesmo juiz concedeu uma liminar à Dow Right Consultoria em Recursos Humanos que impedia a publicação de uma reportagem sobre a indústria de recolocação profissional da ‘Você S/A’, também da editora Abril, sem que fosse incluído um direito de resposta da empresa.

Censura

Ontem, na Redação da ‘Contigo!’ os jornalistas falavam em censura. Edson Rossi, diretor de Redação, afirmou que o juiz tomou a decisão sem antes ler a reportagem e ouvir a versão da revista. Os advogados da editora Abril não conseguiram derrubar a liminar. Com isso, será preciso esperar que o mérito seja julgado.

A decisão judicial prevê multa de R$ 1 milhão para a editora Abril em caso de descumprimento da liminar. Fala também que o desatendimento à liminar pode ter conseqüências civis e criminais, inclusive prisão em flagrante pelo crime de resistência, desobediência e desacato. Todas as revistas da Abril estão proibidas de divulgar reportagens sobre a vida privada do casal Fragali.’