Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Marcelo Bartolomei

‘O personagem mais famoso da literatura infantil brasileira mudou de cara e, a partir de novembro, o Menino Maluquinho vai aparecer pela primeira vez na televisão de cabelo ruivo, numa série de 26 capítulos da TVE Brasil -a produção negocia a exibição em outras emissoras.

Ele está diferente dos conhecidos traços do cartunista Ziraldo e do que já foi exibido nos cinemas. Mas sua casa, cujo cenário foi construído num estúdio da zona oeste do Rio de Janeiro, onde acontecem as gravações, é familiar: o quarto vive bagunçado; os brinquedos, espalhados; as fotos enfeitam as paredes e as estantes.

Os móveis da sala, do escritório, da cozinha, do quarto e do banheiro são envelhecidos, e os eletrodomésticos e livros, usados. Tudo, segundo o diretor da atração, César Rodrigues, ajuda a imprimir realidade ao programa. ‘É um personagem muito conhecido, porém muito jovem e brasileiro. O grande mérito da série é estar centrado no livro. É uma história de vida’, diz ele, que também será o diretor do terceiro filme do personagem para o cinema, que deve ser feito em 2006.

Escovar os dentes, fazer xixi, o primeiro dia de aula, a hiperatividade infantil, a primeira namorada, as diferenças entre os amigos, o incentivo à leitura e as brincadeiras saudáveis em família são hábitos da vida ‘maluquinha’.

As histórias do dia-a-dia da típica família de classe média foram costuradas no roteiro criado por Cao Hamburguer e Anna Muylaert, a mesma dupla de ‘Castelo Rá-Tim-Bum’ (1995), o premiado e elogiado programa infantil exibido na TV Cultura até hoje.

A equipe de produção do ‘Menino Maluquinho’ é praticamente a mesma, ao menos nas bases, tendo à frente do projeto Beth Carmona e Rosa Crescente, presidente e diretora de programação da TVE, respectivamente.

Maluquinho, que na história original tem 10 anos, será mostrado em três fases: uma antes, de referência, aos 5 anos (Felipe Severo); na idade do personagem (Pedro Saback); e, depois, aos 30 anos (ator indefinido). ‘O último [que aparecerá em depoimentos no meio das tramas] serve como aglutinador de todas as histórias, como uma reflexão do que ele fez na infância e do que é atualmente’, afirma o diretor.

A série é uma oportunidade de resgatar o papel da emissora, que é educar, segundo Carmona, que tem promovido nos últimos dois anos uma bem-sucedida reestruturação no canal. ‘Fazemos um programa comprometido com o que achamos que deva ser uma TV pública no país. É a possibilidade de oferecer algo desenvolvido originalmente. Temos um compromisso histórico com isso’, diz Carmona.

Não é a primeira vez que a TVE aposta em Ziraldo para produzir um infantil. Em 1998, gravou 20 episódios de ‘A Turma do Pererê’, exibido até hoje na TV.

De lá para cá, nada tão significativo quanto ‘O Menino Maluquinho’ -um investimento de R$ 7 milhões com parte dos recursos do MinC e que ainda procura patrocínio da iniciativa privada por meio de incentivos fiscais- foi feito. ‘A gente já trabalhou com outros programas que fizeram sucesso entre as crianças. Mas, desta vez, a gente quis trazer a literatura para a TV como homenagem ao Ziraldo, aos pais e às crianças’, diz Crescente.

Uma placa na porta do quarto avisa: ‘Atenção: Maluquinho’. ‘É um menino que tem uma infância normal. Ele não é um herói; é um menino feliz, por isso é maluquinho’, diz Rodrigues. ‘É um misto de criatividade com liberdade na condução da própria vida, da resolução de problemas, na tristeza ou na alegria. Dar limites é diferente de limitar’, diz Carmona.

‘O Menino Maluquinho’ da TVE tem no elenco Eduardo Galvão (pai), Maria Mariana (mãe) e Ilva Nino (Irene), entre outros.’



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‘Maria Mariana vive mãe de personagem’, copyright Folha de S. Paulo, 02/10/05

‘A atriz Maria Mariana, 32, deixou de lado a carreira para se dedicar aos filhos Clara, 5, Laura, 3, e Gabriel, 1. Ela, que é referência na TV graças a ‘Confissões de Adolescente’, volta agora na pele da mãe do Menino Maluquinho, cinco anos depois de ter se afastado dos estúdios.

Segundo a atriz, ela não conseguiria conciliar o trabalho com a família no ritmo imposto pela TV. Por isso, mudou-se com o marido para o interior do Rio. ‘Me encontrei muito com a maternidade’, afirma. ‘Aos 27 anos, meu relógio biológico berrou. Eu disse que queria ser mãe, casar e mudar.’

A prioridade de sua vida é educar os filhos. Por isso, quando recebeu o convite do diretor César Rodrigues, aceitou, pretendendo retomar a vida em família ao final do trabalho. ‘Se deixar, faço uma mãe carinhosa e me derreto, mas aqui tenho que ser mais briguenta.’

Em casa, ninguém assiste à TV; só pode ver vídeo e DVD. ‘Vejo pouquíssima TV. Não acho bom tanto conteúdo na cabeça deles. Os programas trabalham muito com a fantasia, mas, normalmente, elas já vivem isso, pois são uma explosão de criatividade.’’



TV & INFÂNCIA
Marcelo Bartolomei

‘‘Pai deve orientar filho a escolher’’, copyright Folha de S. Paulo, 02/10/05

‘‘Criança vê toda a programação da televisão, inclusive novela. Isso preocupa’, diz a pesquisadora Raquel Paiva, 45, professora de Comunicação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e uma das organizadoras do livro ‘Remoto Controle’, lançado no ano passado com uma série de análises sobre a programação infantil.

‘As histórias trazem aspectos muito negativos da vida. Mas ainda acho piores os seriados da TV norte-americana que passam aqui’, diz. Ela, que tem uma filha de 14 anos, conta que os pais não conseguem controlar mais o que as crianças devem ou não assistir.

Antes, segundo ela, a preocupação era com a violência nos desenhos animados e o erotismo na televisão. ‘A audiência televisiva entre crianças e adolescentes mudou. Se ontem eles se concentravam num determinado tipo de produção, hoje eles assistem tudo. A gente perdeu a referência sobre o que é bom ou ruim. A pergunta que devemos fazer é que tipo de cognição você consegue com esses produtos.’

Uma das soluções que a pesquisadora propõe é mostrar, cada vez mais, como são produzidos os programas, para que o público infantil aprenda a separar realidade de ficção (ou fantasia). ‘É preciso quebrar o fascínio, o mistério e a edição, promovendo um resgate para o real e o concreto. Acho que seria ideal’, diz.

Também vale promover uma leitura crítica do que se vê na TV. ‘Proibir não vai adiantar. Pais têm a ilusão de que os filhos estão por fora do que acontece. Não acho difícil educar hoje em dia. É preciso, no entanto, estar presente o tempo todo. O jeito, então, é educar a criança e o adolescente para como assistirão à televisão’, afirma.

Para Sirlene Reis, 44, diretora-executiva do instituto Mídiativa, valores fundamentais na formação não são tratados na TV. ‘A programação não avançou muito e continua com sérios problemas, como falta de opção, falta de horário e falta de inovação’, afirma.

A ONG realiza anualmente uma pesquisa com crianças e adolescentes que aponta os programas mais indicados tanto para o público quanto para os anunciantes. No ano passado, o ‘MídiaQ’ elegeu ‘Castelo Rá-Tim-Bum’ (de 4 a 7 anos) e ‘A Grande Família’ (de 12 a 17 anos). Não houve prêmio na categoria 8 a 11 anos porque os programas indicados não atendiam aos critérios exigidos.

Segundo os ‘Dez Mandamentos’ da Mídiativa, os programas devem confirmar valores, incentivar a auto-estima, preparar para a vida, gerar curiosidades, não ser apelativo, ser saudavelmente atraente, despertar o senso crítico, mostrar a realidade, gerar identificação e estimular a brincadeira.

‘É notório que a criança prefere ver um programa para ela em relação ao programa adulto. Ela pode até ter curiosidade. Mas faltam opções e investimentos nesse segmento’, diz Reis.

Mudança na lei

Outra opção, apontada por especialistas, é o novo sistema de classificação indicativa, que está em discussão no Ministério da Justiça.

Anteontem, começou em Brasília uma série de audiências públicas que segue até novembro por todo o país para debater alterações na lei atual, que dá a classificação, o horário sugerido e a maneira de apresentar tal indicação nos programas. Até lá, é possível também participar da consulta pública, respondendo ao questionário disponível no site www.mj.gov.br/classificacao/consultatv.’



THE L. WORLD
Bia Abramo

‘‘L Word’ é guiada pelo olhar masculino’, copyright Folha de S. Paulo, 02/10/05

‘OK, visibilidade é fundamental e, nesse sentido, não há reparos a fazer em relação a ‘The L Word’. A série, exibida no horário das 23h aos domingos no canal por assinatura Warner, flagra a subcultura lésbica norte-americana com alguma fidelidade, graça e, talvez mais importante, respeito. As questões da vida amorosa, os dramas da discriminação e do preconceito, as piadas, a linguagem, os personagens típicos: está tudo lá.

A jovem escritora Jenny muda-se para Los Angeles com o namorado e fica amiga de suas vizinhas, um casal estável e bem-sucedido de lésbicas em torno dos 30 anos que quer ter filhos. A partir da convivência com as vizinhas e seu círculo de amigas, Jenny questiona suas próprias escolhas amorosas e sexuais e descobre o mundo do homossexualismo feminino.

Aliás, a enorme competência da TV norte-americana para capturar e estilizar o modo de vida de um grupo social fica patente em ‘The L Word’. Embora os rostos, corpos, cenários, roupas, situações sejam evidentemente mais vistosos e arrumados que na chamada ‘vida real’, a capacidade de representar o universo das mulheres lésbicas urbanas, jovens e de classe média alta de forma verossímil é realmente surpreendente.

Esse é um primeiro problema da série, pois o que essa capacidade tem de competente, também tem de normatizadora, isto é, enquanto representa, acaba por construir um conjunto de regras a respeito de um estilo de vida. É assim em qualquer seriado que se pretenda ‘realista’ e que se leve a sério, mas, no caso de ‘The L Word’, por conter matéria mais transgressora, a normatização soa mais acachapante.

O segundo problema é que a visibilidade tem um preço que ‘The L Word’ paga sem pestanejar: aparentemente em nome do ‘realismo’, o seriado é povoado por cenas pornô-soft entre mulheres muito bonitas, o que, no fundo, constitui um apelo erótico poderoso para os homens. Em outras palavras, apesar de parecer o contrário, ‘The L Word’ se guia pelo olhar masculino.

Mesmo que se possa pensar que há algo de ousado em mostrar cenas de intimidade entre mulheres, não se deve ter a ilusão de que a tolerância signifique exclusivamente um real avanço de espaço nos meios de comunicação para as questões da sexualidade ou um ambiente de fato mais democrático em relação às minorias. Sim, a possibilidade de admitir e incorporar a existência do homossexualismo é produto das lutas contra a discriminação, mas seria ingenuidade imaginar que é só por isso que hoje um seriado como ‘The L Word’ esteja na TV.

Na verdade, é quase que o contrário: apesar dos inegáveis avanços em direção aos direitos e à não-discriminação, uma obra de ficção como ‘The L Word’ ainda tem que acenar para o conservadorismo para poder ser vista.’



JK NA GLOBO
Beatriz Coelho Silva

‘Começam as gravações da saga de Juscelino’, copyright O Estado de S. Paulo, 03/10/05

‘A partir de hoje, Tiradentes, na zona da mata mineira, vira Diamantina, que fica no Vale do Jequitinhonha, também em Minas, onde o presidente Juscelino Kubitschek nasceu e viveu até a juventude. Ambas são cidades históricas e servirão de cenário para a minissérie JK, que a Rede Globo estréia no início do ano que vem, contando a saga do presidente bossa nova e, por tabela, a história do País no século 20. Mais de uma centena de atores e técnicos chegou lá no sábado e fica pelo menos um mês gravando o texto de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, sob a batuta de Dênis Carvalho, o diretor que contou a história dos anos de chumbo na minissérie Anos Rebeldes.

Wagner Moura e José Wilker serão protagonistas e outros personagens também serão divididos entre os dois atores. Dona Sarah, mulher do presidente, será vivida por Débora Falabella e Marília Pêra. Na pele da mãe dele, dona Júlia, estarão Júlia Lemmertz e Eva Wilma. Minas da primeira metade do século 20, o Rio dos anos dourados e Brasília em construção serão reproduzidos em estúdio ou em computador, mas a minissérie não contará só fatos históricos. ‘São fundamentais, mas não são matéria-prima de teledramaturgia. Entram como pano de fundo, porque em primeiro plano estarão JK, amigos, família e seus conflitos afetivos e emocionais, porque disso se alimenta o que faço’, disse Nogueira. ‘Nenhuma vida dá um folhetim, nem a de JK, que começa com uma infância paupérrima e termina como o presidente mais amado da história do Brasil.’

A unanimidade não exclui debates. Os próprios profissionais envolvidos discordam de questões sobre Juscelino, mas provocar a discussão é um dos objetivos. ‘Não será uma produção chapa branca, para santificar o presidente. Será ótimo se despertar o debate’, comentou Alcides Nogueira. Dênis Carvalho prefere evitar a palavra polêmica, mas sabe que será impossível fugir. Considera JK um presente por seus 30 anos de televisão. ‘Orgulho-me de quase tudo que fiz, mas quando tenho algo a dizer a 40 milhões de pessoas o prazer é maior. É o caso dessa minissérie.’

Apesar de não se preocuparem com o rigor histórico, Maria Adelaide e Nogueira mergulharam fundo na história de JK, com os historiadores Ronaldo Costa Couto (que já foi ministro de Estado) e Marieta de Moraes Ferreira, da Fundação Getúlio Vargas. Apaixonaram-se pelo personagem e decoraram casos pitorescos que alimentarão os 44 capítulos da minissérie. ‘Além dos que entraram para o folclore político, há outros interessantíssimos que serão dramatizados’, antecipa Maria Adelaide. Os personagens fictícios, segundo ela conta, têm surgido com enorme força. ‘Como em Seis Personagens em Busca de Um Autor, vêm prontos, se impõem, mas isso é normal quando se escreve uma história.’

Para mostrar a cultura do período JK, muito impulsionada por ele, haverá um núcleo de artistas ou aspirantes à carreira no Rio. ‘Eles contarão o que foi a explosão artística da era JK’, diz Maria Adelaide. Já o cotidiano do poder ficará a cargo de uma testemunha ocular. ‘O poeta Geraldo Carneiro, filho do secretário particular do presidente que tinha o mesmo nome, escreverá essas cenas porque ele as conhece muito melhor que a gente.’

A popularidade de Juscelino é uma faca de dois gumes para os dois atores que o viverão. Wagner Moura, que até a semana passada era o romântico Gustavo na novela A Lua me Disse, avisa que é uma novidade em sua carreira ser alguém que existiu. Wilker, que já foi Antônio Conselheiro, Tiradentes, o político Tenório Cavalcanti e até o cangaceiro Lampião, acredita que JK é mais difícil. ‘Todo mundo, mesmo quem nem tinha nascido em 1976, quando ele morreu, conhece suas histórias e sente uma certa intimidade’, teorizou.

Mas Wilker só entra na história no 17.º capítulo. Até lá, conta-se como um menino pobre, filho de um tropeiro boêmio, se tornou médico requisitado e político influente, que seduzia os rivais e inflamava os seguidores. A equipe da Globo fica em Tiradentes pelo menos um mês para contar essa história, mas pretende também ir a Diamantina, que os mineiros consideram a mais charmosa das cidades históricas. Só em meados de novembro, a equipe chega ao Rio, para recriar aqui, em estúdio ou nas ruas, a antiga e a nova capital, cenários de um tempo que se recusa a sair da memória nacional.’