Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Marthe

‘‘Quem você conhece?’ Com esse slogan, um serviço disponível na internet acaba de se tornar o mais novo fenômeno da cultura inútil. Trata-se do Orkut, uma comunidade virtual que surgiu nos Estados Unidos há apenas cinco meses, já conta com mais de 2 milhões de usuários ao redor do planeta e não pára de crescer. Programas que permitem estabelecer redes de amizades ou de pessoas com interesses comuns não são propriamente uma novidade. Ainda na infância da internet, fizeram sucesso nessa área as salas de bate-papo e azaração. Logo, também ganharam popularidade sites que oferecem discussões sobre temas específicos. Mas a nova geração desses serviços de comunicação interpessoal vai além: possibilita ao usuário criar uma página personalizada na qual exibe fotografias e dados pessoais. Mais que apenas uma ficha de identidade do participante, seus correspondentes em potencial encontrariam aí uma janela para a intimidade do sujeito. O Orkut pertence a essa categoria.

O site não é o único do gênero – concorre, por exemplo, com similares como o Friendster, o Tickle e o Meetup. Tornou-se bem mais popular que os demais, entretanto, graças a um diferencial: ele acena com o ideal de uma comunidade elitizada, acessível apenas às pessoas, digamos, bem relacionadas. Isso porque é preciso, obrigatoriamente, ser convidado por algum usuário para participar do Orkut. A idéia de seu fundador, Orkut Buyukkokten – um cidadão turco de 29 anos que trabalha como analista de sistemas do Google, o site de busca americano que se transformou numa potência do mundo da informática -, era criar uma comunidade somente para ‘amigos de confiança’, que fosse livre de presenças indesejáveis e crescesse de forma ‘orgânica e natural’, nas palavras dele. Para muitos internautas, o Orkut se assemelha mais a um clube privé. Hoje, já se contam dezenas de sites em que ‘excluídos’ clamam por acesso à comunidade. Pode-se até mesmo encontrar ‘convites’ para admissão no Orkut à venda na rede. Nesse mercado paralelo, uma indicação sai por preços que variam de uns poucos centavos até 11 dólares.

O que explica o sucesso do Orkut é que ele funciona como uma espécie de gincana virtual na qual os usuários testam sua popularidade. Seja alguém em busca de encontros amorosos, seja o integrante de um grupo de discussão sobre literatura, o associado está sob constante avaliação de seus pares. Quanto maior o número de contatos que possui, maior sua popularidade. Ele também recebe notas dos outros participantes em quesitos como beleza, simpatia e confiabilidade. Um exemplo pode ser extraído do perfil do próprio fundador: Orkut ostenta mais de 400 amigos e mais de 100 fãs – quer dizer, pessoas que se assumem como admiradoras do rapaz. Fora esse apelo para o ego, o Orkut não oferece grandes atrativos. Atualmente, existem vários serviços nesse mesmo formato voltados à área dos negócios. Exemplos disso são as comunidades que se destinam à busca e oferta de empregos, como o LinkedIn, o Ecademy e o ZeroDegrees. No caso do Orkut, o máximo de utilidade é a possibilidade de integrar os famigerados grupos de discussão. O mais popular deles, com quase 10.000 participantes, é devotado a um tema que dá sono: a luta dos antiimperialistas aguerridos pela adoção do sistema operacional de computadores Linux, de uso gratuito, em vez dos produtos da americana Microsoft.

O Brasil conquistou um lugar de destaque no Orkut. Com 23% dos participantes, o país é o segundo com maior representação na comunidade. Em primeiro lugar estão os Estados Unidos, com 36% dos associados, e em terceiro aparece o Japão, que tem pouco mais de 4% deles. A presença de tantos cidadãos nacionais num ambiente tão exclusivo gera reações: hoje, há vários grupos dentro do Orkut – formados por americanos, em especial – com palavras de ordem na linha ‘fora, brasileiros!’.

À medida que se torna mais popular, o Orkut também vem acumulando uma legião de desafetos. Há, em primeiro lugar, participantes insatisfeitos porque o site vem perdendo sua aura de clube ao alcance de poucos. Incomoda-lhes, sobretudo, o fato de que o Orkut, como já ocorre em boa parte das comunidades virtuais, começa a ser invadido pelos chamados spams – as mensagens indesejáveis. Há, por outro lado, aqueles que torcem o nariz justamente por causa de seu propalado elitismo. ‘Fui convidada para o Orkut, mas me recusei a participar. É uma panelinha virtual’, denuncia a escritora carioca Simone Campos, em sua página na rede. A última história que vem se difundindo a respeito do Orkut tem um quê de paranóia. Embora oficialmente o serviço seja independente do Google, seu criador faz parte do time de programadores da empresa de Larry Page e Sergey Brin. Por isso, espalhou-se na rede o boato de que as informações que os usuários disponibilizam em seus perfis seriam reutilizadas pelo Google com fins comerciais. Teoria conspiratória das boas.

O QUE É

Trata-se de uma rede de relacionamentos virtual. Cada usuário tem uma página em que exibe seu perfil, com fotos. Dá para conversar com os amigos, entrar em grupos de discussão e paquerar. Graças a um sistema de avaliação de itens como beleza, simpatia e quantidade de conhecidos, a popularidade do associado é colocada à prova

COMO PARTICIPAR

O Orkut é um clube fechado: só entra quem é convidado por outro usuário. Uma vez admitido, o novo associado tem de compartilhar seus dados pessoais e preferências com os demais. Violência, racismo e pornografia são vetados no site

O Orkut em números

• O site tem mais de 2 milhões de usuários

• 47% deles são jovens de 18 a 25 anos

• Com 23% dos associados, o Brasil é o segundo país que mais usa o serviço. O primeiro são os Estados Unidos, com 36%’



Juliana Vilas e Mariana Barros

‘Sociedade Paralela’, copyright IstoÉ, 14/06/04

‘A internet aportou no Brasil para valer em 1996. Hoje, o país do futebol é um dos campeões no ranking da exclusão social – e digital. Quem poderia imaginar, então, que os brasileiros passam mais tempo plugados na rede do que os conterrâneos de Bill Gates? É incrível, mas é o que aponta uma pesquisa do Ibope/NetRatings. No último mês de abril, usuários que acessam a rede em casa bateram recorde em tempo médio de navegação, com 20 minutos a mais que o tempo aferido nas residências americanas. E o que esse povo tão sociável gosta mesmo é de toda e qualquer forma de se comunicar pela rede. Por isso, os brasileiros invadiram as comunidades virtuais – ou sites de relacionamento. A nova febre do momento é o Orkut, um grupo fechado no qual só entram convidados.

Nessa comunidade, os brasileiros são 23,36% dos inscritos, perdendo somente para os americanos, que dominam 35,25% do site. Em terceiro lugar, vêm os tecnológicos japoneses, com 4,27% das inscrições. Mas por que cargas d’água um país tropical que oferece tantas possibilidades de distrações ao ar livre tem tanta gente interessada em se relacionar virtualmente? Alguns especialistas acreditam que os brasileiros ficam atraídos pelo caráter lúdico das comunidades virtuais. E, ao contrário do que acontece em outros países, aqui poucos se importam de expor sua vida na rede. A professora Lúcia Leão, pesquisadora da PUC-SP, confirma que a personalidade típica do brasileiro pode ser o motivo do sucesso do Orkut por aqui. ‘É uma brincadeira bem-intencionada. Somos extrovertidos, tolerantes e curiosos. Lógico que iremos participar’, afirma ela. É importante observar que os internautas do Brasil gostam de encontrar pessoalmente os que conhecem na rede, seja para namoro ou amizade. Isso sem falar dos que se relacionam virtualmente com quem já conhecem na vida real.

Em 2000, houve um boom de comunidades virtuais e um dos primeiros sites que surgiram com esse propósito foi o weel (well.com). No Brasil, o que tem maior número de usuários é o usina (usina.com), criado pelo jornalista René de Paula Jr. De acordo com Fábio Fernandes, pesquisador da PUC/SP e autor de tese sobre cibercultura, muitas comunidades que surgiram há quatro anos desapareceram porque o propósito era usar o potencial do site até esgotar e vender o máximo de produtos e serviços. ‘O que vemos agora é a segunda geração de comunidades, que não tem essa intenção’, completa ele.

Sacada – O Orkut faz parte dessa nova geração. A rede leva o nome de seu criador, o turco-alemão Orkut Buyukkokten, um funcionário do Google – o mais famoso site de busca na rede. Sua criação foi uma genial sacada de marketing. O Google tem milhões de acessos diários, mas a empresa não sabe quem são os usuários. É por isso que o Orkut foi criado. Para entrar no grupo, o internauta tem que ser convidado por um amigo. Depois, preenche um cadastro com informações pessoais e profissionais. Com essas valiosas fichas, basta ligar as duas bases (Google e Orkut) e descobrir quem são e o que querem os membros do Orkut que acessam o Google. Aí fica fácil personalizar os anúncios, tornando-os mais eficientes. Já cadastrado, o usuário entra na página do amigo que o convidou e passa a procurar velhos conhecidos na lista dele. O segundo passo é convidar quem ele encontrou para também integrar sua lista. E a graça é essa mesmo: procurar amigos nas listas dos amigos e dos amigos dos amigos, formando uma rede interminável. É uma derivativa daquele conceito de six degrees, pelo qual todos estão separados por seis pessoas, ou, ‘todo mundo conhece alguém que conhece alguém que conhece a Madonna’. Além de se relacionar, os usuários também podem abrir fóruns de discussão temáticos.

O charme do Orkut é o fato de ser uma espécie de máfia virtual, já que a inscrição não é aberta a todos. ‘O Orkut é só um fórum mais sofisticado, mas o caráter de comunidade secreta atrai’, explica a psicóloga Ivelise Fortin, do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da PUC/SP. No Brasil e nos Estados Unidos, já houve quem tentasse vender convites para a rede em sites de leilão. O disputado ingresso chegou a custar US$ 10. Ivelise pondera ainda que é curioso o sucesso do Orkut porque, ao contrário dos chats e comunidades tradicionais, o usuário fica totalmente exposto no site. Na ficha pessoal há, inclusive, um álbum de fotos, além de dados que vão desde telefones até livros preferidos e orientação sexual.

Há quem diga que, no Brasil, o que mais atrai os usuários para o Orkut é o voyeurismo. Outro especialista no assunto, o professor Sérgio Bicudo, também da PUC-SP, compara a ferramenta ao Big Brother. ‘Não é só uma comunidade, é uma comunidade de comunidades. Há muito voyeurismo, as pessoas querem saber quem é amigo de quem, quase um Big Brother’, afirma. O músico paulista Dudu Tisuda, 25 anos, está cadastrado no grupo há um mês e já tem mais de 150 amigos na sua lista. ‘Não deixa de ser uma atividade egocêntrica e carregada de certo voyeurismo. A maioria se expõe, fala de suas predileções, publica várias fotos. O lance é ver e ser visto’, diz ele. Os ‘orkutianos’ podem escrever recados e elogios nas páginas de seus amigos e esses textos ficam expostos no perfil do usuário, para todo mundo ver. Em alguns, eles escrevem o que acham da pessoa – são os testemunhais. É o que Dudu mais gosta de fazer. ‘Adoro escrever e ler os recados dos meus amigos’, conta. Enquanto trabalha no computador ou ouve músicas, Dudu mantém o site do Orkut aberto e está sempre conferindo se tem algum amigo, recado ou e-mail novo. Por meio do grupo, ele também divulga seu trabalho e convida os amigos e amigos dos amigos para seus shows.

O site fotolog.net, que hospeda diários fotográficos de internautas do mundo todo, já não aceita mais cadastro grátis de brasileiros, que ocuparam mais da metade das páginas. Dos 360 mil diários, 183.348 são do Brasil. E a graça é entrar na página dos amigos, conhecidos e recém-conhecidos e fazer comentários sobre as fotos deles, o que acaba gerando uma rede de quem tem fotolog, parecida com a de comunidades tradicionais. A empresária Helena Pimenta, 26 anos, criou seu diário há um ano e passou a publicar fotos suas e de seus amigos. Com a sócia Lívia Torres, Helena é proprietária da grife de roupas Monstros. Elas resolveram, então, criar um fotolog da marca, com fotos das peças que desenham. ‘É como um site, só que de graça. Começamos a receber pedidos e encomendas pelo fotolog. Hoje, já vendemos para vários Estados do Brasil’, conta. A mais nova sacada de Helena e Lívia, que, claro, também são membros do Orkut, é usar a comunidade para divulgar a grife e angariar clientes também na máfia virtual do Google. Sinal dos tempos.’



INTERNET / FOTOLOGS
José Paulo Lanyi

‘Biguebrodagem internética’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 11/06/04

‘Ele é frio, agressivo e sangra a carne com a destreza de sua lâmina. Será um assassino? Ou, quem sabe, um cirurgião? Açougueiro? Gaúcho fazedor de churrasco? Não, gaúcho que se preza é passional. Ou não.

A conjugação do instinto com a habilidade, do propósito com a formação, da ferramenta com a oportunidade. O que acontecerá depois?

Nesses papos de boteco, é comum alguém dizer que ‘no mundo, tudo o que esta aí é para ser usado’. Concordo, mas se é saudável ou não é outra história.

Vamos a um exemplo que todos nós ‘internéticos’ conhecemos bem: o fotolog (ou flog), uma espécie de blog em que as ilustrações preponderam sobre os textos. Dei uma olhada em alguns deles e gostei muito: imagens de praias noturnas, paisagens naturais, uma exuberância que inspira, dá vontade de viajar; outros, muito comuns, mostravam aquelas festas adolescentes, o amigo, a colega da escola, a turma, tudo muito inocente e bacaninha.

Outro dia, no entanto, eu fiquei preocupado. Estava vagabundeando num joguinho de sinuca ‘multiplayer’ (jogadores online), quando o meu adversário, sob a capa do pseudônimo, me disse que tinha transado com uma loirinha nos Estados Unidos. Não bastasse o linguajar chulo, machista e vulgar (ele não disse propriamente ‘transei’), deu detalhes criativos de alcova e insistiu que eu a visse, no blog da menina. Dei-lhe uma espinafrada, mas o débil mental persistiu na história. Cheguei a pensar que o endereço que ele escreveu devia ser de algum site-pegadinha, cheio de vírus, atrizes pornô, algo que o valha. Fui lá para ver e descobri que o blog era de uma adolescente comum, podia ser a minha irmã mais nova.

Simplesmente covarde. Se transaram ou não, problema deles, estamos no século 21. Mas pode até ser mentira, uma invenção de um calhordinha mal resolvido e sujão. Um cara que pode falar o que lhe vem à testa sobre alguém que está em uma foto qualquer. Minto, qualquer, não: está exposta no mundo inteiro. E a vítima nem sequer sabe que está sendo difamada!

Escrevo este artigo para gritar: das matérias que eu vi sobre blogs, fotologs e afins, não deparei com nenhuma que alertasse para aberrações como esta, que devem ser triviais, dada a alta concentração de espíritos de porco por byte. Certamente alguém já discorreu sobre isso, assim espero, mas perdi e é preciso mais.

Um flog que eu vi continha várias imagens de um menininho de cinco anos. Honestamente, não sei se eu exporia um filho dessa forma, tenho dúvidas, pode até ser que eu seja neurótico com a segurança da minha família. Não bastasse essa superexposição ‘biguebrodiana’, estava lá o nome completo da criança. Sei lá, talvez eu deva relaxar, todo mundo liberou geral e cada um deve saber o que faz.

Mas teimo no chamado à nossa responsabilidade. Precisamos discutir mais sobre esse faroeste eletrônico. Como tudo o mais, hoje a Internet – e os seus subprodutos – simplesmente existe, como a maçã, o ferrolho e o átomo de carbono. Que seja bem usada, para a alegria e a sanidade de todas as gerações.’