Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marco Piva

‘A notícia da morte do ex-presidente Ronald Reagan mexeu com a minha memória. Mais exatamente falo de setembro de 1985. Nessa época morava na Nicarágua, epicentro da guerra fria na América Central. E o que tinha acontecido lá de tão importante? Em julho de 1979, os nicaragüenses, liderados pela Frente Sandinista de Libertação Nacional, fizeram uma rebelião popular e botaram para correr o ditador Anastácio Somoza Debayle, que morreria um ano depois no Paraguai, atingido por um tiro de bazuca numa ação de cinema protagonizada por um grupo de revolucionários argentinos.

Lembrei que naquele longínquo setembro recebi para jantar em casa um casal de amigos, Maurice e Chantal, dois jovens suíços que tinham abandonado o conforto de seu país para colaborar na reconstrução de um outro país, pobre e destruído pela guerra, do outro lado do oceano. Sonhadores e despojados, escolheram trabalhar na região de Estelí, justamente uma das mais engajadas no processo revolucionário e, por isso mesmo, uma das mais atingidas pelas ações dos ‘contras’, ex-soldados de Somoza que insistiam em recuperar o poder.

Naquela noite agradável em Manágua, ficamos horas na varanda conversando sobre aquela experiência que enchia nossos corações de esperança. O olhar cúmplice da lua alimentava nossa utopia. Nos despedimos com um abraço apertado e uma sensação de que nossa amizade ultrapassava as fronteiras da cultura, embora o desejo deles em conhecer o Brasil era muito maior do que o meu em visitar a Suíça. Da cabine de sua caminhonete Toyota vermelha, suja de barro e poeira, Maurice esticou o braço para fora, fez o sinal da vitória e deu seu grito de guerra: ‘Viva la revolución!’.

Um dia depois, Maurice estava morto. Seu carro passara sobre uma mina colocada na estrada pelos ‘contras’. Com ele, morreram mais dez pessoas, das quais quatro eram crianças. O grupo havia pedido carona a Maurice e encontrou a morte. A generosidade do meu amigo suíço escreveria o capítulo final daquelas vidas cuja ambição maior era a paz. Inconsolável, Chantal levou Maurice para ser enterrado na Suíça, de onde nunca mais voltou e de quem nunca mais tive notícia.

Agora Reagan é enterrado com honras de chefe de Estado. Provavelmente seu túmulo será visitado pelos fãs e sua trajetória constará da historiografia oficial. Vão falar que ele, ao lado de Mikhail Gorbatchov, iniciou o fim da guerra fria, restaurou a auto-estima do povo norte-americano depois da administração Jimmy Carter e relançou a economia mundial ainda que provocando o maior déficit orçamentário que um país já teve na história. Não vão esquecer também que ele foi um ator de filmes de faroeste que virou presidente. Ou foi o contrário?

Mas, os historiadores menos apaixonados podem mencionar o papel que o ex-presidente Reagan jogou para impedir a soberania de um pequeno país centro-americano. Isto incluiu atos terroristas e o financiamento de armas para os ‘contras’ nicaragüenses, que resultou no escândalo ‘Irã-contras’, revelado pela mídia internacional e admitido, anos depois, pelo chefe dessas operações, o coronel Oliver North.

O fato é que, nesse momento, em alguma montanha encantada da Suíça repousa o corpo de Maurice que, como eu, se estivesse vivo, certamente estaria numa varanda contando suas histórias. Nas montanhas encantadas da Nicarágua, no cemitério de um povoado na região de Estelí, estão enterrados os corpos de dez nicaragüenses, entre os quais quatro crianças, é recomendável que se repita. Assim como milhares de compatriotas civis, eles perderam suas vidas num combate desigual. Por quem mesmo devemos derramar nossas lágrimas? (*) Jornalista, ex-correspondente da Rádio Eldorado na América Central e autor de ‘Nicarágua – um povo e sua história’ (Paulinas).’



Paulo Sotero

‘A canonização cívica de Reagan’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/06/04

‘Numa solene cerimônia fúnebre cujos detalhes ele mesmo começou a coreografar com sua mulher, Nancy, depois de ter sobrevivido a um atentado em março de 1981, o ex-presidente Ronald Reagan recebeu ontem a homenagem do povo americano e de antigos aliados e inimigos políticos.

Todos estavam unidos pelo respeito a um líder que devolveu o sentido de otimismo e rumo aos Estados Unidos, depois dos traumas do Vietnã e de Watergate, e mudou o curso da História, desencadeando as forças que levaram à queda do muro de Berlim, ao colapso do comunismo na Europa e a dissolução da União Soviética.

Com a cidade paralisada pelo feriado federal decretado especialmente em honra a Reagan, uma súbita mudança do tempo, para mais frio e chuvoso, deu o tom do cenário para o o primeiro funeral de Estado na capital em mais de três décadas.

Reagan, o ex-ator que se tornou o 40.º presidente americano, teve uma espécie de canonização cívica, em ritual de pompa comparável, em anos recentes, apenas às exéquias da princesa Diana, da Grã-Bretanha.

Entre os mais de 4 mil convidados estavam todos os ex-presidentes americanos vivos – Gerald Ford, Jimmy Carter, George H. Bush e Bill Clinton -, os dois mais importantes dignitários estrangeiros da era Reagan – a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e o último presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev -, duas dúzias de líderes estrangeiros e todos os grandes inimigos políticos dos embates atuais da política americana. Destacavam-se entre estes o presidente George W. Bush e o senador John Kerry, que tentará desalojá-lo da Casa Branca, num embate que já é o mais sórdido da história do país, antes mesmo de que esquentado.

Depois de ouvir os hinos patrióticos selecionados para a ocasião e vários testemunhos sobre a afabilidade de Reagan, seu senso de humor e sua incapacidade de guardar ressentimentos, vários dos presentes disseram que a cerimônia devolveu a Washington e aos EUA, ainda que momentaneamente, uma sensação de civilidade política que desapareceu nos últimos anos. Foi deixado para o julgamento da História o lado áspero de seus oito anos no governo – a desmontagem de várias programas sociais do New Deal de Franklyn Roosevelt e da Guerra à Pobreza de Lyndon Johnson, e uma reorientação maciça do gasto público, que até hoje condiciona as decisões orçamentárias no país.

Caberá à História confirmar se Reagan pertence à galeria dos ‘grandes presidentes’, como querem os atuais porta-vozes da revolução conservadora que ele iniciou, ou uma figura cuja estatura diminuirá com a passagem do tempo.

Reagan, que morreu no sábado, aos 93 anos, uma década depois de ter-se despedido dos americanos com uma carta em que anunciou sofrer do mal de Alzheimer, foi enterrado no fim da tarde nos jardins do museu-biblioteca presidencial que leva seu nome, em Simi Valley, Califórnia.

Bush, um conservador diferente de Reagan, no sentido de que divide os americanos, aliena os amigos e não converte adversários, fez bom uso do momento que o funeral ofereceu-lhe para exercer o lado cerimonial do poder.

Seu elogio fúnebre foi um dos melhores discursos que ele já fez.

Mas é duvidoso que este discurso o ajudará a recuperar o apoio e a credibilidade perdidos com sua decisão de invadir o Iraque, hoje condenada pela maioria dos americanos.’



ITÁLIA
O Estado de S. Paulo

‘A irritante ‘ofensiva do celular’ de Berlusconi’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/06/04

‘O governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi enfureceu os italianos ao bombardear seus telefones celulares com milhões de mensagens de texto lembrando-os de votar nas eleições européias e locais deste fim de semana. O governo afirmou que se trata de um simples esforço para garantir um alto comparecimento às urnas, mas a oposição denunciou a iniciativa como uma invasão de privacidade e forma de campanha subliminar.

A mensagem, que até a manhã de hoje terá sido recebida por todos os 30 milhões de celulares da Itália, diz: ‘Eleições 2004. Votação sábado, 12, das 15 às 22 horas e domingo, 13, das 7 às 22 horas. Traga identificação. O escritório do primeiro-ministro.’ Não está claro de onde saíram os recursos para custear a ‘ofensiva do celular’, estimada em 3 milhões. ‘O objetivo é informar e ajudar os italianos’, alegou Berlusconi.

‘Ele está tentando qualquer subterfúgio para conseguir votos’, afirmou, por sua vez, o deputado oposicionista Francesco Martone. ‘É alarmante que a privacidade seja violada de modo tão sensacionalista.’ Outro deputado de oposição, Roberto Giachetti, foi irônico: ‘Pobre Berlusconi. Evidentemente, ser dono de três estações de TV e ter o controle político sobre a RAI (a emissora estatal) não é suficiente.’

Os eleitores da Itália e demais 24 países da recém-ampliada União Européia terão eleito, até domingo, os 732 membros do Parlamento Europeu. Um dia depois dos britânicos e holandeses, ontem foi a vez de os checos e irlandeses começarem a votar – o que se estenderá até hoje. O estadista e dramaturgo checo Vaclav Havel, que liderou a ‘revolução de veludo’ que pôs fim ao regime comunista em 1989 e conduziu o país até as portas da UE, foi um dos primeiros a votar. ‘É a primeira eleição em que compartilhamos uma decisão sobre o futuro do continente’, afirmou. Entre os candidatos do país a eurodeputado estão o ex-cosmonauta Vladimir Remek e a estrela pornô Nora Dolly Buster Baumberger.

Por norma da UE, os resultados só podem ser divulgados domingo à noite.

Apesar disso, na Holanda foram divulgados resultados extra-oficiais, que mostram um avanço da oposição esquerdista. (AP, AFP, EFE e Reuters)’



ALEMANHA
O Estado de S. Paulo

‘Senado alemão aprova lei antipaparazzi’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/06/04

‘O Senado alemão aprovou ontem [quinta, 10/6] definitivamente uma lei ‘antipaparazzi’. Depois de vários anos de discussão, a lei proíbe definitivamente fotografar às escondidas pessoas, famosas ou não, em situações de intimidade. Os paparazzi que infringirem a lei poderão ser condenados a até 1 ano de prisão. A medida, que já havia sido aprovada na Câmara, foi ontem novamente aprovada por unanimidade no Senado. (DPA)’